NANOTECNOLOGIA x NANOTOXICIDADE – NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA SALVAGUARDAR A SAÚDE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA E O MEIO AMBIENTE 

NANOTECHNOLOGY x NANOTOXICITY – NEED FOR REGULATION TO  SAFEGUARD THE HEALTH OF THE BRAZILIAN POPULATION AND THE  ENVIRONMENT 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7855604


José Alexandre Amorim da Silva1
Izaías Bezerra Neto2


RESUMO: 

O presente artigo pretende analisar a necessidade da implantação de regulamentação no Brasil a fim de salvaguardar o meio ambiente e a saúde da  população brasileira em face da toxicidade decorrente do desenvolvimento da nanotecnologia, propondo ao final alternativas para a mitigação dos problemas  advindos da nanotoxicidade. A metodologia utilizada será a exploratória-qualitativa,  buscando, através de pesquisas bibliográficas que amparam a problemática trazida  para a presente pesquisa, possíveis soluções. 

PALAVRAS CHAVE: Nanotecnologia; Nanotoxicidade; Marco regulatório 

ABSTRACT:  

This article intends to analyze the need to implement regulations in Brazil in order to  safeguard the environment and the health of the Brazilian population in the face of  the toxicity resulting from the development of nanotechnology, finally proposing  alternatives to mitigate the problems arising from nanotoxicity. The methodology  used will be exploratory-qualitative, seeking, through bibliographic research that  support the problem brought to this research, possible solutions. 

KEYWORDS: Nanotechnology; Nanotoxicity; regulation mark 

  1. INTRODUÇÃO 

Vários estudos e trabalhos científicos descrevem os benefícios da nanotecnologia em diferentes setores, dentre eles as áreas de tecnologia, medicina e militar. Ocorre que grande parte desses estudos ainda não avançou o suficiente no  que diz respeito à toxicidade decorrente do uso, manipulação e aplicação de  nanopartículas e, por via de consequência, os riscos ao meio ambiente e a  população brasileira. Como se não bastasse, no caso específico do Brasil, sequer há  que se falar em marco regulatório.  

Grande parte da literatura científica e acadêmica sobre nanopartículas está concentrada em estudos pautados na indústria farmacêutica, biotecnológica e  biomédica. Contudo, a nanotecnologia, considerada uma tecnologia que faz parte da  quarta revolução industrial, apresenta inúmeros desafios atuais a serem enfrentados no Brasil e no mundo, como estudos toxicológicos e implementação de legislação  eficaz que, além de focar o desenvolvimento técnico-científico, deve atentar para a  salvaguarda da saúde humana e preservação do meio ambiente. 

No Brasil, a Resolução da Diretoria Colegiada nº 51 de 26 de novembro de  2010 disciplina critérios de migração para materiais, embalagens e equipamentos plásticos destinados ao contato com alimentos, bem como os simulantes de  alimentos para caracterização do tipo de embalagem destinada a cada produto,  considerando-se suas características físico-químicas e de processamento. Contudo,  a referida resolução se mostra insuficiente no que diz respeito à segurança da  população e do meio ambiente sob o viés da nanotecnologia aplicada ao  desenvolvimento de embalagens. 

Por outro lado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações- MCTI, criou a  Portaria nº245 em 05 de abril de 2012 (com alterações trazidas pela Portaria MCTIC  nº 2.376, de 16.05.2019) que instituiu o Sistema Nacional de Laboratórios em  Nanotecnologias – SisNano, como um dos elementos do Programa Nacional de  Nanotecnologia, no âmbito da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e  Inovação. Esses laboratórios têm como objetivos principais a estruturação da  governabilidade para as nanotecnologias, a promoção de uma maior disponibilidade  do conhecimento, bem como desenvolver cada vez mais pesquisas neste setor, de  forma a promover o avanço científico e tecnológico do país. Contudo, não disciplina  de maneira clara e objetiva as ações que podem ser tomadas para salvaguardar a  saúde da população nem tampouco a proteção do meio ambiente.  

Em 19 de fevereiro de 2020 foi aprovado pela Comissão de Constituição e  Justiça do Senado Federal o Marco Legal da Nanotecnologia do Brasil proposto pelo  Projeto de Lei – PL nº 880/2019.1. O referido PL propõe alterações na Lei número  10.973/20042, bem como na Lei número 8.666/933. Entretanto, além de ainda  encontrar-se em tramitação, não disciplina, de forma concreta e eficaz, mecanismos  que venham a salvaguardar o meio ambiente e a saúde da população brasileira no  que diz respeito ao desenvolvimento de embalagens sob a perspectiva da  nanotecnologia. 

Com isso, o objetivo do presente artigo é alertar para a ausência de legislação eficaz que possa salvaguardar a saúde da população brasileira, bem  como o meio ambiente e, assim, propor uma reflexão acerca da necessidade de  implementação de regulamentação para mitigar as consequências da toxicidade  oriunda da nanotecnologia. Para alcançá-la, os autores estabeleceram os seguintes  objetivos específicos: a) descrever as aplicações e avanços da nanotecnologia; b)  explicar o conceito de nanotecnologia e suas possíveis consequências à saúde humana e ao meio ambiente; c) analisar a legislação vigente no que diz respeito à nanotecnologia e nanotoxicidade; d) propor uma reflexão acerca de possíveis  alternativas para salvaguardar a saúde da população brasileira e o meio ambiente. Os tipos de pesquisas utilizados para a presente investigação foram de  natureza normativo-bibliográfica e documental. A coleta de dados para a revisão  sistemática da literatura se materializou a partir da escolha das palavras-chave  nanotecnologia, Nanotoxicology toxicidade, regulamentação métricas, com uso do  operador booleano “or” inseridas nas bases de dados SciELO, Periódicos Capes e  ScholarGoogle. Foram selecionados 36 artigos que inicialmente foram submetidos a  uma leitura exploratória a partir do título e resumo. Dos artigos residuais foi feita uma  leitura seletiva com os devidos apontamentos. Também se socorreram, os autores,  de forma complementar, a dados oriundos de anais de eventos científicos,  dissertações, teses e livros específicos sobre o tema. 

Os tipos de estudo utilizados foram de caráter exploratório e qualitativo,  porque se visou obter um aprofundamento de maiores informações sobre a temática  estudada, assim como o tratamento dos dados não se deu com uso de técnicas  estatísticas. 

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, pelo qual se  promove a construção e consolidação de uma análise abrangente da literatura,  servindo de arcabouço para discussões acerca de métodos e resultados de  pesquisas, assim como reflexões sobre a realização de futuros estudos acadêmicos  sobre nanotecnologia, toxicidade e regulamentação. 

A pesquisa aborda tema atual, relevante e com impacto social e ambiental,  buscando trazer dados científicos capazes de contribuir para a melhor compreensão  da relação entre nanotecnologia, toxicidade, segurança humana e ausência de  legislação eficiente e, com isso, propor medidas a serem tomadas. 

  1.  NANOTECNOLOGIA 

Dimer et al. (2013) destacam que o conceito de nanotecnologia vem sendo  aprimorado de acordo com os avanços da ciência, por isso ainda não há um  conceito internacional consensual para o termo, mas destacam que na área da saúde, a European Medicines Agency define a nanotecnologia como o uso de pequenas estruturas menores de 1.000 nanômetros de diâmetro que são projetadas  para apresentar propriedades específicas. 

Borralho, em sua dissertação de mestrado, esclarece que a Nanotecnologia  veio modificar a forma como os diversos tipos de materiais são utilizados e explica que a nanotecnologia refere-se a partículas com dimensões que variam entre 1 a  100 nanômetros (nm). Completa, dizendo que o termo não sendo novo, tem sido  amplamente utilizado para o desenvolvimento de tecnologia mais eficiente, nas  últimas décadas (BORRALHO, 2017). 

Souza et al. fazem observar que a história da nanotecnologia, isto é, do  desenvolvimento e manipulação de matéria à escala nanométrica, pode ser traçada  até tempos ancestrais. Completam, dizendo que embora a manipulação de materiais  à escala atômica e molecular pareça ser um conceito moderno, sabe-se que vários  artesãos antigos manipulam a matéria à mais ínfima escala, ainda que de forma  não intencional (SOUZA et al., 2022). 

Almeida et al. (apud DREXLER; 2004) salientam que o conceito da nanotecnologia foi proposto em 1959, por Richard Feynman e desde então,  pesquisas indicam que as propriedades de muitos materiais podem ser melhoradas com a adição de nanocompósitos durante o desenvolvimento. Ressaltam, ainda, em  sua pesquisa, que embalagens com aplicações nanotecnológicas adquirem  melhores propriedades físico-químicas, redução da hidrofilicidade, além de  proporcionar uma melhor biodegradabilidade, o que gera valor agregado aos  produtos (ALMEIDA et al, 2015). 

Hupffer et al. destacam que o mercado da nanotecnologia é altamente  promissor e que em 10 de dezembro de 2018, o site da StatNano divulgou que já  são comercializados 8.523 nanoprodutos, produzidos por 2.084 companhias em 59  países, bem como alertaram que novos produtos e aplicações com nanotecnologia  são lançados em praticamente todas as áreas e em velocidade crescente. Entre os  dez principais setores com produtos e aplicações com nanotecnologia, o campeão  em nanoprodutos é o setor eletrônico, que já disponibilizou no mercado consumidor  2.050 produtos, seguido da área de medicina com 972, cosméticos com 780, setor  têxtil (HUPFFER et al., 2019). 

Por outro lado, Almeida et al (apud SILVESTRE, 2011) chamam atenção  para o fato de que, não obstante as vantagens da aplicação da nanotecnologia, em especial no setor de embalagens, deve-se ficar atento para questões referentes ao  surgimento da toxicidade atribuída ao comportamento das partículas na escala  nanométrica, salientando que estas partículas podem migrar das embalagens para o  alimento, causando possíveis danos aos consumidores e ao meio ambiente. Assim,  a aplicação desta tecnologia demanda uma regulamentação específica para o setor 

A nanotecnologia e nanociência apresentam uma multidisciplinaridade  intrínseca, pois envolvem a interligação de grande áreas da ciência como a química, biologia, física, medicina, engenharia e informática, com o principal intuito de  entender e potencializar as aplicações destas tecnologias (DE SOUZA et al, 2015). Entretanto, essa evolução técnico-científica, não pode perder de vista a necessidade  de o desenvolvimento tecnológico andar de mãos dadas com o compromisso de  salvaguardar o meio ambiente e a saúde da população. 

Souza et al (apud MATHUR, 2018; ZORRAQUÍN-PEÑA, 2020;GALDIERO,  2011; ARORA, 2012), destacam que apesar da evolução da nanotecnologia e das  vantagens associadas ao uso das nanopartículas de prata – AgNP, a sua utilização  crescente na vida quotidiana da população mundial, de forma direta ou indireta, levanta várias preocupações sobre a exposição humana e possíveis efeitos tóxicos  decorrentes de uma exposição prolongada. 

Destacam, ainda, que, se, por um lado, as propriedades das AgNP as tornam apelativas em diversas áreas, também são estas propriedades que resultam em  riscos para a saúde humana. De fato, a exposição prolongada a AgNP promove não  só a sua entrada no organismo, como também a libertação do ião prata, o que por  sua vez poderá levar à ocorrência de danos no DNA, stress oxidativo e morte celular (SOUZA et al, 2022). 

Nessa linha de raciocínio, Paschoalino et al. (apud TONG et al., 2007;  OBERDORSTER et al. 2006) salientam que as propriedades atrativas dos  nanomateriais, como por exemplo o pequeno tamanho de partícula, forma variada e  alta área superficial, podem também ser responsáveis por efeitos nocivos aos  organismos vivos, conforme indícios reportados por estudos toxicológicos com  micro-organismos, algas, peixes, ratos e células humanas ( PASCHOALINO et al., 2010). 

Já para a questão militar, Wittmann destaca Eric Drexler, um dos grandes  teóricos sobre o assunto (apud DREXLER, 1986), abordou já em 1986 em seu livro “Engines of Creation” as nanotecnologias como máquinas de destruição como um de  seus capítulos, bem como estratégias e sobrevivência em outro, nos quais analisou  a possibilidade de poder militar a partir de replicadores e sistemas de inteligência  artificial com o desenvolvimento de armas avançadas e eventual guerra  bacteriológica e outros mecanismos de design, estratégia e guerra.  

Da mesma forma, indicam que a relevância para aplicações militares das  nanotecnologias, assim como nas aplicações genéricas, está na qualificação das  capacidades militares já existentes. Não é exclusivo da nanotecnologia, já que o  desenvolvimento tecnológico para fins bélicos sempre vai buscar de alguma forma a  maior sobrevivência e proteção do soldado e do maquinário como um todo, a  mobilidade da força, bem como a capacidade de aplicação e a precisão do uso da  força. A busca de armaduras ou roupas leves, resistentes e com capacidade de  automedicação são exemplos de apoio da nanotecnologia, não exclusivamente.  Explosivos que ultrapassem determinadas armaduras, armamento autoguiado são  outros exemplos. 

  1.  NANOTOXICIDADE 

Borsato et al. (apud CABALLERO-DÍAZ; VALCÁRCEL CASES, 2016)  destacam que o estudo da nanotoxicidade pode ser explicado em etapas de  avaliações, onde a caracterização bem definida das nanopartículas é considerada  um estudo preliminar com o objetivo de correlacionar as respostas biológicas.  Ressaltam, também, que testes in vitro são aplicados utilizando células para avaliar  o efeito tóxico dessas nanopartículas a nível celular e, posteriormente, avaliações in  vivo são consideradas, onde se obtém respostas biológicas induzidas pela  exposição às nanopartículas, sendo realizadas utilizando animais modelo (BORSATO et al., 2020). 

No estudo realizado, Almeida et al. (2015) enfatizam que alguns nanomateriais  como nanotubos de carbono e nanopartículas de prata, óxido de silício, óxido de  alumínio, dióxido de titânio, e zinco podem resultar em imprevisíveis problemas de  segurança e de risco para a saúde humana. Segundo eles, uma desses problemas  seria a inalação de nanopartículas, pois devido ao fato das partículas serem muito  pequenas, elas vencem barreiras naturais do aparelho respiratório, sendo depositadas e acumuladas nos alvéolos pulmonares, responsáveis pela troca  gasosa de oxigênio e gás carbônico com a corrente sanguínea. 

Almeida et al. (apud OBERDORSTER et al;2006; SCHULTE et al;2007)  também relatam que a forma como as nanopartículas entram no corpo humano, os  sítios de penetração, o possível acúmulo e a translocação das mesmas no corpo,  também podem determinar um potencial de risco. Com isso, as empresas que  trabalham com nanotecnologia e que não possuem total conhecimento sobre os  efeitos da exposição às nanopartículas devem orientar seus funcionários sobre os  riscos e controles já estabelecidos. Assim será possível selecionar e implementar  controles preventivos em relação a toxicidade destas partículas. 

Nesse ínterim, como existe a preocupação com a exposição indireta de  nanopartículas com alimentos, se faz necessário conhecer a extensão de migração  das nanopartículas da embalagem para os produtos e, caso ocorra a migração,  quais serão os efeitos da ingestão destas nanopartículas no corpo humano. Ocorre  que são poucos os estudos sobre migração de nanopartículas de embalagens para  os alimentos, logo torna-se difícil avaliar o risco para a população, embora uma  cuidadosa avaliação da natureza dos materiais e a aplicação a que se destina possa  fornecer uma base para a classificação dos possíveis riscos de forma individual  (ALMEIDA et al., 2015 apud AVELLA et al., 2005). 

Mathur et al. (2018) esclarecem que os dois principais métodos utilizados  para a síntese de nanopartículas de prata são os métodos físicos e químicos, com a  variante de serem caros e também poderem apresentar toxicidade. Contudo, por  outro lado, salientam que o método biológico está sendo usado como uma  alternativa conveniente, pois esta abordagem é amiga do meio ambiente e menos  tóxica e incluirá extractos de plantas, microorganismos, fungos, etc. 

Da mesma forma, a preocupação também ocorre em relação à manipulação  de nanopartículas na medicina. Cancino et al. (apud WARHEIT, 2008; DUKHIN et  al.,2010) destacam que o potencial efeito na saúde humana devido à exposição  prolongada ainda não foi estabelecido e chamam atenção para o fato de que a  limitada quantidade de informações acerca dos efeitos tóxicos desses nanomateriais  faz com que a nanomedicina enfrente várias questões regulatórias em um processo  complexo e dispendioso, mas necessário, independentemente do nanomaterial ou aplicação. 

Ainda segundo eles, uma das principais preocupações diz respeito a como as  nanopartículas conseguem penetrar em membranas células mais facilmente, quando  comparado a diversas outras moléculas ou fármacos. Assim, indagam se essa maior  facilidade pode ser alguma indicação de efeito tóxico. Com isso, essas incertezas  acabam por serem motivadoras de estudos em nanotoxicologia, isto é, de responder  o maior número de questões sobre como é a interação entre nanomateriais e  sistemas biológicos, e quais são as limitações e mecanismos associados a essa  exposição em curto, médio e longo prazo (CANCINO et al, 2010). 

Em seu estudo, Cancino et al. (2010) destacam que metodologias analíticas e  biológicas clássicas estão sendo adaptadas para investigações toxicológicas entre  nanomateriais e sistemas biológicos, dentre elas estão a citometria de fluxo,  proliferação celular, fragmentação do DNA, ciclo celular, histologia,  biodisponibilidade e biodispersão. Alertam que as análises in vitro e in vivo são as  mais utilizadas, porém as informações hoje disponíveis ainda são contraditórias e  pouco precisas e, assim para auxiliar a busca de resultados nessa área, outras  ferramentas têm sido propostas como modelos, simulações computacionais ou  instrumentações no nível atômico e/ ou molecular. 

Mathur et al (2018) (apud PRABHU et al. 2012) chamam atenção para o fato  de que a nanoprata pode causar efeitos nocivos aos seres humanos, bem como ao  meio ambiente, conforme sugerido por diferentes estudos e relatórios. Salientam que os iões de prata livres têm efeitos nocivos nos seres humanos e em todos os seres  vivos, incluindo descoloração cinza-azulada permanente da pele (argiria) ou dos  olhos (argirose), e a exposição a compostos de prata solúveis pode produzir efeitos  tóxicos como danos hepáticos e renais; irritações dos olhos, pele, vias respiratórias e intestinais; e alterações indesejáveis nas células sanguíneas. No estudo realizado,  destacaram que numerosos relatórios sugerem que a nano prata não pode  diferenciar entre os micróbios que são prejudiciais ou úteis para a ecologia. Ressaltaram, ainda, que apenas estudos limitados foram realizados para avaliar a  toxicidade da nanoprata. 

Ainda segundo os autores, foi demonstrado por ensaio de toxicidade in  vitro de AgNP que células de fígado de rato em exposição de baixo nível provocam  estresse oxidativo e função mitocondrial danificada. Ao interromper a função  mitocondrial e causar vazamento através da membrana celular, as nanopartículas de prata se manifestaram como tóxicas para as células-tronco da linhagem germinativa  de camundongos in vitro . No sistema reprodutor masculino, eles afetam  adversamente os espermatozóides, atravessando a barreira hemato-testicular e se  depositando nos testículos. O órgão-alvo no camundongo para a nanoprata é o  fígado, conforme revelado por in vivo estudos sobre a toxicidade oral em ratos. A  maior ocorrência de hiperplasia das vias biliares, com ou sem necrose, fibrose e  pigmentação nos animais do estudo revelou que quando as nanopartículas são  armazenadas por um longo período de tempo há liberação da prata, garantindo que  a nanoprata envelhecida é mais tóxica do que a nova nanoprata (MATHUR et  al.,2018). 

Os estudos analisados demonstraram que a nanoprata também apresentou efeitos tóxicos em animais aquáticos e dificulta a osmorregulação em peixes,  interagindo com as brânquias dos peixes e impedindo a atividade basolateral de  Na + –K + -ATPase, sugerindo que a liberação de nanoprata no meio ambiente deve ser cuidadosamente revisada (MATHUR et al, 2018). 

Pereira (apud PETERSEN et al., 2015) chamou atenção para o fato de que  muitos estudos que investigam a nanotoxicidade em algas apontam os efeitos  tóxicos possíveis de ocorrer quando há a interação entre diferentes nanopartículas com as células e os mecanismos bioquímicos que ocorrem no metabolismo celular.  Destaca, ainda, que as propriedades estruturais, de forma e de superfície das  nanopartículas são as responsáveis por gerar vários efeitos tóxicos (PEREIRA,  2017). 

Com isso, é imprescindível que a comunidade científica, bem como o  legislador brasileiro, atente para o fato de que os efeitos tóxicos decorrentes da  nanotecnologia já é uma realidade presente e necessitava urgentemente de  regulamentação. 

  1.  CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O Governo Federal brasileiro, nos últimos anos, lançou diversas iniciativas  dedicadas a estruturar políticas públicas e ações governamentais na área de  nanotecnologia. A título de exemplo, em 2013, foi lançada a Iniciativa Brasileira de  Nanotecnologia (IBN), com o objetivo de integrar as ações governamentais para promover o aumento da competitividade da indústria brasileira. Outros exemplos são  o SisNANO, sistema de laboratórios criado pela Portaria nº 245, de 5 de abril de  2012, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com o objetivo de estimular a  pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em nanociências e nanotecnologia; e  o SibratecNANO, instrumento de aproximação, articulação e financiamento de  projetos cooperativos entre empresas e Instituições Científica e Tecnológica que  fazem parte do SisNANO, com o objetivo de fomentar e implantar a cultura de  inovação com incorporação de nanotecnologia em produtos e processos de  empresas brasileiras. 

Para além do acima exposto, no Brasil, os Projetos de Lei nº 5.076 de 2005 e 131/2010 que tratavam diretamente do tema foram arquivados. Já os Projetos de  Lei 6.741/2013 e o 5.133/2013 se encontram em tramitação junto à Câmara dos  Deputados. Verdade que o texto do Projeto de Lei 6.741/2013 avança no estudo do  tema, trazendo conceitos, indicando princípios a serem aplicados, procedimentos a  ser observados e afins, mas ao se analisar, por exemplo, os artigos 8o, 9o, 11o e 12o,  constata-se que o papel do Estado, que atrairia o dever de controlar com maior  ênfase o assunto e consequentemente emprestar maior segurança à saúde da  população e ao meio ambiente, acaba por ser mitigado. É que o texto acaba por  sugerir que os órgãos de registro e fiscalização poderão – e não deverão – indeferir  pedidos de registro ou suspender registros de processos ou produtos da nanotecnologia. E essa margem pode causar danos severos. 

Por enquanto, contudo, a diretriz seguida para o acautelamento e para as  necessárias salvaguardas se dá pela aplicação do Princípio da Precaução, extraído  das normas de direito constitucional e ambiental, segundo o qual se deve evitar a  qualquer custo a ocorrência de um fato que possa causar danos ao meio ambiente  ou à saúde ainda não comprovados cientificamente. Neste espectro, a Nota Técnica  1/2018 da FUNDACENTRO afirma que será necessário aplicar o princípio da  precaução no sentido de manter a exposição a um nível em que é previsível que o  risco esteja sob controle, mesmo que a periculosidade do nanomaterial seja maior  do que a atualmente conhecida. 

Já o Projeto de Lei 880/2019, que visa instituir o Marco Legal da  Nanotecnologia e Materiais Avançados, indicando dispor sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à  inovação nanotecnológica, encontra-se aguardando evolução de tramitação. A  norma apresenta conceitos, institui Programas específicos para a área, tais como o  Programa Nacional de Nanossegurança, o Programa Nacional de Descoberta  Inteligente de Novos Materiais e afins, indica da necessidade de capacitação e  fortalecimento de ambientes inovadores, dentre outros aspectos, mas parece deixar  de tratar, exatamente, da segurança.  

Em face da inércia do legislador brasileiro, o certo é que se faz necessária  uma cooperação internacional para análise dos riscos e regulamentação referentes  a nanotecnologias e nanotoxicidade. Muito embora sejam promissores os avanços  tecnológicos advindos com a manipulação de nanopartículas, é sabido que os  efeitos colaterais advindos desse avanço podem provocar na população e no meio  ambiente danos irreversíveis. Pela análise de todo esse contexto, podemos dizer  que as perspectivas para o desenvolvimento da nanotecnologia são GIGANTES,  enquanto a legislação que salvaguarda a população e o meio ambiente é ANÃ. 

Hupffer et al. (apud (HANKIN; CABALLERO, 2014) alertam que práticas de  segurança devem fazer parte do desenvolvimento responsável nanotecnológico.  Destacam, também que a Nano Risk Framework lançou, em 2007, uma proposta de  estrutura global e flexível para avaliar os riscos possíveis das nanopartículas, com a  particularidade de recomendar informações sobre o ciclo de vida, suas propriedades,  ecotoxicidade e descarte. A CENARIOS® foi elaborada em cooperação com a Innovation Society e a TÜV SÜD Industry Service, sendo um sistema de gestão e  monitoramento de riscos para atender às necessidades específicas de avaliação de  risco nanotecnológico dos trabalhadores, consumidores e meio ambiente. Já o  AssuredNano™, desenvolvido em 2008, é um sistema de acreditação da segurança  de nanomateriais, relacionado com a comercialização de nanoprodutos e as  preocupações com a saúde, meio ambiente e segurança do trabalhador (HUPFFER et al., 2019). 

Por outro lado, os programas de integridade atrelados ao controle de riscos  advindos da nanotecnologia passam a ganhar cada vez mais força, segundo  Wittmann, com o Sistema do Direito compreendendo a si mesmo enquanto  complexo, contingente e policontextural e inserido em uma sociedade global e de risco é que se apresentam os programas de integridade – ou programas de  compliance do original do inglês – como alternativa para a regulação dos mais  distintos temas. Tratam-se de um arcabouço normativo interno às organizações,  sejam privadas por excelência ou sem fins lucrativos e internacionais, que surgem  de forma espontânea, embora por vezes estimulada, visando não somente preservar  a integridade organizacional, mas, promover uma cultura e complexidade interna e  amadurecimento desta organização – sempre tentando integrar-se de maneira  compatível com o preconizado pela comunicação jurídica policontexturalidade.  

E continua indicando que a importância de tais programas é justamente o  regime transnacional e autônomo que eles alcançam. Embora particulares,  autônomos e voluntários, eles alcançam as relações não somente internas, mas  também eventualmente alcançam sua rede de relações que, por meio de contratos,  permitem uma cooperação e aprendizagem mútua entre organizações e sistemas  jurídicos autônomos.  

Sendo assim, em um contexto nacional em que a preocupação com o  desenvolvimento técnico científico pautado na nanotecnologia parece deixar de lado  aspectos relacionados com a segurança da população e com o meio ambiente, o  certo é que a comunidade, principalmente a científica, tenha um olhar atento para a  necessidade de desenvolvimento de estudos mais aprofundados acerca da toxicidade  advinda da nanotecnologia e das incertezas e riscos associados ao seu uso, embora  estes ainda não sejam totalmente conhecidos, e paralelamente as organizações  tenham as preocupações necessárias e sempre cautelosas com o que pode nos  esperar em um futuro não tão distante.  

Com isso, o presente trabalho não esgota o tema e, ao contrário, propõe que  seja feita toda uma análise sobre o desenvolvimento, manipulação e  comercialização de produtos nanoestruturados, nas mais diversas áreas, de forma  responsável e com implementação de regulamentação a fim de esclarecer a  população acerca dos riscos criados pelo manuseio e utilização das nanopartículas.  Fazendo-se necessário que a Ciência caminhe de mãos dadas com o Direito e a  Ética nos estudos relacionados à nanotecnologia sob o viés da nanotoxicologia,  nanotoxicidade e nanoética.

1PL 880/2019- Institui o Marco Legal da Nanotecnologia e Materiais Avançados; dispõe sobre  estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à  inovação nanotecnológica; altera as Leis nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, e nº 8.666, de 21 de  junho de 1993; e dá outras providências. Explicação da Ementa: Cria o Marco Legal da  Nanotecnologia e estabelece incentivos ao desenvolvimento científico, pesquisa, capacitação e  inovação no âmbito da nanotecnologia. Em 02.02.2023 encontrava-se na CCT – Comissão de  Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, aguardando  designação de relator.
2LEI Nº 10.973, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004 (com alterações trazidas pela LEI Nº 13.322, DE 28  DE JULHO DE 2016.Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no  ambiente produtivo e dá outras providências.
3Lei nº 8.666/93 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para  licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

  1.  REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, ACS, Franco, EAN, Peixoto, FM, Pessanha, KLF, & Melo, NR. (2015).  Aplicação da nanotecnologia em embalagens de alimentos. Polymers , 25 (Polymers, 2015 25(spe)). Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-1428.2069.  Acesso em: 02 de mar.2023. 

BORSATO, Patrícia Aparecida Macário et al. Produção de nanopartículas de  curcumina com policaprolactona (PCL) e avaliação da nanotoxicidade em  Drosophila melanogaster. 2020. Dissertação de Mestrado. Universidade  Tecnológica Federal do Paraná. http://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/29726 

BORRALHO, Teresa da Silva et al. As aplicações da prata na nanotecnologia  farmacêutica. 2017. Dissertação de Mestrado. Disponível em: http://hdl.handle.net/10437/8407 http://hdl.handle.net/10437/8407. Acesso em: 01 de  mar.2023. 

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. (2010). Resolução nº 51 de 26 de  novembro de 2010. Dispõe sobre migração em materiais, embalagens e  equipamentos plásticos a entrar em contato com alimentos. Diário Oficial da  República Federativa do Brasil, Brasília.  

BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. (2012, 04 de abril). Portaria  no 245 de 05 de abril de 2012. Instituição do Sistema Nacional de Laboratórios em  Nanotecnologia. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.  

CANCINO, J., Marangoni, VS, & Zucolotto, V.. (2014). Nanotecnologia em  medicina: aspectos fundamentais e principais preocupações. Química Nova , 37 (Quim. Nova, 2014 37(3)). Disponível em: https://doi.org/10.5935/0100- 4042.20140086. 

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1Mestrando Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela UNIFACOL (2010). Especialista em Direito  Penal e Processual Penal pela UNIFACOL. MBA em Gestão do Ministério Público pela FCAP.  Delegado de Polícia Civil de Pernambuco. delegadoalexandreamorim@gmail.com
2Mestrando Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas de  Pernambuco. Advogado. https://orcid.org/0000-0003-1274-4130.  izaias.bezerra@urbanovitalino.com.br