CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA AUTOPROVOCADA SEGUNDO GÊNERO NO MUNICÍPIO DE PALMAS, 2009-2021

CHARACTERIZATION OF SELF-INFLICTED VIOLENCE ACCORDING TO GENDER IN THE CITY OF PALMAS, 2009-2021

CARACTERIZACIÓN DE LA VIOLENCIA AUTOINFLIGIDA SEGÚN GÉNERO EN LA CIUDAD DE PALMAS, 2009-2021

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7855234


Amanda Gabrielly Torres Marques1
Laryssa Oliveira Leão1
Lucas Oliveira Silva1
Mario Victor Barbosa Ribeiro1
Lorena Dias Monteiro2,3


Objetivo: caracterizar a violência autoprovocada segundo gênero no município de Palmas, Tocantins, no período de 2009-2021. Metodologia: estudo epidemiológico descritivo sobre violência autoprovocada no município de Palmas, Tocantins, no período de 2009 a 2021 coletados a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, disponível no Datasus. Para análise foi utilizado o software Microsoft Excel. Resultados: foram registrados 2.669 casos, destes houve um crescimento de ocorrências no gênero feminino que foi de 40,57 casos por 100 mil habitantes em 2009 para 225,6 em 2019, sendo quatro vezes maior que as ocorrências no gênero masculino. O local em que 89,81% dos casos ocorreram foram na residência. Em relação a repetição de casos observou-se predomínio no gênero feminino, com 40,13% dos casos. No que tange ao tipo de violência houve maior predomínio no gênero masculino das provocadas por arma de fogo (93,75%) e no feminino o envenenamento (76,50%). Conclusão: o estudo permitiu identificar uma maior prevalência de casos no gênero feminino, grupo que apresenta uma tendência crescente de ocorrências ao longo dos anos, neste concerne evidencia-se a violência autoprovocada como um problema de saúde pública em Palmas. Neste interim há uma necessidade de maior atenção por parte dos serviços de saúde.

Descritores: Tentativa de suicídio; Automutilação; Comportamento autodestrutivo; Violência.

Objective: to characterize self-inflicted violence according to gender in the municipality of Palmas, Tocantins, in the period 2009-2021. Methodology: descriptive epidemiological study on self-inflicted violence in the city of Palmas, Tocantins, from 2009 to 2021, collected from the Notifiable Diseases Information System, available on Datasus. Microsoft Excel software was used for analysis. Results: 2,669 cases were registered, of which there was an increase in occurrences in females, which went from 40.57 cases per 100,000 inhabitants in 2009 to 225.6 in 2019, four times greater than the occurrences in males. The place where 89.81% of the cases occurred was at home. Regarding the repetition of cases, there was a predominance of females, with 40.13% of the cases. With regard to the type of violence, there was a greater predominance in males of those caused by firearms (93.75%) and in females, poisoning (76.50%). Conclusion: the study identified a higher prevalence of cases in females, a group that has a growing trend of occurrences over the years, in this regard, self-inflicted violence is evident as a public health problem in Palmas. In the meantime, there is a need for greater attention on the part of health services.

Descriptors: Suicide attempt; Self-mutilation; Self-destructive behavior; Violence.

Objetivo: caracterizar la violencia autoinfligida según género en el municipio de Palmas, Tocantins, en el período 2009-2021. Metodología: estudio epidemiológico descriptivo sobre la violencia autoinfligida en la ciudad de Palmas, Tocantins, de 2009 a 2021, recolectado del Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria, disponible en Datasus. Para el análisis se utilizó el software Microsoft Excel. Resultados: se registraron 2.669 casos, de los cuales hubo un aumento de ocurrencias en el sexo femenino, que pasó de 40,57 casos por 100.000 habitantes en 2009 a 225,6 en 2019, cuatro veces mayor que las ocurrencias en varones. El lugar donde ocurrieron el 89,81% de los casos fue el domicilio. En cuanto a la repetición de casos, hubo predominio del sexo femenino, con 40,13% de los casos. En cuanto al tipo de violencia, hubo un mayor predominio en los varones de la violencia por arma de fuego (93,75%) y en el sexo femenino, el envenenamiento (76,50%). Conclusión: el estudio identificó una mayor prevalencia de casos en el sexo femenino, grupo que tiene una tendencia creciente de ocurrencias a lo largo de los años, en ese sentido, la violencia autoinfligida se evidencia como un problema de salud pública en Palmas. Mientras tanto, existe la necesidad de una mayor atención por parte de los servicios de salud.

Descriptores: Intento de suicidio; Automutilación; Autoagresión; Violencia.

Introdução

A violência autoprovocada é um sério problema de saúde pública em todo o mundo(1), afetando indivíduos de todas as raças/cor, condições sociais, gêneros e faixas etárias. Essa forma de violência pode se manifestar de várias maneiras e atingir qualquer pessoa, independentemente de sua origem ou status socioeconômico(1-2). De acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência consiste no uso intencional da força física, real ou ameaça, contra si mesmo ou outra pessoa, grupo ou comunidade, resultando em lesão, dano psicológico ou morte(3)

As violências podem ser agrupadas em três categorias: autoprovocada ou auto infligida (direcionada a si mesmo), interpessoal (violência doméstica e comunitária) e coletiva (realizada por grupos políticos, organizações terroristas e milícias)(4). Desse modo, a violência autoprovocada incluem tentativas de suicídio, suicídio, autoflagelação, autopunição e autolesão.

Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, os dados de mortalidade por suicídio indicam que houve um aumento nas taxas de suicídio no país nas últimas décadas(2,5). Em 2020, foram registrados 12.895 óbitos por suicídio, sendo que a maior parte das vítimas eram homens (79,7%). A faixa etária com maior número de suicídios foi a de 20 a 49 anos, representando 57,7% do total de casos(2).

No que se refere às notificações de violências autoprovocadas, em 2019 foram registradas 124.709 ocorrências no Brasil, representando um aumento de 39,8% em relação ao ano anterior. É importante destacar que a maioria das vítimas de lesões autoprovocadas foram mulheres. Além disso, a violência autoprovocada também pode incluir outros comportamentos auto lesivos, como a automutilação, que tem se tornado mais frequente entre jovens(2).

As taxas de autolesão variam em diferentes regiões geográficas, mas não está claro até que ponto isso se deve a variações interculturais reais ou a diferenças metodológicas(6). Embora a violência seja um tema frequentemente abordado em pesquisas científicas, pesquisas realizadas no Brasil mostraram que poucos estudos apresentam a distribuição epidemiológica das lesões autoprovocadas nas diferentes regiões do Brasil(7-8).

O aumento no número de casos de lesão autoprovocada e a importância de monitorar a tendência dessas notificações, bem como as diferenças de gênero, justificam a realização do estudo. Considerando esta realidade, é crucial que se dê maior atenção e investimento à prevenção da violência autoprovocada, considerando as diferenças regionais do país. Nesse contexto o objetivo do estudo foi caracterizar a violência autoprovocada segundo gênero no município de Palmas, Tocantins, no período de 2009-2021. Este estudo fornece evidências importantes para orientar as intervenções e políticas públicas no combate a esse grave problema de saúde pública.

Método

Este estudo ocorreu em Palmas, a capital mais nova do país, tendo uma população estimada de 334.454 habitantes em 2023, e uma área de 2.219 km², de acordo com o IBGE. A Secretaria da Saúde de Palmas instituiu a Rede de Atenção e Vigilância em Saúde (RAVS Palmas) por meio da Portaria nº 457/2019, que estabelece a organização do sistema municipal de saúde. 

O modelo de organização adotado é baseado no arranjo poliárquico, trabalho em equipe, coordenação e longitudinalidade do cuidado, tecnologia da informação como ferramenta de trabalho, intercâmbio e cooperação entre os diversos pontos de atenção à saúde, com o objetivo de promover a integralidade da atenção. A RAVS está dividida em três distritos administrativos e subdividida em oito territórios de saúde, cada um com suas respectivas Unidades Básicas de Saúde e outros pontos de atenção(9) e todas realizam notificações compulsórias em atendimento à Portaria de Consolidação GM/MS nº 4, de 28 de setembro de 2017.

O estudo é epidemiológico de natureza descritiva e utilizou dados de violência autoprovocada de pessoas residentes no município de Palmas no período de 2009 a 2021, totalizando 2.669 casos.  Tendo os dados utilizados neste estudo sido coletados a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponível publicamente na site Datasus com Uniform Resource Locator (URL) https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/ (10)

Esses dados são provenientes das fichas de notificação compulsória individual de violência interpessoal/autoprovocada, utilizadas na coleta de dados pelos serviços de saúde pública. A escolha das variáveis investigadas neste artigo foi orientada pela abordagem completa da ficha de notificação, que contempla dados sociodemográficos, clínicos e epidemiológicos(11).

As informações referentes à população foram obtidas junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que se baseou em dados dos censos populacionais realizados no estado em 2010 e em estimativas populacionais para os períodos intercensitários de 2001 a 2009 e de 2011 a 2021(13). Sendo analisadas as seguintes variáveis no estudo: sexo, faixa etária, raça/cor, escolaridade, local de ocorrência, violência de repetição e meio da violência(11).

Na análise de tendência temporal, os indicadores selecionados foram a proporção de notificações de violência autoprovocada segundo gênero calculado pela divisão do número de casos notificados por sexo pelo total de casos, e a taxa de violência autoprovocada foi calculada pelos registros de casos segundo o sexo divididos pela população do meio do ano estimada pelo IBGE considerando o sexo, multiplicando o resultado por 100 mil habitantes no período de 2009 a 2021.

Para a análise dos indicadores e elaboração das tabelas e figuras, foi utilizado o software Microsoft Excel. Todos os dados utilizados neste estudo são de domínio público, sendo que este é um estudo baseado em dados secundários. Nenhuma das variáveis analisadas permitiu a identificação de indivíduos, o que tornou desnecessária a submissão do estudo à aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Foram notificados 2.669 casos de violência autoprovocada de residentes no município de Palmas, no período de 2009 a 2021. Desses, 1.931 (72,35%) eram do sexo feminino. A frequência de registros de violência autoprovocada foi superior a 60% para o sexo feminino e com tendência de aumento nos treze anos de avaliação e chegou em 78,53% no sexo feminino em 2021. O ano de 2010 foi o que houve maior registro de violência autoprovocada no sexo masculino (37,96%) e nos anos seguintes houve declínio nos registros (Figura 1).

Figura 1 – Frequência de notificações de violência autoprovocada. Palmas, Tocantins, Brasil, 2009-2021

A Figura 2 mostra que a taxa de violência autoprovocada para o sexo feminino passou de 40,57 em 2009 para 225,6 casos por 100 mil habitantes em 2019 e foi mais de 4 vezes maior que a do sexo masculino. O crescimento da taxa para o sexo masculino foi gradativo e o pico foi de 61,78 em 2020. Em 2021 houve queda acentuada na taxa de violência autoprovocada para sexo masculino (22,99/100 mil habitantes) e para o sexo feminino (74,44/100 mil habitantes). 

Figura 2 – Taxa de violência autoprovocada por sexo (por 100 mil habitantes). Palmas, Tocantins, Brasil, 2009-2021

Conforme dados apresentados na Tabela 1, a violência autoprovocada na faixa etária entre 20 e 29 foi predominante (993/37,20%) seguida da faixa entre 15 e 19 anos (701/26,27%). Independente da faixa etária, o sexo feminino sofreu mais que o dobro de violência autoprovocada. Na avaliação por raça/cor, o sexo feminino da cor parda foi predominante (1847/69,20%), seguida da cor branca (507/19%) e apenas a etnia indígena não teve discrepância na violência autoprovocada por sexo. Predominou os casos de violência autoprovocada com 5 a 8 anos de estudo (460/17,23%) e com 9 a 11 anos de estudo (1191/44,63%) e o sexo feminino predominou independente do grau de escolaridade. A residência foi o local de ocorrência com quase totalidade dos casos (2397/89,81%) para ambos os sexos. A repetição dessa violência foi muito elevada (1071/40,13%) e predominou no sexo feminino.

Tabela 1 – Caracterização da violência autoprovocada por sexo segundo as variáveis faixa etária, raça/cor, escolaridade, local de ocorrência e repetição. Palmas, Tocantins, 2009-2021

Na Figura 3, observa-se que pessoas do sexo masculino predominaram na violência autoprovocada por arma de fogo (93,75%) e enforcamento (51,18%). Já pessoas do sexo feminino, predominaram com violência autoprovocada por envenenamento (76,50%), objeto contundente (72%), objeto perfurocortante (66,77%), substância ou objeto quente (65%) e outros (66,84%).

Figura 3 – Frequência da tipologia da violência autoprovocada por sexo de pessoas. Palmas, Tocantins, 2009-2021

Discussão

A violência autoprovocada é um grave problema de saúde pública que afeta milhares de pessoas em todo o mundo, incluindo pessoas residentes do município de Palmas, Tocantins. Esse estudo mostrou que essa violência atinge de forma desigual homens e mulheres em Palmas, quase 73% dos registros foram para o sexo feminino, sendo a taxa de violência autoprovocada quatro vezes maior em relação a do sexo masculino. 

Ademais, mulheres muito jovens e pardas sofreram mais que o dobro de violência autoprovocada, e o local de ocorrência mais comum foi a residência e com alta percentagem de repetição da violência. Os resultados desse estudo mostram ainda que há uma diferença importante na escolha de métodos desse tipo de violência entre os gêneros, pois para o sexo feminino os métodos mais comuns foram envenenamento, objeto contundente, objeto perfurocortante, substância ou objeto quente e outros. No caso do sexo masculino, houve uma predominância de métodos mais agressivos tais como o uso de armas de fogo e enforcamento. Esses dados mostram a necessidade de implementação de políticas públicas efetivas para prevenir e atender adequadamente esses casos de violência, especialmente para as mulheres e as minorias étnicas. 

Quanto ao método empregado na violência autoprovocada, estudos têm evidenciado que a escolha difere significativamente entre os sexos, sendo que as mulheres tendem a utilizar métodos menos letais, apesar de apresentarem maior reincidência. Já entre os homens, é comum o uso abusivo de substâncias psicoativas e de álcool, além da escolha de métodos que envolvem maior risco de morte autoprovocada(13-16, 2), o que não corrobora em sua totalidade com os achados deste estudo. 

Diferente de outros contextos, os dados dessa pesquisa mostram que as mulheres fizeram mais uso de objetos perfurocortantes na prática da auto violência que os homens(13,15). Os objetos perfuro cortantes (facas, estiletes e outros) são considerados meios de agressão mais lesivos e quase 67% das mulheres usaram esse meio para se agredirem em Palmas, uma realidade diferente de outros contextos(15,17,8,2)

Contrariando a literatura, é importante destacar que pessoas do sexo feminino lideram nos métodos de autoagressão mais graves em Palmas, o que indica uma maior necessidade de atenção por parte dos serviços de saúde. Os métodos utilizados pelo sexo feminino nas tentativas e nos casos de suicídio demonstram sua compreensão sobre o que pode levar à morte.

Por outro lado, dados nacionais mostram que os homens apresentam um risco 3,8 vezes maior de morte por suicídio que mulheres. Embora a frequência de registros de violência autoprovocada tenha sido menor entre os homens, o problema requer atenção pela elevada mortalidade entre homens no contexto nacional(2).

O fato de a maioria dos casos serem registrados em pessoas muito jovens, em especial mulheres, é explicado pela mudança da infância para a adolescência, pois essa é uma fase crítica para a vulnerabilidade do comportamento suicida(15). Durante esse processo de transmutação, algumas particularidades próprias da idade aumentam o risco de lesões autoprovocadas, como grandes transformações biopsicossociais, comportamento naturalmente mais impulsivo e depressivo, aumento dos transtornos mentais, maior suscetibilidade ao consumo de álcool e drogas, solidão, indagações sobre problemas sociais e sentido da vida e inserção no mundo, aumento dos conflitos familiares, sociais e sexuais. É fato que a violência e a discriminação são uma realidade enfrentada por meninas e mulheres em todo o mundo, e a faixa etária entre 16 e 24 anos é considerada o período de maior vulnerabilidade para sofrer diferentes formas de violência(15,2).

Ressalte-se que a região geográfica em que vivem as vítimas pode ter influência nos índices de lesões autoprovocadas(7-8). Palmas, lidera entre as capitais brasileiras com maior índice de violência à mulher, de 3 em cada 5 mulheres já sofreram violência moral, seguida pelas violências física e sexual, com 32%, respectivamente(18), esse fato pode repercutir na ocorrência da violência autoprovocada e carece de maiores investigações sobre essa perspectiva.

Apesar de Palmas ser destaque quanto à violência contra a mulher e isso refletir, de alguma forma, no comportamento de automutilação dessas vítimas, estudo aponta que a região Sudeste representa quase a metade de todas as notificações de lesões autoprovocadas no Brasil com predominância do sexo feminino. Segundo os autores, a região Norte é a que possui os menores percentuais de notificações, seguida pelas regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste respectivamente(19). Uma das hipóteses para explicar essa disparidade é o fato de a região sudeste possui maior densidade populacional, pois quando se leva em consideração a população de cada território, o Tocantins é o sexto estado com maior taxa de suicídio do país(2) e a região Norte fica em primeiro lugar(17).

Por outro lado, é válido salientar que as disparidades existentes entre as regiões do país são, de certa forma, influenciadas pelo modo de construção socioeconômica e fatores culturais arraigados. Assim, a maneira como cada população de cada local lida com as lesões autoprovocadas deve ser levada em consideração(17). As elevadas taxas de lesões autoprovocadas nas adolescentes na região Sul do país são explicadas por alguns pesquisadores pela região ser de cultura predominantemente alemã, ou seja, que herda a “imigração” da taxa de suicídio do país de origem; além de possuir a tradição do patriarcado, com grande incidência de transtornos mentais(20)

Nesse contexto, Palmas, apesar de não ter herdado a cultura de outro país, é uma cidade que possui uma grande miscigenação de povos de outras regiões, que procuraram a capital tocantinense em busca de melhores condições de trabalho. Talvez isso explique o fato de a cidade ter altos índices de violência contra a mulher e o maior percentual de lesões autoprovocadas no sexo feminino. Ademais, as maiores taxas de violência autoprovocada ocorrem em regiões e países de baixa e média renda(7-8, 21) como é o caso do Brasil e as diferentes regiões(8,22).

Entre os limitadores deste estudo epidemiológico é a subnotificação dos casos, que surge como um dos desafios para se executar e elaborar políticas públicas eficientes destinadas a esta população. Além disso, as ocorrências mais leves podem não ter sido incluídas na análise, uma vez que as pessoas podem não procurar atendimento nos serviços de saúde. Além disso, fatores importantes relacionados à lesão autoprovocada descritos na literatura dificultam a notificação de casos como a presença de transtornos mentais, doenças terminais ou degenerativas, motivações sociais e influência da mídia.

Considerações finais

Diante dos resultados apresentados, fica evidente que a violência autoprovocada é um problema de saúde pública relevante em Palmas, com maior prevalência entre o sexo feminino. A análise de tendência temporal mostrou um aumento na frequência de registros da violência autoprovocada entre adolescentes do sexo feminino ao longo dos treze anos de avaliação, enquanto a taxa de violência autoprovocada para o sexo masculino foi gradativa e apresentou um pico em 2020.

A repetição desse tipo de violência é elevada, o que reforça a importância de ações preventivas para evitar a ocorrência de novos casos. Além disso, foi identificado que as formas de violência autoprovocada variam de acordo com o sexo, com os homens predominando em casos envolvendo arma de fogo e enforcamento, enquanto as mulheres predominaram em casos envolvendo envenenamento, objetos contundentes, perfurocortantes, substâncias ou objetos quentes e outros. O fato de o sexo feminino liderar nos métodos de autoagressão mais graves em Palmas, indica uma maior necessidade de atenção por parte dos serviços de saúde. Os métodos utilizados pelo sexo feminino nas tentativas e nos casos de suicídio demonstram sua compreensão sobre o que pode levar à morte.

Recomenda-se a ampliação e modernização das unidades notificadoras, a fim de se obter dados cada vez mais consistentes sobre os agravos relacionados à violência autoprovocada. Os investimentos para vigilância de todos os tipos de violência nos serviços de saúde, em especial a violência autoprovocada, promoverá a identificação de casos, tão logo se inicie o comportamento de automutilação, possibilitando, assim, uma abordagem mais eficaz, ofertando recursos necessários e encaminhando essas vítimas aos diferentes serviços especializados em saúde mental.

É importante ressaltar que, apesar das limitações do estudo, os dados apresentados fornecem informações importantes para o planejamento e implementação de políticas públicas de saúde mental que visem a prevenção e tratamento da violência autoprovocada em adolescentes em Palmas com direcionamento de recursos para grupos mais vulneráveis e com maior incidência de casos, especialmente para o grupo das adolescentes e mulheres jovens adultas. Este trabalho, ao caracterizar a violência autoprovocada segundo o gênero, norteará os profissionais da saúde, a sociedade e o poder público a continuarem neste debate, construindo e refletindo saberes em saúde mental para o estímulo cada vez maior na prevenção da violência à mulher e da auto violência, especialmente de mulheres residentes em Palmas.

Referências

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1Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos. Graduando em Medicina. Palmas, TO, Brasil.
2Supervisora Pedagógica de Projetos de Pesquisa do Núcleo de Pesquisa da Fundação Escola de Saúde Pública de Palmas (NUPES), Tocantins, Brasil.
3Docente do Curso de Medicina. Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos. Graduando em Medicina. Palmas, TO, Brasil.