REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7845408
Joyce Kelly de Oliveira e Silva
Luis Evêncio da Luz
Rita de Cássia de Sousa Vieira
Ana Letícia de Carvalho
Amanda de Andrade Alencar Ramalho
Aldaisa Pereira Lopes
Luciene Teixeira de Moraes
RESUMO
O Brasil está entre os maiores produtores mundiais de carne. Trata-se de um alimento rico em nutrientes, mas que também possui características propícias ao desenvolvimento de microrganismos, o que pode provocar grandes prejuízos financeiros e torná-la um importante meio de transmissão de doenças de origem alimentar. Objetivou-se avaliar as condições higiênico-sanitárias e estruturais em açougues públicos localizados em cidades do Nordeste Brasileiro, utilizando um checklist de 40 itens embasado nas legislações sanitárias brasileiras. Trata-se de uma pesquisa de campo descritiva observacional e exploratória, quantitativa e qualitativa, que avaliou quinze açougues localizados em diferentes municípios dos Estados do Piauí, Ceará e Pernambuco. Como resultados, observou-se que 93,33% dos locais verificados se classificavam como deficientes, com condições higiênico-sanitárias e físico-estruturais insatisfatórias, considerados inadequados perante os padrões da legislação vigente. Apenas um local, correspondente a 6,67% se enquadrou como regular, atingindo um percentual de adequação entre 51% e 75% do total de itens investigados na pesquisa. Com isso, torna-se evidente a precariedade nas condições higiênico-sanitárias de comercialização, preparo dos alimentos, bem como o atendimento insatisfatório às legislações sanitárias, podendo ser considerados um meio propício à contaminação das carnes e risco para a saúde dos consumidores.
Palavras-chave: contaminação, estrutura, higiene, saúde pública.
ABSTRACT
Brazil is among the largest producers of meat. This is a food rich in nutrients, but also has characteristics conducive to the development of microorganisms which can cause huge financial losses and make it an important means of transmission of foodborne diseases. The aim of this study was to evaluate the hygienic-sanitary and structural quality of public butcher shops located in the cities of Brazilian Nordeste, using a 40-item checklist based on Brazilian sanitary legislation. This observational and exploratory, quantitative and qualitative descriptive field research evaluated fifteen butchers located in different municipalities in the States of Piauí, Ceará and Pernambuco. As a result, it was observed that 93,33% of the locations verified were classified as deficient, with unsatisfactory hygienic-sanitary and physical-structural conditions, considered inadequate according to the standards of current legislation. Only one place, corresponding to 6,67% fit regular, reaching a percentage of adequacy between 51 and 75% of the total investigated items. As a result, it becomes evident the precariousness in hygienic-sanitary conditions of commercialization, food preparation, as well as the unsatisfactory service to the sanitary legislations, which can be considered a means that are conducive to the contamination of meat and a risk to the health of consumers.
Keywords: contamination, structure, hygiene, public health.
1. Introdução
Os açougues são locais de comercialização de produtos de origem animal, como carnes in natura, que podem ser provenientes de suínos, bovinos, aves, peixes entre outros, além de seus subprodutos como linguiças ou outras preparações, podendo estas serem apresentados nas formas resfriadas (temperatura de 0º a 5ºC e não congeladas), refrigeradas (temperaturas próximas de 0ºC) e congeladas (temperaturas inferiores a 0ºC) (FERREIRA, 1986; FRANCO; LUCHESE; MATHIAS, 2016).
Em muitos locais não há uma fiscalização adequada por parte dos órgãos responsáveis, dessa forma, os equipamentos utilizados no processamento dos alimentos podem conter microrganismos patogênicos, resultando em uma exposição do produto a contaminantes e os consumidores aos perigos relacionados aos alimentos contaminados (OLIVEIRA et al., 2008).
A comercialização e o consumo doméstico de alimentos são as últimas etapas da cadeia produtiva e são consideradas críticas quanto às condições higiênico-sanitárias. No Brasil, os produtos cárneos disponíveis para comercialização devem atender aos requisitos microbiológicos estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que estabelece critérios de aceitação para alimentos. Da mesma forma, esses produtos devem atender às condições de armazenamento e comercialização que são estabelecidas e monitoradas pelos órgãos de vigilância sanitária localizados nos municípios (SOARES et al, 2021).
As condições higiênicas do ambiente de trabalho e o cumprimento das exigências oficiais e legais são fatores importantes na produção e comercialização dos alimentos seguros e de qualidade. A carne por ser um alimento muito perecível, necessita da utilização de métodos de conservação eficientes e eficazes, especialmente após o abate do animal (SAMULAK et al., 2011).
Segundo Matsubara (2005), as boas práticas de abate reduzem os riscos de contaminação biológica, química e física, elas abrangem todos os requisitos higiênico sanitários desde instalações, equipamentos, utensílios, condições da matéria-prima, manejo dos animais, requisitos de higiene do ambiente, do manipulador, potabilidade da água utilizada no processo, controle de pragas, manejo de resíduos e tratamento de efluentes.
O Brasil se apresenta como um dos líderes mundiais de produção de proteína animal, com um mercado interno sendo o principal destino de sua produção. Informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, detalham que, dos 24,5 milhões de toneladas de carnes (bovina, suína e de aves) produzidas em 2010, estima-se que 75% desta produção tenham sido consumidas internamente (BRASIL, 2014).
A carne por ser uma excelente fonte de nutrientes como proteínas, minerais, vitaminas, somados ao um pH próximo ao neutro e uma alta atividade de água, transformam esse produto em uma ótima fonte para o crescimento de microrganismos, dentre eles patógenos, sendo, portanto, um meio favorável para contaminações (FERREIRA; SIMM, 2012).
Os estabelecimentos de preparo e comercialização de alimentos, constituídos por padarias, açougues e restaurantes assumem papel importante na qualidade da alimentação oferecida à população urbana e é competência do serviço de vigilância sanitária (Visa) de alimentos dos municípios supervisionar o funcionamento desses estabelecimentos, no sentido de salvaguardar a saúde pública (SOTO et al, 2009).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010), mais de 60% dos casos de doenças de origem alimentar decorrem do descuido higiênico-sanitário de manipuladores, das técnicas inadequadas de processamento e da deficiência de higiene da estrutura física, utensílios e equipamentos.
A sociedade vem buscando cada vez mais a segurança alimentar, ou seja, a oferta de alimentos livres de agentes que possam pôr em risco a saúde do consumidor. A carne e seus derivados são frequentemente envolvidos em casos de toxinfecção alimentar devido à possibilidade de contaminação ocorrer desde as operações de abate, armazenamento e distribuição, sendo sua intensidade dependente das medidas higiênicas adotadas (DANTAS et al, 2017).
Considerando que a contaminação pode ocorrer, em muitos casos, pelas condições insatisfatórias em estabelecimentos que comercializam alimentos, o presente trabalho com base nesta premissa, objetivou avaliar as condições higiênico-sanitárias de balcões, balanças, instrumentos de armazenamento e processamento das carnes comercializadas em açougues municipais localizados no Nordeste Brasileiro, sendo de extrema relevância, uma vez que a ingestão desses alimentos contaminados pode causar diversas doenças para a população, configurando-se como um problema de saúde pública.
2. Revisão de Literatura
2.1 Consumo alimentar brasileiro
Nas últimas décadas, houve grandes transformações no consumo de carnes por parte da população brasileira. De acordo com dados da Organization for Economic Co-Operation and Development – OECD/FAO (2016), na década de 1970, a carne bovina representava 65% do total de carnes consumidas no Brasil, seguida pela suína (27%) e pela de frango (8%).
Os seres humanos são onívoros, isto é, alimentam-se de uma enorme variedade de alimentos tanto de origem animal como vegetal. Desde a pré-história, a carne e outros alimentos de origem animal fazem parte da dieta humana. Alimentos de origem animal incluem carnes, vísceras, aves, peixes, ovos e leite e derivados (ASSUNÇÃO et al, 2012).
No Brasil, a carne mais consumida é a de frango, em segundo lugar destaca-se a carne bovina, seguida pela carne suína ocupando a terceira posição no cenário nacional (SILVA et al., 2019). Os produtos de origem animal são de grande importância para a saúde humana, sendo ricos em proteínas e minerais essenciais para o pleno funcionamento do organismo, como o zinco, ferro e inúmeras vitaminas, destacando-se, principalmente, a vitamina B12 (MATEUS et al., 2017).
Segundo Alexandrino et al., (2020), a ordem de consumo de proteína animal em alguns países é semelhante ao consumo alimentar brasileiro. Por exemplo, nos Estados Unidos, a ingestão de carne de frango destaca-se, diferente da China, onde o ranking é composto por carne suína, carne de frango e a bovina, respectivamente.
2.2 Doenças Transmitidas por Alimentos
A segurança dos alimentos é um assunto que vem aumentando sua importância no mundo, que preocupa governantes, indústrias e consumidores, sendo um desafio para o acesso a alimentos inócuos. A perspectiva de alimentos seguros tem como objetivo garantir que um alimento não causará danos ao consumidor através de perigos biológicos, químicos ou físicos (BARRETO, 2017). Quando qualquer uma destas contaminações, ou mais de um desses fatores estiverem presentes no alimento, pode culminar em uma Doença Transmitida por Alimentos (DTA). Lombardi et al., (2020), destaca que as DTAs são constituídas geralmente por anorexia, náusea, vômitos, e ainda, diarreia relacionada ao consumo de alimentos e/ou água contaminados.
Nesse sentido, o cuidado com a segurança dos alimentos em açougues é essencial, visto que essas ocorrências de doenças transmitidas por alimentos estão relacionadas diretamente com as condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos, práticas inadequadas de higiene pessoal e consumo de alimentos contaminados (BRASIL, 2019). Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, no período entre 2000 e 2017, demonstrou que dentre as doenças transmitidas por alimentos (DTA), a maioria são ocasionadas por bactérias tendo uma maior incidência por Salmonella spp. (35,0%) e Staphylococcus aureus (18,2%) sendo que em 2,42% dos alimentos incriminados mundo foram a carne bovina in natura, onde os principais fatores causais são inadequações físico-estruturais, conservação, manipulação e preparação inadequada (BRASIL, 2018).
Diante do exposto, o controle higiênico, sanitário e físico-estrutural de locais de comercialização dos alimentos proporciona uma quantidade menor desses surtos. A legislação vigente no território brasileiro é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº. 216, de 15 de setembro de 2004, que regula as Boas Práticas para Serviços de Alimentação, abrangendo os açougues (ARAÚJO et al., 2021).
2.3 Boas Práticas de Fabricação
No Brasil, as boas práticas de fabricação (BPF) foram normatizadas através do Regulamento Técnico sobre as Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Elaboração para Estabelecimentos Elaboradores/Industrializadores de Alimentos, regidos pela Portaria n° 368 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, de 04 de setembro de 1997, a qual apresenta como finalidade estabelecer requisitos gerais e essenciais de higiene e de boas práticas de elaboração para alimentos industrializados e elaborados para o consumo humano (PERES, 2014).
As BPF são ações que devem ser realizadas criteriosamente nos locais de alimentação para assegurar o público do consumo adequado de alimentos, e englobam desde o local da empresa até a manipulação e produto final para comercialização (MARMENTINI et al., 2013). Essas ações são obrigatórias pela legislação brasileira e uma ferramenta bastante utilizada para verificação da sua implantação e aplicação é a lista de verificação ou checklist, que permite avaliar as ações de melhorias referentes a um sistema de qualidade, identificando as inconformidades e adotando medidas corretivas necessárias, a fim de adequar os requisitos e reduzir os riscos que comprometem a saúde do consumidor (MOTA et al., 2019).
Os principais benefícios da aplicação dessas práticas estão ligados à conquista de alimentos seguros, maior satisfação do consumidor, aumento da qualidade dos produtos, redução dos custos operacionais, redução dos custos decorrentes de recolhimento de produtos no mercado, diminuição em relação à repetição dos trabalhos por causa de erros e o atendimento às legislações vigentes (MACHADO et al., 2015).
2.4 O uso de checklist para avaliação higiênico-sanitária nos açougues públicos
A utilização de checklist é uma excelente forma de verificação das condições higiênico sanitárias de um estabelecimento de alimentos. Esta ferramenta permite que seja feita uma avaliação preliminar, através da observação, das condições higiênico-sanitárias do espaço. Os parâmetros avaliados são relativos às instalações, saneamento e edificações, sanitização, produção, recursos humanos, condições ambientais, controle de qualidade e de mercado (SILVA et al., 2019).
Essa ferramenta avalia desde a estrutura física da empresa, até os funcionários e sua higiene pessoal. Após sua aplicação, é elaborado um plano de ação. Dessa forma, é possível implementar melhorias e modificar a estrutura da indústria, desde a estrutura física, os equipamentos, a produção e, principalmente, a consciência do manipulador de alimentos, que é um dos principais agentes responsáveis pelas DTA (PERES, 2014).
3. Metodologia
A coleta de dados foi realizada nos municípios de Picos-PI, Dom Expedito Lopes-PI, Santa Cruz do Piauí-PI, Itainópolis-PI, Vera Mendes-PI, Isaías Coelho-PI, Jaicós-PI, Massapê do Piauí-PI, Ipiranga do Piauí-PI, Simões-PI, Jacobina do Piauí-PI, Juazeiro do Norte-CE, Crato-CE, Araripe-CE e Araripina-PE, todos localizados no Nordeste Brasileiro. Foram identificados os açougues públicos de cada uma destas localidades, tendo como foco da pesquisa a caracterização da situação higiênico-sanitária dos referidos locais.
3.1 Avaliação da Qualidade Higiênico-Sanitária e Físico-Estrutural dos Locais de Comercialização:
Foram avaliadas e caracterizadas as condições higiênico-sanitárias e estruturais de açougues públicos localizados em municípios do Sertão Nordestino. Os estabelecimentos foram selecionados com base em conveniência e maior fluxo de pessoal, onde todos foram identificados por números e pelo nome do município visando manter em sigilo o local das mesmas.
Ao chegar nos açougues municipais, realizou-se um levantamento observacional dos estabelecimentos, através da aplicação de uma lista de checagem contendo 40 itens. As categorias presentes nessa lista foram separadas e identificadas por 9 categorias: Categoria 1: vestuário; Categoria 2: asseio pessoal; Categoria 3: hábitos higiênicos; Categoria 4: área de atendimento ao cliente; Categoria 5: manejo de resíduos; Categoria 6: higienização de equipamentos e utensílios; Categoria 7: manipulação do produto; Categoria 8: instalações sanitárias; e Categoria 9: controle integrado de vetores e pragas. Para isso, utilizou-se um roteiro de inspeção (checklist) adaptado conforme a RDC N°275/2002 e 216/2004 da ANVISA, contendo questões referentes às condições de funcionamento dos estabelecimentos comerciais no quesito das condições higiênico-sanitárias dos açougues (BRASIL, 2002; BRASIL, 2004).
O checklist foi aplicado e preenchido pela própria pesquisadora, no qual os itens que apresentarem conformidades aos padrões adequados foram computados como “SIM”, os itens que não possuírem conformidade corresponderam a “NÃO” e aqueles que não forem pertinentes à avaliação do açougue foram considerados a resposta “NÃO SE APLICA” (NA). Para realização dos cálculos, as respostas “SIM” foram contabilizadas por 1 ponto, enquanto a resposta “NÃO” contabilizou o valor 0. Os itens que apresentaram a resposta “NÃO SE APLICA” não foram utilizados na soma final e foram subtraídos do total de itens. Para o cálculo do percentual de adequação global foi utilizada a seguinte fórmula baseada na metodologia também realizada por SANTOS e FERREIRA (2016):
A referida avaliação definiu os percentuais de adequação, em: Bom (Grupo 1, 76- 100%), Regular (Grupo 2, 51-75%) e Deficiente (Grupo 3, 0-50%), classificação estabelecida na RDC 275/2002 da ANVISA, que define os procedimentos de Boas Práticas para esses estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos (BRASIL, 2002). A análise dos dados obtidos por essa avaliação e os cálculos foram todos digitados no programa Microsoft Excel® 2013, com uma planilha para cada estabelecimento. Por fim, todas as informações encontradas dentro dos aspectos observados no checklist foram comparados entre os diferentes estabelecimentos analisados.
4. Resultados e discussão
Os resultados obtidos nessa pesquisa dispostos na Figura 1 demonstraram que 93,33% dos locais verificados se classificam como Grupo 3 (0-50%) sendo assim deficientes, com um percentual de adequação inferior a 51% do total de itens analisados no checklist de verificação, com condições higiênico-sanitárias insatisfatórias, considerados como inadequados perante os padrões da vigente legislação. Desse modo, apenas um local correspondente a 6,67% se enquadrou como regular no Grupo 2, atingindo um percentual de adequação entre 51% e 75% do total de itens investigados.
Figura 1 – Percentual de adequação e classificação dos estabelecimentos analisados.
Fonte: autoria própria.
Todos os estabelecimentos visitados apresentaram algum tipo de não conformidade nas categorias avaliadas no checklist. Aspectos relacionados à utilização de equipamentos de proteção individual, higienização de equipamentos e utensílios, manejo de resíduos, asseio pessoal e controle de vetores e pragas foram os mais negligenciados, apresentando mais de 90% de não conformidades. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Neto et al. (2021), que avaliou as condições higiênico-sanitárias de 30 estabelecimentos comercializadores de carne bovina da microrregião de Castanhal no Pará.
Em outro estudo realizado em Bom Jesus-PI, Rodrigues et al., (2017) observaram que dos 17 estabelecimentos comercializadores de carne analisados apresentaram condições higiênico-sanitárias classificadas em boas (17,64%), regulares (47,07%) e deficientes (35,29%), e nenhum estabelecimento conseguiu atingir a classificação de ótimo (76 a 100% de adequação). Tais resultados corroboram com os dados obtidos no presente estudo, demonstrando os riscos que os consumidores são expostos ao adquirirem produtos nesses açougues.
A partir da aplicação do checklist de verificação, obteve-se os resultados demonstrados na Figura 2, com os respectivos percentuais de adequação dos açougues por município avaliado. Dentre os municípios investigados, o açougue de Jacobina-PI apresentou o menor percentual de adequação com apenas 5,40%, enquanto que Juazeiro do Norte-CE foi o único município com estabelecimentos classificados como regulares.
Figura 2 – Percentual de adequação e classificação dos estabelecimentos analisados.
Fonte: autoria própria.
No que se refere ao vestuário e asseio pessoal, correspondente às Categorias 1 e 2, apresentou os menores percentuais de adequação em todos os açougues analisados, demonstrando um grave risco para a saúde pública, visto que a não utilização de EPI principalmente durante a pandemia de Covid-19, é inadmissível. Além disso, em apenas dois açougues (Crato-CE e Juazeiro do Norte-CE) os manipuladores utilizavam vestimentas de cor clara, adequadas e exclusivas para o exercício da profissão. Esse resultado é preocupante, visto que estes indivíduos devem fazer uso das vestimentas diariamente e trocá-las a cada turno ou final de expediente, porque se usados fora da área de manipulação, podem representar uma fonte de contaminação.
A avaliação das Categorias 3 e 4, que corresponde aos hábitos higiênicos e área de atendimento ao cliente, respectivamente, demonstrou que em 80% dos estabelecimentos havia manipulação de dinheiro ao mesmo tempo em que manuseavam a carne, não realizavam a lavagem cuidadosa das mãos, utilizavam panos de prato para secagem das mãos e utensílios. Apenas em três (Jaicós, Juazeiro do Norte, Crato) desses municípios apresentaram área reservada para manipulação de dinheiro. Este é um aspecto a ser fiscalizado, visto que a maioria das DTA estão ligadas aos hábitos precários de higiene pessoal dos manipuladores e a higienização (VIDAL-MARTINS et al., 2014).
Além disso, ainda destacando a área de atendimento, observou-se que nenhum dos estabelecimentos era climatizado, mas em nove dos quinze havia circulação de ar considerada adequada, corroborando com Araújo et al., (2021). Todavia, os riscos da falta de climatização e ventilação adequadas além de causar condições desconfortáveis de trabalho geram um fluxo de ar inadequado das áreas sujas para as limpas, com potencial de contaminação iminente para os produtos comercializados (RODRIGUES et al., 2017). Esse ponto é relevante, visto que em alguns açougues as carnes ficavam expostas em temperatura ambiente em território caracterizado por suas temperaturas elevadas.
A Categoria 5, que abrange o manejo dos resíduos, apresentou inadequação em mais de 90% dos locais, sem recipientes dotados de tampas com acionamento automático, e em todos os açougues analisados não havia uma área reservada apenas para a estocagem dos resíduos. Tal prática é preocupante, visto que a limpeza regular dos locais que envolvem produtos alimentícios está respaldada na RDC nº 275/2002, que recomenda o descarte correto dos resíduos e limpeza frequente do ambiente, com objetivo de evitar a contaminação e atração de vetores e pragas urbanas (BRASIL, 2002).
Em consonância disso, o controle integrado dos vetores e pragas, analisado na Categoria 9, revelou-se ineficiente, com onze dos quinze locais de comercialização de carnes classificados como inadequados. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Araújo et al., (2021) que avaliou as condições higiênico-sanitárias de dez açougues localizados no Vale do Guaribas-PI.
No que se refere a Categoria 6, referente a higienização de equipamentos e utensílios, apenas cinco locais apresentaram superfícies de cortes das carnes lisas, íntegras e impermeáveis, nos demais açougues algumas inconformidades foram encontradas, tais como balcões em estado de conservação ruim, resíduos de carne e sangue no piso, utensílios de acondicionamento sem higienização, além de ausência de registro de higienização, indo contra ao preconizado pela legislação vigente. Dados semelhantes foram encontrados por Dantas et al., (2017) que, ao observar as condições higiênico-sanitárias de estabelecimentos localizados na cidade de Pombal-PB, verificaram uma elevada inadequação nos móveis, equipamentos e utensílios utilizados nos serviços.
A Categoria 7, que contempla a manipulação, revelou os maiores valores de não conformidade com a legislação, visto a inexistência de programa de capacitação adequado relacionado à higiene pessoal e à manipulação dos alimentos. Esse item identificado na pesquisa torna-se bastante preocupante, demonstrando que a atuação e a fiscalização da vigilância sanitária precisam ser mais ativas nesses municípios do sertão nordestino, de modo a capacitar e colaborar para a adoção de métodos para a resolução dos inúmeros problemas identificados.
Segundo Marchi et al., (2011), a vigilância sanitária das cidades é responsável pelas ações de vigilância de água, alimentos e meio ambiente, visando sempre reduzir agravos à saúde, para que assim cumpram o propósito de eliminar/controlar fatores de risco para a transmissão, incluindo locais comercializadores de alimentos com condições irregulares, e assegurar a segurança e qualidade dos produtos que são consumidos pela população.
Sobre a Categoria 8, referente às instalações sanitárias, observou-se condições higiênicas precárias, com revestimentos de parede e balcões em péssimo estado de conservação, além de balanças e ganchos oxidados, indicando um risco para o consumidor. Além disso, a exposição da carne sobre o balcão e em contato com a parede, assim como presença de cães no local, indicam que o controle de entrada de animais domésticos e pragas não são realizados. Condição irregular semelhante também foi encontrada por Neto et al., (2021) ao analisar açougues nos municípios de Castanhal-PA.
5. Considerações Finais
O elevado percentual de inconformidades para os quesitos avaliados e a classificação geral (Grupo 3 – deficiente) dos açougues do sertão nordestino evidenciam a precariedade nas condições higiênico-sanitárias de comercialização, preparo dos alimentos, bem como o atendimento insatisfatório às legislações sanitárias. Nesse sentido, os riscos de contaminação das carnes e para a saúde dos consumidores estão presentes em praticamente todas as etapas da produção, uma vez verificada a ausência de higiene, manipulação e controles adequados. Fica evidente, portanto, a iminência da fiscalização destes locais, capacitação dos manipuladores quanto às boas práticas de manipulação, além de mudanças estruturais para assim fornecer condições seguras de comercialização.
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