POLÍTICAS PÚBLICAS POR DENTRO DE LINDOMAR BONETI: UMA RESENHA CRÍTICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7829988


Ismael Mendes Andrade¹


O livro de Políticas Públicas por Dentro, de autoria de Lindomar Wessler Boneti, traz reflexões que ressaltam a realidade construída das políticas públicas no contexto social, político e de Estado. Boneti busca refletir sobre as políticas públicas por ‘dentro’, analisando o processo de geração e efetivação, antes mesmo de “conceituar” a Política Pública (PP), dando um diferencial na sua obra. Portanto, deixando a desejar uma relação ao aspecto histórico das políticas públicas no Brasil.

Na concepção de Boneti, é mais interessante entender o processo das políticas públicas e suas etapas antes mesmo de conceituar; entretanto, pessoas que não tenham conhecimento dessa concepção ficam impossibilitadas de compreender de forma mais crítica a obra.

O autor aborda os diferentes gerenciamentos dos recursos públicos e mostra, de fato, como são efetivados as políticas públicas (PP) e os interesses que a circundam, tanto dos movimentos sociais e quanto dos políticos e do Estado (um conjunto de interesse dessas classes).

O autor evidencia o Estado hoje e sua relação com as classes sociais e com a sociedade civil, como se deu origem das políticas públicas e os conflitos de interesse pessoais, econômicos e políticos que são peças chave para o surgimento das PP, reafirmando que a discussão traz a dificuldade de entender o Estado como instituição dominante, a serviço de uma classe dominante.

Posterior ao fim da Guerra Fria, as relações econômicas têm se configurado por meio da nação-estado como uma mera instituição em favor das classes dominantes. Disso se compreende o Estado com ações não mais voltadas para todos os seguimentos sociais, como se fosse uma instituição neutra. Pensar dessa forma seria desconsiderar as forças políticas (poder) e a intervenção nos vários seguimentos sociais.

Boneti afirma que o projeto do Estado e os interesses das elites econômicas estão ligados à força política na ação das PP, a sua definição é condicionada aos interesses das elites globais interligadas a economia e ao capitalismo. Na verdade, existe uma rede que interliga os interesses globais e os individuais. Então, pode se afirmar que as PP não estão unidas a um víeis nacional (com único objetivo), mas sim ao global. Pois existem agentes definidores econômico-capitalistas, batizados por Boneti de elites globais e nacionais que implementa as Políticas Públicas. Por isso, existe atores interessados para elaboração de uma certa PP que é realizada por vários agentes de poder, pois envolvem recursos públicos. Alguns desses agentes de poder são citados por Boneti: partido político; religião; grupo econômico; movimentos sociais; ONG.

O autor, ao longo dos capítulos, busca demostrar, o passo a passo de como é realizada uma Política Pública que vem de um Estado político, para uma população, que nesse processo envolve a gênese das PP. É público em termo de orçamento, mas será que pertence a todos? Será que o público não pode ser mais privado do que público? Chega a ser redundante a discussão de tornar a política pública para todos, uma vez que, em sua essência ela deveria ser. Na verdade durante toda a obra Boneti discute a ligação do Estado-Político-Recurso-Público com os interesses particulares.

Essa gênese, ou podemos dizer trajetória da PP pode sofrer alterações constantes, dependendo do espaço geográfico em que se encontra, dos interesses das elites, das classes e dos políticos que ali estão.

Os agentes definidores das políticas públicas são os principais delineadores de interesses das classes que estão envolvidas, fazendo uma permuta de negócio, de forças, não levando em conta a comunidade que será beneficiada.

Depois de criada, uma Política Pública percorre diferente instâncias, podendo ser alterada até a sua efetivação. Um dos responsáveis por esses processos são os burocratas, tecnicistas, que operalizam (transformam) as PP em projetos de intervenção, sobre os quais os grupos de interessem exercem pressões para que as PP lhes favoreçam. 

Um exemplo desse favorecimento aconteceu em um município do Recôncavo Baiano e traz concepções claras do que Boneti tenta demostrar em seu livro. Nesse munícipio em uma política pública de habitação para 500 famílias, o poder político de todas esferas de governo, agentes (construtoras), movimentos sociais (troca de favores) estavam envolvidos e buscam de forma mais rápida agilizar esse processo desde a elaboração do projeto até sua efetivação. Um ano depois de concretizado, surgem demandas da comunidade como: unidade de saúde, posto policial, creche, centro comunitário e parques de lazer.  Então a comunidade pergunta, cadê o espaço projetado para realizar essas necessidades? Porque não foram realizados anteriormente? E as promessas feitas?

Chegamos à conclusão que os “agentes” não estão interessados nas necessidades particulares da população, ou podem até estar, mas para trazer ‘novos’ benefícios sempre favorecendo o jogo de interesse (poder), como afirma Boneti, tudo isso gera desigualdade social. 

Os motivos que comprometem as PP em nosso País é a partilha dos recursos públicos para beneficiar grupos sociais, religiosos, em municípios que atendem a determinados interesses, ou seja, uma manobra politica de interesse (poder) gerando, um alto custo para a efetivação das PP, desde a sua elaboração até a operacionalização, criando uma rede de micropoderes que contribuem de forma específica para atender os interesses de cada instância de poder.

As Políticas Públicas transitam por um jogo de poder que se estabelece no âmbito das relações sociais, constituídas por grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade cível.

Concordo com o entendimento do autor de que nos passos de uma política pública, existem complexidades que envolvem sua elaboração, sua operacionalização (trajetória) e a sua realização. Toda política pública vem de um desconforto, vontade, desejo, interesse, para com algo. Mas, com o tempo passou a ser vista como ‘jogo de poder’ de ‘ganha pão’ para com a sociedade. Ou seja, as políticas públicas hoje estão voltadas para as forças sociais, mas, também para os interesses de várias classes (agentes).

Atualmente percebemos que as políticas públicas não estão voltadas como uma intervenção do Estado para a sociedade, mas como uma intervenção de interesses políticos (particulares) para a sociedade, pois existem vários benefícios individuais que estão em jogo construída em uma trajetória desde o projeto até a concretização dessa PP.

Continuando, a linha de Boneti, as Politicas Públicas não são construídas separadamente das “classes”, mas com interesses econômicos, visto que separadamente os burocratas se interessam pelas PP desde a elaboração, até os procedimentos administrativos e sua operacionalização; já o político a acompanha desde o seu nascimento, ou até mesmo desde a ideia do planejamento dessa PP, somando ao Estado até a sua realização social. Na verdade, as PP sempre nasceram da sociedade, ou seja, deveriam existir para atender as suas necessidades.

O poder atual em sua estrutura está interligado com o capitalismo global, de caráter tecnológico (conhecimento aceito, utilizado, comprado e vendido) como modelo para igualar as diferenças. O mercado é o auto regulador da esfera econômica e social.  O perfil de uma politica de inovação tecnológica é de maior impacto social, pois beneficia uns seguimentos em detrimento de outros (individual verus competitivo). Nas relações de produção a técnica é utilizada como um fator de dominação, enquanto no âmbito do processo tecnológico não são absorvidas as diferenças, que, portanto, as exclui.  Essa interpretação está ligada à realidade das políticas públicas de desenvolvimento.

Os resultados das políticas públicas podem andar separadamente quando o pretendido existe a atuação de uma classe economicamente dominante que adota um discurso que justifica a ação, mas, não necessariamente da finalidade esperada. Tendo assim, resultados negativos ou não previstos.

Portanto, a política pública sempre trará resultados positivos – ou negativos, do ponto de vista do poder – para toda uma população. Mesmo não existindo interesses específicos de um determinado grupo dominante, sempre existira uma troca de atores sociais envolvidos, beneficiando uns e outros na espera da ação.

Essencialmente, as políticas públicas são intervenções do estado para a mudança da realidade social, considerando o jogo político que permeia as relações políticas, sempre existirão atores, grupos, classes, políticos e sociedade na busca de melhoria tanto de interesse individual-econômico, quanto de interesse social-político. Como afirma Boneti “uma política pública é sempre gerada de um fato político” ou de ‘interesses’ em todos os sentidos.

REFERÊNCIA

BONETI, Lindomar Wessler. Políticas Públicas por Dentro. 2ª Edição. Editora Unijuí: Ijuí, 2007.


¹Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Santo Antônio de Jesus – Bahia
https://orcid.org/0000-0003-2183-8745
ismael.andrade@ufrb.edu.br