A FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7823900


Maria Carmem Silva Batista1
Verônica Maria de Araújo Pontes2
Isabel Cristina Felix da Silva Alves³


Resumo

Durante as últimas décadas o papel que a escola vem exercendo no cenário educacional nacional, tem sido bastante discutido e correlacionado com a atual sociedade, a sociedade da informação. E entre os eixos dessa discussão emergem os questionamentos pertinentes às causas do insucesso das práticas docentes e dos resultados de aprendizagem. Ao compreendermos a instituição escolar como um espaço propagador do conhecimento, essencial e perspicaz ao desenvolvimento do processo ensino aprendizagem, visualizamos sua responsabilidade de socialização e construção de um novo saber, o que a torna inerente e necessária à formação cidadã do homem político em seu processo de inclusão na sociedade. Nesse contexto fundimos com os ideais de que todo o processo de saber sistematizado se inicia com a aquisição da leitura e da escrita, por isso buscamos investigar o porquê, por inúmeras vezes, tal aquisição passa a ser compreendida pelos sujeitos sociais como função única da escola. Nesta perspectiva consideramos o ato de ler como um momento prazeroso, no qual o docente é o mediador da leitura e tem a capacidade de proporcionar o desenvolvimento das habilidades de raciocínio, compreensão, formação de opinião e reflexão que circundam o processo de aquisição e apreensão do conhecimento. Assim, nossa pesquisa objetiva refletir e analisar os aspectos de uma realidade da zona rural, modificando uma cultura de não leitores para uma cultura de leitores, transformando-os em partícipes ativos e socializadores das leituras, disseminando assim uma formação leitora literária. Além de analisar a formação de leitores literários no contexto da educação básica em uma escola pública da zona rural do Município de Mossoró-RN, para tanto trabalhamos com uma amostra de 69 sujeitos, propondo mudanças na prática do professor de língua portuguesa, sugerindo e apontando novos rumos e olhares sobre a formação do leitor literário. Nossa pesquisa é de caráter qualitativo, e nessa perspectiva, optamos pela pesquisa-ação e utilizamos como instrumentos de coleta de dados: questionário e observação. Nosso aporte teórico traz autores como: Azevedo (1998,2010), Colomer (2003), Eco (2002), Freire (2002), Koch (1998), Kleiman (1992), Pontes (2010, 2012), Smith (2003) e Silva (2005) dentre outros.

1 A LEITURA ENSINADA NA ESCOLA: ALGUMAS REFLEXÕES

É pertinente afirmar que a preocupação acerca dos estudos da leitura e da formação do leitor tem sido preocupação constante nas mais diversas instâncias educacionais. E tamanha preocupação faz-se presente nos discursos oficiais, muito embora esses documentos não se restrinjam ao espaço escolar conforme percebemos nas palavras de Pontes (2012, p. 133):

A discussão em torno da leitura, atualmente em nosso país, acontece de forma bem mais profunda e rotineiramente, o que pode ser bem percebido através das pesquisas, eventos em todo o país em torno da temática, e ainda através de projetos, propostas e programas governamentais que viabilizem a formação de mediadores de leitura.

Neste contexto de tanta propagação ideológica enxergamos com bons olhos o empenho dos governantes, das instâncias educativas em prol da leitura e formação do leitor, entretanto, sentimos a necessidade de rever dois questionamentos básicos: o que é e para quê ensinar leitura na escola?

Ao nos deleitarmos em reflexões concernentes às orientações curriculares do ensino básico – ensino fundamental e médio apreendemos que a leitura está presente durante todo o percurso desses dois níveis de ensino. Porém, os resultados aferidos em pesquisas e exames, como por exemplo, SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) têm se apresentado constantemente insatisfatório, o que reflete em uma análise reflexiva concernente ao que tem sido feito nas aulas de Língua Portuguesa.

Segundo Pontes (2012, p. 133): “muitas outras reflexões foram feitas a partir desses diagnósticos de leitura, visto que o currículo escolar dedica tanto tempo ao ensino de língua portuguesa”. Assim, fundamentamos nas palavras de Pontes (2012) nosso questionamento inicial, realçando-o com as proposições dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do qual podemos inferir a importância do ensino desta disciplina para o desenvolvimento e formação do leitor literário. 

Neste contexto, iniciamos nossas colocações afirmando que para formar leitores precisamos de condições que sejam favoráveis à prática social da leitura. E, na verdade dos fatos, somos conscientes que por muito tempo a leitura na escola se deu de forma mecânica e fragmentada, o que hoje é percebido como uma compreensão equivocada de ensino, pois valorizava apenas o domínio dos códigos linguísticos – orais e escritos, deixando a mercê do conhecimento a compreensão do indivíduo e seu envolvimento no processo de aquisição dos diversos saberes veiculados pela escola e fora dela.

Pontes (2012) revela-nos a partir de suas pesquisas e constatações, que a escola é por excelência, o ambiente de difusão do conhecimento. Porém, para que este seja difundido é preciso antes de tudo lê-lo, aprofundá-lo o que só é possível com a democratização da leitura. Ou seja, a escola é responsável pelo ensino da leitura uma vez que a relação leitura x escola é constante e essencial, por isso, o ensino da leitura na escola “deve ser prática constante dos profissionais que nela atuam”. (PONTES, 2012. p. 17). 

Entretanto, inferimos deste cenário que a escola não cumpre bem o seu papel quanto à delimitação dos campos de ação, exclusivamente no que concerne à leitura. E apesar de esta ser compreendida como uma atividade básica do espaço escolar, ainda se percebe, no atual contexto, que as ações leitoras se tornaram preocupação dos pesquisadores e estudiosos em outros campos de ação e fora do contexto escolar, em diferentes espaços e contextos como projetos sociais de entidades privadas ou filantrópicas, por exemplo. 

Contrapondo este ideal e realçando a importância de se trabalhar a leitura na escola, trazemos as afirmações de Pontes (2012, p. 19): “Queremos reafirmar aqui a necessidade da escola despertar o interesse pela leitura tão logo a criança a frequente, pois na infância inicia-se a formação da personalidade e, a vivência com livros, nessa fase, acreditamos que facilitará a formação de leitores”. 

Portanto, podemos apreender a partir dessas colocações que a escola é o espaço de revitalização da leitura e, por isso, deve constantemente vivenciar essa prática não permitindo que essa seja uma atividade secundária e enfadonha, mas sim “estimuladora e socializada de maneira agradável e prazerosa, envolvendo representações, subjetividades, desvendamento de significados, conhecimentos diversos e uma interação textual constante”. (PONTES, 2012. p. 30). 

No entanto, somos conhecedores da realidade que assola nossas escolas e sua relação com a prática da leitura, pois existe um descaso tanto pela leitura como por toda gama de programação que a envolva. Certamente, esse contexto é resultante da percepção que a escola tem de trabalhar a leitura sempre relacionada à busca de informações, ou seja, em um viés de natureza funcional.

Compartilha com essa ideia Pontes (2012, p. 28):

Sabemos que as práticas de leitura na escola estão vinculadas ao fato da escola ser uma instituição e que por isso, em sua maioria, são práticas ligadas a regras e convenções. As leituras realizadas na escola quase nunca correspondem aos desejos, anseios e objetivos de quem lê, e muitas vezes não se sabe nem para que se lê.

Neste panorama retomamos as perguntas iniciais que impulsionaram esta discussão, o que é ler e para quê ensinar leitura na escola. Ora, definir a leitura no sentido lato da palavra não é tarefa simples, e é um tanto quanto limitador é complicado tentar conceituar as interfaces que constituem esta atividade e os sujeitos envolvidos no processo. É certo que a leitura inicialmente foi percebida como um ato de decodificação e decifração, com definições trazidas nos dicionários como “ler é captar signos ou sinais registrados em (um suporte) para recuperar as informações por eles codificadas”. (FERREIRA, 2001, p. 423).

No dicionário Aurélio (2010, p. 127), mediante tantas definições uma é particularmente apaixonante, ler é devanear, ou seja, ler é fantasiar, sonhar. Entretanto, não devemos esquecer que até para fantasiar, sonhar e devanear se faz necessária a compreensão do que se leu, pois assim o sujeito leitor passa a compreender-se no mundo como sabiamente nos afirma Silva (1998, p.44):

O “compreender” deve ser visto como uma forma de ser, emergindo através dos seus conteúdos, ou seja, o texto como uma percepção dentro do qual os significados são atribuídos. Nesse sentido, não basta decodificar as representações indicadas por sinais e signos, o leitor (que assume o modo da compreensão) porta-se diante do texto, transformando-o e transformando-o.

Podemos também compreender a leitura como um processo ativo de construção do significado do texto, uma vez que este serve de base para o diálogo do leitor com o conteúdo lido haja vista as diversas interpretações dadas a um mesmo texto quando lido por sujeitos diferentes, com experiências e vivências divergentes. 

Neste pensar Freire (1994, p.11) afirma: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquela”. Vemos assim, que a leitura ultrapassa os limites de uma simplória decodificação e relaciona-se diretamente com o contexto no qual o leitor está inserido, com sua realidade e vida unindo aprendizagem e realidade. 

Segundo Silva (1998, p.66), “ao ler (compreender) compartilho daquilo que o outro viu”, o que mais uma vez faz-nos concluir que a relação leitor, texto e contexto é fator essencial à compreensão daquilo que lemos. 

Brandão e Micheletti (1998, p.17-18) também confabulam com esses ideais:

O ato de ler é um processo de compreensão, de intelecção de mundo que envolve característica essencial e singular ao homem: a sua capacidade simbólica e de interação com o outro pela mediação da palavra contexto. Contexto não só no sentido mais restrito de situação imediata de produção do discurso, mas naquele que enraíza histórica e socialmente o homem.

Assim, é perceptível a preocupação para que o sujeito-leitor se perceba como agente do contexto e não desvincule a “leitura da palavra da leitura do mundo”. Para Lajolo (2002), a leitura tem o poder de fazer o leitor insurgir contra o próprio texto, alterando-o, transformando-o e proporcionando-lhe novos trilhos e caminhos, pois o sujeito leitor tem a capacidade de emergir no texto e dele emergir.

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. E a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra. (LAJOLO. 2002, p.91).

De acordo com Martins (2003) a leitura é um processo dinâmico constituído por três níveis básicos que sempre estão inter-relacionados, são simultâneos e acontecem de acordo com as experiências, expectativas, necessidades e contexto do leitor.

Sintetizando os três níveis assim se apresentam:

A leitura sensorial tem um tempo de duração e abrange um espaço mais limitado, em face do meio utilizado para realizá-la – os sentidos […] A leitura emocional é mais mediatizada pelas experiências prévias […], tem um caráter retrospectivo implícito; […] já a leitura racional tende a ser prospectiva, à medida que a reflexão determina um passo à frente no raciocínio, isto é, transformar conhecimento prévio em novo conhecimento. (MARTINS. 2003, p. 81).

Se compreendida como uma atividade estritamente linguística, podemos inferir que a leitura se processa na constante interação dos elementos culturais e ideológicos do leitor. Assim, sua constituição não se restringe à mera transmissão do conhecimento das normas culta da língua ou dos conteúdos curriculares, nem tão pouco a simples decodificação de textos. Afinal, sabemos que a leitura é fator preponderante em uma sociedade letrada, haja vista ser uma aquisição necessária e indispensável a todos os sujeitos em seu exercício pleno de cidadania. Ou seja, a leitura é um veículo de acesso à cultura e à realidade social de extrema importância para o desenvolvimento do ser humano, como bem nos afirma Silva (2002, p. 31):

A atividade de leitura se faz presente em todos os níveis educacionais das sociedades letradas. Tal presença sem dúvida marcante e abrangente começa no período de alfabetização, quando a criança passa a compreender o significado potencial de mensagens registradas através da escrita.

Neste viés é sabido afirmarmos que a leitura constitui um processo que busca uma interação entre o leitor e as informações significativas que servirão como base do conhecimento inerente à sua vida escolar e social, o que nos possibilita entender que a leitura deve ser inserida no âmbito do contexto da comunicação humana independente da forma em que esta se apresente.

Tal percepção solidifica-se nas palavras de Martins (2003, p. 20):

A experiência de leitura é de natureza dialógica, coloca o texto como um desafio para o leitor, inapelavelmente enraizado em suas vivências anteriores, orientado pelo seu horizonte de expectativas. E sua realização se desenvolve no fluxo do diálogo da novidade com o conhecimento, circunstanciado por sensações, emoções, ideias efêmeras, mas com mil desdobramentos.

É pertinente expor que ao adquirir a leitura o sujeito se torna capaz de dominar os códigos escritos e de construir seu próprio pensamento, e é na escola que o homem se apodera deste saber que perpassam a existência do indivíduo na escola e fora desta, como bem nos diz Lajolo (2002, p. 7), “em nossa cultura, quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais intensamente se lê, numa espiral quase sem fim, que pode e deve começar na escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se nela”.

Mediante este fato questionamos acerca de qual contribuição o ensino da leitura pode proporcionar ao sujeito frente à sua inserção social. É concernente elucidarmos que o ato da leitura em toda sua conjuntura de função e concepções de leitura é mutável e varia de acordo com as expectativas da sociedade vigente. Este ensejo nos serve como âncora às indagações que norteiam nosso pensar: Como a leitura está sendo praticada na escola? Quais suportes fundamentam as práticas escolares?

Os PCN – Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa postulam que:

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe sobre a língua: característica do gênero, do portador, do sistema da escrita, etc. Não se trata de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão na qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura propriamente dita. (BRASIL, 1997, p.53).

Esse discurso dos PCN reflete a necessidade de se compreender a leitura como uma atividade significativa para o leitor, que representam aspectos inerentes ao seu contexto social e ultrapasse o processo de uma simples aquisição de escrita visto que, como já percebemos nas colocações evidenciadas até o momento, qualquer esforço que apresente a leitura como obrigação, não favorece a formação do leitor e, portanto, não resultará positivamente. 

É certo que são inúmeros e diversos os discursos que tratam do ensino da leitura na escola brasileira, incluindo resultados de pesquisas que apontam um índice significativo de sujeitos com problemas de leitura no Brasil. 

O último INAF divulgado em 2012, revelou que apenas 01 em cada 04 brasileiros que frequentam a escola domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática, apesar de termos saído de um percentual de apenas 61% da população alfabetizada funcionalmente para 73%. Tais dados demonstram que o Brasil avançou principalmente nos níveis iniciais da alfabetização, entretanto ainda não conseguiu progressos visíveis no alcance de níveis mais altos, que são hoje condição para inserção plena na cultura letrada e direito de todos os cidadãos.

Dados semelhantes também são revelados pelo PISA3, que em seu último resultado do ano de 2012 evidenciou que o desempenho dos estudantes brasileiros no quesito leitura regrediu quando comparado ao resultado de 2009, revelando um total de 410 pontos em leitura, dois a menos do que a sua pontuação na última avaliação e 86 pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Assim, o país ficou na 55ª posição do ranking de leitura, abaixo de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia.

Tais dados patenteiam a realidade que se propaga em nossas escolas que é uma ausência quase que predominante do desenvolvimento das habilidades consideradas mínimas para a compreensão de um texto, e realça a existência de um problema no ensino da leitura: a formação de leitores. 

Assim, essa é uma das consequências do despreparo de uma parte significativa dos docentes, ou a dificuldade em se trabalhar uma pluralidade de leituras e usufruir de textos literários, visto que, no dia a dia da prática educativa predomina-se o livro didático e quase sempre os textos engessados apresentados em suas unidades. 

Dessa forma, somos conduzidos aos questionamentos acerca da eficácia, e da qualidade dos suportes que subsidiam as práticas de leitura, à luz deste olhar Santos e Souza (2004, p.81) afirmam: “ Precisamos discutir o papel da escola que se constitui em ambiente privilegiado para a formação do leitor. Nela é imprescindível que a criança conheça livros de caráter estético, diferentes dos pedagógicos e utilitaristas, usados na maioria das escolas”.

Para Silva (1998, p.32) a leitura trabalhada na escola se desenvolve a partir dos textos “didáticos” que compõem o livro didático e os “didatizados” que representam a escolha do docente para fundamentar algum momento de sua prática. No limiar desta percepção se manifesta outro problema consistente à prática e a forma como a leitura está sendo trabalhada em nossas escolas, pois o docente acaba sendo apenas um mero transmissor dos textos “impostos” pelo livro didático, textos que inúmeras vezes não atendem às expectativas e anseios dos discentes. 

E para evidenciar este pensar, Silva (2005, p. 54) diz:

Essas obras, mais do que responder em sua composição temática ou estética àquilo que podemos interpretar como sendo adequado ao leitor, ao seu momento, à sua condição, ao seu interesse e motivação, ao seu nível de aprendizagem na escrita e na leitura, parecem responder às expectativas que circulam e se disseminam de maneira hegemônica em nosso tempo cultural, aos valores do mercado.

Dessa forma, o professor se faz “sujeito do processo da didatização”, buscando e ancorando sua prática em suportes de leituras quase sempre inadequados. E assim, a leitura permanece no viés de um trabalho que visualiza apenas aspectos pedagógicos e desprovidos de significado. Além disso, a leitura desenvolvida na escola por meio desses textos nos evidencia uma concepção que exclui a característica dialógica do texto, resumindo-se a simples recortes descontextualizados, fragmentados e incapazes de favorecer o estabelecimento de relações entre o texto, com outros textos lidos e vivenciados pelos alunos.

Outro fator que contribui para o fracasso da leitura na escola é o fato desta, em alguns momentos, ser trabalhada em uma concepção de decodificação, prevalecendo aqui um condicionamento ao processo estímulo-resposta, que pouco tem a ver com o pensamento e significação do conhecimento. Uma leitura sem significado e mecanicista encontra-se bastante presente em nossas escolas, especialmente nos anos iniciais de alfabetização.

Esta prática recorrente desde a década de 80, quando já era criticada pelo educador Paulo Freire, proporciona sérias distorções na formação inicial dos leitores. 

O trabalho de memorização mecânica dos ba – be – bi – bo – bu […] reduz a alfabetização ao ensino puro da palavra, das silabas ou das letras. Ensino em cujo processo o alfabetizador fosse “enchendo” com suas palavras as cabeças supostamente “vazias” dos alfabetizandos. Pelo contrário, enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo da alfabetização tem, no alfabetizando, o seu sujeito. (FREIRE, 1994, p.19)

Neste mesmo limiar Silva (1998) coloca-nos a preocupação em torno da leitura, ressaltando que esta não deve ser confundida como um mero processo de decodificação de sinais, limitado apenas a reprodução mecânica de informações, pois sob esta ótica não temos um leitor, mas sim um consumidor passivo de mensagens, e a leitura nada mais será, do que simples amontoado de informações insignificantes e irrelevantes para o leitor.

Não estamos com estes excertos dos autores querendo dizer que não se faça importante a aquisição do conhecimento do alfabeto no contexto escolar, mas apenas tentando elucidar que tal prática seja desenvolvida com textos que façam parte do universo infantil e que desconsiderem o ensino fragmento e sequenciado, primeiro as letras, sílabas, palavras, frases e só depois a presença dos textos, como se a criança não fosse capaz de apreender os signos linguísticos dentro de um contexto de leitura mais amplo.

Para Soares (1998) outro problema que caracteriza o ensino da leitura na escola é a forma como a literatura infantil é introduzida neste espaço, sendo geralmente apresentada ao discente através de fragmentos trazidos pelo livro didático. O autor expõe que esta forma de escolarização da literatura deturpa o ensino da leitura, pois o trabalho é feito a partir de textos fragmentados. Quando se lança mão de um fragmento de texto da literatura infantil, muito frequentemente não se cuida de que o fragmento apresente, também, textualidade, isto é, que apresente as características que fazem com que uma sequência de frases constitua realmente um texto (SOARES, 1998, p.31).

Sem dúvida alguma o texto literário é importante e necessário à formação inicial do leitor literário, como nos comprovam Aguiar e Bordini (1995, p.13):

Todos os livros favorecem a descoberta dos sentidos, mas são só os literários que o fazem de modo mais abrangente. Enquanto os textos informativos atêm-se aos fatos particulares, a literatura dá conta da totalidade do real, pois, representando o particular, logra atingir uma significação mais ampla.

Certamente, neste ponto, deduzimos mais equívocos metodológicos que perpassam o ensino da leitura na escola e advêm dos livros didáticos, os quais buscam interpretações uniformes e respostas idênticas quando as questões são formuladas e aplicadas a sujeitos diferentes oriundos de diferentes contextos; ação está, impossível de concretização, haja vista que um texto literário é polissêmico e proporciona ao sujeito uma viagem mágica, tornando-o capaz de criar, recriar e compreender o texto. As definições apresentadas aqui diferem muito bem o texto literário de um texto didático.

O texto literário não é um texto didático. Ele não tem uma resposta, não tem um significado que possa ser considerado correto. Ele é uma pergunta que admite várias respostas, dependendo da maturidade do leitor. Ele é um campo de possibilidades que desafia a inteligência de cada leitor individualmente (TUFANO, 2002, p.41).

O texto literário tem a capacidade de fazer o leitor viajar, não tem respostas prontas, mas artisticamente aponta diversos caminhos para inúmeras percepções e respostas. Isto porque, a literatura é a “arte das palavras”, e assim instiga e desafia o leitor a vitória dos mais inusitados desafios.

Considerando também as palavras de Trevizan (1998) podemos concluir que a escola transforma o texto literário em pedagógico, e esta é uma prática empobrecedora, pois anula a característica estimuladora e reduz a potencialidade crítica que eles apresentam. “Quanto melhor literariamente for o texto, mais complexo e profundo será o diálogo com o homem, oportunizando-lhe reflexões profundas sobre a identidade humana, individual e social”. (TREVIZAN, 1998, p.83).

Fundamentados em todos esses discursos, e respaldados nas concepções de Zilberman (1999, p. 44) podemos afirmar que o uso equivocado do texto literário na escola: “Não se fundamenta no endosso submisso da tradição, na repetição mecânica e sem critérios de conceitos, mas deflagra o gosto e o prazer da leitura e possibilita o desenvolvimento de uma postura crítica perante o lido e o mundo que este traduz”.

Mediante todo este contexto percebemos que a escola tem sido tendenciosa a trabalhar frequentemente a leitura em uma sistemática de “praticidade linguística”, ou seja, como pretexto para o desenvolvimento de uma disciplina curricular, limitando-se a função de instrumentalização da língua.

Precisamos corrigir e direcionar os rumos do ensino da leitura na escola, “propiciar às crianças experiências de leitura enriquecedoras, […] como uma realidade possível, ativadora da imaginação e do conhecimento”. (AGUIAR. 2011, p. 10). 

Sem dúvida, consideramos assim, o quanto é importante a inserção da leitura na escola, e por isso compreendê-la como necessária e obrigatória, pois é uma responsabilidade social tamanha da qual a escola não pode se desvencilhar.

Portanto, a escola ainda necessita abrir espaços para a leitura criando oportunidades e momentos pedagógicos nos quais os alunos possam participar da sua prática e ser capaz de se tornar um leitor. Afinal, “a leitura é condição de vida do homem, se considerarmos vida no sentido de transcendência do próprio homem, ou seja, se considerarmos a vida não só a vida do homem como ser do mundo, e como participante da sociedade dos homens”. (FAZENDA, 1994, p. 59).

No âmbito dos Parâmetros Curriculares Nacionais a leitura é destacada como fator imprescindível no processo ensino-aprendizagem, pois o desenvolvimento pleno da competência leitora proporcionará ao discente a proficiência nas demais disciplinas que constituem o currículo escolar. 

De fato, a leitura permeia e alicerça qualquer outro conhecimento pois ao se tornar um leitor fluente o aluno poderá entender os enunciados, ter criticidade diante dos conteúdos apresentados e posicionar-se diante de discussões, embasando ou refutando os argumentos que lhe forem postos.

Faz-se necessário ainda perceber que a constituição, bem como o desenvolvimento desta competência leitora é decorrente das práticas de leitura existentes em sala de aula. Por isso, a escola deve organizar-se em torno de uma política de formação de leitores. Todo professor, não apenas o de Língua Portuguesa, é também professor de leitura”. (BRASIL,1998, p.14). Entendendo assim, os PCN destacam a competência leitora como responsabilidade da escola como um todo e de seus ensinos e professores, todos responsáveis pelo papel de formação de leitores e o professor de língua portuguesa mais ainda capaz e responsável por formar leitores aptos, dinâmicos e cientes do manuseio diversificado dos inúmeros gêneros textuais.

Para os PCN:

Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequadas para abordá-los de formas a atender a essa necessidade. (BRASIL, 1998, p. 15).

Dessa forma, a competência leitora propaga uma leitura consciente e enriquecedora, capaz de ampliar os conhecimentos do leitor concretizando sua aprendizagem, uma vez que este torna-se detentor da capacidade de usar a leitura em prol do próprio benefício e crescimento.

É relevante expor que não se exaure das orientações dos Parâmetros as atividades de leitura espontânea, e segundo este documento o docente deve permitir que os alunos escolham suas leituras, pois é fato que em seu universo exterior à escola, os leitores escolhem o que leem. Portanto, precisamos trabalhar o componente livre da leitura, caso contrário, ao sair da escola, os livros ficarão para trás (BRASIL, 1998).

No entanto, sabemos que uma das atividades mais frequentes e corriqueiras desenvolvidas no âmbito da sala de aula, ainda é a primária “leitura em voz alta” e suas respectivas questões de interpretação. O que nos faz inferir que a prática de leitura desenvolvida no ensejo escolar precisa ser reconsiderada e assumir um novo olhar. 

Inerente a esta discussão consideramos alguns apontamentos dentre as inúmeras possibilidades de se realizar uma prática leitora que realmente se fundamente na percepção de formação do leitor. Gostaríamos de ratificar que são proposições reais e possíveis de se realizarem em sala, e que podem subsidiar uma prática de leitura diária que exponha seus objetivos para aluno, valorize os conhecimentos prévios, as interpretações e o direito de escolha de cada sujeito fomentando assim sua formação leitora. 

E dentre as sugestões de propostas didáticas específicas para a formação de leitores elencamos: a leitura colaborativa; os projetos de leitura; atividades sequenciadas de leitura; atividades permanentes de leitura; leitura feita pelo professor. 

Por fim, ressaltamos que a leitura e formação do leitor literário em qualquer ciclo educacional em que se encontre, precisa que suas atividades se desenvolvam em um contexto de construção do significado e não se resuma a tarefas de decodificação, sem esquecermos que o leitor iniciante tem percalços em seu caminho, pois aprender e coordenar as estratégias de decifração, seleção, inferência e verificação não é tarefa simples para quem está conhecendo o universo da leitura. Entretanto, é de máxima importância que o aluno seja colocado em situações onde se leia com alguma finalidade específica e participação dos colegas, porém sob a orientação e ajuda do professor, afinal, “desde o primeiro ciclo é preciso que os alunos leiam diferentes textos que circulam socialmente”. (BRASIL, 1998. p. 70).

Assim, julgamos ser indispensável repensarmos todo esse contexto para que possamos realmente obter sucesso no processo de formação do leitor literário, ou seja, precisamos transformar a escola em um mundo literário, cheio de encantamentos. E para isso, é importante que o professor se desenhe da didática atual, investigue as inovações e construa uma nova docência voltada para a formação do leitor literário e importância do desenvolvimento da leitura, garantindo a ascensão social dos sujeitos envolvidos no processo.

2 A INTERVENÇÃO NA ESCOLA

Nossa pesquisa desenvolveu-se em uma escola municipal, localizada na Comunidade de Passagem de Pedras, zona rural de Mossoró/RN. A instituição é de uma estrutura física relativamente pequena constituída por 05 salas de aula que funcionam nos turnos matutino e vespertino; sala de professores; um laboratório de informática; uma biblioteca dinamizada durante o projeto; secretaria; direção; cozinha e banheiros. É a única da comunidade, tem 49 anos de existência. 

Para tanto, envolvemos 62 alunos regularmente matriculados nas turmas de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental, em um universo de 294 alunos. Trabalhamos também no diagnóstico e na intervenção, com um universo de 04 professores, sendo 01 de Língua Portuguesa; uma diretora e uma supervisora pedagógica. 

Um projeto de intervenção parte do pressuposto que temos um problema que precisa de solução, daí a necessidade de uma intervenção positiva. Quando discursamos e prevemos a necessidade de fazer intervenção, estamos instigando todos os sujeitos envolvidos na situação cotidiana vivenciada a sair do lugar comum de acomodação no espaço de trabalho, é uma convocação à reflexão acerca de propostas efetivas que objetivam resolver o “problema” detectado. 

De acordo com Paz (2013) os projetos intervencionistas são elos que unem o desejo e a realidade e que foram projetados a partir do desejo de mudança. Iniciam-se em um diagnóstico situacional sobre determinada problemática e objetivam contribuir para resolução, minimizando e propondo mudanças neste contexto.

Nosso projeto de intervenção foi pensado frente à constatação da ausência de leitores literários no ensino fundamental da escola supracitada (campo da pesquisa), e as dificuldades que os nossos alunos apresentavam de compreensão e interpretação nas mais diversas disciplinas o que compromete o bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. 

Assim, o projeto foi planejado, discutido e refletido junto aos professores e alunos pesquisados, e a partir de então desenvolvemos as atividades significativas de leitura literária em sala de aula, na biblioteca da escola e na comunidade.

No quadro abaixo apresentamos as atividades intervencionistas desenvolvidas e propagadas por esta ação. Situamos o leitor que antes de qualquer realização trabalhamos bastante a motivação dos alunos, buscando ressaltar a magia da leitura e ao mesmo tempo conscientizando-os quanto a importância e os objetivos das atividades. Neste pensar objetivamos que os alunos encontrassem sentido no que estavam fazendo, considerassem interesse e acreditassem ser capazes, pois acreditamos ser este o primeiro passo no caminho de uma formação leitora.

Todas essas ações foram desenvolvidas durante a efetivação de nossa proposta de intervenção, pelo período de um ano letivo. Os alunos envolvidos e todo o corpo docente iniciaram no projeto com uma certa aversão ou até desconfiança, mas com a dinâmica das atividades em pouco tempo estavam encantados, o que gerou excelentes frutos como resultado final. 

Os resultados foram tão solícitos e eficazes que tanto a equipe docente e administrativa, quanto a grande maioria dos alunos pediram para que déssemos continuidade. Entre os resultados positivos podemos citar o visível aumento na aquisição dos livros da biblioteca, além do uso mais frequente desse espaço e ainda a compra realizada por todos os alunos do 6º ano de uma obra trabalhada nas ações do projeto. Desejamos ressaltar, de forma singular e emotiva essa aquisição, pois representa uma mudança aquém de uma simples compra, uma vez que expressa uma transformação de conceitos e opiniões de toda a comunidade escolar, haja vista que no início do projeto alunos e pais recusaram-se a compra de livros, por acreditarem ser suficiente os livros didáticos doados pelo governo.

E assim, temos o prazer de abordar que a semente germinada nesse projeto transformou nossos alunos, enchendo-os de magia e encantamento literário, temos hoje vários “Joãos pé-de-feijão” que viajam além do céu e do mar, lutam com piratas e adormecem na terra do nunca. E que mesmo voltando a realidade ao fechar o livro, o prazer pela leitura está intrínseco em seu íntimo de tal modo que o leitor literário inexistente inicialmente, agora é realidade e existência.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Vera Teixeira de. Era Uma Vez (Contos de Grimm). Porto Alegre: Kuarup, 1989.

 __________; BORDINI, Maria Glória. Literatura: formação do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.

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[3] O Programme for International Student Assessment (Pisa) – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – é aplicado a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. O programa é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em que participam 34 países membros e vários países convidados chegando em 2012 a um total de 65 países participantes

1Mestre em Língua Portuguesa pela UERN; Professora contratada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN;
2carmem_prof@hotmail.com Doutora em Literatura para a Infância pela Universidade do Minho/Portugal; Professora Adj.IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte- UERN; veronicauern@gmail.com
³Mestranda