O DESENHO COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA COM ADOLESCENTES: RELATO DE CASO

DRAWING AS A COMMUNICATION TOOL IN PSYCHOANALYTICALLY ORIENTED PSYCHOTHERAPY WITH ADOLESCENTS: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7826707


Geovanna Alexsandra de Queiroz da Rocha Grécia1
Thalia Mendes Lopes2
Flávia Ferro Costa Veppo3


RESUMO: A psicoterapia de orientação psicanalítica com adolescentes é uma área da psicologia direcionada ao funcionamento psíquico desses sujeitos, atuando de forma preventiva e interventiva nos processos relativos ao desenvolvimento psíquico, físico e socioemocional referentes a esta faixa etária. A proposta deste artigo está em apresentar o desenvolvimento de um atendimento realizado no campo de estágio em psicologia clínica com adolescentes no Serviço de Psicologia Aplicada de uma Instituição de Ensino Superior (IES). Desse modo, pretende-se demonstrar as peculiaridades do atendimento clínico com adolescentes, de forma a ampliar a discussão no que se refere aos desafios e ao manejo adequado.

Palavras-chave: Psicoterapia, Adolescência, Lúdico, Relato de caso. 

ABSTRACT: Psychotherapy with adolescents is an area of ​​psychology aimed at the psychic functioning of these subjects, acting in a preventive and interventional way in the processes related to the psychic, physical and socio-emotional development of this age group. Therefore, the purpose of this article is to present the development of a service carried out in the field of internship in clinical psychology with adolescents in the Applied Psychology Service, under the bias of a psychoanalytic approach, aiming to contribute to scientific knowledge. Thus, to demonstrate in practice the peculiarities of clinical care with adolescents, the challenges and management, which require greater flexibility from the psychotherapies.

Keywords: Psychotherapy, Adolescence, Ludic, Case report.

  1.  INTRODUÇÃO

A Psicoterapia com adolescentes é uma área da psicologia direcionada ao funcionamento psíquico desses sujeitos, atuando de forma preventiva e interventiva nos processos relativos ao desenvolvimento biopsicossocial dessa faixa etária. Erik Erikson (1968) referia a adolescência como uma fase do desenvolvimento humano que pode ser compreendida como um período repleto de crises que levam o jovem a construir sua identidade. É um período da vida caracterizado por exigências complexas, onde os processos biológicos e psicossociais atuam simultaneamente (FROTA, 2007; AYUB; MACEDO, 2011).

Nesse artigo serão abordados quatro tópicos: a adolescência e a psicanálise, a psicoterapia psicanalítica com adolescentes, a comunicação no setting e o lúdico como recurso terapêutico. No primeiro tópico, serão explorados conceitos e desafios encontrados nessa faixa etária; no segundo tópico, explicaremos o funcionamento do atendimento clínico com adolescentes; no terceiro tópico, explanaremos sobre a comunicação no setting terapêutico com adolescentes; e no último tópico, abordaremos de que modo o lúdico atua como recurso terapêutico no setting terapêutico.

Assim, a proposta deste artigo, cujo método é de caráter qualitativo e consiste em um relato de caso, é apresentar o desenvolvimento de um atendimento realizado no campo de estágio em psicologia clínica com adolescentes no Serviço de Psicologia Aplicada de uma IES, sob o viés de uma abordagem psicanalítica, visando contribuir para o conhecimento científico. 

1.1 A adolescência e a psicanálise

Segundo Aberastury e Knobel (1981), para o adolescente, entrar no mundo dos adultos significa perder seu status de criança. Pode ser entendido como um momento decisivo na vida desses sujeitos, uma vez que representa uma etapa muito importante que se caracteriza pelo processo de separação definitivo que teve início no nascimento. As mudanças próprias dessa fase levam os adolescentes a estabelecerem uma nova relação com seus pais e com o mundo, que só ocorre a partir da elaboração do luto, um luto não só da perda do corpo infantil, mas sobretudo da sua identidade infantil. O adolescente passa então a flutuar entre opostos extremos – dependência e independência – que acarreta um período confuso e por muitas vezes doloroso, caracterizado por embates com o meio familiar e social.

Para compreender a adolescência sob a ótica da psicanálise, faz-se necessário recuar ao período anterior, denominado por Freud de latência, onde consta a inibição das pulsões sexuais que impulsionam as fantasias construídas na infância. No entanto, durante a   adolescência, essas fantasias adormecidas são despertadas, tendo grandes envolvimentos referentes à sexualidade (GARRITANO, 2012). Matos (2017) afirma que a explosão biológica oriunda da puberdade, permitirá o adentrar na adolescência através do corpo, sendo necessário também que esse processo se dê através de suas ideias e afetos. 

Sendo assim, será preciso que o adolescente “se volte para o seu passado, onde o terreno da infância ainda lhe é conhecido e seguro” (MATOS, 2017, p. 129). Ao retornar e reconciliar-se com o seu passado, através da verificação da resolução do Édipo, será possível que este vislumbre um futuro. Durante esse momento de redescoberta, o adolescente buscará confirmar o que foi antes estabelecido com um dos genitores, no que se refere a identificação, e buscará essas mesmas características no parceiro com quem irá se relacionar. 

Perante Matos (2017), nesse período, o sujeito também descobrirá as suas próprias limitações, passará a questionar valores e normas familiares e apresentará forte adesão aos valores e as normas de grupos e amigos. É um momento de ruptura e aprendizado, uma etapa caracterizada pela necessidade de integração social, autoafirmação e independência através da definição da sua identidade. Segundo Garritano (2012), o principal e mais doloroso trabalho psíquico realizado na adolescência é o de desligamento da autoridade dos pais. Essa necessidade afeta tanto pais quanto filhos, gerando neles intenso sentimento de angústia e ambivalência (MATOS, 2017). 

Além do mais, é uma fase da vida marcada por necessidades complexas, levando a uma necessidade inegável de investimento no sujeito. Fatores biológicos, considerados intrínsecos à puberdade, especificam mudanças físicas e fisiológicas, enquanto as demandas psicológicas incluem o intenso trabalho de transições psicossociais metabólicas, mais especificamente atribuídas à puberdade. A sua própria estrutura, é uma experiência de inadequação, pois se está em busca de um novo saber, deixando-se a posição infantil em direção à vida adulta. 

Ao considerar a adolescência como um tempo de reorganização, identificação e escolhas, é essencial oferecer horizontes saudáveis de inscrições pulsionais para que o adolescente entre no mundo adulto. De acordo com Garritano (2012), existe uma questão a respeito do conceito psicanalítico sobre a adolescência que precisa ser considerado, que corresponde aos comportamentos enquanto resultado das mudanças biológicas e sociais e sobre este ser um processo inerente é crucial para a constituição do sujeito. 

1.2 Psicoterapia psicanalítica com adolescentes

Considerando o que foi abordado no tópico anterior, podemos pensar a psicoterapia como um meio que possa contribuir positivamente com os fatores relativos à adolescência, facilitando a compreensão e a comunicação dos conteúdos conscientes e inconscientes (SEI; OLIVEIRA; BRAGA, 2014). A psicoterapia de abordagem psicanalítica se baseia nos fenômenos de transferência-contratransferência, mecanismos de defesa, entre outros, próprios da abordagem. Todavia, o atendimento com adolescentes diverge do atendimento com adultos. Nesse sentido, alguns pontos devem ser considerados. 

O primeiro ponto refere-se a frequente interferência de terceiros, pais e/ou responsáveis, e apesar da inclusão destes ser necessária no processo terapêutico, o nosso compromisso se dá com o paciente e com as demandas por ele apresentadas.  Outro ponto, corresponde a busca pelo acompanhamento, sendo que atualmente se percebe uma diferenciação, pois os jovens demonstram-se cada vez mais interessados e reconhecem a necessidade do atendimento, enquanto antigamente essa busca restringia-se basicamente aos pais e/ou encaminhamento da escola. A comunicação também se diferencia, uma vez que adolescentes, por se encontrarem em uma fase de transformações físicas e psíquicas, costumam se comunicar por meio de linguagens próprias da idade, além de utilizar formas pré e paraverbais no setting, como gestos, vestimentas e, por muitas vezes, o meio lúdico (CASTRO et al., 2009).

Segundo Castro et al. (2009), a psicoterapia psicanalítica se divide em três fases: início do tratamento, fase intermediária e término, sendo determinadas pelo vínculo terapêutico e não por sua duração. É importante ressaltar o fato de que o adolescente está em pleno desenvolvimento, com mudanças e transformações constantes, podendo tornar o processo psicoterápico um pouco mais complexo. 

A fase inicial corresponde a construção de vínculo e é nele onde costumam ocorrer muitas desistências. Isso ocorre pelo fato do terapeuta se encontrar com menos recursos para trabalhar junto ao paciente diante de suas desconfianças e resistências, uma vez que suas emoções e ansiedades ainda serão compreendidas para só então serem trabalhadas. É necessário nesse primeiro momento, criar um ambiente acolhedor, pois a aliança tenderá a evoluir a partir da ligação com o terapeuta e, consequentemente, sua percepção de necessidade de ajuda. No final dessa fase, o paciente já se alinhou ao terapeuta com o objetivo de identificar conflitos e elaborá-los, demonstrando compromisso com seu processo terapêutico (CASTRO, 2009; IANKLEVICH; LUZ, 2005).

A fase intermediária, estende-se do início da aliança terapêutica até a proposta de término da psicoterapia, tendo como objetivos: examinar, analisar, explorar e elaborar os sintomas e as dificuldades emocionais apresentadas pelo paciente. A evolução é percebida pela continuidade dos temas trazidos e a consequente diminuição dos seus sintomas. O terapeuta passa a ser entendido como alguém que faz parte da vida desse sujeito e a confiança e intimidade se consolidam, podendo também emergir sentimentos não só positivos, mas também negativos em relação ao terapeuta. 

Nesse sentido, citamos a transferência e a contratransferência, movimentos básicos e importantes no setting. De acordo com Andrade (2020), na clínica freudiana, a transferência não seria apenas de ordem consciente, mas também construída por ideias que foram retidas ou que são inconscientes. A transferência é uma ferramenta necessária e fundamental para trabalhar na clínica. O terapeuta pode estabelecer novas referências simbólicas, para que o sujeito enfrente seus desejos, pois é necessário que o paciente coloque o terapeuta no processo terapêutico, transferindo os sentimentos associados à imagem familiar. Entende-se então, que a transferência facilita o surgimento da resistência, o que significa superá-la no trabalho terapêutico. Já a contratransferência pode ser definida como um conjunto de reações do terapeuta à transferência do paciente. Ela estabelece o vínculo, permitindo que eles trabalhem juntos. Contribuindo na compreensão de certos sentimentos que são emitidos na mente do terapeuta pelo paciente, despertados por suas vivências e sentimentos (CASTRO et al., 2009). Para isso, todas as ações do sujeito devem ser entendidas nessa relação transferencial.

Castro et al. (2009) relata que o paciente só poderá ser ele mesmo quando se sentir de fato seguro em um ambiente em que ele possa ter experiências que remetem às suas mais diversas emoções e aos estados de seu inconsciente. Um ambiente onde possa mostrar sua agressividade, seu ódio e sua inveja, pois sabe que nesse espaço esses aspectos serão trabalhados, tolerados, respeitados e integrados a sua personalidade. Sem essa liberdade, o verdadeiro self poderia ficar encoberto. Nesse sentido, a fase intermediária pode ser entendida como a fase mais longa de todo o processo, pois durante esse período se explora, interpreta e elabora os conflitos. 

A fase final corresponde ao fim do processo terapêutico. O início se dá no primeiro diálogo sobre sua finalização até sua efetivação combinada entre as partes ou não. A ideia pode surgir tanto do paciente como dos pais ou do próprio terapeuta. Quando se trata dos pais, é necessário criar um ambiente de desmame. É importante trabalhar com o adolescente o processo de separação e despedida. Para Castro et al. (2009), a elaboração do processo de separação é apenas o ponto de partida para que o paciente possa seguir seu caminho com mais autonomia, desfrutando das conquistas obtidas no decorrer do processo.

1.3 A comunicação do adolescente no setting terapêutico

Como abordado anteriormente, uma das peculiaridades do atendimento com adolescentes é a comunicação. Na adolescência é evidenciado um alto nível de angústia e a capacidade de simbolizar ainda está em construção. De acordo com Levisky (1998), muitos adolescentes ainda sentem dificuldade em se comunicar de forma clara a fim de demonstrar seus medos, angústias e interesses. Portanto, ao se tratar de comunicação com adolescente é importante compreender que o silêncio estará frequentemente presente nas sessões, mas não deve ser compreendido somente como resistência, pois também poderá ser usado como função elaborativa em que o paciente passará a refletir e integrar os conteúdos trabalhados no atendimento (SANTOS; SANTOS; OLIVEIRA, 2008).

Consoante a Nasio (2010), o silêncio tem seu impacto tão decisivo quanto as próprias palavras ditas. Compreende-se ter um grande valor diante do que pode trazer, abrindo portas para insights ou até mesmo criando resistências. Dessa forma, no setting terapêutico quando o psicólogo entende que deve se calar, ele pratica uma intervenção técnica adequada, pois silenciar quando necessário significa pensar que o inconsciente é antes de tudo um discurso sem palavras. Além do mais, o sujeito poderá estar adquirindo “a capacidade de estar só”, conceito usado por Winnicott para explicar a aquisição da autonomia dos pais, tendo a possibilidade de estar sozinho, sem se sentir abandonado (SANTOS; SANTOS; OLIVEIRA, 2008).

Apesar do silêncio das palavras, esses sujeitos se servem de caminhos não verbais que atuam como mediadores na comunicação. Uma das formas não verbais de se comunicar podem ser percebidas nos gestos. O paciente expressa sua impaciência, seu sofrimento, satisfação, entre outros por meio da sua vestimenta, da sua postura física e expressão facial. É importante ter em mente que no contexto psicoterapêutico, o corpo se comunica de diversas maneiras e essas reações podem significar a presença de conflitos psíquicos que não alcançaram uma inscrição simbólica (SANTOS; SANTOS; OLIVEIRA, 2008). Outra forma de comunicação está na utilização de recursos lúdicos. No setting, o lúdico pode ser um excelente instrumento à medida que podemos acessar a subjetividade desses sujeitos. 

1.4 O lúdico como recurso terapêutico 

Segundo Duarte (2009), o lúdico é equivalente à linguagem verbal e ao símbolo, onde ao mesmo tempo que revela, também esconde. Nesse sentido, o autor explica que essa atividade dupla é semelhante ao uso da palavra, onde o símbolo não é a coisa de fato, mas uma representação, onde ao mesmo tempo em que se realiza o desejo, disfarça-o, permitindo a sua realização, porém, sentindo como se não o tivesse realizado. 

Em síntese, o lúdico é um dispositivo de sublimação, que segundo Duarte (2009), proporciona alívio e prazer ao ponto de descarregar fantasias masturbatórias e suprimir o gasto energético da repressão, liberando a fantasia, transformando as experiências sofridas passivamente em ativas. Sendo assim, por meio do lúdico, acessamos a subjetividade desses sujeitos, compreendendo os aspectos do seu desenvolvimento e apontando não apenas para os avanços e progressos, mas também para as inibições, as dificuldades e as possíveis psicopatologias.  

O desenho, por exemplo, possibilita explorar questões que não são ditas verbalmente. De acordo com Sarmento (2011), os desenhos são uma das formas mais importantes de expressão simbólica. Desse modo, os desenhos não são simples representações da realidade externa. Nos gestos que os caracterizam, eles carregam a forma da compreensão do mundo – expressão que, em duplo sentido, permite a “incorporação” pela da realidade externa e de “aprisionamento” do mundo pelo ato de inscrição – associados a diferentes faixas etárias e diversidade cultural. 

Em uma posição de apreciador da arte, podemos deixar ser levados por essa linguagem, mas enquanto psicólogo, o compromisso está em acolher e buscar encontrar um sentido, juntamente com o paciente. Como nos sonhos, as imagens às vezes são condensadas, distorcidas e aparentemente incoerentes, mas adquirem significado a partir de uma escuta e da construção do sujeito. Diante disso, “(…) o desenho apresenta-se ao psicanalista como uma espécie de linguagem cifrada, a ser decifrada por uma certa postura de observação; o grande enigma está em como desenvolver os processos de decifração” (SOUZA, 2011, p. 209). 

Nesse sentido, o desenho é comunicativo, e o faz porque as imagens são evocativas e referenciais de diferentes maneiras, além do que as palavras faladas podem significar. Esses símbolos agem como engates dos quais o inconsciente usa para alcançar o caminho consciente e se disfarçam como uma forma de expressão. O sujeito não realiza a codificação intencionalmente e é com o passar do tempo e com o auxílio do terapeuta, que então perceberá que tem algo a dizer e com isso poderá verbalizar. 

  1. MÉTODO 

O presente artigo se classifica como relato de caso cujo método é qualitativo, tendo a psicanálise como abordagem mediadora. Para isso foi selecionado 1 (um) adolescente, de 13 anos de idade, paciente ativo do Serviço de Psicologia Aplicada de uma IES. Até a escrita deste trabalho foram realizadas dezessete sessões com o paciente, somadas as devolutivas com os responsáveis. Para a coleta de dados, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelos responsáveis no primeiro atendimento da triagem. Nos atendimentos foram utilizados os seguintes materiais: papel A4, lápis de colorir e caneta.

  1.  RELATO DE CASO

3.1 Anamnese

João (nome fictício) é um adolescente de 13 anos, que apresenta a sua idade cronológica divergindo levemente da idade psíquica, aparentando ter menos idade no que tange ao seu comportamento.

A procura pelo atendimento foi realizada por uma tia de consideração e avó materna. As queixas trazidas inicialmente correspondiam ao comportamento grosseiro e desobediente que estava afetando a relação familiar e o rendimento escolar. Ressaltaram também o seu diagnóstico de TDAH e a presença de um comportamento infantilizado para a sua idade.

João não era uma criança desejada nem esperada, sofrendo muita rejeição da mãe, que havia inclusive realizado uma cirurgia bariátrica pouco antes da gestação. O pai nunca se fez presente. Sobre seu desenvolvimento, as responsáveis não tinham muitas informações, mas que de modo geral, João se desenvolveu conforme o esperado.  João morou com a mãe e a avó até 2018, onde sua vida mudou de forma significativa, pois a genitora veio a falecer de um ataque cardíaco. A partir desse momento, João passou a morar com a avó materna, sua tia, o cônjuge da tia e o filho da tia. 

3.2 Evolução do caso

No primeiro atendimento, o paciente se apresentou timidamente e negou ter conhecimento do porquê estava ali. Os seus gostos incluíam desenhos, jogos e brincadeiras como pega-pega e esconde-esconde. João demonstrou, a princípio, não ser de muitas palavras e pedia frequentemente para desenhar. Ao final, costumava mostrar os desenhos com muita empolgação. O primeiro desenho, tratou-se da capa do disco da banda Nirvana, Nevermind, tendo referido que fez o que primeiro lhe veio à cabeça. Esse cenário se repetiu nos demais atendimentos, sendo esse o grande desafio apresentado por este paciente, ou seja, nomear o que era trazido. 

O desenho se tornou a única ferramenta de comunicação entre o paciente e a terapeuta por um longo período, pois João apresenta-se muito fechado, não verbalizando seus conteúdos, e apresentando um discurso raso sobre suas produções. Os desenhos trazidos por João eram carregados de violência e/ou e morte, e nos remete ao que Castro et al. (2009) relata sobre o fato de que o paciente só pode ser ele mesmo quando se sentir de fato seguro, em um ambiente onde possa demonstrar sua agressividade, ódio e inveja. Foi possível observar que o silêncio o incomodava, e apesar do paciente não verbalizar, o desenho apresentou-se como forma de comunicação dos seus conteúdos inconscientes. 

No sétimo atendimento, João conseguiu perceber a repetição da temática trazida em seus desenhos, por meio do resgate dos atendimentos anteriores. No entanto, a presença de comportamentos resistentes, como a preocupação com o horário, pouco interesse nos conteúdos de seus desenhos, estresse, fizeram-se presentes de forma significativa. No oitavo encontro, último do semestre, foi abordada a sua percepção sobre os atendimentos e sobre a devolutiva com a responsável. À medida que João trazia informações, mesmo que rasas sobre seus desenhos, abordou de forma espontânea um conteúdo relativo à leitura de um livro que remetia a sua infância e trazia para ele felicidade. Trouxe com muito afeto lembranças da mãe e dos seus momentos juntos. Referiu que naquele tempo era feliz, diferente de hoje, que considera apenas normal, segundo ele, “nem feliz, nem triste”. A genitora nunca havia sido trazida para o setting terapêutico, mas é importante pensar na possibilidade de ela se fazer presente por meio dos desenhos de João, a frequência em que a morte se apresenta pode nos dizer sobre conteúdos que o atravessam, como o falecimento da mãe. Foi interessante observar que esse momento de maior integração se deu apenas no final do último atendimento antes do recesso das férias. O atendimento precisou ser encerrado e o paciente foi informado sobre a pausa nos atendimentos devido às férias acadêmicas e demonstrou forte interesse em continuar seu processo terapêutico. 

Nos primeiros atendimentos após o retorno das férias, João não conseguiu retornar ao que foi abordado no último atendimento anterior às férias, falou das férias, queixou-se da mudança de escola, mas sempre de forma vaga. Em certos momentos exprimia uma fala grosseira, perguntando sempre sobre o horário. Grosseria está apresentada como queixa inicial pela sua responsável, sendo possível identificar a sua transferência e manejá-la. Foi perceptível o desinteresse, inclusive em relação ao desenho, como o de alguém que não queria estar ali. Vale ressaltar que o fenômeno da contratransferência se apresentou bastante evidente, levando a questionar a eficiência dos atendimentos e talvez um possível desligamento do paciente. Contudo, em supervisão foi possível perceber esse movimento e adequar ao atendimento.

Após isso, a postura de João foi diferente, e a atitude espontânea de desenhar voltou ao setting. O tema geral dos desenhos permaneceu o mesmo, todavia com novos personagens: uma mãe e um filho. Em um desenho específico, na metade da folha que dividiu ao meio, trouxe o filho saindo de uma caixa de presente, dizendo: “mãe, eu sou o seu presente neste Natal”, enquanto a mãe o olhava chateada. Na outra metade da folha, está o filho em uma lata de lixo, com uma expressão assustada e confusa, enquanto a mãe está ao fundo dentro de casa assistindo televisão. O paciente comentou sobre o desenho de forma rasa, sempre se esquivando e com um sorriso nervoso. Falar que a mãe havia jogado o filho no lixo aparentemente o incomodou. Foram realizadas diversas tentativas para que João associasse os conteúdos de seu desenho, mas todas foram infrutíferas. O paciente permaneceu em postura resistente, para ele, seus desenhos eram apenas desenhos.

Ressalta-se que os novos personagens de João foram criados nas férias. Nesse sentido, pontuamos o fato da repetição de conteúdo após sua verbalização no atendimento anterior ao período de férias, que retornou ao setting por meio de seu desenho. 

Outros atendimentos foram realizados e a temática não se fez mais presente, mas foi possível perceber um maior interesse do paciente em abordar sobre outros desenhos, mesmo sem fazer associações.

  1.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atender adolescentes pode ser, por muitas vezes, desafiador. As diferenças que o cercam em relação ao atendimento do adulto vão desde a procura pelo serviço até a forma de comunicar afetos. 

João é um adolescente com dificuldades de verbalizar seus conteúdos e por meio do desenho consegue se comunicar de modo inconsciente. Trazer personagens de mãe e filho, após o retorno das férias, diz muito sobre seu processo terapêutico, uma vez que esse assunto não havia sido abordado por ele anteriormente. Com a não possibilidade de retorno do conteúdo na sessão seguinte, o paciente expôs o seu conflito de forma mais tranquila. Foi possível perceber o movimento de recuo do paciente após o retorno, todavia, a construção desses personagens no seu período de férias nos remete a sua elaboração desse conteúdo. O paciente não fez associações, mas é evidente o seu progresso.

Por todo exposto, foi possível observar na prática as peculiaridades do atendimento clínico com adolescentes, os desafios e o manejo, que requerem uma maior flexibilidade do psicoterapeuta. Sendo assim, se faz necessário que o psicoterapeuta de adolescentes esteja atento à importância do vínculo terapêutico, ao que não é verbalizado, aos processos de transferência e contratransferência, e sobretudo, que goste de atuar com esta faixa etária tão desafiante e instigante. 

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1Graduanda em Psicologia no Centro Universitário São Lucas. E-mail: geovannagrecia24@gmail.com
2Graduanda em Psicologia no Centro Universitário São Lucas. E-mail: thalia.estagiopsi@gmail.com
3Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade de Coimbra – Portugal e Docente no Centro Universitário São Lucas. E-mail: flavia.veppo@hotmail.com