PREDITORES PROGNÓSTICOS DA FIBROSE MIOCÁRDICA COMO SEQUELA PÓS-AGUDA DA COVID-19: UMA REVISÃO DE ESCOPO

PROGNOSTIC PREDICTORS OF MYOCARDIAL FIBROSIS AS POST- ACUTE SEQUELAE OF COVID-19: A SCOPING REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7801509


Silvia Mara Gomes Passos Miranda1
Elizabeth Ferreira de Miranda1
Ingrid do Socorro da Silva Pires de Almeida1
Antônio Marcos Mota Miranda2
Ana Maria Revorêdo da Silva Ventura2


Resumo

Objetivo: Conhecer os preditores clínicos, laboratoriais e radiográficos da fibrose miocárdica como uma das sequelas pós-agudas da COVID-19 para auxiliar na estratificação de riscos e subsidiar os serviços de saúde na confecção de protocolos. Método:  Revisão de escopo utilizando-se das palavras-chave “long covid” e “cardiovascular system”, “myocardial fibrosis”, “sequelae” e “prognosis” acessadas nas bases de dados eletrônicas PubMed, Scopus, Embase, Web of Science, LILACS e Google Scholar para o período de dezembro de 2019 a julho de 2022. Resultados: Foram encontrados 233 artigos, dos quais 20 estudos eram duplicados e 201 não atendiam plenamente ao objetivo desta revisão, assim, 12 estudos foram submetidos à apreciação deste escopo.   Conclusão:  A infecção pelo SARS-CoV-2 pode determinar fibrose miocárdica e associa-se   à disfunção cardíaca e/ou remodelação ventricular com risco elevado de deterioração da função cardíaca, insuficiência cardíaca aguda, miocardiopatia dilatada crônica. Múltiplos estudos de Ressonância Magnética Cardíaca confirmam o potencial arritmogênico da fibrose miocárdica e sua associação com pior prognóstico, estando, portanto, recomendado o acompanhamento cardiovascular a longo prazo de pacientes com COVID-19 que apresentem manifestações cardiovasculares.

Palavras-chave: COVID Longa. Sistema cardiovascular. Fibrose miocárdica. Sequelas e prognóstico.

Abstract

Objective: To know the clinical, laboratory and radiographic predictors of myocardial fibrosis as one of the post-acute sequelae of COVID-19 to assist in risk stratification and support health services in the preparation of protocols. Method: Scope review using the keywords “long covid” and “cardiovascular system”, “myocardial fibrosis”, “sequelae” and “prognosis” accessed in the electronic databases PubMed, Scopus, Embase, Web of Science, LILACS and Google Scholar for the period from December 2019 to July 2022. Results: 233 articles were found, of which 20 studies were duplicates and 201 did not fully meet the objective of this review, thus, 12 studies were received to the science of this scope. Conclusion: SARS-CoV-2 infection can determine myocardial fibrosis and be associated with cardiac dysfunction and/or ventricular remodeling with increased risk of cardiac function, acute cardiac memory, chronic dilated cardiomyopathy. Multiple studies of Cardiac Magnetic Resonance confirm the arrhythmogenic potential of myocardial fibrosis and its association with worse prognosis, awaiting, therefore, the recommended long-term cardiovascular follow-up of patients with COVID-19 who presented cardiovascular manifestations.

Keywords: COVID Long. Cardiovascular system. Myocardial fibrosis. Sequelae and prognosis.

Resumen

Objetivo: Conocer los predictores clínicos, de laboratorio y radiográficos de la fibrosis miocárdica como una de las secuelas post-agudas de la COVID-19 para auxiliar en la estratificación de riesgo y apoyar a los servicios de salud en la elaboración de protocolos. Método: Revisión de alcance utilizando las palabras clave “long covid” y “cardiovascular system”, “myocardial fibrosis”, “sequelae” y “prognosis” accedidas en bases de datos electrónicas PubMed, Scopus, Embase, Web of Science, LILACS y Google Scholar para el período de diciembre de 2019 a julio de 2022. Resultados: se encontraron 233 artículos, de los cuales 20 eran estudios duplicados y 201 no cumplieron completamente con el objetivo de esta revisión, por lo que se sometieron a consideración 12 estudios en este ámbito. Conclusión: La infección por SARS-CoV-2 puede determinar fibrosis miocárdica y se asocia a disfunción cardíaca y/o remodelado ventricular con alto riesgo de deterioro de la función cardíaca, insuficiencia cardíaca aguda, miocardiopatía dilatada crónica. Múltiples estudios de Resonancia Magnética Cardíaca confirman el potencial arritmogénico de la fibrosis miocárdica y su asociación con peor pronóstico, por lo que se recomienda el seguimiento cardiovascular a largo plazo de los pacientes con COVID-19 que presenten manifestaciones cardiovasculares.

Palabras clave: COVID Largo. Sistema cardiovascular. Fibrosis miocárdica. Secuelas y pronóstico.

1 INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 surgiram os primeiros casos da doença por SARS-CoV-2 (COVID-19) na cidade chinesa de Wuhan. A doença passou acometer indivíduos em várias partes do mundo, sendo então elevada a condição de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Há evidências crescentes de sequelas pós- agudas, com duração de semanas ou meses da COVID-19 (PASC- da sigla em inglês – Post Acute-Sequelae of Sars-CoV-2). Incluem-se nesta denominação sinais e sintomas gerais, neurológicos, respiratórios e cardiológicos, sendo que estes últimos podem resultar em remodelação do tecido cardíaco, determinando por exemplo, fibrose miocárdica (DINA et al., 2020; SUDRE et al., 2021; VITIELLO; FERRARA., 2022).

A lesão miocárdica aguda pode estar presente em cerca de 30% dos pacientes hospitalizados com infecção pelo SARS-CoV-2 associando-se ao aumento da duração da internação hospitalar e da mortalidade (BAVISHI et al., 2020; CHIDAMBARAM et al., 2020). Nos pacientes que tiveram lesão miocárdica aguda, os principais marcadores biológicos foram elevação da troponina, do N- terminal pró-peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP), do dímero-D, da ferritina, da interleucina-6 (IL-6), da desidrogenase láctica (DHL), da proteína C reativa, da procalcitonina e da contagem de leucócitos.

A troponina foi associada à gravidade e mortalidade, na qual sua elevação estava presente nos casos de arritmias cardíacas, infarto agudo do miocárdio e miocardite fulminante (HU et al., 2020). Ademais, a combinação deste marcador com o NT-proBNP também é capaz de prever mortalidade (YANG et al., 2020; HAN et al., 2020).

Exames de imagem como ressonância magnética cardíaca podem ser solicitados para evidenciar envolvimento miocárdico e pericárdico mesmo em pacientes aparentemente recuperados de COVID-19 (SHAFIABADI et al., 2022).

Considerando a importância do tema e as evidências de fibrose miocárdica como sequela cardiovascular em alguns pacientes que tiveram SARS- CoV-2, o objetivo dessa pesquisa é realizar uma revisão de escopo para conhecer os preditores clínicos, laboratoriais e radiográficos relacionados com o prognóstico dessa intercorrência, e, assim subsidiar os serviços de saúde na elaboração de  protocolos de triagem para acompanhamento cardiológico e otimização terapêutica com fins de redução de mortalidade.

2 MÉTODO

       Esta pesquisa foi elaborada de acordo com a metodologia de revisão de escopo que permite a síntese e divulgação dos resultados de estudos a respeito de um determinado tema, com ampla aceitação na área das ciências da saúde (AROMATARIS et al., 2022; LEVAC et al., 2010; TRICCO et al., 2016).

Tem como objetivo fornecer um “mapa” das evidências disponíveis sobre um determinado assunto mediante um método rigoroso e transparente como exercício preliminar da revisão sistemática (ARKSEY et al., 2005), além de ser útil para examinar evidências emergentes sobre questões específicas.  

Para responder os objetivos dessa revisão elaborou-se a pergunta norteadora: Qual prevalência, gravidade e prognóstico da fibrose miocárdica como uma das sequelas pós-agudas do COVID-19 , definindo-se as palavras-chave  “long covid ” e “cardiovascular system” ; “ myocardial fibrosis” e “sequelae” e “prognosis” para busca na literatura científica de artigos disponíveis na íntegra em bases eletrônicas da área da saúde: PUBMED, EMBASE, SCOPUS, LILACS, WEB OF SCIENCE  e GOOGLE SCHOLAR, para o período de dezembro de 2019 a julho de 2022.

Os critérios de inclusão foram artigos disponíveis em texto completo, em língua inglesa, espanhola e portuguesa sobre pacientes adultos (maiores de 18 anos), de ambos os sexos com diagnóstico confirmado de COVID- 19 em diferentes desenhos de estudo: relato de caso, séries de casos, coorte retrospectiva e prospectiva. Os critérios de exclusão foram artigos não disponíveis na íntegra, acesso não gratuito, escritos em língua estrangeira diferente do inglês, espanhol e português. Também nas categorias revisões sistemáticas e estudo animal. 

Os artigos obtidos sobre o tema proposto nas bases eletrônicas da área da saúde foram incorporados ao software EndNote indicado para pesquisa de literatura online e gerenciamento de bibliografia (EAPEN, 2006) e posteriormente inseridos no diagrama de fluxo de informações PRISMA (Figura 1), recomendado para as revisões de escopo (PAGE et al., 2021).  Nessa perspectiva, esta revisão de escopo adaptou a estrutura metodológica proposta por Arksey e O’Malley (2005), constituída de seis etapas.

Figura 1. Estrutura metodológica proposta por Arksey e O’Malley (2005), constituída de seis etapas: 

        Para responder os objetivos dessa revisão elaborou-se a pergunta norteadora: Qual prevalência, gravidade e prognóstico da fibrose miocárdica como uma das sequelas pós-agudas do COVID-19 , definindo-se as palavras-chave  “long covid ” e “cardiovascular system” ; “ myocardial fibrosis” e “sequelae” e “prognosis” para busca na literatura científica de artigos disponíveis na íntegra em bases eletrônicas da área da saúde: PUBMED, EMBASE, SCOPUS, LILACS, WEB OF SCIENCE  e GOOGLE SCHOLAR, para o período de dezembro de 2019 a julho de 2022.

Os critérios de inclusão foram artigos disponíveis em texto completo, em língua inglesa, espanhola e portuguesa sobre pacientes adultos (maiores de 18 anos), de ambos os sexos com diagnóstico confirmado de COVID- 19 em diferentes desenhos de estudo: relato de caso, séries de casos, coorte retrospectiva e prospectiva. Os critérios de exclusão foram artigos não disponíveis na íntegra, acesso não gratuito, escritos em língua estrangeira diferente do inglês, espanhol e português. Também categorias revisões sistemáticas e estudo animal. 

Os artigos obtidos sobre o tema proposto nas bases eletrônicas da área da saúde foram incorporados ao software EndNote indicado para pesquisa de literatura online e gerenciamento de bibliografia (EAPEN, 2006) e posteriormente inseridos no diagrama de fluxo de informações PRISMA, recomendado para as revisões de escopo (PAGE et al., 2021).

3 RESULTADOS

         A busca de artigos disponíveis na íntegra mediante as palavras-chave previamente citadas resultou em 233 artigos assim distribuídos: PUBMED = 2; EMBASE = 45; SCOPUS= 13; LILACS= 13; WEB OF SCIENCE=9; GOOGLE SCHOLAR= 151. A figura 2 apresenta o fluxograma de identificação, seleção e inclusão desses artigos. 

Figura 2. Fluxograma de identificação, seleção e inclusão de artigos disponíveis na íntegra em bases eletrônicas da área da saúde: PUBMED, EMBASE, SCOPUS, LILACS, WEB OF SCIENCE e GOOGLE SCHOLAR, no período de dezembro de 2019 a julho de 2022.)

                Os 12 artigos que compõem a mostra final desta revisão foram mapeados em uma planilha no programa Excel® com as seguintes informações: ano da publicação, título, autores, resumo descritivo dos resultados de interesse de acordo com pergunta norteadora desta revisão de escopo (Quadro 1).

Quadro 1. Estudos incluídos na revisão de escopo com fibrose miocárdica na COVID-19 longa, no período de dezembro de 2019 a julho de 2022.

AnoLocalTítulo/AutoresDesenho do estudoAmostra (n)Achados
12020ChinaCardiac involvement in patients recovered from COVID-2019 identified using magnetic resonance imaging (HUANG et al., 2020)
Estudo de coorte retrospectivo26Dos 26 pacientes que realizaram RMC: -Sintomas cardíacos (19/26), 73,1% – Alterações em RMC (15/26), 58%- Edema miocárdico (14/26), 54%-  Alteração em LGE (8/26), 31%- Prejuízo da função do ventrículo direito, com diminuição da fração de ejeção, índice cardíaco e volume sistólico
22020AlemanhaOutcomes of cardiovascular magnetic resonance imaging in patients recently recovered from coronavirus disease 2019 (COVID-19) (PUNTMANN et al., 2020)Estudo de coorte prospectivo100Dos 100 pacientes que realizaram RMC: – Inflamação cardíaca residual (78/100), 78%- Inflamação miocárdica em curso (60/100), 60%Ambos independentemente de condições preexistentes, gravidade e tempo de diagnóstico.
32020EUACardiovascular magnetic resonance findings in competitive athletes recovering from COVID-19 infection (RAJPAL et al., 2021)Estudo de coorte prospectivo
26Os dados demográficos de 26 pacientes atletas: -A idade média foi de 19,5 anos, (57,7%) do sexo masculino, (12/26), 26,9% dos atletas  relataram sintomas leves (dor de garganta, falta de ar, mialgias e febre) enquanto outros eram assintomáticos. Nenhum atleta necessitou de hospitalização. – Alteração em RMC- Miocardite em (4/26), 15%, todos do sexo masculino- Níveis elevados de troponina sérica- 0%  – Derrame pericárdico (2/26),  7,7%  – Alteração de LGE (12/26), 46% – Alteração de LGE sem elevação concomitante de T2 (8/26), 30,8%    
42020ItáliaCardiac involvement at presentation in patients hospitalized with COVID19 and their outcome in a tertiary referral hospital in Northern Italy (GHIO et al., 2020)Estudo de coorte prospectivo405– Idade mediana foi de 69, 8 anos (IQR 58,6-78,3), 68,6% do sexo masculino. – A DCV subjacente (60%) -HAS ou IC ,  FA ou DAC, DV) foi altamente prevalente. Outras doenças tiveram as seguintes prevalências:  DM (20%), DP (14,8%), DRC (9,7%), Câncer (12,1%). –  Taxa de mortalidade (124/405),  30,6%. No entanto, aumentou para 61,5% (249/405)  nos pacientes com hs-TnI elevada e comorbidade cardíaca (p< 0,001).  –  Preditores independentes de mortalidade: idade avançada e os níveis de troponina.  –  Comprometimento cardíaco esteve associado a mau prognóstico.  
52020ÍndiaMyocardial fibrosis detected by cardiovascular magnetic resonance in absence of myocardial oedema in a patient recovered from COVID-19(JAGIA et al.,.2020)Relato de caso1– Sexo feminino, com sintomas      cardíacos 3 meses após teste +   para COVID-19.- Ausência de histórico de miocardite/doença cardíaca. – RMC= LGE subepicárdico linear no segmento ântero-septo-basal, sugestivo de fibrose de substituição – RMC= derrame pericárdico 
62021China6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study (HUANG et al., 2021)Estudo de coorte ambidirecional1.7331,3% – (33/2.469) dos pacientes morreram após alta hospitalar, principalmente devido à exacerbação de doenças pulmonares, cardíacas e renais, sendo que 3 pacientes desenvolveram AVCI e 1 EPA por TVP de MMII após a alta.- Dos 2.469 pacientes que tiveram alta hospitalar, 70,2% (1.733) foram inscritos no estudo. -A idade mediana foi de 57 anos (IQR 47,0-65,0), 52% do sexo masculino.- As comorbidades mais comuns foram HAS (505/1.733), 29%, seguida de DM (207/1.733, 12%, DCV (128/1.733), 7%. – 68% (33/2.469) dos pacientes precisaram de oxigenioterapia e 4% (76/1.733) foram internados na UTI.- 76% (1371/1.733) dos pacientes relataram pelo menos um sintoma 6 meses após o início dos sintomas, sendo a proporção maior de mulheres.- Os sintomas mais comuns foram fadiga ou fraqueza muscular (1.038/1.655, 63% e dificuldades para dormir (437/1.655, 26%). Ansiedade ou depressão foi relatada entre (367/1617, 23%) dos pacientes. – Pacientes com doença mais grave durante a internação tiveram capacidade de difusão pulmonar prejudicada e manifestações anormais de imagem de tórax. – Houve declínio de anticorpos neutralizantes, aumentando a preocupação com reinfecção. 
72021Reino UnidoPatterns of myocardial injury in recovered troponin-positive COVID-19 patients assessed by cardiovascular magnetic resonance (KOTECHA et al., 2021)Estudo de coorte prospectivo48–  48 pacientes graves em VM e (hsTnI) elevada realizaram RMC  (mediana 68 dias após a fase aguda do COVID-19)  –  FEVE alterado (6/48), 13% – LGE e/ou isquemia (26/48), 54%.  – História pregressa de cardiopatia (22/48), 46%, assim distribuídos:     26% (12/48) – miocardite     22% (10/48) – infarto ou isquemia    6% (2/48) – ambos os agravos   
82021InglaterraPost-COVID syndrome in individuals admitted to hospital with COVID-19: retrospective cohort study (AYOUBKHANI et al., 2021)Estudo de coorte retrospectivo
 
47.780Em um acompanhamento médio de 140 dias, quase 1/3 (14.060/47.780) dos pacientes que tiveram alta após COVID-19 aguda foram readmitidos e mais de 1 em cada 10 morreu após alta. Esse evento ocorreu em taxa 4 a 8 vezes maiores do que no grupo de controle pareado.  – Após alta hospitalar por COVID-19  por 1.000 pessoas/ano houve taxas significativamente aumentadas de   doenças respiratórias:770 (IC95%=  758 a 783, p<0,001),  DM:  127 ( IC95%= 122 a 132, p<0,001) e DCV : 126 ( IC95% = 121 a 131, valor de p<0,001 ).  As taxas de todos os desfechos após a alta foram maiores em indivíduos com COVID-19 com 70 anos ou mais do que naqueles com menos de 70 anos, enquanto as taxas de todos os desfechos, exceto diabetes, foram maiores no grupo étnico branco do que no grupo não branco. No entanto, as proporções de taxas comparando pacientes com COVID-19 e controles pareados foram maiores em indivíduos com menos de 70 anos do que naqueles com 70 anos ou mais para todos os resultados. As maiores diferenças nas razões de taxas foram para morte (14,1 intervalo de confiança de 95% 11,0 a 18,3) para idade <70 anos v 7,7 (7,1 a 8,3) para ≥70) e doença respiratória (10,5 (9,7 a 11,4) para idade <70 v 4,6 (4,3 a 4,8) para ≥70). As diferenças étnicas nas proporções de taxas foram maiores para doenças respiratórias (11,4 (9,8 a 13,3) para indivíduos no grupo não-branco v 5,2 (5,0 a 5,5) no grupo étnico branco). Pacientes com alta hospitalar após COVID-19 apresentaram taxas aumentadas de disfunção multiorgânica em comparação com o risco esperado na população geral. O aumento do risco não se limitou aos idosos e não foi uniforme entre as etnias. 
92021EspanhaLong-term outcomes of patients with coronavirus disease 2019 at one year after hospital discharge(MAESTRE-MUÑIZ et al., 2021)Estudo transversal
 
587–  Síndrome pós-COVID-19 foi avaliada em 543 pacientes um ano após a alta, com queixa clínica relatada significativamente por 90,1% (240/266) dos pacientes que necessitaram de internação em relação a 80,4% (258/321) dos que receberam alta do pronto-socorro (p = 0,002)  – As queixas mais frequentes foram dispneia (41,6%), cansaço (35,4%), ageusia (30,2%) e anosmia (26,3%).-  Pacientes (66,8%) que foram internados tiveram significativamente mais sintomas contínuos (DPOC recém adquirida, asma, DM, IC e artrite) do que aqueles que foram atendidos na urgência (49,5%) (p < 0,001). – Houve piora das comorbidades pré-existentes em ambos os grupos  – Foi possível avaliar 92,5% (543/587) dos pacientes doze meses após a alta hospitalar, dos quais 12,8% (34/266) vieram à óbito  em contraposição a 3,1%  (10/321) dos que não foram internados mas somente atendidos na sala de emergência- Do total de óbitos, 20,5% (9/44) foram decorrentes de pneumonia por COVID-19 e45,4% (20/44) por causas não relacionadas ao COVID-19 e (11/44), 25% dos pacientes morreram de complicações possivelmente relacionadas ao COVID-19, incluindo IAM, IC não isquêmica, morte súbita com suspeita de relação com arritmia maligna, tromboembolismo pulmonar, e AVC hemorrágico. A mortalidade em um ano entre os sobreviventes da COVID-19 aguda foi de (44/587), 7,5%. Uma proporção significativa de pacientes com COVID-19 apresentou sintomas contínuos 1 ano após o início da doença. 
102021EUARelationship between myocardial injury during index hospitalization for SARS-CoV-2 infection and longer-term outcomes (WEBER et al., 2022)Estudo de coorte prospectivo
483– Durante a hospitalização índice 62,3% (301/483) tiveram injúria miocárdica (hs-TnI>=14 ng/L).Nesse grupo de pacientes, a mortalidade foi de:Na internação = 28,6%6 meses após = 32,2% 1 ano após = 33,2%  Mortalidade em pacientes com hs- TnI < 14 ng/L: Hospitalização índice = 4,1% 6 meses após= 4,9% 1 ano após = 4,9%  Mortalidade em pacientes com hs- TnI indetectável:  Hospitalização índice= 0%  6 meses após=0%  1 ano após= 0% – Óbito em 18,8 % (91/483) dos pacientes que possuíam Hs- TnL elevado (70/483). Desses pacientes 14,4% (126/483) tiveram complicações trombóticas e 26,0% (125/483) complicações cardíacas.   – Doze meses após alta hospitalar, 22,2% (107/483) dos pacientes   morreram.- Dos 377 (96%) pacientes que estavam vivos e tiveram acompanhamento após a hospitalização inicial, 211 (56%) pacientes tiveram uma avaliação clínica detalhada e documentada em 6 meses. Um total de (78/211), 37% apresentavam sintomas relacionados a COVID-19 em andamento, (34/211), 16,1% tiveram declínio neuro cognitivo, (8/211), 3,8% tiveram necessidades aumentadas de oxigênio suplementar e (42/211), 19,9% tiveram piora do estado funcional. 
112022HolandaCardiovascular outcome 6 months after severecoronavirus disease 2019 infection (RAAFS et al., 2022)Estudo de coorte prospectivo e longitudinal52Dos 42 sobreviventes 81% (42/52) participaram do acompanhamento cardiovascular de 6 meses à admissão na UTI por COVID-19 grave.  – 19% (8/42) dos pacientes tinham DAC recém-diagnosticada, dos quais dois necessitaram de intervenção percutânea. -DAC foi observada em 75% (9/12) dos pacientes sintomáticos com dor torácica típica, troponina elevada e anormalidades no ECG-DAC com troponina (hs-cTn)  elevada foi observada em 28,6%  (12/42) dos pacientes (que eram mais velhos, com PCR alto e desvio do segmento ST).  – GLS alterado  em 24%  (10/42) dos paciente –  GLS derivado da RMC foi anormal em 12% (5/42), apesar da FEVE normal na maioria dos pacientes.  FEVE reduzida foi observada  em 3%  (1/38).  FEVE reduzida  de 49%.  –  14 %  (5/42)  apresentaram tempo de relaxamento  (T2)  elevado – 21% (8/38) dos pacientes apresentaram LGE alterado  que reflete fibrose miocárdica regional.       Desses pacientes, 37,5%  (3/8)  tiveram miocardite e 37,5%  (3/8) pericardite. –  Um em cada cinco sobreviventes em VM invasiva tinha DAC, 25% tinham disfunção ventricular esquerda subclínica definida como GLS ecocardiográfico reduzido e 42% dos pacientes apresentavam anormalidades na RMC.
122022EUALong COVID after breakthrough SARS-CoV-2 infection (AL-ALY et al.,2022)Estudo transversal33.940O estudo mostrou que aos 6 meses após a infecção, além dos primeiros 30 dias da doença, as pessoas com infecção pelo SARS-CoV-2 apresentaram maior risco de morte [taxa de risco (OR) = 1,75 (IC 95%= 1,59- 1,93] e de sequelas pós-agudas, tais como distúrbios cardiovasculares, de coagulação e hematológicos, gastrointestinais, renais, de saúde mental, metabólicos, musculoesqueléticos e neurológicos [OR = 1,50 (IC 95%= 1,46, – 1,54]- Risco elevado de morbidade por DCV (AVC, arritmia, DAC. IC, doença tromboembólica) no 1º mês após a infecção e nos primeiros 12 meses após a infecção. O aumento do risco foi em paralelo com a gravidade da fase aguda da COVID-19. 

Abreviaturas= HAS (Hipertensão arterial sistêmica); DCV (Doença cardiovascular), DAC (Doença arterial coronariana), IC (insuficiência cardíaca), FA (fibrilação atrial), DV (Doença Valvar),  DM (Diabetes mellitus), DP (Doença Pulmonar), DRC (Doença Renal Crônica), AVC (Acidente Vascular Cerebral). Hs-cTn (Troponina cardíaca de alta sensibilidade); ECG (Eletrocardiograma); PCR (Proteína C reativa); IAMCSST (Infarto com supra de ST); LGE (Realce tardio de gadolínio); FEVE (Fração de ejeção do ventrículo esquerdo); ECO (Ecocardiograma); RMC (Ressonância magnética cardíaca); GLS (Tensão longitudinal global ecocardiográfico); PCR (Parada cardíorrespiratória; CRP (Proteína C- reativa); LMA (Lesão miocárdica aguda).

4 DISCUSSÃO

Esta revisão de escopo identifica uma série de desafios na detecção e significado clínico da fibrose miocárdica na COVID longa.

A maioria dos estudos incluídos nesta revisão, mostrou que uma grande proporção de pacientes apresentava sintomas cardíacos após a resolução da fase aguda da COVID-19, podendo ser uma condição clínica nova, recorrente ou persistente, o que pode culminar em remodelação cardíaca com alterações estruturais como a fibrose miocárdica (VITIELLO; FERRARA, 2022). 

A mortalidade na fase pós- aguda da COVID-19 foi de 30,6% e dobrou nos pacientes com elevação de troponinas e comorbidades cardíacas. Há alta prevalência de doenças cardiovasculares subjacentes como hipertensão arterial sistêmica (HAS), insuficiência cardíaca (IC), fibrilação atrial (FA) e doença valvar (DV) em pacientes recuperados da COVID-19, não limitada a idosos (GHIO et al., 2020; HUANG et al., 2021).

Essa taxa de mortalidade foi semelhante à fase aguda da COVID-19 (BAVISHI et al., 2020; CHIDAMBARAM et al., 2020).  A lesão miocárdica durante a hospitalização índice esteve associada a sequelas de longo prazo (WEBER et al., 2022).

As taxas de mortalidade foram 40% maiores em pacientes com DCV. (MADJID et al., 2020). Os pacientes com DCV têm maior probabilidade de exibir elevação dos níveis de troponina e do peptídeo natriurético cerebral. A lesão miocárdica está significativamente associada ao desfecho fatal de COVID-19 (GUO et al., 2020).

Alguns pacientes que tinham troponina elevada, eram mais velhos, apresentaram proteína C reativa (PCR) alta e desvio do segmento ST corroborando a alta prevalência de doença arterial coronariana (DAC) (RAAFS et al., 2022). Troponina de alta sensibilidade elevada e comorbidade cardíaca (p< 0,001) foram associadas a prognóstico ruim (GHIO et al., 2020).

Dados da literatura recente também mostraram os mesmos resultados. Pacientes apresentaram elevação persistente dos níveis de troponina, compatível com lesão miocárdica persistente, em um acompanhamento médio de 2,5 meses após a resolução da infecção primária. (LU et al., 2022).

Mesmo quando a infecção por COVID-19 foi resolvida e o indivíduo não está mais infeccioso, ele ainda pode abrigar o RNA SARS-CoV-2 em vários tecidos do corpo por até 230 dias. Este poderia ser um dos mecanismos que levam à lesão cardíaca persistente (CHERTOW et al., 2022).

A infecção viral direta nas células intersticiais do miocárdio, acompanhada de inflamação de baixo grau, foi demonstrada na biópsia endomiocárdica (TAVAZZI et al., 2022). Todavia, não houve demonstração do genoma do SARS-Cov-2 no tecido cardíaco em pacientes com miocardite clínica (BAVISHI et al., 2020).

Outros estudos demonstraram a importância da ressonância magnética cardíaca (RMC) para detectar fibrose cardíaca. Esse método permite excelente avaliação anatômica e funcional das estruturas cardíacas, além de permitir a caracterização do tecido miocárdico. Mais da metade dos pacientes recuperados de COVID-19 apresentaram inflamação miocárdica, evidenciada pelo realce tardio de gadolíneo indicativo de miocardite e fração de ejeção do ventrículo direito reduzida à ressonância magnética cardíaca (RMC). Isso foi independente de doença preexistente, gravidade e do tempo desde o diagnóstico da doença aguda (HUANG et al., 2020).

Mesmo na ausência de miocardite e/ou doença cardíaca prévia, realce tardio com gadolínio sugestivo de fibrose miocárdica, foi demonstrada à RMC, 3 meses após a fase aguda da COVID-19 (JAGIA et al., 2020). Embora a grande maioria dos pacientes tivessem fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) normal, mais da metade apresentaram realce tardio de gadolínio e/ou isquemia à RMC. Além disso, dos que tinham cardiopatia isquêmica, a maioria não tinha histórico de doença cardíaca prévia (KOTECHA et al., 2020).

Naqueles pacientes com miocardite ou pericardite clinicamente manifesta, a RMC mostrou realce tardio de gadolínio não isquêmico e FEVE reduzida. A disfunção sistólica subclínica (GLS diminuída) ao ecocardiograma (ECO) foi observada em uma pequena proporção dos pacientes (RAAFS et al., 2022).

Outros estudos de RMC na literatura reforçam o encontrado nesta revisão. Foi observado realce tardio de gadolínio e/ou isquemia em 54% dos pacientes com COVID-19 grave e elevação persistente da troponina em uma mediana de 68 dias após a alta (KOTECHA et al., 2021).

Embora vários estudos tenham mostrado uma alta frequência de anormalidades na RMC dentro de 1-2 meses após a infecção por SARS-CoV-2, as características da RMC são semelhantes em pacientes com doença leve de COVID-19 em comparação com indivíduos saudáveis soronegativos, 6 meses após a infecção por SARS-CoV-2 (JOY et al., 2021).

Portanto, as anormalidades da RMC a longo prazo e sua relevância clínica ainda precisam ser averiguadas. Ainda existem lacunas na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos pelos quais o SARS-CoV-2 afeta o sistema cardiovascular e o desenvolvimento de importantes síndromes clínicas como a insuficiência cardíaca (SATTERFIELD et al., 2021).

À medida que os dados sobre sequelas cardíacas em pacientes sobreviventes da COVID-19 vão sendo apresentadas na literatura, torna-se imperativo o acompanhamento cardiológico ambulatorial com protocolo de triagem para biomarcadores cardíacos, inflamatórios e de coagulação, assim como, de anormalidades inflamatórias e/ou fibróticas nos exames de imagem, especialmente naqueles pacientes com elevação da troponina durante a hospitalização na fase aguda da COVID-19.   

5 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Embora se tenha tentado desenvolver uma estratégia de busca sensível e abrangente, é possível que alguns estudos relevantes não tenham sido capturados. Do mesmo modo, preprint, relatórios governamentais ou anais de eventos científicos que não foram publicados nas bases de dados da área da saúde, deixaram de ser pesquisados e poderiam ter fornecido informações adicionais.

         Ao contrário das revisões sistemáticas, as revisões de escopo não incorporam uma avaliação de qualidade dos estudos para sua inclusão. Os estudos incluídos nesta revisão não foram avaliados quanto a qualidade das metodologias empregadas. Tampouco, foi avaliada a qualidade das evidências dos estudos incluídos.

Outra limitação potencial é a pesquisa apenas por título e resumo, podendo perder estudos relevantes. Também não foi considerado se os pacientes foram ou não vacinados contra a COVID-19 por não ser o objetivo desta revisão. 

 6 CONCLUSÃO

O comprometimento do sistema cardiovascular durante o curso da infecção pelo SARS-CoV-2 é determinante na gravidade, prognóstico e mortalidade da doença, especialmente se o paciente possui fatores de riscos cardiometabólicos e/ou doença cardiovascular preexistente. Mesmo um indivíduo sadio, pode ter complicações cardiovasculares.

A fibrose cardíaca é o resultado de diversos processos fisiopatológicos em várias etiologias de miocardiopatia, incluindo a de causa infecciosa. Múltiplos estudos de Ressonância Magnética Cardíaca confirmam o potencial arritmogênico da fibrose miocárdica e sua associação com pior prognóstico na miocardite, doença coronariana isquêmica, disfunção ventricular e insuficiência cardíaca.

Estudos futuros serão importantes para verificar o benefício da quantificação da fibrose miocárdica em pacientes recuperados da COVID-19. Bem como, para entender o significado clínico dessas anormalidades estruturais e determinar o efeito das vacinas na prevenção de sequelas cardiovasculares a longo prazo.

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¹Mestranda em Epidemiologia e Vigilância em Saúde pelo Instituto Evandro Chagas (PPGEVS/IEC)

2Pesquisador em Saúde Pública do Instituto Evandro Chagas, da Secretaria e Vigilância em Saúde/MS (IEC/SVS/MS)