O COTIDIANO DE BEBÊS E CRIANÇAS NA CRECHE PÚBLICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7804878


ANERI FRANCISCA SILVA COSTA


RESUMO:

O intuito deste artigo de natureza bibliográfica é abordar o dia a dia dos bebês na creche pública. E analisar como as produções acadêmicas tem refletido sobre o envolvimento da família nas creches municipais. O interesse pelo referido tema surgiu a partir da minha prática durante doze anos enquanto professora de educação infantil, sobretudo de bebês e crianças bem pequenas. 

O período em que estive frente a coordenação pedagógica, especificamente no ano 2019 a 2021, também foi muito importante para que meu interesse pelas práticas pedagógicas realizadas no cotidiano crescesse, principalmente no que se referia à organização do tempo na creche. O que me levou a um aprofundamento nos estudos. Momentos de formação imprescindíveis na construção de caminhos possíveis, para respostas e, principalmente, para a alegria de novas reflexões e reconstruções. 

A especialização em Educação infantil foi muito crucial na minha formação acadêmica e profissional, onde pesquisei sobre a prática cotidiana do brincar ao ar livre na creche, em uma perspectiva pedagógica.

A metodologia utilizada neste estudo deu-se através de fundamentação teórica embasada nos critérios de autores renomados e obras fidedignas concernentes ao tema. Através deste estudo pode-se evidenciar que O dia a dia dos bebês na creche pública nos faz refletir sobre o envolvimento da família nas creches municipais contribuindo assim, para essas instituições escolares um ensino de qualidade.  

PALAVRAS-CHAVES: PRODUÇÕES ACADÊMICAS, FAMÌLIA, CRECHES MUNICIPAIS.

ABSTRACT:

The purpose of this bibliographical article is to address the daily lives of babies in public day care centers. And analyze how academic productions have reflected on family involvement in municipal day care centers. The interest in that theme arose from my practice for twelve years as a teacher of early childhood education, especially of babies and very young children.

The period in which I was in charge of the pedagogical coordination, specifically from 2019 to 2021, was also very important for my interest in the pedagogical practices carried out in everyday life to grow, especially with regard to the organization of time in the day care center. Which led me to deepen my studies. Essential training moments in the construction of possible paths, for answers and, mainly, for the joy of new reflections and reconstructions. 

The specialization in Early Childhood Education was very crucial in my academic and professional training, where I researched the daily practice of playing outdoors in the day care center, from a pedagogical perspective.

The methodology used in this study was based on theoretical foundations based on the criteria of renowned authors and reliable works concerning the theme. Through this study, it can be seen that The daily life of babies in public daycare centers makes us reflect on the involvement of the family in municipal daycare centers, thus contributing to quality education for these school institutions.

KEY WORDS: ACADEMIC PRODUCTIONS, FAMILY, MUNICIPAL DAY CARE CHILDREN.

INTRODUÇÃO

É necessário iniciar esta reflexão compreendendo que a Educação Infantil é um direito da criança, premissa que se configura em um curto tempo de existência, pois o atendimento em creches e pré-escolas passou a ser considerado um direito às crianças apenas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e também após este contexto social e político de nosso país, que se começou a produzir normativas, legislações, orientações e materiais, a fim de realizar melhorias na qualidade da educação destinada às crianças.

O Parecer CNE/CEB 20/2009 que faz a Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI) é atualmente um documento orientador para as ações educativas nas escolas de Educação Infantil, mostrando o empenho em melhorar cada vez mais esta primeira etapa da Educação Básica, desta forma,  a esfera da Educação Infantil vive um forte processo de revisão de concepções sobre educação de crianças em espaços coletivos, e de seleção e consolidação de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças. As questões acerca de como conduzir o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como garantir práticas junto às crianças de quatro e cinco anos que prevejam formas de assegurar a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, sem precipitação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental sobretudo têm se mostrado prioritárias (BRASIL, 2009 b, p. 2). 

Vivenciando os conceitos de educar e cuidar em sala de aula de alunos regulares na Educação Infantil, foi percebido o quão importante é que os profissionais da educação tenham conhecimento de como estes conceitos estão totalmente entrelaçados cotidianamente na creche. Dessa forma, quando se realiza um olhar observador este auxilia no desenvolvimento de uma auto avaliação da prática pedagógica diária de quem atua na Educação Infantil. Compreendendo assim, o educar e cuidar em todas as suas instâncias.

Partindo dessas premissas, o presente trabalho intitulado, O Dia a Dia dos Bebês na Creche Pública busca reflexões acerca da maneira de como produções acadêmicas refletem sobre o envolvimento da família nas creches municipais.

Este trabalho divide-se em quatro tópicos: O primeiro tópico se intitula Caminhos metodológicos – uma pesquisa com abordagem qualitativa sobre a vida diária dos bebês na creche pública. 

O segundo tópico tem como título – Contexto histórico da educação infantil no brasil: as crianças e a creche. Inicialmente apresenta a Educação Infantil no Brasil trazendo elementos históricos e culturais que refletem diretamente no cotidiano atual.  Nesse tópico também é desmistificado e apresentado novos conceitos e legislações que evidenciam a criança como um ser que produz história, cultura, que cria, interage e que possui seus próprios desejos e preferências. 

O terceiro tópico discutirá sobre os conceitos e significados de educar e cuidar, tendo como título – Educar e Cuidar na Creche, enfatizando todo o percurso histórico do educar e cuidar até as concepções atuais demostrando como um influencia o outro. Educar e cuidar são premissas que devem se fazer presentes no cotidiano da Educação Infantil, principalmente nas creches, pois atendem bebês e crianças bem pequenas, que merecem respeito e atenção constante em suas primeiras experiências de vida. 

O último tópico – A importância da construção de um trabalho de parceria   família e escola, trará reflexões sobre o cotidiano dos bebês na creche pública. 

Por fim, apresentam-se as considerações finais como um ponto de partida deste trabalho, demonstrando que estas não acabam aqui, pelo contrário possibilitam e apontam caminhos para a continuidade da pesquisa.  

1. CAMINHOS METODOLÓGICOS – UMA PESQUISA COM ABORDAGEM QUALITATIVA SOBRE A VIDA DIÁRIA DOS BEBÊS NA CRECHE PÚBLICA.

Neste sentido, a pesquisa consiste de uma parte importante para a formação acadêmica é por meio dela que se pode buscar conhecimento, resolver problemas, aprender e conhecer o assunto estudado, assim como aborda Minayo “a pesquisa é um caminho sistemático que busca indagar e entender o tema de estudo, desvendando os problemas da vida cotidiana através da relação da teoria com a prática” (2001 apud Ferreira, 2015, p. 114).

  Na realização da pesquisa científica, a metodologia escolhida para desenvolver o presente projeto tem uma abordagem qualitativa, com o uso de procedimentos da pesquisa bibliográfica. Conforme Lukde e André (1989, p. 11) “a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte de dados e o pesquisador como seu principal instrumento”.

No decorrer da pesquisa bibliográfica, foram feitos levantamentos do que já havia sido pesquisado e publicado sobre o tema educar e cuidar, formando assim o estado de conhecimento sobre a temática da pesquisa. O estado de conhecimento determina: 

Que o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado (FERREIRA, 2002, p. 257). 

Portanto, o nível de conhecimento é um grande aliado do levantamento realizado sobre o tema a ser pesquisado, pois consegue mostrar o que está sendo feito e o que já foi produzido e discutido, não apenas para quem o concretiza, mas também para quem pode utilizar, aprofundando ainda mais saberes, por meio dos trabalhos sobre o objeto de estudo proposto. 

Para elaborar este trabalho o primeiro critério utilizado foi selecionar trabalhos entre os anos de 2009 até 2022, pelo fato de que a atual versão das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), documento que normatiza a etapa trouxe mudanças e transformações nas concepções que cercam a Educação Infantil teve sua publicação e revisão no ano de 2009. O segundo critério foi dar ênfase em trabalhos que abranjam a creche, nível da Educação Infantil a qual essa pesquisa se constitui.

A pesquisa documental é fundamental para auxiliar na compreensão de documentos sobre a temática. Segundo Gil (2002) as fontes de uma pesquisa documental podem ser diversas, “como cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos, ofícios, boletins, etc”. O autor também relata que:

A pesquisa documental apresenta uma série de vantagens. Primeiramente, há que se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados. Como os documentos subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica (GIL, 2002, p. 46)

Utilizar as crianças como foco central da pesquisa tem uma grande importância, pois são o seus interesses e visões que atuam como informantes competentes e “sujeitos capazes de fazer indicações para os rumos epistemológicos e teóricos-metodológicos da pesquisa cientifica, bem como capaz de opinar e provocar mudanças sociais e culturais” (RODRIGUES; BORGES; SILVA, 2014, p. 280); o que vem ao encontro da identificação das crianças como sujeitos históricos e de direitos (BRASIL, 2009a, BRASIL, 2009b).

Ferreira afirma que à importância de se pesquisar com crianças, pode:

Levar mais longe o reconhecimento das crianças como sujeitos é adotar uma concepção de pesquisas com crianças em que elas são vistas como atores sociais implicados nas mudanças e sendo mudados nos mundos sociais e culturais em que vivem, e como protagonistas e repórteres competentes das suas próprias experiências e entendimentos – elas são, portanto, as melhores informantes do seu aqui e agora (FERREIRA, 2008, p. 149).

Portanto, é primordial ressaltar que quando se realiza pesquisas com crianças o pesquisador deve deixar com que elas sejam as protagonistas e os atores da pesquisa.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: AS CRIANÇAS E A CRECHE

A escola é parte importante da criança, pois muitas iniciam sua vida escolar ainda bebês. Malaguzzi (2016), diz que: a reflexão dos cenários escolares, cenários estes que falam para a criança que não é preciso descobrir um mundo novo e que ele já existe, mundo esse em que é necessário pensar, mas sem as mãos, sem poder tocar, sem poder mover-se do lugar. Esse trecho traz a reflexão sobre as conjunturas que acabam desmotivando as crianças a frequentar a escola, ou até dificultando que evoluam com pensamentos e ações próprias, algo bastante sério, pois se sabe que a criança aprende tocando, olhando, investigando com todo o seu corpo.

Assim, tanto Malaguzzi (2016) quanto Rubem Alves (2002), apresentam o quanto é imprescindível as escolas reconhecerem as essências e naturezas das crianças, permitindo que as crianças sejam crianças e vivam sua infância, investigando, pesquisando e descobrindo o mundo com suas asas, seus voos, maravilhando-se em cada nova descoberta. 

Quando se fala em creche também percebe-se muitos espaços são como gaiolas, espaços pequenos que não permitem aos bebês e crianças bem pequenas ter suas linguagens reconhecidas e acolhidas. Portanto, em meio a toda esta reflexão é preciso entender como surgiu a creche no contexto histórico, já que esse espaço diz muito sobre as concepções que cercam a educação das crianças nos dias atuais.

Por fim, é de extrema importância analisar todo o contexto histórico da Educação Infantil no Brasil, até os dias atuais. Analisando documentos que normatizam a primeira etapa da educação básica como sendo um dos principais caminhos. Desta forma abordando toda a trajetória de atendimento as crianças na Educação Infantil, mapeando seu processo histórico.

2.1 DO ASSISTENCIALISMO À EDUCAÇÃO COMO DIREITO DA CRIANÇA

Por muito tempo se acreditou que a educação dirigida para a criança era responsabilidade somente das famílias e dos grupos sociais que elas frequentavam. Deste modo, Bujes (2001, p. 13) diz que, o convívio com adultos e outras crianças fazia com que a criança aprendesse a se tornar membro deste grupo, participando de tradições que eram importantes para ele, aprendendo conhecimentos que eram imprescindíveis para a sua sobrevivência material e no enfrentamento das exigências da vida adulta. 

O que se analisa sobre essa fala de Bujes é que a imersão das crianças nas instituições educativas vinha das mudanças políticas, sociais e econômicas, que ocorriam na sociedade, muitas vezes excludentes e conservadores das classes mais pobres que eram “moldadas” pela burguesia, fato observado com a revolução industrial, evento que teve grande impacto na sociedade, fazendo com que a classe operária tivesse que se submeter ao regime das fábricas e das máquinas.

Deste modo, com a revolução industrial veio a necessidade de abrir postos de trabalho para as mulheres, incluindo-as no mercado de trabalho, modificando a forma da família cuidar e educar seus filhos (PASCHOAL; MACHADO, 2009). Com essa mudança, as mães que começaram a trabalhar nas indústrias por muitas vezes tinha que deixar as crianças sozinhas, pois não havia quem pudesse ficar com elas durante a jornada de trabalho

Partindo dessa premissa, veio a necessidade de um local em que as mães pudessem deixar seus filhos, assim, se deu início às instituições que inicialmente pretendiam atender somente a classe baixa, fazendo com que as mães pudessem trabalhar sem ter que deixar os filhos sozinhos ou aos cuidados de outros. Didonet afirma que:

“as referências históricas da creche são unânimes em afirmar que ela foi criada para cuidar das crianças pequenas, cujas mães saíam para o trabalho. Está, portanto, historicamente vinculada ao trabalho extradomiciliar da mulher. Sua origem, na sociedade ocidental, está no trinômio mulher-trabalho-criança. Até hoje a conexão desses três elementos determina grande parte da demanda (2001, p. 12)”.

Este novo olhar muda o modo de pensar na Educação Infantil, sobretudo com o rompimento da ideia assistencialista vinculada à creche. Assim, a primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que foi em 20 de dezembro de 1961 reconhece pela primeira vez a menção da educação de crianças pequenas, em seus artigos. De acordo com o art. 23, a educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância. O art. 24 diz que as empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré-primária (BRASIL, 1961).

A legislação a partir da década de 80 vem assegurar outro local para a educação das crianças, primeiramente, a Constituição Federal de 1988 descreve que a educação seria um direito social e por isto passa a ser uma obrigação assegurar uma educação de qualidade a todos os brasileiros, em seguida o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, reafirma o direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes (BARROS, 2007). A Constituição Federal de 1988 destaca em seu artigo 205 que: “A educação direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

 Segundo Nascimento por meio da:

 “constituição de 1988 as creches e pré-escolas passaram a compor os sistemas educacionais. Essa determinação constitucional ganha estatuto legal mais definindo apenas oito anos depois, com a LDB 9.394/96, quando esta reconhece as instituições de atendimento às crianças como parte do sistema educacional […] do ponto de vista legal, a partir da promulgação da Constituição de 1988, todas as crianças passaram a serem consideradas sujeitos de direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária. De objeto de. De objeto de tutela para sujeito de direitos, de apenas crianças para cidadãos de pouca idade (2015, p. 17451)”

Segundo, Lopes et. al., (2005), a Constituição Federal de 1988 surgiu no intuito de orientar as creches e pré-escolas a organizar políticas públicas para atender crianças de 0 a 6 anos. Deste modo, a criança passa a ser vista como um sujeito que é social, afetivo e que precisa de uma pedagogia específica, precisando ser acolhida pela sociedade em espaços que permitam seu pleno desenvolvimento, acentuando seus interesses sobre o mundo, e assim possibilitado a ampliação de suas vivencias.

Outro elemento importante para a história da Educação Infantil é que na década de 1990, se deu início a ampliação de estudos sobre a pré-escola e as pesquisas sobre as creches, conforme afirma Barbosa “foram publicados livros que tratam da história das crianças no Brasil, apresentados teses sobre as instituições de atendimento as crianças pequenas respectivas propostas educacionais e também outras publicações sob forma de coletânea de artigos” (2006, p. 17). 

Em meio a esta conjuntura por volta de 1990 inicializou-se a ampliação de vagas na Educação Infantil, designadamente na faixa etária de 0 a 3 anos, contudo ainda sendo insuficiente. No período de 1995 ao ano de 1999, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), alcançou-se um maior atendimento de 0 a 3 anos, passando de 7,6% a 9,2% em 1999, tendo uma ampliação de 1,6% nas matriculas.

Neste cenário atual da Educação Infantil, destacam-se as reflexões ocorridas sobre essa etapa, como espaço coletivo de educação e de direito das crianças, ainda são recentes. O que auxilia a aprender as funções atuais são os documentos que norteiam a etapa, e que apareceram após a Constituição Federal de 1998 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, como a Resolução CNE/CEB nº 5/2009 e o Parecer CNE/CEB n.20/2009 que fixam e revisam as DCNEI (BRASIL, 2009ª; BRASIL, 2009b), a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) e as Legislações estaduais e municipais, contextos legais atuais abordados mais adiante.

2.2 CONTEXTO ATUAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, determina o desenvolvimento integral das crianças, se organizando em creche e pré-escola. A creche atende crianças de 0 a 3 anos e 11 meses de idade, e a pré-escola atende crianças de 4 a 5 anos e 11 meses; nesse sentido, as creches e pré-escolas são instituições educacionais tanto públicas como privadas que educam e cuidam das crianças de 0 a 5 anos de idade, por meio de profissionais com formação específica, conforme legislação educacional (BRASIL, 2009a; BRASIL, 2009b) conceito que contrapõem a ideia assistencialista. 

Deste modo, ao contestar uma política assistencial, o que passa a orientar o currículo da Educação Infantil como eixos norteadores são: as interações e a brincadeira, concepção também destacada pela Base Nacional Comum Curricular, que define a interação durante o brincar caracterizando o dia-a-dia da infância, trazendo consigo diversas aprendizagens e potenciais para o progresso integral das crianças. Ao considerar as interações e brincadeiras entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções (BRASIL, 2017, p. 33). Interagir e brincar devem ser elementos preferenciais na condução da educação das crianças. 

O Parecer CNE/CEB 20/2009 que faz a Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI) constitui três princípios básicos para as propostas pedagógicas da Educação Infantil, que devem ser respeitados, sendo eles: 

  • Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades;
  • Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;
  • Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 2009b, p. 19). 

Estes princípios asseguram que as crianças têm totais e plenos direitos de exibir suas curiosidades, desejos, interesses, de participar de forma ativa em ações educativas para o exercício da sua cidadania, de exercer sua liberdade e sensibilidade sobre os acontecimentos que os cercam, que seja valorizado na sua criatividade, sendo compreendida em todas as suas esferas (BRASIL, 2009b); princípios que quando cumpridos também estão efetivando cuidados e educação.

O documento “Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças”, afirma que: “Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante. Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza. Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos. Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade. Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos (BRASIL, 2009c, p. 13)”. 

Na creche não tem como dominar as crianças, elas necessitam de tempo e espaço para aprender, para mover-se e explorar o mundo. Agostinho assegura que é a partir do movimento que a criança aprende é onde ela se expressa e não sentadas em classe de aula, desta maneira: 

Andar, correr, pular, saltar, escorregar, subir, descer, empurrar, puxar, pendurar-se rolar, engatinhar, deitar, sentar, cair, espiar, trepar, rastejar, pegar, lançar, dançar. Logo depois, tudo de novo… […] Movimento pra as crianças é comunicar-se, interagir com o mundo, é uma forma de linguagem, é explorar e conhecer o mundo e o próprio corpo, seus limites e possibilidades (2016, p. 90). 

A Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil destaca que: “em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões sobre como orientar o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como garantir práticas junto às crianças de quatro e cinco anos que se articulem, mas não antecipem processos do Ensino Fundamental” (BRASIL, 2009b, p. 2). 

Atualmente, as crianças brasileiras de 0 a 5 anos de idade, possuem o direito a uma educação de qualidade, justa e equitativa, direito que deve ser atendido pelas instituições de ensino e assegurada pelo Estado. Refletindo sobre a ideia de cuidar e educar com qualidade.

 3. EDUCAR E CUIDAR NA CRECHE

Educar e Cuidar são princípios que devem estar presentes na rotina da Educação Infantil, sobretudo nas creches, devido a atenderem bebês e crianças bem pequenas, que requerem respeito e atenção constantes em suas primeiras experiências de vida. Por muito tempo, inclusive nos dias de hoje, estes conceitos ainda não são bem compreendidos, fator que salienta a importância de ser dialogado e entendido. 

Com estudos mais aperfeiçoados sobre Educação Infantil e de aprendizagem e desenvolvimento infantil, a inerência entre educar e cuidar entram em pauta, assumindo o compromisso com a formação humana das crianças. Kramer (2005, p. 82) diz que, o cuidado está relacionado na necessidade do outro. Isso quer dizer que quem cuida não pode estar voltado para si mesmo, mas deve estar receptivo, aberto, atento e sensível para perceber aquilo de que o outro necessita. Para cuidar, é preciso um conhecimento daquele que carece de cuidados, o que exige proximidade, tempo e entrega.

Segundo Signorette, “educar é abranger todos os aspectos da vida do aluno, desde o atendimento de suas necessidades mais básicas, primárias e elementares, até as mais elaboradas e intelectualizadas” (2002, p. 06). Com base nisso, é válido afirmar que educar e cuidar são aspectos a serem concebidos de forma articulada, no que se refere ao processo formal da educação das crianças. 

Ávila (2002, p. 126) complementa dizendo que a educação e o cuidado são “indissociados e indissociáveis. O cuidado e a educação são, na esfera pública, o direito à educação para as crianças. Por isso, o cuidar e o educar não são maternagem, ensino, trabalho doméstico”. Educar e cuidar são aspectos que constituem o trabalho das escolas de Educação Infantil.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil salienta que: Educar constitui assim em propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam cooperar para o aumento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste seguimento, a educação poderá ajudar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, p. 23). 

Dessa forma, é preciso compreender que o educar e o cuidar precisam estar lado a lado no cotidiano nas creches, e quem precisa trazer estes conceitos são todos os profissionais da escola, e não apenas o professor. É um trabalho das auxiliares, dos funcionários, da gestão escolar, da comunidade e de todos que atuam diretamente e indiretamente com as crianças. 

4. A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE UM TRABALHO DE PARCERIA   FAMÍLIA E ESCOLA.

É importante perceber que as famílias mesmo com seus diferentes entendimentos procuram indicações de escolas através de conhecidos, dessa forma preocupando-se com o ambiente que seus filhos ou netos serão atendidos.

A escola precisa estar cada vez mais preparada para receber a família e a comunidade, se concretizando como um espaço de discussão, aprendizagem, cultura e lazer para todos os envolvidos no processo educativo. Precisará não apenas acolher as famílias, mas respeitá-las e valorizá-las em suas diferenças étnicas e culturais, conscientizando as da importância de sua participação no processo de aprendizagem de seus filhos e suas valiosas contribuições no projeto educativo da escola.

Como informa os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do outro.

Nessa perspectiva, as instituições de educação infantil, por meio de seus profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as famílias. (BRASIL, 1999, p. 77). Sendo fundamental para a construção da parceria o exercício de escuta.

4.1 PARTICIPAÇÃO FAMILIAR NAS CRECHES MUNICIPAIS

A percepção dos educadores de que “a família poderia ser mais participativa”, foi aos poucos mudando e dessa forma passaram a considerar a família como parceira, isso contribui significativamente para o bem-estar e desenvolvimento afetivo da criança.  Pois, ao contar com os familiares e pessoas da comunidade para ajudar a construir e reformar espaços, como a biblioteca e o refeitório da creche, isto é, incorporar a ideia de que a educação não se faz sozinha, mas sim, em comunhão, em conjunto.

Como ensina Gandini; Goldhaber “o processo de documentação amplia o nosso entendimento sobre os conceitos que as crianças estão elaborando, nos une como comunidade de aprendizagem e nos desafia a pensar os nossos pensamentos.” (1994, p.64). 

Nesse sentido, em um aspecto de colaboração mútua que passa pela confiança e pelo conhecimento é possível fazer o que for necessário, assegurando que os dois contextos de desenvolvimento mais importantes nos primeiros anos de vida de uma pessoa possam compartilhar critérios educativos que facilitem o crescimento harmônico das crianças. (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999, p.285). 

É primordial ponderar no trabalho com as crianças pequenas, que não há um modelo ideal de família, mas, o modelo ideal é a promoção de um ambiente saudável para a compensação das necessidades dos membros familiares. Como afirma Szymanski:

“O mundo familiar mostra-se numa vibrante variedade de formas de organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas na busca de soluções para as vicissitudes que a vida vai trazendo. Desconsiderar isso é ter a vã pretensão de colocar essa multiplicidade de manifestações sob a camisa de força de uma única forma de emocionar, interpretar, comunicar. (SZYMANSKI, 2007,p. 27)”.

É importante ressaltar que os pais deixam seus filhos no portão de entrada da creche, e portanto, não possuem acesso ao interior da escola, não visitando os diversos espaços, não conversando com os educadores e nem participando da vida educativa das crianças.

Defender e promover os direitos e as potencialidades das crianças é o objetivo das creches e escolas infantis. Tornando-se evidente a importância da construção de um trabalho de parceria família e escola.

4.2 CONCEPÇÕES DE PARCERIA FAMÍLIA-ESCOLA

Escola é escola; família é família. Contudo, apesar de apresentarem características diversas e peculiares, ambas as instituições exibem alguns pontos em comum: propiciar o desenvolvimento integral da criança. Portanto, tanto a escola como as famílias precisam compartilhar ideias e anseios em função de um único objetivo: o cuidar e o educar. Além do que, analisando que os primeiros anos de vida da criança são essenciais ao desenvolvimento subsequente do indivíduo, é imprescindível que se construa desde o início do processo pedagógico uma parceria família-escola.

De acordo com Zannini (2002, p.22-23), a proximidade da escola e da família pode ser deste modo, no sentido de trabalhar competências educativas dos pais, o que com certeza trará benefícios no sentido de promover o bem-estar da criança. 

Para trabalhar as aptidões educativas dos pais, é crucial uma relação amigável, de confiança, de verdadeira troca, relação esta, construída no cotidiano, como por exemplo, nos momentos de entrada e saída da escola, no diálogo, por meio da presença dos pais no espaço escolar. Para isso é necessário que o educador tenha uma formação adequada para a criação desse vínculo.

Além disso, assim como os pais participativos, os educadores também são peças fundamentais para a construção do apego, que é uma importante fase do desenvolvimento emocional do bebê. Nas palavras de Pauen (2006, p.10) “Em primeiro lugar, para um aprendizado sem barreiras, os recém-nascidos precisam construir um relacionamento seguro com as pessoas que lhe servem de referência – normalmente os pais.” 

Neste rumo, Nicolau (2000), diz que é de extrema importância o papel que a família e a instituição de educação infantil desempenham para despertar na criança o desejo de conhecer e participar da sociedade. Assim, a família e a escola precisam construir uma relação de respeito e cumplicidade, tornando-se valioso o diálogo entre a família e o profissional da educação. 

Entende-se que a escola que acolhe crianças pequenas pode criar as melhores condições para que estes se desenvolvam por completo, como afirma Nicolau: 

A pré-escola necessita se empenhar para que cada momento seja uma vivência; cada objeto, um desafio; cada situação, uma oportunidade de busca, de experimentação, de descoberta, o que, no meu entender, só se torna possível mediante uma ação pedagógica comprometida com a criança, com suas características, com necessidades e com possibilidades. (NICOLAU, 2000, p.121)

Para que isso aconteça, compete ao professor organizar e problematizar situações de aprendizagem, avaliar as particularidades individuais de cada criança e valorizar os aspectos culturais do contexto em que ela se encontra. Do nascimento aos primeiros anos de vida, a criança está se socializando e construindo seu conhecimento a partir de objetos, brinquedos, brincadeiras e vivências com as pessoas.

É primordial a troca de informações e ideias com as famílias para conhecer melhor a criança. Pois, a família é o lócus das primeiras relações, interações e conhecimentos auferidos pelos infantes, há toda uma história, um desejo, um significado que os acompanha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho da disciplina Cultura das Infâncias, foi analisar o dia a dia dos bebês na creche pública, com a problemática de descrever como as produções acadêmicas tem refletido sobre o envolvimento da família nas creches municipais, por meio desta metodologia de narrativas bibliográficas buscou narrar a própria história fornecendo sentido as próprias experiências, foi literalmente uma viagem a si mesmo.

Para tanto, ao longo da caminhada acadêmica muitos diálogos, reflexões e inquietações foram surgindo sobre as crianças na Educação Infantil. Foi esta trajetória de construção acadêmica que chegou até a decisão de definir o tema central deste trabalho. A escolha deste tema teve como princípio a indissociabilidade entre educar e cuidar no cotidiano da creche. 

Deste modo, essa pesquisa servirá como base no acompanhamento de uma trajetória profissional, pois hoje estas não são indagações com respostas prontas, muito pelo contrário são perguntas que ainda precisam ser refletidas, que daqui algum tempo poderão ser mudadas.

É imprescindível haver uma compreensão, de que estes dois temas caminham juntos, ao mesmo tempo creche/ família, possuem papeis fundamentais nas vidas dos bebês e crianças bem pequenas, pois estão implícitos no dia a dia como algo integrado.    

É importante compreender que os espaços da escola precisam ser (re)pensados. Pois, é preciso proporcionar salas mais amplas, janelas baixas, móveis da altura das crianças, havendo livre e total acesso aos materiais ali disponíveis, como também é fundamental pensar que estes espaços precisam ser organizados de maneira a atender as necessidades das crianças que o ambientalizam, pensando em seu bem-estar, no seu acolhimento, refletindo inúmeras vezes sobre quem são as crianças e principalmente pelo o que já são capazes de fazer.  

Momentos do cotidiano também precisam ser refletidos, como os destinados a lanches e almoços, as crianças precisam ter total autonomia nestes momentos. Nos horários de sono, para as crianças que não querer dormir é preciso haver mais profissionais que estejam disponíveis a atendê-las. Os intervalos dos profissionais dentro da escola da infância também precisam ser revistos, pois deixar poucos profissionais nesses momentos da jornada integral na escola demonstra de certo modo uma falta de acolhimento às necessidades das crianças.

Outra questão pertinente a ser abordada, refere-se à necessidade de ouvir as crianças, foi por meio da escuta que as preposições descritas neste trabalho puderam ser desencadeadas. Escutar as crianças é reconhecê-las enquanto sujeitos participantes do processo de aprendizagem, é respeitar suas ideias, suas hipóteses e reconhece-las como sujeitos capazes e pensantes.

Por fim, conclui-se que é preciso mostrar para as crianças que estas são capazes de desenvolver suas próprias ações, tomando atitudes que realcem seus desejos e reconheçam sua autonomia; o educar e cuidar estejam totalmente intrigados de forma indissociável no cotidiano da escola infantil. Que os bebês e as crianças bem pequenos tenham liberdade de explorarem, investigarem, pesquisarem; que os professores, auxiliares e demais profissionais que atuam com crianças, possam refletir sobre os espaços, os tempos, as formas de acolher, sobre educar e cuidar.

Que a escola, família e profissionais não esqueçam a importância do olhar sensível e da escuta ativa, fatores necessários para reconhecer as crianças como sujeitos de direitos, pois são produtoras de cultura. Que o respeito, a desaceleração, a integralidade das crianças façam parte dos processos educativos. 

É necessário ainda caminhar muito para que haja mais melhorias na Educação Infantil, voltadas exclusivamente as crianças. Entretanto, percebe-se que há muito ainda para se aprender sobre este tema tão pouco falado.

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