ESTUDOS DOS CASOS DE CORONAVÍRUS E SUA RELAÇÃO COM DETERMINANTES QUE REFLETEM A DESIGUALDADE SOCIAL NA REGIÃO SUDESTE DO BRASIL

STUDY OF CORONAVIRUS CASES AND THEIR RELATIONSHIP WITH DETERMINANTS THAT REFLECT SOCIAL INEQUALITY IN THE BRAZIL SOUTHEASTERN.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7766570


Adriano Lafin1


RESUMO

Introdução: A Covid-19 é uma doença causada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, que surgiu na China em 2019, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição mundial. Em 11 de fevereiro de 2020, essa enfermidade foi oficialmente denominada Covid-19. O Brasil, e principalmente a região Sudeste, a mais populosa e povoada do país, encontra-se em um contexto de grande desigualdade social, com populações vivendo em condições precárias, tanto de habitação como de saneamento básico, sem acesso sistemático à água e em situação de aglomeração. Com a hipótese de que fatores socioeconômicos e demográficos influenciam a evolução da pandemia da Covid-19, essa é a unidade de agregação para análise. Objetivos: analisar a evolução da incidência de coronavírus e sua correlação com indicadores de desigualdade social na região Sudeste do Brasil, no período de março a agosto do ano de 2020. Métodos: trata-se de um estudo observacional, transversal, com abordagem quantitativa, com variáveis extraídas de bancos de dados do Ministério da Saúde, relativas ao número de casos confirmados e de óbitos por Covid-19, no período de março a agosto de 2020, nos estados da região Sudeste do Brasil, como variáveis-resposta. Resultados: verificou-se que tanto casos como óbitos foram mais intensos em localidades de maior desigualdade e com indicadores sociais de pior qualidade. Houve correlações significativas positivas entre óbitos acumulados e tamanho da população (r=0,422), óbitos acumulados e razão de rendimentos (r=0,426) e óbitos acumulados e pessoas sem acesso à rede de esgoto (r=0,42). Conclusão: a pandemia da Covid-19 acomete uma grande parcela da população da região Sudeste em situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica. Os resultados do estudo trazem à tona discussões a respeito da igualdade de direitos no Brasil; desse modo políticas públicas de saúde devem ser direcionadas às pessoas com maior risco de vulnerabilidade social, econômica ou ambiental. 

Descritores: Determinantes Sociais da Saúde, Sudeste, Infecções, Infecções por Coronavírus, Pandemia. 

ABSTRACT

Introduction: COVID-19 is a disease caused by the new coronavirus, SARS-CoV-2, which emerged in China in 2019, potentially serious, highly transmissible and worldwide distributed. The virus was officially named COVID-19 on February 11, 2020. In Brazil, and especially in the Southeast Region, which is the most populated region in the country, whith great social inequality, populations living in precarious conditions of both housing and basic sanitation, without systematic access to water and in agglomeration situation. With the hypothesis that socioeconomic and demographic factors influence the evolution of the COVID-19 Pandemic, this region was analyzed. Objectives: To analyze the spatial evolution of the incidence of coronavirus and its correlation with indicators of social inequality in the southeastern region of Brazil, from March to August, 2020. Method: This is an observational, cross-sectional study with a quantitative approach, with variables extracted from databases of the Ministério da Saúde do Brazil, related to the number of confirmed cases and deaths by COVID-19 in the period from March to August (2020) in the southeast region. Results: It was found that both cases and deaths were more intense in locations with greater inequality and with poorer quality social indicators. There were significant positive correlations between accumulated deaths and population size (r=0.422), accumulated deaths and income ratio (r=0.426) and accumulated deaths and people without access to health care system (r=0.42). Conclusions: The COVID-19 Pandemic finds a large part of the population of the Southeast region in a situation of extreme socioeconomic vulnerability. The results of the study bring up discussions about equal rights in Brazil. Public health policies should be directed towards people at greater risk of social, economic or environmental vulnerability. 

Key-words: social determinants of health, southeastern, infections, SARS-CoV-2, pandemic. 

1. INTRODUÇÃO 

O Coronaviridae, popularmente denominado coronavírus, é uma família de vírus com algumas linhagens capazes de infectar humanos, provocando infecções respiratórias graves. Podemos citar os vírus SARS-CoV e MERS-CoV, que são potencialmente capazes de provocar doenças graves, e os vírus HKU1, NL63, OC43 e 229E, associados a síndromes respiratórias leves1,2.

Em Wuhan, na China, foi identificado um surto de pneumonia viral grave em dezembro de 2019. O vírus foi identificado como sendo um betacoronavírus SARS-CoV e denominado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2). A partir de então, o número de casos de infecção aumentou exponencialmente, atingindo diversos países do mundo1,3-5

O modo mais comum de transmissão do vírus é por meio das gotículas, expelidas durante a fala, tosse ou espirro. Essas gotículas são partículas consideradas grandes e densas (>5 microns), atingem até um metro e meio de distância e se depositam no chão, por isso essa forma de transmissão geralmente se dá face a face. A exposição prolongada a uma pessoa infectada (a menos de 2 metros por pelo menos 15 minutos) e exposições mais breves a indivíduos sintomáticos (por exemplo, com tosse) estão associadas ao maior risco de transmissão6.

Algumas condições têm sido associadas à mortalidade ou ao maior risco de evolução para quadros graves de Covid-19, incluindo idade > 60 anos e comorbidades, como hipertensão, diabetes, câncer, obesidade, doenças cardiovasculares crônicas, doenças pulmonares crônicas, tabagismo, imunodeficiência, doenças renais e hepáticas, entre outras7.

Entretanto, outro determinante para as altas taxas de infecção, morbidade e mortalidade associadas à Covid-19 se encontra também na determinação social da saúde. Poucos estudos na literatura têm avaliado a associação entre a evolução e o impacto da pandemia aos fatores socioeconômicos e demográficos, bem como à estrutura do sistema de saúde. Porém, esses fatores podem ter especial importância em países como o Brasil. 

Algumas das principais estratégias de enfrentamento da pandemia foram o distanciamento e o isolamento social, a fim de coibir o alastramento da contaminação e de favorecer atendimentos adequados aos doentes, levando em conta a capacidade do sistema de saúde de suportar tal contingente. No entanto, em localidades onde as condições de vida são precárias, com falta de infraestrutura, de saneamento básico e de serviços públicos, com moradias pequenas e insalubres e até tensão de situações de violências — muitas vezes associadas ao tráfico de drogas —, há particularidades que colocam em xeque o modelo de isolamento social como estratégia sanitária de proteção à Covid-198,9

Essas moradias abrigam muitas pessoas que, normalmente, não têm privacidade nem condições de se preservar de contatos sociais, que é o caso de grande parte da população residente na região Sudeste do Brasil. Além disso, o distanciamento social, associado a curvas de contágio e ao avanço da pandemia, gera mudanças significativas no modo de vida das pessoas e impacta diretamente a economia. Tendo em vista que muitos desses indivíduos trabalham como prestadores de serviços e em atividades informais com baixa remuneração, a situação financeira é agravada na pandemia — muitos perderam seus empregos, e outros passaram a depender do auxílio emergencial8,9.

Dessa forma, o enfrentamento da pandemia necessita superar dois fatores centrais. O primeiro corresponde à determinação social da saúde que influencia o risco de infecção, de morbidade e mortalidade associado à Covid-19. O segundo diz respeito à necessidade de ampliação do investimento público em saúde e ao fortalecimento das redes de saúde em áreas vulneráveis dos municípios do Brasil. Nessa perspectiva, esta pesquisa objetiva analisar a distribuição espacial da incidência de coronavírus e sua correlação com indicadores de desigualdade social, nos estados da região Sudeste do Brasil, no período de março a agosto de 2020. 

2 Objetivos

2.1 Objetivo geral:

Analisar a prevalência de coronavírus e sua correlação com indicadores de desigualdade social na região Sudeste do Brasil, no período de março a agosto de 2020. 

2.2 Objetivos específicos:

  • Verificar a evolução temporal da Covid-19, na região Sudeste do Brasil, de março a agosto de 2020, com base em dados secundários do Ministério da Saúde do Brasil relativos ao número de casos confirmados e de óbitos;
  • Analisar e descrever a influência de fatores socioeconômicos e demográficos, bem como da estrutura do sistema de saúde, na evolução da pandemia da Covid-19 na região Sudeste do Brasil.

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.1 Característica da região Sudeste 

A unidade de estudo foi a região Sudeste do Brasil, que é uma das cinco macrorregiões do país, formada pelos estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro (Figura 1). 

Sua extensão territorial é de 924.511,3 km2. É o complexo regional mais populoso e povoado do país; de acordo com dados do Censo Demográfico realizado, em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região possuía 88.371.433 habitantes. Sua densidade demográfica é de aproximadamente 95,13 habitantes por quilômetro quadrado, e mais de 90% da população mora em áreas urbanas10

No sudeste, estão localizadas as duas maiores regiões metropolitanas do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, que, somadas, concentram mais de 30 milhões de habitantes, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2019. Com isso, há uma grande concentração de atividades comerciais, industriais e tecnológicas nessas duas áreas. A região é a segunda menor em extensão territorial e ocupa o segundo lugar do país com mais municípios, um total de 1.668. Essa disparidade se deve à própria dinâmica econômica-espacial que se deu no país, ocorrida de maneira desigual no território nacional11

Quadro 1: Estados da região Sudeste

Fonte: https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/regiao-sudeste.htm

Figura 1: Mapa da divisão territorial da região Sudeste do Brasil

Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/brasil/regiao-sudeste.htm

Dados estatísticos da região, de 2019, de acordo com IBGE:

  • Área territorial: aproximadamente, 925 mil km², ou seja, 12% do território brasileiro;
  • População: 88.371.433 habitantes;
  • Rendimento domiciliar per capita (em reais): 1.666,75;
  • Densidade demográfica: 95,13 habitantes por km²;
  • Índice de Desenvolvimento Humano: 0,753;
  • Matrículas no ensino fundamental: 10.384.771 de estudantes;
  • Produto Interno Bruto (em reais): 2,4 trilhões;
  • Taxa de mortalidade infantil: 12,6.

 Os índices econômicos dessa região são altos, assim como sua taxa de industrialização. No século XX, foi o território que mais atraiu migrantes em busca de melhores condições de vida e oportunidades de renda e trabalho10.

3.2 Origem da Covid-19

O SARS-CoV é um coronavírus potencialmente patógeno para humanos, um novo beta coronavírus que emergiu em Guangdong, sul da China, em novembro de 2002, e resultou em mais de 8 mil infecções humanas e 774 mortes, em 37 países, durante 2002 e 2003. O MERS-CoV, inicialmente identificado na Arábia Saudita, em 2012, foi responsável por 2.494 casos de infecção laboratorialmente confirmados e 858 mortes, desde 20124.

Em Wuhan, na China, foi identificado um surto de pneumonia viral grave, em dezembro de 2019, inicialmente sem etiologia esclarecida. Contudo, posteriormente, foi constatado, por meio do sequenciamento genético, um novo vírus capaz de infectar humanos. A princípio, esse vírus foi denominado 2019 Novel Coronavírus (2019-nCoV), porém, após análises de sequenciamento de RNA, foi identificado como um beta coronavírus SARS-CoV e denominado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2). Desde esse período, o número de casos de infecção aumentou exponencialmente, atingindo diversos países do mundo1,3-5.

Assim, em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência de saúde pública internacional e, em 11 de março de 2020, decretou estado de pandemia.

Desde então, surgiram diversas novas variantes do vírus, e algumas têm sido consideradas de atenção e/ou preocupação mundial, pois têm contribuído para o aumento da transmissibilidade e o agravamento da situação epidemiológica nas áreas onde foram identificadas. Até o momento da escrita desta obra, foram identificadas quatro variantes de atenção e/ou preocupação: VOC B.1.1.7, do Reino Unido; VOC B.1., da África do Sul; VOC B.1.1.28.1 ou P.1, do Brasil; e VOC B.1.617.2, da Índia13.

3.3 Virologia do SARS-CoV-2

O nome coronavírus foi criado em virtude de sua estrutura circular, com espículas formando bulbos na sua parte apical, assemelhando-se a uma coroa (Figura 2).

Figura 2: Estrutura anatômica do SARS-CoV-2

Novo Coronavírus – A Vacina não deve chegar nos próximos meses – Kiau  Notícias

Fonte: http://www.kiaunoticias.com/destaque/novo-coronavirus-a-vacina-nao-deve-chegar-nos-proximos-meses

Os coronavírus ficaram bem conhecidos na medicina veterinária devido a seus danos letais em gados, porcos, aves domésticas e, de forma mais grave, em gatos. Por meio de análises moleculares, observou-se 88% de similaridade genômica com dois coronavírus de morcegos (bat-SL-CoVZC45 e bat-SL-CoVZXC21) que causam síndrome respiratória aguda grave. 

Alguns trabalhos científicos chegam a falar em 91% de similaridade (e 50% de similaridade com o MERS-CoV), apontando os morcegos como reservatórios naturais do SARS-CoV-2. 

A dúvida a ser esclarecida ainda é como o vírus conseguiu chegar até a espécie humana. A hipótese mais aceita pelos cientistas é de que o pangolim, que seria um hospedeiro intermediário, foi o responsável pela passagem evolutiva do vírus para infecções em humanos.

O SARS-CoV-2 é um RNA vírus de fita simples com polaridade positiva. Seu gene da RNA polimerase tem 98,7% de similaridade com a RNA polimerase do morcego do gênero Rhinolophus sp.

No genoma viral, existem ao menos dez ORFs, e os primeiros (talvez os dois primeiros) correspondem à maior parte do genoma viral, originando dois polipeptídeos.

No caso do SARS-CoV e do MERS-CoV, as poliproteínas pp1a e pp1ab são produzidas dentro de 16 proteínas não estruturais (nsp1-nsp16) que formam um complexo denominado replicase-transcriptase.

As proteínas não estruturais utilizam o retículo endoplasmático rugoso das células da mucosa respiratória dos seres humanos, formando uma vesícula de membrana dupla em que as replicações e transcrições virais ocorrem escondidas de qualquer sistema celular que possa sinalizar quimicamente a existência de algo estranho. 

A maioria dos outros ORFs estão no último terço do genoma viral e codificam quatro proteínas estruturais virais, descritas a seguir.

  • Proteína S (Spike): promove o ataque às células hospedeiras mediante a ligação chave-fechadura com o receptor celular da Enzima Conversora de Angiotensina-2 (ACE-2).
  • Proteína E (Envelope): função desconhecida (Resposta imune?).
  • Proteína N (Nucleocapsidic): função desconhecida (Resposta imune?).
  • Proteína M (Membrane): ação de transporte de nutrientes e formação do envelope viral.

3.4 Epidemiologia da Covid-19

Desde o início da pandemia, já foram registrados 253.679.216 casos confirmados de infecção pelo SARS-CoV-2, com 6.820.698 mortes em todo o mundo (dados atualizados em 26 de janeiro de 2023). Os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil lideram como o primeiro e segundo país com maior número de casos de infecção e de mortes por Covid-19, respectivamente14.

No Brasil, o primeiro caso de Covid-19 foi notificado, no dia 26 de fevereiro de 2020, após uma família retornar de uma viagem da China para São Paulo. Desde então, o número de casos confirmados chega a 36.768.677, e o número de mortes soma 696.603 (dados referentes ao dia 26 de janeiro de 202313.

A exposição prolongada a uma pessoa infectada (a menos de 2 metros por, pelo menos, 15 minutos) e exposições mais breves a indivíduos sintomáticos (por exemplo, com tosse) estão associadas ao maior risco de transmissão. Exposições breves a casos assintomáticos, por sua vez, têm menos probabilidade de resultar em transmissão6.

A transmissão por contato direto (toque em alguém infectado em região com presença de vírus, como mãos, rosto, pele) ou indireto (contato com objetos ou superfícies infectadas) é outro modo possível. Ela também pode ocorrer por meio de aerossóis, gotículas menores15,16

Os indivíduos infectados podem ter apresentações clínicas de intensidade e gravidade variadas (Quadro 2). Alguns podem apresentar quadro clínico assintomático ou sintomas leves de infecção do trato respiratório superior (80%); em outros, a doença pode evoluir, apresentando complicações e resultando em pneumonia grave (15%), insuficiência respiratória (5%) e óbito14,17,18

Quadro 2: Quadro clínico da Covid-19

Fonte: Adaptado de Parasher (2020).

3.5 Patogênese da Covid-19

3.5.1 Mecanismo de entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas

Após o vírus se ligar a um receptor específico (ACE-2), ele entra nas células da mucosa respiratória; não se sabe ainda se esse processo ocasiona uma fusão (provavelmente) ou uma endocitose. No caso do SARS-CoV (parâmetro para estudos moleculares de SARS-CoV-2), a ligação do vírus com o receptor induz mudança na estrutura da proteína S que ativa o processo de fusão à membrana plasmática das células da mucosa respiratória dos seres humanos. Algumas evidências indicam que diferentes coronavírus entram na célula por mecanismos distintos, por endocitose pH-ácido dependente ou por fusão pH-independente. 

Após o processo de penetração celular, formação da vesícula bicamada e replicação do material genético, novos envelopes glicoproteicos são constituídos e fundidos ao retículo endoplasmático rugoso da célula e/ou complexo golgiense, para a formação de uma vesícula. Evidências mostram que o vírus SARS-CoV-2 necessita de uma proteína da família das papaínas, presente nos lisossomos, conhecida como catepsina L, para a conclusão do processo de fusão das vesículas com a membrana plasmática das células humanas. O mesmo mecanismo ocorre com o SARS-CoV.

Verificamos que pacientes com comorbidades sofrem complicações associadas aos patogêneses do vírus. Podemos citar neste estudo que os pacientes diabéticos possuem um nível de inflamação muito alto em todos os órgãos, antecipando um processo grave vinculado à doença, conhecido como tempestade de citocinas, que causa um dos processos mais graves da Covid-19, a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (ARDS). Os pacientes cardiopatas entram em Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) muito rapidamente, o que leva a uma parada cardiorrespiratória em virtude da sobrecarga cardíaca exercida pelos pulmões. Os pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) precisam de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) pela necessidade da ventilação mecânica em decorrência da insuficiência respiratória naturalmente provocada pela DPOC.

3.6 Resposta imune contra o SARS-CoV-2

A resposta imunológica básica contra o SARS-CoV-2 envolve tanto a imunidade inata (via células dendríticas ou de Langerhans) como a imunidade adquirida (via linfócitos B, T e células NK-Natural Killer). 

As células dendríticas são chamadas de APCs (células apresentadoras de antígenos) e são responsáveis pela detecção de patógenos ou pedaços de patógenos, processamento via fagocitose e ativação das células T nos órgãos linfóides secundários, os linfonodos. Não se sabe ao certo como ocorre a ativação das duas vias imunes diante do SARS-CoV-2, mas, no caso do SARS-CoV, as imunidades são acionadas via MHC de classe I (principalmente) e MHC de classe II. Esse processo é muito complexo, porém é possível uma explicação superficial.

As células imunes possuem proteínas especiais na membrana plasmática que servem para reconhecer o próprio (células do corpo humano) e o não próprio (células, estruturas e moléculas não humanas). Esse reconhecimento é feito via MHC, que quer dizer Complexo Maior de Histocompatibilidade (MHC), conhecido também como antígeno leucocitário humano (HLA). 

Nosso sistema imune reconhece os MHCs do nosso corpo e não destrói as células. Quando ocorre uma doença autoimune, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico, o sistema imune não reconhece os MHCs de algumas células e as destrói. As APCs são células que vasculham o corpo todo à procura de alguma molécula estranha. Quando a encontram, elas fagocitam (engolem), processam e sinalizam para os linfócitos que há algo errado. O grande problema da Covid-19 é a tempestade de citocinas, ou seja, uma produção exagerada de citocinas (IFN-α, IFN-γ, IL-1B, IL-6, IL-12, IL-18, IL-33, TNF-α, TGF-β) que provoca a ARDS e falência múltipla dos órgãos.

O SARS-CoV-2, bem como o SARS-CoV e o MERS-CoV, tem muitas formas de driblar nosso sistema imune, sobretudo pela camuflagem de sua dupla vesícula formada, que impede a detecção do processo de replicação e maturação viral pela não formação de apresentação de antígeno via MHC-II, pois toda produção e montagem viral acontecem dentro das vesículas de camuflagem.

3.7 Diagnóstico da Covid-19

O diagnóstico da Covid-19 depende muito da história epidemiológica do local, das manifestações clínicas e, principalmente, do teste para detecção do RNA viral, via Reação da Polimerase em Cadeia em Tempo Real (RT- PCR).

3.7.1 RT- PCR para SARS-CoV-2

A RT-PCR é uma técnica de biotecnologia, na qual se faz uma coleta da fonte infecciosa — no caso da Covid-19, saliva ou secreção da garganta — com o objetivo de encontrar o material genético do vírus ou o próprio vírus. A amostra é misturada a um mix de componentes bioquímicos e genéticos, dentro de um microtubo de ensaio, e colocada no termociclador, que amplifica o material genético viral no caso da presença do vírus na amostra (Figura 3). 

Figura 3: Etapas do diagnóstico de Covid-19 

Fonte: https://www.clp.unesp.br/#!/noticia/275/desenvolvimento-de-kit-de-rt-pcr-para-diagnostico-de-covid-19

3.8 Sintomas clínicos

Na maioria dos trabalhos publicados até o momento, verificamos que a febre é o sintoma mais presente em pacientes acometidos pela doença (92,8%), seguida de tosse — geralmente seca — (69,8%), dispneia (34,5%), mialgia (27,7%) e diarreia (6,1%). O sintoma clínico mais importante é a dispneia (aumento acelerado da frequência respiratória), sendo o principal indicador de socorro médico. Alguns ainda podem apresentar rinite, dor torácica e faringite. 

Os pacientes que geralmente evoluem para quadros mais graves são idosos e pessoas que apresentam doenças de base, como: diabetes, cardiopatias, enfisema pulmonar e imunossupressão.

3.9 Tratamento da Covid-19

Infelizmente não existe tratamento para a doença até o momento, e muitas pessoas comparam, de forma equivocada, a “baixa” taxa de mortalidade da Covid-19 com a da gripe suína, a SARS e a MERS. 

Na época da gripe suína, tínhamos uma medicação antiviral (Tamiflu), com excelentes resultados contra a influenza vírus A H1N1, e a combinação lopinavir/ritonavir, com resultados muito bons contra o SARS-CoV e o MERS CoV. Contudo, foi comprovado que nenhum desses antivirais demonstrou resultados satisfatórios contra o SARS-CoV-2.

3.10 Profilaxia

As principais profilaxias para a Covid-19 são a higienização das mãos e o isolamento social. Cabe ressaltar a importância da utilização de máscara em áreas que possuem sistema de ar-condicionado central, em virtude do risco aumentado de circulação do SARS-CoV-2 nesses ambientes. 

Não há profilaxia medicamentosa pré ou pós-exposição eficaz contra a infecção pelo novo coronavírus. Alguns medicamentos estão sendo avaliados quanto à segurança e à eficácia em estudos científicos. 

A hidroxicloroquina foi uma candidata para profilaxia, tanto pré como pós-exposição ao vírus, mas os resultados de ensaios clínicos publicados sugerem que ela não é eficaz nesses contextos.

  • Ensaio clínico randomizado, duplo-cego, avaliou o uso de hidroxicloroquina em 821 pessoas que se expuseram ao SARS-CoV-2 (exposição ocupacional ou doméstica) até quatro dias antes do início do tratamento. Quando comparada ao placebo, a medicação fornecida não foi capaz de reduzir a taxa de infecção por Covid-19 (diagnóstico por PCR ou por sintomas) nos 14 dias subsequentes ao seu uso. 
  • Outro ensaio clínico randomizado, duplo-cego, utilizou a hidroxicloroquina na dose de 600 mg/dia, por oito semanas, como profilaxia pré-exposição em 132 trabalhadores da saúde que cuidavam diretamente de pacientes hospitalizados com Covid-19. Esse esquema não teve benefício clínico na redução do número de infecções e esteve mais associado a efeitos adversos que o placebo. 

A ivermectina, medicamento amplamente conhecido no tratamento de verminoses, pediculose, infestação por carrapatos e pulgas, parece ter efeitos antivirais in vitro e já foi considerada uma possibilidade terapêutica em outras condições, como dengue, HIV, Influenza e Zika. No entanto, nas fases seguintes, as avaliações que envolveram testes com animais e humanos não mostraram resultados satisfatórios. 

Não há, até o momento, medicamento eficaz para prevenção da infecção pelo SARS-CoV-2 ou tratamento pré-clínico em seres humanos. A utilização de possíveis alternativas deve ser reservada a situações de pesquisa. Não existem evidências clínicas que justifiquem o uso de medicações, isoladas ou em associação com vitaminas e sais minerais, como estratégia profilática pré ou pós-exposição ao novo coronavírus.

Em função do alto potencial de disseminação do vírus, da apresentação clínica grave em uma parte dos casos e da inexistência de tratamento viral específico, ou mesmo de vacina (no período do presente estudo), medidas não farmacológicas são as intervenções mais eficazes até o presente momento. 

Segundo o Ministério da Saúde, as intervenções não farmacológicas podem ser divididas em:

  • distanciamento físico – consiste no afastamento físico de no mínimo 2 m entre os indivíduos, tendo como exemplo o fechamento de escolas e espaços de alta concentração de pessoas, bem como a restrição de viagens;
  • medidas de bloqueio de transmissão – higienização das mãos com água e sabão ou álcool, etiqueta da tosse e utilização de máscaras ou outras barreiras físicas de contato;
  • identificação e isolamento de casos suspeitos ou confirmados – manutenção dos casos em isolamento individual;
  • quarentena de contatos – rastreamento ativo dos contatos do caso e instituição de isolamento social, além de observação da evolução clínica para casos suspeitos.

4. MÉTODO 

4.1 Tipo do estudo 

Trata-se de um estudo correlacional, transversal, com abordagem quantitativa, tendo como unidades de análise os estados da região Sudeste do Brasil.

4.2 Local do estudo 

A presente pesquisa envolve apenas dados anonimizados e disponibilizados em plataforma de acesso público, como do Ministério da Saúde, do IBGE, e do Instituto de Pesquisa, Estatística & Qualidade LTDA (IPEQ), relativos ao número de casos confirmados e de óbitos por Covid-19, entre março e agosto de 2020.

4.3 Aspectos éticos 

O presente estudo utilizou dados secundários de domínio público que não identificam os participantes, dispensando a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos.

4.4 Delineamento metodológico e amostral 

Foram utilizadas variáveis independentes de quatro dimensões: epidemiológica, demográfica, estrutura do sistema de saúde e socioeconômica. O tempo de pandemia foi calculado considerando o período de março a agosto de 2020. A taxa de letalidade foi calculada por meio da relação entre os óbitos e os casos confirmados por Covid-19 na região da pesquisa.

4.4.1 Critérios de inclusão

O critério de inclusão definiu as principais características da população-alvo. As unidades amostrais precisavam pertencer à região Sudeste do Brasil e ter dados correspondentes ao período do presente estudo.

4.4.2 Critérios de exclusão

Os estados não pertencentes à região Sudeste, variáveis de caráter generalista, no âmbito nacional, e variáveis cuja informação era de período anterior ou posterior ao tempo estipulado no presente estudo foram excluídos da amostra.

4.5 Coleta de dados

Foram coletados dados referentes ao tamanho populacional, número de casos e óbitos. Além disso, foram consideradas as seguintes variáveis sociodemográficas: razão de rendimentos, fração da população com rendimento abaixo de 1/4 de salário-mínimo, trabalho formal, número de médicos, médicos por mil habitantes, prevalência de tabagismo, prevalência de hipertensão, prevalência de diabetes, pessoas acima do peso, pessoas sem acesso à rede geral de água, pessoas sem acesso à rede de esgotos, Índice de Gini, rendimento médio mensal, Produto Interno Bruto (PIB) per capita, taxa de desocupação de pessoas abaixo da linha da pobreza e proporção de pessoas sem escolaridade.

4.6 Procedimento de coleta de dados

Foram conduzidas buscas, por meio dos mecanismos de pesquisa Google e Duck and Go, por planilhas, documentos em PDF ou tabelas em formato CSV que contemplassem as informações necessárias aos objetivos da pesquisa. Uma vez encontrados, os dados foram baixados e devidamente organizados para posterior análise.

5. ANÁLISE ESTATÍSTICA 

Foram realizadas análises estatísticas descritivas dos dados, estabelecendo relações percentuais e medidas de prevalência na população. Para a correlação entre as variáveis de resposta (óbito e casos) com indicadores de desigualdade social, foram geradas matrizes de correlação de Pearson. O coeficiente de correlação de Pearson, também chamado de coeficiente de correlação produto-momento ou simplesmente de “ρ de Pearson”, mede o grau da correlação entre duas variáveis de escala métrica. O nível de significância adotado foi de 5% (α=0,05). Utilizou-se o software BioEstat (Instituto Mamirauá, PA, Brasil) e o banco de dados do Excel.

6. RESULTADOS

6.1 Descrição geral das variáveis 

O tempo, desde o início da pandemia, variou de 165 dias, em Minas Gerais, a 176 dias em São Paulo. Tivemos um total de 184 dias de março a agosto de 2020, sendo assim nenhum dos estados da região Sudeste chegou a 100% nas análises apresentadas. O estado que mais se aproximou do total de dias (tempo de pandemia) foi São Paulo. Em ordem crescente, temos: Minas Gerais (88,48%), Espírito Santo (89,82%), Rio de Janeiro (90,48%) e São Paulo (95,45%). 

A taxa de incidência referente ao número de novos casos foi calculada em função do tempo de pandemia de cada estado para cada 100 mil pessoas. Esses dados são apresentados na Tabela 1. O resultado variou consideravelmente entre os estados. Observou-se que foi bem menor em Minas Gerais (919,34) é bem maior que no Espírito Santo (2635,1), que representa um valor 2,87 vezes superior.

A menor taxa de mortalidade por 100 mil habitantes foi de 22,63 óbitos no Espírito Santo, e a maior mortalidade foi no Rio de Janeiro, com 88,57 óbitos por 100 mil habitantes, o que representa um valor 3,14 vezes maior. 

A taxa de letalidade média na região Sudeste apresentou uma ampla variação entre os estados. Os valores foram de 7,25%, 3,77%, 2,86% e 2,46% no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais, respectivamente. 

Quanto à porcentagem de pessoas acima de 60 anos, o estado do Rio de Janeiro teve a maior taxa se comparada aos outros, totalizando 21% da população. Já o Espírito Santo apresentou a menor taxa de idosos, 16% da região. São Paulo e Minas Gerais têm a mesma taxa de idosos, 17%. 

O estado de São Paulo possui o maior número de médicos para cada grupo de mil habitantes, 2,58 médicos/mil habitantes. Em contrapartida, a menor proporção foi encontrada no Espírito Santo, com 2,21 médicos/mil habitantes. 

Tabela 1. Principais variáveis epidemiológicas e de estrutura do Sistema de Saúde dos estados da região Sudeste do Brasil, 2020.

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

A Tabela 2 apresenta a prevalência relacionada a condições crônicas, hábitos e condições de moradia. Nela é possível observar variação entre os estados da região Sudeste.

A prevalência relacionada a hábitos, como tabagismo, foi maior em São Paulo (13,50%) e menor no Espírito Santo (7,50%). No que se refere às condições crônicas, para hipertensão tivemos o maior valor no Rio de Janeiro (28%) e o menor no Espírito Santo (24,30%). A porcentagem de prevalência para diabetes oscilou pouco, 6,4%, para o Espírito Santo, e 8,9%, para o Rio de Janeiro. 

O índice de pessoas com sobrepeso foi maior no Rio de Janeiro (57,10%) e menor no Espírito Santo (49,10%). Os quatro estados da região apresentam valores muito próximos com pessoas acima do peso.

O estado de São Paulo apresentou o menor índice de pessoas sem acesso à rede geral de água e à rede de esgoto (7,71%), bem diferente de Minas Gerais, com o maior índice (48,56%).

Tabela 2. Prevalência de condições crônicas, hábitos de vida e condições de moradia nos estados da região Sudeste, Brasil, 2020. 

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

As variáveis relativas à economia são apresentadas na Tabela 3. Quanto aos indicadores econômicos, foi utilizado o Índice de Gini, que é uma medida de desigualdade econômica, ou seja, mostra quão concentrada é a renda de uma determinada população. Quanto mais próximo de 1, maiores são as desigualdades, e maior é a concentração de renda. Esse índice oscilou pouco entre os quatro estados da região, indo de 0,49, para Minas Gerais, até 0,54 para São Paulo. Rio de Janeiro e Espírito Santo apresentaram índice de 0,51. 

 A porcentagem de pessoas abaixo da linha da pobreza foi menor em São Paulo (5,61%), o mesmo aconteceu para pessoas sem escolaridade, correspondendo a 3,11%; Rio de Janeiro e Espírito Santo apresentaram número bem maior (8,03%).

O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, um estado ou uma cidade. Verificamos que o estado de São Paulo apresenta um PIB per capita de R$ 46.170,00. A partir dessas características gerais, avançamos para relacioná-las aos casos de Covid-19 e de óbitos pela doença.

Tabela 3. Principais indicadores econômicos na região Sudeste, Brasil, 2020.

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

6.2 Correlação entre as variáveis relacionadas aos casos e óbitos

No presente estudo, determinamos a correlação entre as variáveis preditoras de casos e óbitos. Os resultados são apresentados na Tabela 4. Tivemos correlações significativas para todas as variáveis preditoras. O tamanho da população demonstrou correlação de Pearson com casos novos, casos e óbitos acumulados, e óbitos novos (p<0.05). 

Temos correlações significativas positivas de intensidade moderada entre óbitos acumulados e tamanho da população (r=0,422), óbitos acumulados e razão de rendimentos (r=0,426), bem como entre óbitos acumulados e pessoas sem acesso à rede de esgoto (r=0,42). 

Temos ainda uma correlação positiva significativa entre óbitos acumulados e número de médicos (r=0,463), médicos por mil habitantes (r=0,374) e correlações negativas significativas entre óbitos acumulados e pessoas sem acesso à rede geral de água (r=-0,453), pessoas sem escolaridade (r=-0,332), pessoas abaixo da linha de pobreza (r=-0,357). 

Tabela 4. Correlação das variáveis socioeconômicas com número de casos acumulados, casos novos, óbitos acumulados e óbitos novos. 

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Houve correlação positiva entre números de médicos, médicos por mil habitantes e óbitos novos e acumulados. Aqui, poderia haver um efeito de correlação falso, criado por uma terceira variável, tamanho populacional, uma vez que cidades mais populosas têm, por consequência, mais médicos e mais óbitos. Assim, foi conduzida uma análise de correlação parcial, controlando o efeito da variável tamanho populacional.

6.3 Correlação parcial entre casos e óbitos 

O resultado da análise de correlação parcial está demonstrado na Tabela 5. Verificou-se que algumas correlações desaparecem ao se controlar o efeito do tamanho populacional. São elas: correlação entre casos acumulados e percentual de rendimento abaixo de ¼ do salário-mínimo, prevalência de hipertensão, pessoas acima do peso, porcentagem de pessoas abaixo da linha da pobreza e pessoas sem escolaridade. No entanto, as correlações entre números de médicos e médicos por mil habitantes se mantêm, bem como de intensidade moderada com óbitos acumulados (r=0,343) e intensidade fraca com novos óbitos (r=0,285). 

As demais correlações permaneceram, mas diminuíram em intensidade, quando usamos a variável tamanho da população como controle na análise de correlação parcial.

Tabela 5. Correlação parcial corrigindo para tamanho populacional 

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

7. DISCUSSÃO

Neste estudo, investigamos a incidência e mortalidade por Covid-19 na região Sudeste do Brasil, no período de março a agosto de 2020, e verificamos que áreas de menor status socioeconômico sofrem mais com a disseminação do vírus, com alta aglomeração populacional e condições precárias de habitação e saneamento básico. Os dados históricos têm evidenciado que a pobreza, as desigualdades e os determinantes sociais de saúde facilitam a propagação de doenças infecciosas e contribuem bastante para a morbidade e a mortalidade19.

No estudo de variáveis socioeconômicas e demográficas explicando fenômenos populacionais, os resultados na faixa de 0,30 a 0,49 podem ser considerados correlações de intensidade moderada. As taxas de incidência e mortalidade foram bastante distintas entre os estados, demonstrando heterogeneidade da evolução da pandemia na região. O estado do Espírito Santo apresentou a maior incidência por 100 mil pessoas (2635,01) e a menor mortalidade (22,63). As taxas de incidência apresentaram uma correlação negativa com o tempo de pandemia; isso indica que a velocidade de propagação do vírus foi diferente nos estados.

A correlação positiva entre o tempo da pandemia, o PIB per capita e as variáveis de estrutura do sistema de saúde, associada à correlação negativa com variáveis relativas às condições de moradia inadequada e maior percentual de pessoas sem escolaridade, sugere que a pandemia se iniciou em áreas com melhores condições socioeconômicas e se expandiu para áreas mais vulneráveis. Importante ressaltar que variáveis, como PIB per capita e trabalho formal, em alguns casos, são mais indicativas de tamanho das cidades, do que necessariamente de igualdade social, pois sempre acentuam o risco de infecções e epidemias pelo mundo20,21. Esse padrão, em âmbito nacional, foi encontrado por DemenechI et al.19 e, em âmbito mundial, por Diderichsen et al.22.

As grandes metrópoles sempre sofrerão mais com epidemias, assim vimos que tanto os casos como os óbitos foram bem mais pronunciados em cidades maiores, com elevado PIB, com grande percentual de trabalho formal e com Índice de Gini mais elevado23

Embora o Índice de Gini tente levar em consideração mais de um aspecto da dimensão econômico-social, cidades com menor índice geralmente são menos populosas e, portanto, tendem a ter menos óbitos e casos em situações pandêmicas24,25. Os estados com maior desigualdade na distribuição de renda apresentaram maior transmissão do vírus. Podemos justificar essa associação pela dificuldade de setores excluídos e economicamente vulneráveis de aderir às medidas implementadas por estados e municípios, como distanciamento social, uso de máscara e de luvas, bem como lavagem das mãos com álcool 70%. Esses achados estão em consonância com um estudo ecológico realizado nos EUA que aponta maior percentual de casos de Covid-19 em áreas com menor renda e maiores níveis de pobreza26.

Maiores taxas de incidência também estiveram associadas à maior proporção de pessoas vivendo em moradias com aglomeração excessiva. A literatura destaca que habitar domicílios com condições inadequadas é um fator de risco para contrair o vírus em função das infecções respiratórias da transmissão no âmbito domiciliar25. Os resultados evidenciam a dificuldade por parte da população para a realização de isolamento de pessoas e aplicação das medidas de proteção individual.

Após controlarmos o efeito da variável tamanho populacional, as variáveis número de médicos e número de médicos por mil habitantes ficaram correlacionadas positivamente com óbitos novos e óbitos acumulados. Assim, quanto mais médicos nas cidades, mais óbitos. Voltamos a destacar, já controlando o efeito do tamanho populacional dos estados, ou seja, é uma correlação não espúria, simplesmente porque as cidades são grandes; logo, mais médicos, mais mortes. Uma diferença conceitual precisa ficar bem clara entre correlação e relação causal26,27: causa e efeito só podem ser demonstrados em experimentos científicos controlados28

A correlação positiva significativa entre médicos e mortes dá margem à possibilidade de se hipotetizar sobre o fato de o resultado ser reflexo da baixa eficácia dos métodos de tratamento que estavam sendo utilizados pelos profissionais de saúde no Brasil no período dos dados coletados29. Não só da baixa eficácia — afinal, não havia medicamentos produzidos especificamente e com efeitos comprovados contra a Covid-19 — como também do aumento da probabilidade de óbito quando se aplicam tratamentos inadequados30. Mesmo muito depois de a OMS ter descartado diversos medicamentos, que não só eram ineficazes, mas também comprovadamente nocivos para certos grupos de pacientes, havia ainda diversas correntes Brasil adentro, de lideranças políticas e grupos médicos, implantando filosofias de tratamento e métodos experimentais arbitrários em pacientes. 

No caso da letalidade, houve uma correlação negativa com a taxa de incidência. As taxas de letalidade nos estados foram heterogêneas. Parte das variações encontradas pode ser relacionada às diferenças no estilo de vida das populações e aos fatores socioeconômicos. Nesse sentido, a alta taxa de letalidade encontrada em alguns estados, como o Rio de Janeiro (7,25%), estaria parcialmente relacionada a uma menor oferta de testes e, consequentemente, uma menor identificação de casos e menores taxas de incidência. 

Os resultados do estudo evidenciam que há uma determinação social tanto na incidência como na mortalidade por Covid-19 e que houve expansão da pandemia para áreas de maior fragilidade em função da vulnerabilidade. As análises realizadas neste estudo apontaram um comportamento similar dos estados do Sudeste, com deslocamento da incidência para áreas mais vulneráveis da cidade e maior mortalidade nessas regiões, o que corrobora a hipótese da associação entre fatores socioeconômicos e a pandemia de Covid-19 na região Sudeste do Brasil. Outro aspecto importante, nesse novo cenário, é que a crise econômica prevista para o momento subsequente à primeira onda epidêmica tende a impactar especialmente essa parcela da população, deixando-a cada vez mais abaixo da linha da pobreza.

Estudos semelhantes têm abordado aspectos socioeconômicos relacionados à pandemia da Covid-19. Pinheiro et al.32 analisaram a relação entre as características regionais e os fatores epidemiológicos e sociais na mortalidade por Covid-19. Os resultados demonstraram diferença entre as regiões brasileiras, apontando para a desigualdade em termos de acesso aos serviços de cuidados intensivos (UTIs) e para a contribuição do perfil epidemiológico e social no aumento da mortalidade nas regiões Norte e Nordeste do país.

8. CONCLUSÃO

Nossos resultados indicam que fatores socioeconômicos e desigualdades sociais influenciaram a disseminação e a mortalidade dessa nova doença. Um importante aspecto observado, durante a evolução da pandemia da Covid-19, é a relação entre vulnerabilidade social e maiores taxas de prevalência e letalidade do vírus. 

Por fim, no controle da pandemia, a Atenção Primária à Saúde (APS) se mostra de extrema importância nas áreas vulneráveis  e desempenha um papel de extrema relevância na redução das iniquidades em saúde. Outro aspecto a ser considerado é a ampliação urgente do investimento em saúde pública, na região Sudeste e no Brasil de modo geral, e o fortalecimento das redes de saúde, tanto melhorando a estrutura física das unidades como ampliando o número de equipes multidisciplinar, garantindo assim condições melhores para a população e os profissionais da saúde. 

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1Mestre em Ciências