A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL E SUA APLICAÇÃO NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7734992


José Ivo de Aguiar Oliveira1


RESUMO: Este artigo analisa o surgimento da teoria da reserva do possível na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, bem como a sua adesão pela jurisprudência nacional, no sentido de limitação à efetivação de prestação material de determinados direitos fundamentais sociais, a depender da real disponibilidade financeira por parte do Estado. Por fim, será apresentado como o Supremo Tribunal Federal tem utilizado a teoria da reserva do possível nos diversos temas submetidos a julgamento. 

PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais. Orçamento. Teoria da reserva do possível.  

ABSTRACT: This article analyzes the evolution of the possible reserve theory in the jurisprudence of the German Constitutional Court, as well as its adhesion by the national jurisprudence, in the sense of limiting the material provision of certain fundamental social rights, depending on the real financial availability on the part of the State. Finally, it will be presented how the Federal Supreme Court has used the possible reserve theory in the various subjects submitted to judgment. 

KEYWORDS: Fundamental rights. Public budget. Possible reserve theory.

1. INTRODUÇÃO 

A discussão em torno da concretização dos direitos sociais constitucionalmente previstos é recorrente no Brasil, considerando as inúmeras mazelas que ainda permeiam a nação e diante das limitações financeiro orçamentarias dos entes políticos, o que, não raras vezes, resultam na interferência do Poder Judiciário para implementação de direitos sociais e políticas públicas. 

O orçamento público, na sua origem, era visto como mero documento contábil, desvinculado de planos governamentais. Com o advento do Estado Social, o orçamento público tornou-se um instrumento a serviço da Administração Pública para adoção de políticas públicas e concretização dos direitos sociais e valores fundamentais da Constituição. 

Há, portanto, uma relação lógica entre a implementação de direitos sociais e orçamento, pois o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implantação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras (TORRES, 2000, p. 110).  

Nesse passo, a Constituição Federal erigiu o orçamento público a um instrumento de planejamento governamental que detalha a previsão dos recursos a serem arrecadados (impostos e outras receitas estimadas) e a destinação desses recursos (ou seja, em quais despesas esses recursos serão utilizados) a cada ano. No processo de planejamento, destacam-se três etapas: a aprovação da Lei do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). 

Outrossim, ao administrador público foram impostas diversas obrigações legais, em razão dos princípios da legalidade e da despesa pública, como a vedação de realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária, sob pena de crime de responsabilidade previsto no art. 85, da CF/88.  

Como cediço, os recursos públicos são finitos, de forma que não é possível assegurar todos os direitos fundamentais proclamados pela Carta Constitucional. Portanto, a implementação dos direitos demandam custos, em especial, os direitos de segunda dimensão (sociais, econômicos, etc.).  

Stephen HOLMES e Cass SUNSTEIN (1999, p. 94), autores do livro o custo dos direitos, ressaltam que as necessidades humanas são infindáveis enquanto os recursos públicos são escassos. Eis a razão ela qual existe a necessidade de o Poder Público fazer escolhas no momento de implantar políticas públicas – umas são prioritárias, outras não; “taking rigths seriously means taking scarcity seriously” (Tradução livre: Levar os direitos a sério é levar a escassez a sério).  

De mais a mais, a Constituição brasileira possui diversas normas programáticas, inseridas na Carta Maior com conteúdo econômico-social e função eficacial de programa, que obriga os órgãos integrantes da organização política do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), mediante a determinação dos princípios que por eles devem ser cumpridos (PIMENTA, 1999, p. 137). 

Nesse sentido, parte da doutrina nacional defende a possibilidade de uma norma programática gerar um direito subjetivo. Assim, se a norma do art. 205 da CF, por exemplo, estabelece o dever do Estado de fornecer educação para todos, tal dever jurídico de prestação, de caráter positivo, corresponde a um direito correlato, que só pode ser o direito subjetivo público de prestação (PIMENTA, 1999, p. 175). 

Andreas Krell, jurista alemão, radicado no Estado de Alagoas há mais de 20 anos, defende que não há possibilidade de relativização na aplicação dos direitos fundamentais, em especial, no direito à saúde. Para KRELL (2002, p. 45), ante a limitação de recursos financeiros, no confronto entre tratar milhares de doentes vítimas de moléstias comuns e tratar um grupo restrito de portadores de doenças raras ou de cura improvável, a decisão deve ser a de tratar todos, com utilização de recursos previstos na lei orçamentária para áreas menos essenciais, como os transportes ou o fomento. 

Por sua vez, a Suprema Corte brasileira possui o entendimento de que é possível ao Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo a implementação de políticas públicas para garantir direitos constitucionalmente assegurados, a exemplo do direito ao acesso à educação básica, sem que isso

implique ofensa ao princípio da separação dos Poderes.2 

Nesse contexto, a teoria da reserva do possível é frequentemente invocada como forma de limitação à determinação da efetivação de direitos sociais, considerando a limitação de recursos orçamentários e a impossibilidade de prestação material de todos os direitos fundamentais. 

A reserva do possível possui raiz germânica, pois surgiu da construção jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal Alemão, na decisão conhecida como numerus clausus, em 1972, sendo uma teoria adotada até os dias atuais pelo Tribunal tedesco.  

Originalmente, o sentido atribuído a teoria da reserva do possível fazia referência àquilo que o indivíduo pode esperar, de maneira racional, da sociedade, centrado no princípio da razoabilidade. No Brasil, a reserva do possível foi adotada pela doutrina, bem como pela jurisprudência pátria e passou a ser relacionada sempre com a capacidade econômico-financeira do Estado. 

A incorporação do conceito no Brasil tem recebido diversas críticas pela doutrina nacional, seja pelas diferenças jurídicas e socioeconômicas entre Alemanha e o Brasil, seja em razão da sua utilização como forma de restringir a eficácia dos direitos sociais. 

Isto posto, o presente artigo apresentará um breve resumo sobre o surgimento da teoria da reserva do possível pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha e os fundamentos utilizados para a sua aplicação. Ademais, será apresentada uma síntese de como a reserva do possível foi recepcionada no Brasil e as opiniões doutrinárias sobre o tema. 

Por fim, será demonstrada as diversas facetas de aplicação da teoria da reserva do possível no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como sua importância prática, considerando os diversos temas postos à discussão no tribunal, tais como o direito à saúde, educação e demandas de pagamentos de precatórios.  

2. A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. ORIGEM E FUNDAMENTOS

O termo reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) é atribuído originalmente a um julgado proferido pela Corte Constitucional Alemã, ocorrido em 18 de julho de 1972, no julgamento de dois Controles concretos, apresentados pelos Tribunais Administrativos de Hamburg e da Baviera. O objeto desses processos eram regulamentações de admissão [vestibular] para medicina nas universidades de Hamburg e da Baviera, dos anos de 1969 e 1970 (KRELL, p 52). 

No caso supramencionado, denominado numerus clausus, dois estudantes requereram vagas no curso de medicina, nas universidades das províncias de Bavária e Hamburgo. Entretanto, as universidades negaram o acesso aos estudantes em razão do número de vagas disponíveis ser insuficiente para a demanda. A negativa das instituições de ensino superior encontrava fundamento nas regras numerus clausus, as quais estabeleciam requisitos específicos para o acesso no ensino superior. 

De fato, a lei da Universidade de Hamburgo estabelecia, em seu §17, I, que o acesso para algumas Faculdades poderia ser limitado, se e enquanto fosse necessário à capacidade de absorção da Universidade, a fim de garantir corretamente o estudo na respectiva área de especialidade. De igual forma, a lei do Estado da Bavária, promulgada em 8 de julho de 1970, prescrevia que a admissão à Universidade seria limitada com base no critério da necessidade de conservação de um determinado estabelecimento de ensino, em termos de capacidade de absorção da Instituição Superior (Pimenta, 2012, pg. 12).  

Ao tratar do contexto histórico da época, Ana Carolina Lopes Olsen (2012, p. 215) ensina que, entre os anos de 1952 a 1967, o número de estudantes nas universidades da Alemanha dobrara; o número de primeiro-anistas passou de 25.000 para 51.000. Ocorre que, apesar desse aumento, o desenvolvimento das universidades não acompanhou tal crescimento, pois seria preciso mais de 7,7 bilhões de marcos, valores irreais se considerada a situação alemã pós-guerra. Por conta dessa realidade, nos anos 60, cada vez mais escolas recorreram ao auxílio da regra do numerus clausus, existente desde os anos seguintes ao pós-guerra.  

Nesse sentido, as regras numerus clausus foram criadas na década de 1960 para compatibilizar o acesso às universidades, diante da pequena oferta de vagas em face da grande demanda, principalmente em áreas como direito, medicina e farmácia, considerando a necessidade de manutenção adequada do funcionamento das universidades alemãs (LEIVAS, 2006. p. 98.). 

A Corte Constitucional foi acionada para decidir sobre a compatibilidade das regras numerus clausus com a Constituição Alemã, considerando a possível violação da art. 12, I, da Lei Fundamental de Bonn, que dispunha o seguinte, in verbis3

Art. 12, parágrafo primeiro: “Todos os alemães têm o direito de escolher livremente a sua profissão, seu emprego e sua instituição de formação. O exercício da profissão pode ser regulamentado mediante lei ou em virtude de lei.”  

Ao decidir o caso, a Corte Alemã esclareceu que no período pós segunda guerra mundial, a procura pelos cursos de nível superior, em especial pelo curso de medicina, aumentou consideravelmente, de modo que o governo federal necessitou adotar medidas para acompanhar tal crescimento. 

Assim, a Corte Alemã concluiu que as regras numerus clausus não violavam o direito à livre escolha da profissão, mas restringiam de forma legítima o acesso dos candidatos às vagas almejadas.  

Outrossim, a Corte declarou que qualquer cidadão que cumprisse os requisitos necessários para o ingresso no nível superior, possuiria o direito de concorrer livremente à vaga desejada. Todavia, a Corte enfatizou que não havia no caso direito subjetivo à vaga pelos estudantes, sindicável em juízo.  

Destarte, o Tribunal dediciu que o direito de acesso estaria sujeito ao limite daquilo que o indivíduo pode razoavelmente esperar do Estado (SARLET, 2007, p. 364). Assim, a Corte entendeu que não houve violação ao direito dos estudantes, considerando que o Estado Alemão agiu nas arraias da reserva do possível

Nesse ponto, importa citar trechos da decisão (BVERFGE 33, 303 (NUMERUS CLAUSUS) sobre o tema, considerando ter sido a primeira vez que a expressão foi utilizada4

“(…) Mesmo na medida em que os direitos sociais de participação em benefícios estatais não são desde o início restringidos àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade. Isso deve ser avaliado em primeira linha pelo legislador em sua própria responsabilidade. (…) 

Se a pretensão jurídica da admissão universitária for entendida como direito (social) de participação a prestações (benefícios) estatais, então sua restringibilidade decorre do fato de os direitos de participação – como já mencionado – serem submetidos à reserva do possível, e necessariamente terem que ser regulamentados. (…) 

Assim, um Numerus Clausus absoluto para ingressantes na universidade somente será constitucional, segundo o estágio das experiências realizadas, quando ele: 

(1.) for prescrito nos limites do estritamente necessário, sob a utilização exaustiva das capacidades criadas com recursos públicos já existentes de formação, e quando 

(2.) a escolha e a distribuição ocorrerem segundo critérios racionais, com uma chance para todo candidato em si qualificado ao ensino superior e com o maior atendimento possível à escolha individual do local de formação; 

3. Limitações absolutas de admissão para calouros de uma determinada especialização são constitucionais, somente se: a) elas forem determinadas nos limites do estritamente necessário, depois do uso exaustivo das capacidades de ensino disponíveis; b) houver escolha e distribuição dos candidatos, segundo critérios racionais, com uma chance para todo candidato qualificado para o ensino superior e com o respeito, na maior medida do possível, da escolha individual do lugar de ensino; 

4. O legislador é quem deve tomar as decisões essenciais sobre os requisitos da determinação de limitações absolutas de admissão e sobre os critérios de escolha a serem aplicados. As universidades podem ser autorizadas à regulamentação de demais particularidades dentro dos limites estabelecidos. 

Analisando-se a decisão proferida pela Corte Alemã, constata-se algumas noções elementares sobre a teoria da reserva do possível. Conforme descrito alhures, o Tribunal Alemão entendeu que a exigibilidade da prestação de ensino superior na rede pública de ensino pelo Estado não configurava um direito subjetivo para o cidadão, exigível em Juízo. 

Ademais, o Tribunal entendeu que as regras numerus clausus não violaram o art. 12, 1,1 da Constituição Alemã, em razão de restringirem apenas o acesso de candidatos a vagas no ensino superior. Assim, restou resguardado o direito dos cidadãos à livre escolha da sua profissão, seu emprego e sua instituição de formação. 

Nesse passo, a Corte afirmou que o mandamento constitucional assegurava a liberdade de escolha e não o acesso ou a garantia de uma vaga em instituições de nível superior. Ainda, o mandamento constitucional não obrigava a prover para cada candidato, em qualquer momento, a vaga do ensino superior por ele desejada. Dessa forma, a admissão para alguns cursos poderia ser restringida, se e enquanto isso fosse necessário, em vista da capacidade de absorção da universidade, para garantir a regular realização de um curso na respectiva área do conhecimento.  

Com relação à disponibilidade financeira, o Tribunal entendeu que “fazer com que os recursos públicos só limitadamente disponíveis beneficiem apenas uma parte privilegiada da população, preterindo-se outros importantes interesses da coletividade, afrontaria justamente o mandamento de justiça social, que é concretizado no princípio da igualdade.”5 

Outrossim, houve o reconhecimento de que a União e os Estados-membros vinham adotando medidas para a expansão e construção de novas instituições do ensino superior, com vistas a garantir uma oferta suficiente e balanceada de vagas de pesquisa e formação. Logo, o Estado estava realizando o necessário na medida do possível. 

Por derradeiro, o Tribunal reconheceu ser possível a restrição de acesso aos cursos de nível superior, tendo em vista que os direitos sociais de participação em benefícios estatais se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da sociedade. De mais a mais, a Corte pontuou que a responsabilidade de realizar esse julgamento deve recair sobre o legislador em primeira linha, o qual, na administração de seu orçamento, compete também a decisão sobre a extensão e as prioridades da expansão do ensino superior. 

Segundo as lições do professor Paulo Pimenta, nesta passagem do julgado reside o núcleo da teoria da reserva do possível, a qual reconhece a existência de limitações orçamentárias à realização das pretensões asseguradas por dispositivos constitucionais, admitindo que cabe ao legislador realizar a escolha das prioridades, eis que detém competência constitucional para elaborar o orçamento, estando adstrito ao cumprimento de determinadas regras constitucionais ao realizar essa tarefa (PIMENTA, 2002, 13). 

Para o Tribunal Alemão, portanto, a noção de reserva do possível está ligada a ideia de limite às pretensões do indivíduo em temas de direitos sociais de participação em benefícios estatais, vinculado aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade. 

Logo, a teoria da reserva do possível, na sua gênese, não possui como foco principal a análise judicial sobre a existência da disponibilidade de recursos financeiros para satisfação dos direitos sociais, mas o exame da razoabilidade e proporcionalidade da pretensão pleiteada com vistas a sua efetivação. 

Por derradeiro, cumpre destacar que reserva do possível já foi invocada pelo Tribunal Constitucional Alemão em pelo menos seis oportunidades e continua sendo uma posição predominante até os dias atuais (PERLINGEIRO, 2013, p. 168). 

3. A ADOÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL NO BRASIL 

Após a criação jurisprudencial pelo Tribunal Constitucional Alemão, a teoria da reserva do possível foi empregada em diversos países, no sentido de limitação à efetivação de prestação material de determinados direitos sociais, a depender da real disponibilidade financeira por parte do Estado. 

Em Portugal, por exemplo, o professor José Joaquim Gomes Canotilho (2004, pg. 481), crítico da referida teoria, destaca: 

“rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica. Para atenuar essa desoladora conclusão adianta-se, por vezes, que a única vinculação razoável e possível do Estado em sede de direitos sociais se reconduz à garantia do mínimo social.” 

Em contraponto, Ricardo Lobo Torres assevera que a expressão reserva do possível “vem sendo utilizada em Portugal, sem distorções, embora com a discordância dos juristas adeptos da Constituição Dirigente” (TORRES, 2009, p. 104), fazendo uma clara referência ao professor Canotilho e sua magnum opus Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 

No Brasil, Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo (2010, p. 189), partindo das noções desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, no paradigmático caso numerus clausus, sustentam que a reserva do possível apresenta uma dimensão tríplice, que abrange:  

“a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais;  

b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo;  

c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.” 

Na visão dos ilustres autores, portanto, a reserva do possível constitui espécie de limite fático e jurídico dos direitos fundamentais. Importante destacar a ressalva no sentido de que a reserva do possível pode atuar como garantia dos direitos fundamentais em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental. 

Nesse ponto, Paulo Pimenta (2012, p. 13) observa que a efetivação de direitos pode colidir com princípios constitucionais orçamentários. Nesse caso, aponta o autor, não há como negar que o único caminho existente para resolver esse problema é defender a aplicação da ponderação, do sopesamento entre princípios. Assim, a reserva do possível não significa ineficácia dos direitos fundamentais sociais. De fato, existem casos de conflitos entre os direitos sociais e os princípios orçamentários, em que haverá necessidade de uma ponderação entre eles, com base na proporcionalidade. 

Robert Alexy, um dos principais teóricos da hermenêutica constitucional e dos direitos fundamentais, ao analisar a aplicação da reserva do possível no Brasil, também defende a ponderação entre os princípios em casos de conflitos entre direitos fundamentais consagrados por normas principiológicas. Na visão do festejado autor alemão (ALEXY, 2011, p. 69): 

“em uma constituição como a brasileira, que conhece direitos fundamentais numerosos, sociais generosamente formulados, nasce sobre esse fundamento uma forte pressão de declarar todas as normas não plenamente cumpríveis, simplesmente, como não vinculativas, portanto, como meras proposições programáticas. A teoria dos princípios pode, pelo contrário, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela declara as normas não plenamente cumpríveis como princípios que, contra outros princípios, devem ser ponderados e, assim, estão sob uma “reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode requerer de modo razoável da sociedade”. 

Por sua vez, o professor Virgílio Afonso da Silva (2010, p. 205) entende que um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. Para o autor, o conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Assim, mínimo existencial é aquilo que é possível realizar diante das condições fáticas e jurídicas, que, por sua vez, expressam a noção, utilizadas às vezes de forma extremamente vaga, de reserva do possível.  

Na visão do professor Virgílio, a sua ideia “pode ser um primeiro passo para uma proteção mais eficiente, ou, pelo menos, para uma maior transparência no trato dos direitos sociais”, pois, ao reconhecer a possibilidade de restrições aos direitos fundamentais de acordo com as condições fáticas e jurídicas do caso, exige-se que tais restrições sejam fundamentadas, o que permitiria um maior controle dos órgãos públicos em tema de realização de direitos fundamentais (SILVA, 2010, p. 250-251). 

Por fim, Ricardo Lobo Torres (2009, p. 110) sustenta que o Brasil adotou a reserva do possível fática, com uma nítida mudança de interpretação do paradigma alemão. “Denota a confusão com o limite (fático) do limite (reserva do orçamento), que opera dentro do âmbito de proteção do mínimo existencial e não é meramente heurístico”. Segundo o festejado professor, deve haver uma diferenciação entre os direitos sociais e os direitos fundamentais, pois os direitos sociais dependem da reserva orçamentária. Em contrapartida, os direitos fundamentais não podem estar condicionados à “reserva do possível”, por constituir o mínimo existencial à sobrevivência e à dignidade humana. 

4. A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 

Com relação ao Poder Judiciário brasileiro, importa destacar que o Supremo Tribunal Federal tem se debruçado sobre o tema em diversas oportunidades, em especial, sobre o direito à saúde, educação e demandas de pagamentos de precatórios. Outrossim, revela-se imprescindível a análise dessas decisões da Suprema Corte sobre o tema, pois tornam-se a base para a atuação nas instâncias inferiores, sendo largamente reproduzidas.  

O primeiro precedente importante do Supremo Tribunal Federal sobre a reserva do possível foi uma decisão monocrática proferida, em 31 de janeiro de 1997, pelo Ministro Celso de Mello, que indeferiu pedido de suspensão de medida liminar concedida por Juiz de Direito, que havia determinado ao Estado de Santa Catarina o custeio de tratamento de saúde de um menor portador de doença rara, denominada Distrofia Muscular de Duchenel (PIMENTA, 2012, p. 150). 

In casu, o tratamento da doença seria realizado nos Estados Unidos e teria o custo de aproximadamente oitenta e cinco mil reais, abrangendo o tratamento e despesas de deslocamento. Na decisão, o Min. Relator determinou ao Estado de Santa Catarina que custeasse o tratamento, por estar “longe de caracterizar ameaça à ordem pública e administrativa local”, prevalecendo o valor da vida humana em face do ônus financeiro que iria causar ao Poder Público, in verbis:  

“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida. [com negrito no original”.6 

Nesse ponto, interessante observar o estudo sobre a jurisprudência do STF na área da saúde realizado por Daniel Wang, um dos maiores pesquisadores em temas relacionados à Judicialização da Saúde, quando verificou que a expressão “reserva do possível” até 2007 não era utilizada para denegar direitos. De fato, até, 2007, todas as decisões analisadas concediam o medicamento pleiteado.  

Assim, o pesquisador constatou que o Supremo Tribunal Federal, em nenhuma decisão até aquele momento (2007), tinha admitido a escassez de recursos como argumento aceitável para impedir a concessão de um medicamento. (WANG, 2010, p. 354). Entretanto, a partir de 2007, a Corte Suprema passou a ter uma maior preocupação com as consequências orçamentárias de suas decisões, relacionando a “reserva do possível” à capacidade financeira do Estado. 

Por sua vez, no julgamento do pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo, em caso que envolvia a alegação da reserva do possível para justificar o não pagamento de precatórios, o STF rejeitou o pedido de intervenção e entendeu plausível a alegação da reserva do possível, conforme se verifica no pedido de intervenção IF n. 470/SP. 

Trata-se do primeiro caso em que o Tribunal tratou expressamente sobre a alegação da teoria da reserva do possível, para concluir que o Estado estaria submetido à “reserva do financeiramente possível”, existindo “um quadro de impossibilidade financeira quanto ao pagamento integral e imediato dos precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia”.7 

O Mininstro Gilmar Mendes, no seu voto, citou expressamente a famosa decisão sobre numerus clausus da Corte Constitucional Alemã e pontuou que não se pode exigir o pagamento da totalidade dos precatórios relativos a créditos alimentares sem que, em contrapartida, se estabeleça uma análise sobre se tal pagamento encontra respaldo nos limites financeiros de um Estado Zeloso com suas obrigações contitucionais8

Outrossim, o Ministro entendeu que o pedido de intervenção não atendia o princípio da proporcionalidade, pois era “necessário aferir a existência de proporção entre o objetivo perseguido, qual seja o adimplemento de obrigações de natureza alimentícia, e o ônus imposto ao atingido que, no caso, não é apenas o Estado, mas também a própria sociedade”. 

Assim, a corte rejeitou o pedido, a partir de uma ponderação de princípios, na linha defendida por Robert Alexy, considerando a existência de inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados, caso a intervenção federal fosse deferida. Nesse caso, a reserva do possível atuou como garantia dos direitos fundamentais, na linha defendida por Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo (2010, p. 189). 

Outro julgamento paradigmático ocorreu em 2004, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADF) no 45, ajuizada contra o veto do Presidente da República sobre o §2º do art. 55 da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Não obstante o pedido formulado tenha sido julgado prejudicado pela perda do objeto, o STF examinou aspectos essenciais a respeito da reserva do possível.  

O autor da ação alegava que o veto presidencial desrespeitou preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços de saúde. Ao julgar o caso, o relator da ação, Ministro Celso de Mello, manifestou-se no seguinte sentido: 

“(…)Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos.”9 

Como visto, o Pretório Excelso entendeu que os limites estabelecidos pela reserva do possível à concretização de direitos fundamentais traduzem-se no binômio razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado. Tais elementos devem estar presentes de forma cumulativa, sob pena de descaracterizar a possibilidade de prestação material dos direitos por parte do Estado. 

Nesse ponto, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado, de forma reiterada, no sentido de que a reserva do possível não poderia justificar o descumprimento pelo Estado de seus deveres na área dos direitos sociais (saúde e educação básica), especialmente nos casos em que o direito pleiteado integra o mínimo existencial. 

Tal entendimento pode ser constatado na decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, em ação na qual se demandava a criação de vagas para atendimento de crianças em creches e em pré-escola, senão vejamos: 

“A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes.”10 

No caso, o Tribunal determinou que o Município de São Paulo observasse os direitos das crianças, viabilizando em favor destas a matrícula em unidades de educação infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus representantes legais. 

Compulsando-se a jurisprudência do STF, constata-se uma ampla variedade de decisões no sentido de que a mera alegação de inexistência de recursos do ente estatal de que não pode arcar com as despesas estabelecidas na decisão judicial não tem o condão de exonerar o ente de suas obrigações constitucionais, devendo haver a comprovação efetiva de ausência dos recursos, também denominada de exaustão orçamentária, para que se possa aplicar a Teoria da Reserva do Possível. Nesse sentido: 

“[…] Sustenta o Estado de Sergipe, por sua vez, que a decisão a quo viola Princípio da Reserva do Possível em razão da indisponibilidade financeira para arcar com os custos da reforma e conservação do imóvel. Entretanto, é assente na jurisprudência pátria que não basta a alegação de violação à reserva do possível, nem tampouco o argumento de que existem demais obrigações de caráter constitucional para cumprir, a exemplo de transporte, saneamento básico, educação e saúde. É necessário a comprovação da efetiva impossibilidade financeira/administrativa do ente, sob pena de banalização do princípio que não pode, em hipótese alguma, servir de pretexto para o descumprimento de obrigações legais importantes para a sociedade. […] Não constitui argumento válido a mera alegação de inexistência de recursos, mas necessário é a comprovação efetiva de ausência deles, também denominada de exaustão orçamentária, para que se possa aplicar a Teoria da Reserva do Possível.”11 

Por fim, em recente julgado, o STF analisou a constitucionalidade da Lei fluminense n. 9.385/2021 (ADI 7149, STF), que inseriu o inciso XII no art. 19 da Lei 4.528/2005, para garantir a reserva de vagas em escola para irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo escolar, in verbis

Art. 19 – A Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: 

XII – o Poder Executivo, mediante regulamentação própria, deverá garantir, a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo escolar, reserva de vagas no estabelecimento de ensino mais próximo de sua residência, desde que a Unidade Escolar onde um dos irmãos já esteja matriculado, possua a etapa ou ciclo escolar do outro irmão, e não tenha como meio de admissão processo seletivo específico, por meio de sorteio público ou prova. Grifos nossos. 

O Estado do Rio de Janeiro defendeu que o regramento inerente à matrícula escolar se insere no juízo de “discricionariedade técnica da Administração”, o qual foi desrespeitado pela atuação legislativa quando “transferiu aos pais de alunos o poder de decidir a escola em que seus filhos estudarão, independentemente da manifestação da Administração sobre a possibilidade técnica e financeira de matrícula na escola eleita”.12 

Ao decidir o caso, o Min. Ricardo Lewandowski, na relatoria, afirmou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem rechaçado a alegação de usurpação da iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo e validado normas que incrementam ou concretizam mandamentos e direitos fundamentais já previstos no Texto Constitucional.  

Nesse sentido, o Ministro entendeu que “a determinação de tão somente garantir, na medida do possível, que irmãos possam frequentar o mesmo estabelecimento de ensino não é matéria que diga respeito à organização ou ao funcionamento da Administração estadual.” Destarte, o Tribunal entendeu que a Lei fluminense prevê condicionantes para que os irmãos frequentem a escola em conjunto, de maneira a não criar dificuldades ou até mesmo engessar a atuação do gestor público. 

A Corte suprema, nesse caso específico, não analisou a questão pelo ângulo da limitação orçamentária, baseando-se na noção de razoabilidade da pretensão (na medida do possível), nos termos da formulação originária da teoria da reserva do possível, com a constatação daquilo que o indivíduo pode exigir de forma razoável do Estado e da sociedade. 

5. CONCLUSÃO 

A expressão reserva do possível surgiu da construção jurisprudencial alemã, no julgamento denominado numerus clausus, associada a ideia de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade, utilizando a razoabilidade e ponderação entre interesses da coletividade, pois na visão do Tribunal Alemão “o pensamento das pretensões subjetivas ilimitadas às custas da coletividade é incompatível com a ideia do Estado social”13

No Brasil, a reserva do possível é relacionada frequentemente com as possibilidades fáticas em termos de disponibilidade financeira. Eis o motivo pelo qual Ricardo Lobo Torres sustenta que o Brasil adotou a reserva do possível fática. Todavia, a doutrina costuma dividir a reserva do possível em fática e jurídica. A reserva do possível fática é associada à disponibilidade financeira, enquanto a reserva do possível jurídica relaciona-se com a previsão orçamentária para a despesa. 

A utilização da teoria da reserva do possível como forma de restringir a eficácia dos direito sociais tem sido objeto de crítica por boa parte da doutrina. Ricardo Lobo Torres sustenta que o Estado sempre pode extrair mais recursos da sociedade, de forma que há permanente possibilidade fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública (TORRES, p. 110). De igual forma, a incorporação da expressão de origem alemã é questionada pela doutrina nacional, em razão das diferenças jurídicas e socioeconômicas entre os países. 

Não obstante tais críticas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a analisar a “reserva do possível” como uma espécie de cláusula que impõe certos condicionamentos ou limites ao processo de concretização dos direitos sociais – de implantação sempre onerosa -, traduzindo-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.14 

Outrossim, o Pretório Excelso pacificou o entendimento de que a reserva do possível não pode servir de argumento para a não implementação dos direitos que integram o mínimo existencial.  

Com relação aos pedidos de intervenção em face do não pagamento pontual dos precatórios pelos Estados e Municípios, o STF tem rejeitado os pedidos de intervenção, com base na reserva do possível, pois o Estado estaria submetido à “reserva do financeiramente possível”, existindo “um quadro de impossibilidade financeira quanto ao pagamento integral e imediato dos precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia”.15 Nesses casos, o Tribunal tem dado importância ao princípio da proporcionalidade, para aferir a existência de proporção entre o objetivo perseguindo, qual seja, o adimplemento de obrigações de natureza alimentícias e o ônus imposto ao atingido que, no caso, não é apenas o Estado, mas também a própria sociedade, pois é inegável que inúmeros outros bens jurídicos de natureza constitucional seriam sacrificados. 

A reserva do possível, portanto, também atua como garantia dos direitos fundamentais, na hipótese de conflito de direitos fundamentais, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental. 

Nesse sentido, não se pode negar que a ausência de recursos financeiros constitui um limite fático à implementação dos direitos sociais, caso contrário, por que não estariam todos implementados? Logo, não se pode ignorar o orçamento público, pois sempre haverá a necessidade de recursos financeiros para efetivação dos direitos sociais e, por consequência, litígios decorrentes do confronto entre ambos. 

Como visto, a reserva do possível exerce papel relevante no julgamento de casos complexo pelas Cortes judiciais, pois funciona como norte a ser utilizado pelo julgador quando estão em análise a efetivação de direitos sociais e a in(suficiência) financeira dos entes públicos. 

Na análise do caso concreto, portanto, o julgador não pode ficar adstrito apenas a disponibilidade financeira, mas deve se utilizar principalmente dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para evitar excessos ou insuficiências, com a verificação daquilo que o indivíduo pode exigir de forma razoável do Estado e da sociedade. 

Com efeito, o Direito oferece uma resposta segura para os casos em que os recursos sejam limitados, pois não se pode admitir a exigência de prestações materiais de direitos por parte do Estado sem a análise dos custos decorrentes da sua implementação. Por fim, vale repisar as lições de Holmes e Sunstein (1999, p.19): “Um direito legal existe, na realidade, apenas quando e se tiver custos orçamentários”.

REFERÊNCIAS 

ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. 3ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 69. 

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2004, p. 481 

HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The cost of rights:why liberty depends on taxes. New York: W. W. Norton and Company, 1999. 

KRELL, Andreas. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 45 e ss. 

LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 98.  

OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.  

PERLINGEIRO, Ricardo. É a reserva do possível um limite à intervenção jurisdicional nas políticas públicas sociais? Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, São Paulo, ano 1, v. 2, p. 163-185, set./out. 2013 

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das Normas Constitucionais Programáticas. São Paulo: Max Limonad, 1999. 

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do possível. Revista de informação legislativa Imprenta: Brasília, Senado Federal, Serviço de Informação Legislativa. 2012. Texto completo disponível na Biblioteca Digital do Senado Federal 

SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008. Disponível em: <https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html> Acesso em: 28 nov. 2022. 

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.  

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 103 

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V. 5. O Orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2000. 

WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custo dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do STF. In SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 349-371, 2010.


2RE 1060961 Relator(a): Min. EDSON FACHIN Julgamento: 19/12/2017 Publicação: 02/02/2018.

3Tradução livre. Disponível em: http://archiv.jura.uni-saarland.de/BIJUS/grundgesetz/. Acesso em 10 set. 2008.

4SCHWABE, Jurgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão –  coletânea original: Jurgen Schwabe – Organização e introdução: Leonardo Martins, Konrad Adenauer  Stiftung, p. 656-666.

5Ibid., p. 664.

6 STF, PET n.º 1.246, Rel. Min. Celso de Mello, decisão em 31 jan. 1997. 

7STF, IF no 470-5, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 20/06/2003

8STF, IF no 470-5, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 20/06/2003

9ADPF 45 MC/DF. MEDIDA CAUTELAR EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. Rel. : Min. Celso de Mello. Julgamento: 29/04/2004. ARGDO: Presidente da República. ARGTE: Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB.

10Decisão proferido no ARE 639337 AgR/SP. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/08/2011, AGTE.: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, AGDO.: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

11ARE 1172544 Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 13/06/2019 Publicação: 19/06/2019

12 (ADI 7149, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/09/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 04-10-2022 PUBLIC 05-10-2022)

13SCHWABE, Jurgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão – coletânea original: Jurgen Schwabe – Organização e introdução: Leonardo Martins, Konrad Adenauer Stiftung, p. 664. 13

14ADPF 45 MC/DF. MEDIDA CAUTELAR EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. Rel. : Min. Celso de Mello. Julgamento: 29/04/2004. ARGDO: Presidente da República. ARGTE: Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB.

15STF, IF no 470-5, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 20/06/2003


1Mestrando em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2022-2023); MBA em Gestão Pública pela Escola Nacional de Administração Pública – Enap (2023); Especialista em Direito Tributário pela Universidade Estácio de Sá (2017); Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2008).