IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA NO RECÉM-NASCIDO – UMA REVISÃO DA LITERATURA

PRIMARY IMMUNODEFICIENCY IN THE NEWBORN – A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7689052


Bianca Zanotti Barcellos1


RESUMO

O estudo objetiva examinar recentes desenvolvimentos no campo dos erros inatos de imunidade em recém-nascidos, do diagnóstico ao tratamento. Trata-se de uma revisão da literatura realizada nos bancos de dados eletrônicos, onde fez-se a busca por publicações em português e inglês, datadas no período de 2010 até 2022. O sistema imunológico do neonato normal é anatomicamente completo, mas antigenicamente ingênuo e funcionalmente distinto, com menores respostas inflamatórias e Th1, potencialmente tornando o recém-nascido mais suscetível à infecção. A apresentação clínica dos erros inatos da imunidade é altamente variável; e a maioria dos distúrbios envolvem um aumento da susceptibilidade à infecção. Muitos erros inatos da imunidade que se apresentam no período neonatal são potencialmente fatais. A variedade de erros inatos vem aumentando e o diagnóstico e manejo continuam a aumentar em complexidade. O tratamento consiste em prevenir e tratar as infecções; porém, o diagnóstico precoce reduz os custos clínicos totais em comparação com os de crianças diagnosticadas e tratadas mais tarde na vida. Por isso, é altamente recomendada a consulta precoce com um imunologista pediátrico. O atraso no diagnóstico é inquietante, devido às ocorrências de infecções repetidas e graves. Recomenda-se a consulta antecipada com um imunologista pediátrico.

Palavras-chave: Imunidade. Erros inatos de imunidade. Pediatria. Recém-nascido.

ABSTRACT

The study aims to examine recent developments in the field of inborn errors of immunity in newborns, from diagnosis to treatment. This is a review of the literature conducted in the electronic databases, where the search was made for publications in Portuguese and English, dated from 2010 to 2022.  The immune system of the normal neonate is anatomically complete, but antigenically naive and functionally distinct, with lower inflammatory responses and Th1, potentially making the newborn more susceptible to infection. The clinical presentation of innate immunity errors is highly variable; and most disorders involves an  increased susceptibility to infection. Many innate errors of immunity presente in the neonatal period are potentially fatal. The variety of inborn errors has been increasing and diagnosis and management continue to increase in complexity. Treatment consists of preventing and treating infections; however, early diagnosis reduces total clinical costs compared to those of children diagnosed and treated later in life. Therefore, early consultation with a paediatric immunologist is highly recommended. The delay in diagnosis is unsettling, due to the result of repeated and severe infections. Early consultation with a paediatric immunologist is recommended.

Keywords: Immunity. Innate errors of immunity. Paediatrics. Newborn.

1. INTRODUÇÃO

No organismo humano, o sistema imune é responsável em defender a ação de agentes infecciosos (estranhos ao organismo). Para atuar na imunidade humana, o sistema é composto por imunidade inata e adaptativa. A imunidade inata é o primeiro mecanismo ativado, e abrangem barreiras físicas e químicas, células fagocíticas – neutrófilos e macrófagos – dendríticas e células natural killer, além de proteínas do sistema complemento. A imunidade adaptativa apresenta especificidade maior e abrange os linfócitos T e B (VENIZZI et al., 2021; ABBAS; LICHTMAN; POBER, 2019; WALTER; AYALA; MILOJEVIC, 2019).

As imunodeficiências primárias, denominadas na atualidade como “erros inatos da imunidade”, são consideradas emergências pediátricas e pertencem à um heterogêneo grupo de desordens genéticas de várias doenças que resultam em defeitos genéticos de um ou mais componentes do sistema imunológico. Os defeitos genéticos podem ser de herança dominante ou recessiva, autossômica ou associada ao X e com penetrância completa ou incompleta. Por isso o paciente fica mais suscetível à tumores, infecções ou doenças autoimunes (VENIZZI et al., 2021; VILELA, 2021; CARDOSO et al., 2021; VAILLANT; QURIE, 2021; FERREIRA, 2011). 

Com o aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico genético, a International Union of Immunological Societies (IUIS), publicada em janeiro de 2020, anunciou que já foram descritas 406 doenças diferentes e 430 anormalidades genéticas relacionadas às imunodeficiências primárias (VENIZZI et al., 2021; VILELA, 2021; ERJAEE, A. et al., 2019). Perspectiva essa que representa um aumento de 200 novos agentes e doenças em anos de pesquisa e revela uma mudança de paradigma de “imunodeficiências primárias” como defeitos fundamentais na resposta imune à infecção para o conceito mais amplo de “erros inatos de imunidade” como um grupo abrangente de diferentes fenótipos, incluindo infecção, autoinflamação, auto imunidade, alergia e malignidade (BUCCIOL; MEYTS, 2020; DELMONTE; NOTARANGELO, 2020; TANGYE et al., 2020).

Os recém-nascidos prematuros e normais possuem imunidade única. O prematuro e lactente possuem uma imaturidade fisiológica, ou seja, capacidade menor de responder aos patógenos que as crianças maiores e os adultos, por isso, estão mais susceptíveis a desenvolverem doenças infecciosas. A imunidade inata e a adaptativa se adaptam à medida que o corpo envelhece. Muitos dos elementos do sistema imunológico em condições saudáveis do recém-nascido são distintos, uma vez que evolui no meio intrauterino para o exterior (OZDEMIR, 2021; FERREIRA, 2011). 

No período neonatal muitas doenças da imunodeficiência primária aparecem, sendo o manejo e o diagnóstico desafiadores e os relatos prematuros permanecem raros. Comumente o diagnóstico é tardio ou de forma incorreta. As manifestações clínicas são distintas, caracterizando-se por infecções graves recorrentes ou prolongadas, doença autoimune/inflamatória, alergia ou malignidade (CARDOSO et al., 2021; GORDON; O’CORNELL, 2021). 

Nesse contexto, a presente revisão objetiva examinar recentes desenvolvimentos no campo dos erros inatos de imunidade em recém-nascidos, do diagnóstico ao tratamento.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão da literatura realizada nos bancos de dados eletrônicos (Scientific Electronic Library Online – SciELO, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS, PubMed e Literatura Internacional em Ciências da Saúde – MEDLINE). Fez-se uma busca por publicações dos últimos doze anos, em português e inglês, utilizando os DeCs “diagnosis” OR “investigation” AND “immunodeficiency” or “primary immunodeficiency” or “inborn errors of immunity” NOT “HIV”. 

Os critérios de inclusão para a revisão foram: periódicos disponíveis na íntegra, publicações no período de 2010 até 2022. Consideraram-se como critérios de exclusão: resumos, editoriais e revisões sistemáticas ou integrativas da literatura, pois estas prejudicam a análise individualizada dos resultados pertinentes ao objetivo deste estudo. A duplicação de artigos em qualquer uma das bases de dados foi contabilizada apenas uma vez.

3. ERROS INATOS DA IMUNIDADE – DEFINIÇÕES E CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os conhecimentos da imunodeficiência primária vêm expandindo, ante aos avanços em sequenciamento, ferramentas de edição de genes e a introdução de medicamentos biológicos novos e pequenas moléculas que visam pontos de verificação referentes à imunidade, inflamação e câncer. Entendem-se por erros inatos da imunidade como uma desregulação imune causada pelos componentes inativos da imunidade, em justaposição com a autoimunidade impulsionada pela imunidade adaptativa. As causas dos distúrbios auto inflamatórios é a super ativação de citocinas ou vias pró-inflamatórias, principalmente dos componentes dos inflamassomas. Eles comumente se manifestam como febres, inflamação sistêmica e artrite e linfadenopatia variáveis, embora algumas formas também podem apresentar imunodeficiência e outros fenótipos clínicos (KEBUDI; KIYKIM, SAHIN, 2019; MARTINEZ-QUILES; GOLDBACH-MANSKY, 2018). Um subgrupo desses distúrbios é representado por interferon patias, caracterizadas por respostas de interferon tipo I constitutivamente ativado (BUCCIOL; MEYTS, 2020; RODERO; CROW, 2016).

A apresentação clínica dos erros inatos da imunidade é altamente variável. Contudo, grande parte dos distúrbios envolvem um aumento da susceptibilidade à infecção. Muitos dos erros inatos da imunidade se apresentam como infecções recorrentes ou crônicas, autoimunidade, alergia, inflamação ou câncer como consequência de alterações  genéticas que afetam o sistema imunológico. Mas podem passar despercebidos no atendimento clínico. Os erros inatos da imunidade podem se manifestar em qualquer idade, e o diagnóstico preciso e oportuno requer um elevado índice de suspeita e testes especializados (VERNIZZI et al., 2021; VAN ZELM, CONDINO-NETO; BARBOUCHE, 2020).

3.1 EPIDEMIOLOGIA E ETIOPATOGENIA

Os seres humanos apresentam heterogeneidade genética, notadamente, as características do ambiente, raça, sexo, consanguinidade e os hábitos sociais se distinguem nas mais variadas regiões geográficas em âmbito mundial. Por consequência, a prevalência e a distribuição dos erros inatos da imunidade na pediatria são variáveis (VERNIZZI et al., 2021), podendo assim alterar as estimativas habitualmente descritas (VIEIRA et al., 2013). 

A incidência mundial das imunidades primárias vem aumentando, e novas formas vêm sendo descobertas, devido aos avanços no diagnóstico e na caracterização genética, o reconhecimento ainda é limitado, provável que sejam patologias pouco frequentes e pouco lembradas. Na literatura são mais de 400 tipos diferentes (OZDEMIR, 2021; VIEIRA et al., 2013). Na infância, as imunidades primárias são comumente vistas em homens em comparação às mulheres [5:1] (OZDEMIR, 2021). Recentes estudos relatam que quase 1% da população terá uma imunodeficiência primária. Em 2018, o número de casos diagnosticados no mundo é de 94.024, representando um aumento de 21,8% em relação a 2013. A prevalência varia de uma região para outra, sendo mais elevada nos Estados Unidos, Europa, América Latina, Oriente Médio, Ásia e África (EL-SAYED; RADWAN, 2020).

O estudo desenvolvido no continente africano por Erjaee et al. (2019) revelou que a prevalência de erros inatos da imunidade foi estimada em 902.631 indivíduos. A doença ainda é subdiagnosticada na África e, apesar de ter havido progresso em partes do continente, muitos desafios ainda permanecem em relação à conscientização, diagnóstico, registro e atendimento a esses pacientes. Dadas as mutações genéticas únicas relatadas em pacientes com IDP no continente africano e a viabilidade do transplante de células-tronco hematopoiéticas e terapia gênica, deve-se incentivar uma maior conscientização e considerar novas opções terapêuticas. 

Os fatores que aumentam o risco de desenvolvimento das imunidades primárias em recém-nascidos são: história familiar de imunodeficiência, confirmada ou suspeita, podendo levar a morte precoce ou recorrente/doença crônica em um ou mais membros da família (OZDEMIR, 2021). A infância apresenta características particulares. A imunoglobulina é produzida no intraútero, em média, décima quinta semana gestacional e, em torno de 1 ano de idade, aproxima-se de 60% dos valores de uma pessoa adulta. A Imunoglobulina M (IgM) detectada no recém-nascido é de produção própria, pois, essa imunoglobulina não atravessa a placenta e quando os valores estão altos pode sugerir infecção intrauterina. O início da síntese da Imunoglobulina G (IgG) ocorre na trigésima semana gestacional, mas em pequenas quantidades e, ao nascimento toda IgG mensurada (total e subclasses) é materna (passagem transplacentária em seguida, pelo aleitamento materno) (FERREIRA, 2011). 

Nos prematuros, os IgG são inferiores aos das crianças a termo. Os níveis de IgG se aproximam dos valores de adultos em média de 8 a 12 anos de idade. A IgG também não atravessa a placenta, mas é transportada pelo aleitamento materno e, com o nascimento, os níveis são muito baixos, com progressivo aumento até 12 anos de idade. A Imunoglobulina E (IgE) é produzida pelo feto, em baixos níveis devido à diminuída estimulação antigênica e não atravessa a placenta. A resposta a antígenos polissacarídeos acontece após 18 meses de vida. Por esse motivo, as crianças menores de 2 anos são submetidas à vacinação com antígenos polissacarídeos (pneumococo, hemófilo) é necessário que estes estejam combinados a proteínas para elevar a imunogenicidade vacinal (FERREIRA, 2011).

3.2 CLASSIFICAÇÃO

A expectativa de vida de pacientes com imunodeficiências primárias e secundárias tem aumentado devido aos recentes avanços nas estratégias diagnósticas e terapêuticas. As deficiências imunológicas primárias são doenças genéticas que predispõem os pacientes a infecções frequentes, autoimunidade e malignidades. A instabilidade genômica devido aos processos de reparo de DNA defeituosos e outros mecanismos desconhecidos em pacientes com imunodeficiências primárias levam a um risco aumentado de câncer (KEBUDI; KIYKIM; SAHIN, 2019). 

As deficiências imunológicas primárias foram originalmente descritas como doenças raras que ocorrem apenas em lactentes e crianças pequenas, que estão associadas a sintomas clínicos graves. No entanto, os avanços nas tecnologias de sequenciamento de genes revelaram que eles são muito mais comuns do que se pensava originalmente e estão presentes em crianças mais velhas, adolescentes e adultos. Após a infecção, a malignidade é a causa mais prevalente de morte em crianças e adultos com imunodeficiências primárias (KEBUDI; KIYKIM; SAHIN, 2019). 

A imunodeficiência secundária abrange patologias adquiridas em consequência ou associadas a doenças de outros órgãos ou sistema imunológico. A nível global, a causa mais comum da imunodeficiência é a má nutrição, predominante nos países subdesenvolvidos. Nos países desenvolvidos, comumente, as causas são as infecções, em especial os vírus Herpes como o Epstein-Barr e o citomegalovírus e o vírus da imunodeficiência humana, neoplasias, doenças metabólicas, determinadas terapêuticas, ou seja, os agentes antineoplásicos (quimioterapia e radiação) e imunossupressores (VIEIRA et al., 2013). 

A expectativa de vida de pacientes com imunodeficiências primárias e secundárias tem aumentado devido aos recentes avanços nas estratégias diagnósticas e terapêuticas (WALTER; AYALA; MILOJEVIC, 2019).

4. DIAGNÓSTICO – MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Nas últimas décadas, tem sido descoberto e caracterizado, um expressivo número de alterações genéticas subjacentes às imunodeficiências primárias. Em média, 75% dos casos, o diagnóstico pode ser efetuado com comprovação molecular (VIEIRA et al., 2013). El-Sayed e Radwan (2020) destacam que o diagnóstico precoce é um fato importante a se considerar, devido às consequências de infecções repetidas e graves, como bronquiectasias e complicações decorrentes de vacina vivas atenuadas, como a vacinação com Bacille Calmette-Guérin (BCG) e a vacina oral contra poliomielite.

É amplo o diagnóstico diferencial de Eosinofilia e abrange distúrbios de deficiência imunológica ou disfunção, especialmente aqueles com atopia proeminente como manifestação clínica. Há muita sobreposição na maioria desses distúrbios, assim, se faz necessária uma completa avaliação clínica e laboratorial (SILVA et al., 2020).

A diversidade de fenótipos clínicos pode dificultar o direcionamento da investigação laboratorial (GRUMACH; GOUDOURIS, 2021). São patologias comumente hereditárias e monogênicas, ou seja, com padrão de transmissão mendeliano simples, embora existam casos com alguma variabilidade fenotípica, representando interatividades entre as alterações genéticas, fatores ambientais e características peculiares do indivíduo (VIEIRA et al., 2013). Darian, Freij, Seth et al. (2020) citam que o diagnóstico requer, portanto, um conhecimento aprofundado de história do paciente, um exame físico e exames laboratoriais (que podem ser inespecíficos). 

Os desafios diagnósticos variam em todo o mundo. Ressalta-se que a ausência de alterações no exame físico não descarta a presença de imunodeficiência primária. O acesso à genética nos países em desenvolvimento, na maioria dos casos, é limitado, e o envio de material de pacientes pode ser custoso. O uso de manchas de sangue secas para análise sequencial de DNA genômico pode ser uma maneira de superar a limitação de custo (ZELM; CONDINO-NETO; BARBOUCHE, 2020).

O método da triagem neonatal permite a identificação de bebês com distúrbios-chave que requerem intervenção precoce logo após o nascimento. A triagem é realizada em uma pequena amostra de sangue em papel filtro, pelo método de PCR quantitativo em tempo real, permitindo a análise e quantificação simultânea de marcadores moleculares que refletem a quantidade de linfócitos T e B existentes na circulação (GORDON; O’CONNELL, 2021; FONSECA, 2021; KING; HAMMARSTRÖM, 2018).

O uso do método de triagem neonatal facilita a precoce detecção de casos suspeitos para erros inatos da imunidade, representando um expressivo avanço na busca da melhora da sobrevida dos portadores dessas doenças, e vem sendo implementada nos Estados Unidos desde 2009 (GORDON; O’CONNELL, 2021; KING; HAMMARSTRÖM, 2018; MEEHAN et al., 2018). Desde então, outros países passaram a realizar essa triagem global ou parcialmente, como a Alemanha, Israel, Nova Zelândia, Suíça, Suécia, Itália, Finlândia e Japão (KLAES et al., 2022).

No Brasil, o primeiro estudo piloto utilizando a quantificação do número de Círculos Excisados de Receptores de Células T / T-Cell Receptor Excision Circles (TREC) em papel filtro como triagem para os erros inatos da imunidade, ocorreu sete anos após o início da triagem nos Estados Unidos (EL-SAYED; RADWAN, 2020; KANEGAE et al., 2016). O processo de diferenciação e maturação do receptor de linfócito T resulta na liberação de um fragmento circular de DNA (TREC) enquanto o processo de diferenciação e maturação do receptor de linfócito B resulta na liberação de um fragmento circular de DNA (Kappa Recombining Excision Circles – KREC) (FONSECA, 2021). 

Este teste ainda não faz parte do programa nacional de triagem neonatal. Ultimamente, foi aprovado o Projeto de Lei (PL 5.043/2020) que expande a lista de doenças detectadas na triagem neonatal do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a investigação para erros inatos da imunidade (KLAES et al., 2022).

5. TRATAMENTO

Os recém-nascidos podem parecer saudáveis ​​​​até começar a apresentar infecções recorrentes ou déficit de crescimento, quando o diagnóstico é feito, a oportunidade inicial para alcançar um resultado ideal normalmente já passou. As crianças podem morrer de infecção grave antes do tratamento definitivo ou enfrentar resultados de transplante piores do que aqueles em que a doença é identificada precocemente (BIGGS et al., 2017; BROWN et al., 2011).

Como a imunodeficiência leva à susceptibilidade a infecções, a profilaxia antibiótica é uma possibilidade comum de tratamento. O objetivo dos antibióticos é atenuar os riscos de complicações na condição de não ter iniciado o tratamento específico ou aqueles que, mesmo em terapêutica, ainda apresentam infecções de repetição. Contudo, é relevante que a abordagem seja específica para cada paciente e, na análise do desenvolvimento de resistência ao antibiótico e de reações adversas tenha o acompanhamento médico (VERNIZZI et al., 2021; MCCUSKER; UPTON; WARRINGTON, 2018). 

As imunodeficiências do sistema complementar ainda não receberam uma terapêutica definitiva e específica, com exceção da angioedema hereditária e, portanto, a abordagem inclui a profilaxia com antibióticos. Ademais, esses pacientes podem apresentar um elevado risco de infecções meningocócicas, por isso, deve-se avaliar a possibilidade de vacinação (VIEIRA et al., 2013; VERNIZZI et al., 2021; MCCUSKER; UPTON; WARRINGTON, 2018).

Novos insights sobre a patogênese das imunodeficiências primárias introduziram tratamentos direcionados ao lado da substituição e terapia sintomática (reposição de imunoglobulinas, tratamentos antimicrobianos, anti-inflamatórios ou imunossupressores) de um lado e substituição do sistema imunológico defeituoso por transplante de células-tronco hematopoiéticas ou terapia genética por outro (DELMONTE; NOTARANGELO, 2020) . Além disso, estes últimos têm se beneficiado muito com os novos avanços na manipulação celular e gênica, ampliando o número de doenças a serem tratadas com sucesso e aumentando as chances de sobrevivência dos indivíduos acometidos (BUCCIOL; MEYTS, 2020; CASTAGNOLI et al., 2019). 

O transplante de células-tronco hematopoiéticas é essencial tanto quanto o diagnóstico precoce. Casos de SCID submetidos ao transplante antes dos 3,5 meses de idade ou infecções contraídas têm uma sobrevida consideravelmente melhor do que aqueles transplantados mais tarde ou complicações infecciosas reunidas. A sobrevida de dois anos do transplante de células-tronco hematopoiéticas em lactentes é sem infecções: 95%, com infecções: 81%. O transplante após 3 meses de idade a sobrevida cai para 70% e a incidência de complicações infecciosas e sequelas aumenta dramaticamente. Consequências ainda piores ocorrem quando o transplante é realizado com infecções ativas durante o procedimento: a sobrevida cai para 50%, mostra mais uma vez que o diagnóstico precoce melhora, substancialmente, o desfecho (OZDEMIR, 2021; BIGGS et al., 2017; KANEGAE et al., 2016; BUCKLEY et al., 1999). 

Têm surgido medicamentos novos, em especial os imunobiológicos de precisão, que vêm sendo testados e aprovados para pacientes com imunodeficiência. O rituximabe é um exemplo, anticorpo monoclonal anti-CD20 que age na citopenias autoimunes, doença pulmonar intersticial granulocítica e linfocítica (SEGUNDO; CONDINO-NETO, 2021).

De acordo com Segundo e Condino Neto (2021) o tratamento e o cuidado diferenciam de acordo com os resultados do defeito da via imunológica afetada e da gravidade de cada caso. Portanto, a precisão diagnóstica é imperativa para o adequado tratamento, abrangendo os cuidados gerais, farmacoterapias de amplo espectro ou específicas, como o uso de biológicos e a adoção de terapias curativas, como o transplante de medula óssea e a terapia gênica.

6. CONCLUSÃO

O sistema imunológico é único por nos proteger de patógenos infecciosos não próprios e também de células malignas. O recém-nascido, especialmente os prematuros e lactentes, possuem uma imaturidade fisiológica, com capacidade menor de responder aos patógenos em comparação às crianças maiores e adultos, por isso são potencialmente mais suscetíveis a infecções.

As deficiências imunológicas primárias são usualmente associadas a um amplo espectro de manifestações, incluindo elevação da suscetibilidade  à  infecção,  autoimunidade/distúrbios auto inflamatórios e desregulação. Muitos erros inatos da imunidade que se apresentam no período neonatal são potencialmente fatais. A variedade de erros inatos vem aumentando e o diagnóstico e manejo continuam a aumentar em complexidade. 

O tratamento para imunodeficiências consiste em prevenir e tratar as infecções; porém, o diagnóstico precoce reduz os custos clínicos totais em comparação com os de crianças diagnosticadas e tratadas mais tarde na vida. Por isso, é altamente recomendada a consulta precoce com um imunologista pediátrico.

Nas imunodeficiências, o prognóstico depende de uma variedade de condições. A idade da criança na época do diagnóstico se faz relevante; quanto mais precoce for identificada, aumentam as chances de uma boa qualidade de vida. No entanto, caso o diagnóstico demore, a chance de ocorrer complicações e sequelas aumenta, incluindo os riscos de morte. Sendo assim, o atraso no diagnóstico é inquietante, devido às ocorrências de infecções repetidas e graves. Recomenda-se a consulta antecipada com um imunologista pediátrico.

O sistema imunológico do neonato normal é anatomicamente completo, mas antigenicamente ingênuo e funcionalmente distinto, com menores respostas inflamatórias e Th1, potencialmente tornando o recém-nascido mais suscetível à infecção. Além disso, muitas IDPs que se apresentam no período neonatal são potencialmente fatais. A variedade de IDPs está crescendo, o diagnóstico e o manejo desses distúrbios continuam a aumentar em complexidade. 

REFERÊNCIAS

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1Médica, e-mail: biazanotti182@hotmail.com