BASE JURÍDICA DA EDUCAÇÃO E SUAS ESTRUTURAS NORMATIVAS – UMA ANÁLISE DA TEORIA DOS PRINCÍPIOS DE DWORKIN E ALEXY

LEGAL BASIS OF EDUCATION AND ITS REGULATORY STRUCTURES – AN ANALYSIS OF DWORKIN AND ALEXY’S THEORY OF PRINCIPLES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7671473


Anna Chrystina Porto¹
Rogério Alves Dias²


RESUMO: A atuação das normas atinentes ao Direito Administrativo, ao longo dos tempos, nas várias legislações, dependeu da definição do que seria Serviço Público, permeando a própria definição de interesse público. Uma vez que é possível conciliar, no mínimo, os conceitos de direitos sociais e serviço público, faz-se necessário identificar se a educação no ensino superior, sendo prestada de modo privado, e, se ela se cerca da ideia de serviço público, definindo atuação, autonomia dos particulares e sua correspondente regulação. Uma vez assim identificado, é necessário observar a aplicabilidade das Teorias sobre Princípios de Dworkin e Robert Alexy.

Palavras-chave: Princípios constitucionais. Direitos sociais. Ensino superior.

ABSTRACT: The performance of the norms related to Administrative Law, over time, in the various legislations, depended on the definition of what would be Public Service, permeating the definition of public interest. Since it is possible to reconcile, at least, the concepts of social rights and public servisse, it is necessary to identify if the education in university education, being provided in a private way, and, if it is surrounded by the idea of public service, defining action, autonomy of individuals and their regulation. Once identified, it is necessary to observe the applicability of the Theories on Principles of Dworkin and Robert Alexy.

Keywords: Constitutional principles. Social rights. University education.

1. INTRODUÇÃO

No âmbito do Brasil, a educação é classificada como um direito social de segunda geração, garantida pelo Estado. Segundo Silva Júnior³, inspirado principalmente no modelo francês-napoleônico, o ensino superior brasileiro constituiu-se de um modo que, ainda hoje, suas características persistem arraigadas em sua estrutura: i) formação de profissionais para exercerem uma determinada profissão; ii) currículos seriados e fechados, que constavam unicamente das disciplinas que interessavam imediata e diretamente ao exercício da profissão desejada pelo aluno; iii) corpo docente composto por professores formados por universidades europeias; e, iv) processo de ensino e aprendizagem no qual um professor detentor de conhecimentos e experiências profissionais, transmitia-os para um aluno que não sabia e não conhecia, sendo a avaliação desse processo responsável pela outorga ou não do diploma ou certificado de competência, que permitiria àquele aluno exercer determinada profissão.

Houve, assim, um aumento significativo da demanda do ensino superior, desde a ditadura de 1964, não suportado pelas instituições de ensino públicas, situação essa provocada pelos setores médios urbanos que passaram a disputar a promoção do serviço nas burocracias públicas e privadas.

Bannel⁴, em seu livro Habermas e a educação, citando o filósofo alemão, indica que:

Outra característica marcante do pensamento de Habermas é sua defesa do “projeto da modernidade” diante das críticas feitas pelos pensadores pós-modernos. Por mais que a modernidade tenha trazido problemas para a humanidade, Habermas tenta analisar, no que ele chama (seguindo Weber) “o processo da racionalização da sociedade moderna”, um potencial para a emancipação humana. Enfatiza a necessidade de completar esse projeto sem abrir mão do que já se conseguiu, não somente em termos de conhecimento, mas também de liberdade subjetiva, da autonomia ética e da autorrealização, do direito igual de participação na formação de uma vontade política e do “processo formativo que se realiza através da apropriação de uma cultura que se tornou reflexiva”. É esse processo, compreendido como processos de aprendizagem desencadeados ao longo da História, mas especificamente na modernidade, que poderia ser considerado um dos fios condutores do pensamento desse filósofo e teórico social.

Por isso, a educação, no seu sentido mais amplo de processos de formação, é um tema central no pensamento habermasiano. Habermas busca compreender o processo de evolução social como um duplo processo da diferenciação e complexificação dos subsistemas econômico e administrativo e, ao mesmo tempo, potencialmente, também como uma expansão de processos de reflexão e aprendizagem e, portanto, de criação de uma cultura com um potencial para resolver problemas através de processos de aprendizagem.

A educação no Ensino Superior, no Brasil, veio de forma tardia, passando por um fortalecimento reconhecido nos anos sessenta, com o surgimento da Lei de Diretrizes e Bases – LDB, em 1961. Na segunda metade do século XX, surge no âmbito público federal e estadual o formato universitário, com o aparecimento, no setor privado, de faculdades isoladas.

O ensino superior cumpre papel fundamental na sociedade, resultando em estabilidade social, em especial porque a finalidade do ensino superior não é tão somente permitir ao indivíduo que tenha um emprego, mas garantir condições de participação nas questões de interesse social, exercer cidadania, gerar equilíbrio de mercado, bem-estar familiar, aumento da condição cultural do País, dentre outros.

Há uma importância na discussão do tema, pois falar sobre educação é trabalhar valores inseridos constitucionalmente como liberdade, autonomia, solidariedade, sociedade séria e real. Nesse sentido, aduz Paulo Freire⁵:

A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isso mesmo, ação com eles […]. A ação libertadora […], reconhecendo a dependência dos oprimidos, como ponto vulnerável, deve tentar, através da ação e da reflexão, transformá-la em independência. Esta, porém, não é doação […]. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é a libertação de homens e não de ‘coisas’. Por isto, se não é autolibertação – ninguém se liberta sozinho – também não é libertação de uns. feita por outros.

A partir daí, inicia-se o crescimento do Ensino Superior, como um setor em expansão no Brasil, especialmente no âmbito do ensino privado. Segundo pesquisas do CENSO da Educação Superior, realizado anualmente pelo INEP⁶, “8,45 milhões de pessoas cursam algum curso de graduação da educação superior. É um contingente 44,6% maior do que há 10 anos. A maioria das matrículas, 6,37 milhões, está concentrada em 2.238 instituições de ensino privadas. As demais 2,08 milhões; de matrículas estão nas 299 instituições públicas. O panorama faz parte do Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Os dados se referem ao ano de 2018. O retrato do censo revela que 11,8% das instituições são públicas, ligadas às três esferas estatais, e 88,2% são privadas.”.

Esse crescimento significativo se dá por causas diversas a exemplo de financiamentos estudantis, necessidade por uma qualificação profissional, dentre outros aspectos.

Não se pode, contudo, deixar de observar que, quando se fala desse aumento progressivo na oferta de vagas ao Ensino Superior, há setores e questões envolvidas relacionados diretamente às Políticas Públicas de Educação, bem como aos interesses particulares e coletivos, como é o caso dos financiamentos estudantis (FIES e PROUNI), sistema de quotas, credenciamento dos cursos, entre tantos outros aspectos de menor impacto.

Notadamente, há impacto das temáticas que envolvem esses assuntos dentro da sociedade e do Poder Público, haja vista tratar-se de Políticas Públicas que norteiam um Direito Social, garantido pela Constituição Federal como fundamental.

Nos dizeres de Clarice Seixas, examina a figura jurídica do direito subjetivo, prevista no art. 208, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, para disciplinar o acesso ao ensino, prestando-se à exigibilidade judicial de políticas públicas educacionais, in verbis:

Entretanto, em que consiste, afinal, o direito público subjetivo? O jurista alemão Georg Jellinek, cuja obra, publicada em 1892, é um marco para a temática, definiu esta figura jurídica como sendo “o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pelo ordenamento jurídico, tem por objeto um bem ou interesse” (Jellinek, 1910:10). Trata-se de uma capacidade reconhecida ao indivíduo em decorrência de sua posição especial como membro da comunidade, que se materializa no poder de colocar em movimento normas jurídicas no interesse individual. Em outras palavras, o direito público subjetivo confere ao indivíduo a possibilidade de transformar a norma geral e abstrata contida num determinado ordenamento jurídico em algo que possua como próprio. A maneira de fazê-lo é acionando as normas jurídicas (direito objetivo) e transformando-as em seu direito (direito subjetivo).1 O interessante é notar que o direito público subjetivo configura-se como um instrumento jurídico de controle da atuação do poder estatal, pois permite ao seu titular constranger judicialmente o Estado a executar o que deve. De fato, a partir do desenvolvimento deste conceito, passou-se a reconhecer situações jurídicas em que o Poder Público tem o dever de dar, fazer ou não fazer algo em benefício de um particular. Como todo direito cujo objeto é uma prestação de outrem, ele supõe um comportamento ativo ou omissivo por parte do devedor.

Em cenário mais atual, ainda segundo pesquisa do INEP⁸ realizada em 2019, tem-se que, na rede privada, no Ensino Superior, “há mais de 6,5 milhões de alunos, correspondendo a um percentual de 75,8% do sistema de educação superior, o que quer dizer que de cada 4 estudantes de graduação, 3 frequentam uma instituição privada. Em que pese o percentual ser bastante significativo, ainda segundo a pesquisa do INEP, as matrículas feitas em cursos presenciais, no ensino privado tem diminuído desde 2016, ocorrendo o aumento das matrículas nos cursos EaD – Ensino à Distância, de modo que esse público representa 35% da educação superior de graduação, na rede privada.”

Tem-se como marco teórico preponderante para análise do tema, a expansão do ensino superior no Brasil e, em consequência a identificação da tutela do Direito Administrativo, com a inclusão da educação superior na definição de serviço público. Segundo Barros⁹, ao buscar os principais momentos que marcaram a expansão no Brasil, encontrou-se um ponto de partida e um ponto de chegada temporal, que giram em torno da Reforma Universitária de 1968. Indica que apesar de haver uma determinada expansão do ensino superior verificada desde a década de 1950, é no processo da Reforma Universitária de 1968 que podemos encontrar não apenas a última grande reformulação do ensino superior no Brasil, mas também as bases sobre as quais se assenta a expansão verificada até os dias atuais.

Sendo assim, passa-se à apreciação do tema que merece muita discussão, haja vista a relevância que a educação promove na sociedade, pois não se trata apenas de escolha de uma profissão, mas garantia de uma vida livre, de dignidade e em condições de abarcar uma melhor condição social dos indivíduos.

2. O ENSINO SUPERIOR PRIVADO

Com a Constituição Federal de 1988, algumas reivindicações relativas ao ensino superior foram atendidas, de modo que ele foi sendo encaminhado para uma maior autonomia. Prevê a Constituição Federal, em seu artigo 20¹⁰, in verbis:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Pelo que se observa da transcrição do referido artigo, vê-se tratar de uma prerrogativa que é assegurada a todos os indivíduos, já que se refere a uma Constituição cidadã, diferentemente dos textos constitucionais anteriores.

Fato inquestionável é que a Constituição Federal confere, em seu artigo 6º, o reconhecimento de que a educação seja ela em nível básico ou superior, o caráter de direito fundamental, fazendo sua inclusão entre os direitos sociais, junto com outros como o direito à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, dentre eles.

O que parece ser uma simples inclusão no texto da Lei insere a educação valores, inerentes ao texto constitucional, no reconhecimento dos direitos fundamentais, como solidariedade, sociedade justa e livre, redução das desigualdades, promoção do bem de todos.

Reconhecido como um direito fundamental pela Constituição Federal, o ensino superior, segmento da educação, corresponde a garantias para cumprimento pelo Estado, que deve prover a todos, mesmo diante da diversidade e diferenças sociais e econômicas, a inserção na sociedade em condições que permitam garantir o mínimo existencial.

No mesmo sentido, é o entendimento da Professora Ada Pellegrini¹¹:

Entendendo que a atuação do Poder Judiciário alcança direitos inerentes ao mínimo existencial, respeitando-se os limites de razoabilidade. A autora diz que a intervenção judicial nas políticas públicas só poderá ocorrer em situações em que ficar demonstrada a irrazoabilidade do ato discricionário praticado pelo poder público, devendo o juiz pautar sua análise em atenção ao princípio da proporcionalidade.

Assim, no intuito de cumprir com a demanda que lhe foi imposta pela Constituição Federal, o Estado faz uso de instrumentos normativos, de ordem pública, que visam auxiliar a implementação, regulamentação e criação de políticas públicas na busca de um ensino eficiente.

Bucci¹² afirma que “o conceito de público não estatal, expressando uma forma de organização social paralela ao Estado, que seria um dos espaços por excelência da geração das políticas públicas, está longe de ter sido equacionado pelo direito nacional.”.

Os instrumentos normativos utilizados na educação, nos seus vários âmbitos, bem como o sistema de avaliações das instituições permitem ao Estado à busca do atendimento aos valores constitucionais que envolvem o ensino.

No entanto, de maneira histórica, no Brasil, é possível verificar que há uma escassez de recursos generalizados, que impediria ao Estado alcançar a demanda social no âmbito da educação. Em razão dessa nítida insuficiência, o Estado optou em disponibilizar a educação, em seus vários âmbitos, por entidades ou sujeitos que não o próprio Estado.

Esse fato, nada mais é, que um reflexo do que já ocorria desde a época da colonização, onde a educação era promovida pelos jesuítas, por métodos próprios. Trata-se de uma herança histórica, apesar do modelo atual ser diferente, posto que, em tempos de colonização, o Estado não se envolvia nessas atividades educacionais, concedendo autonomia nos processos utilizados pelos jesuítas.

A necessidade desse pluralismo na oferta do ensino tornou-se um ponto de diminuição do monopólio estatal das questões educacionais. Todavia, em que pese essa modificação do monopólio estatal, não se pode deixar de observar que existe uma autonomia universitária, que deve e pode ser exercida pela iniciativa privada, como se identifica no artigo 208 da Constituição.

Entretanto, não se pode deixar de olvidar para o fato de que a titularidade para a exigência das condições, requisitos e valores inseridos na legislação vigente, são da competência do Estado. Ou seja, o Estado delega a função, mas permanece com a obrigação de diligência e regulação.

Desse modo, não há que se questionar que a educação é, segundo a Constituição Federal, um direito fundamental, inserido como um direito social, garantido pelo Estado, ainda que oferecido pela iniciativa privada.

O Ensino Superior no Brasil, ainda que prestado pelas Instituições privadas, por se tratar de um serviço público, apresenta-se envolto em uma base normativa ampla, desde a previsão inserida na Constituição Federal de 1988 até as normas específicas vinculadas às suas representações próprias, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, o Conselho Federal de Medicina – CFM, o Conselho Regional de Odontologia – CRO, dentre outros.

Essa ampla normatização envolve a abertura, ou seja, o credenciamento dos cursos no Ensino Superior seja nas instituições públicas ou instituições privadas; acompanha, regulamenta e avalia o recredenciamento dos cursos; desenvolve e elege critérios que devem ser atendidos para a obtenção de nota na avaliação geral; determina os procedimentos a serem seguidos, os conteúdos que devem ser desenvolvidos, a qualificação docente necessária, dentre alguns vários outros aspectos.

Inicialmente, a Constituição Federal, em seu artigo 205, prevê a educação, em sua amplitude, sendo um direito de todos. Imperioso salientar aqui, que a Carta Magna abrange o objetivo de gerar a qualificação para o trabalho, o que reforça a ideia de previsão normativa ao Ensino Superior, que de maneira evidente, proporciona qualificação profissional.

Assim, no intuito de cumprir com a demanda que lhe foi imposta pela Constituição Federal, o Estado faz uso de instrumentos normativos, de ordem pública, que visam auxiliar a implementação, regulamentação e criação de políticas públicas na busca de um ensino eficiente.

A Constituição Federal de 1988 exerce um papel de relevância na educação, apresentando-se como um programa que reveste a educação e, portanto, o ensino com um direito subjetivo. Foi criada a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, conforme inserido no inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal de 1988, sendo assim ofertado o ensino em qualquer nível e etapa da vida do estudante. É o que se denota nas disposições inseridas no artigo 208 da CF.

Ao atentarmos para a previsão normativa acima mencionada, verifica-se que o foco principal se refere aos educandos no ensino fundamental e obrigatório, contudo, atentando-se, de maneira cuidadosa, no inciso V, ao salientar que alcançará os mais elevados níveis do ensino.

O ensino privado cria uma relação consumerista entre as instituições e os alunos, mas não é essa qualidade que lhe insere a possibilidade de discussão de direitos na esfera judicial. Essa prerrogativa surge pela inclusão do ensino como um direito subjetivo. Nesse sentido, preceitua a Professora Clarice Seixas Duarte¹³, nos seguintes moldes:

O presente artigo tem como objetivo examinar se a figura jurídica do direito público subjetivo, prevista no art. 208, § 1º, da Constituição Federal Brasileira de 1988, para disciplinar o acesso ao ensino obrigatório e gratuito, se presta à exigibilidade judicial de políticas públicas educacionais. Para tanto, serão analisadas as condições de adaptabilidade do instrumento, desenvolvido na Alemanha no final do século XIX, ao contexto de uma Constituição do Estado Social do Direito, notadamente no que se refere à ampliação de sua titularidade e de seu objeto, sempre à luz dos princípios que informam nosso ordenamento jurídico.

E, acrescenta¹⁴:

Em primeiro lugar, vale lembrar que o direito à educação não se reduz ao direito do indivíduo de cursar o ensino fundamental para alcançar melhores oportunidades de emprego e contribuir par ao desenvolvimento econômico da nação. Deve ter como escopo o oferecimento de condições par ao desenvolvimento pleno de inúmeras capacidades individuais, jamais se limitando às exigências do mercado de trabalho, pois o ser humano é fonte inesgotável de crescimento e expansão no plano intelectual, físico, espiritual, moral, criativo e social. O sistema educacional deve proporcionar oportunidades de desenvolvimento nestas diferentes dimensões, preocupando-se em fomentar valores como o respeito aos direitos humanos e a tolerância, além da participação social na vida pública, sempre em condições de liberdade e dignidade. Assim, no Estado Social, a proteção do direito individual faz parte do bem comum.

Ainda pelo presente artigo 208 da Constituição Federal, é possível observar que o ensino, ainda que oferecido pelo setor privado, não deixa de ser público, como estabelecido pelo parágrafo segundo.

Há que se observar que existe um multiculturalismo de nossa sociedade e, diante desse multiculturalismo, considerando-se também as especificidades locais e regionais, a Constituição Federal estabelece uma educação democrática, baseada em ideias de igualdade, de oportunidade, de resultado e de cidadania.

Em virtude da busca pela redemocratização no país, veio à promulgação da Constituição Federal em 1988, observando a necessidade de um novo pacto fundamental e a urgência de normas estruturantes democráticas, de modo que a educação se tornou direito social, como também direito civil e político e, como dever do Estado. Assim, preceitua o artigo 6º da Constituição Federal.

A Constituição Federal inseriu o ensino fundamental, consagrado como direito subjetivo e fez com que o ensino médio se tornasse progressivamente obrigatório, tendo que esses imperativos também foram inseridos na Lei de Diretrizes e Bases – LDB, Lei nº 9,394 de 1996. A partir daí, houve uma coexistência entre os sistemas de ensino, em um regime de total colaboração.

Para a Professora Maria Paula Dallari Bucci¹⁵, tem-se que:

Os direitos sociais inovaram o paradigma jurídico do Estado liberal, modificando a atitude abstencionista do Estado para o enfoque prestacional, atuante e realizador. Dessa forma as políticas públicas desenvolvem papel fundamental, porquanto caracterizam o meio pelo qual os direitos humanos fundamentais são concretizados.

Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Clarice Seixas¹⁶:

Na realidade, o fato de a Constituição atual ter enunciado de forma expressa o direito público subjetivo como regime específico do direito ao ensino fundamental conferiu aos indivíduos, irrecusavelmente, uma pretensão e uma ação para exigirem seus direitos, o que, no caso de outros direitos sociais, vem suscitando maiores objeções, pois o seu objeto primário é a realização de políticas públicas. A função de se prever de forma expressa na Constituição que um determinado direito é público subjetivo é afastar, definitivamente, interpretações minimalistas de que direitos sociais não podem ser acionáveis em juízo, nem gerar pretensões individuais. Trata-se de uma figura que vem reforçar o regime já existente, além de constituir uma baliza para a melhor compreensão dos direitos sociais, sob o prisma do seu potencial de efetividade.

A autora¹⁷ salienta que o direito público subjetivo visa resguardar interesses individuais quando eles colidem com o interesse público, como se vê:

Isso significa que o reconhecimento de que o indivíduo pode fazer funcionar a máquina estatal em seu interesse não se choca com o bem comum; ao contrário, faz parte dele. O reconhecimento de pretensões aos indivíduos pela lei vem reforçar a proteção de sua liberdade e não transformá-los em direitos privados. O importante é perceber que a implantação de um sistema público adequado de educação interessa não apenas aos beneficiários diretos do serviço (alunos), mas à coletividade, já que a educação escolar constitui um meio de inserir as novas gerações no patrimônio cultural acumulado pela humanidade, dando-lhe continuidade. Quando um indivíduo exerce seu direito ao ensino obrigatório de forma isolada e não coletiva, ele está acionando uma norma geral e abstrata em seu interesse próprio. Contudo, vale destacar que, para o indivíduo fazer funcionar a máquina estatal em seu interesse, é preciso que, por trás do interesse particular, também o interesse público seja protegido (afinal, trata-se de um direito público). Aliás, este aspecto assume função de destaque no quadro de um Estado Social, pois o objeto da proteção recai sobre um direito social e este aspecto não pode ser desprezado.

Naturalmente, essa exigibilidade do direito à educação já não é mais questionada, em razão de se tratar de um direito subjetivo de segunda geração. Contudo, em que pese referir-se a um direito individualista, encontra-se inserido em um contexto novo, pois pressupõe a adoção de uma postura intervencionista na área social. Ou seja, não se trata da produção de normas gerais ou leis, mas pela elaboração e implementação de uma política pública que se torne o eixo orientação da atividade estatal.

Como já aludido, o ensino superior privado, por se tratar de segmento da educação, é um direito fundamental, de modo que se encontra sob o pálio da previsão constitucional e, recebe regulamentação do Estado. Isso possibilita a afirmação inquestionável de que o ensino superior corresponde, portanto, a um direito social.

Em consequência, também se verifica ser um serviço prestado à sociedade, ainda que decorrente da exigibilidade de uma contraprestação, mesmo diante da previsão inserida no artigo 8º da Constituição Federal, que determina a gratuidade da educação, o que torna essa referida prestação de serviços sui generis, em observância à norma.

O ensino privado, como mencionado no presente texto, é uma consequência da falta de recursos do próprio Estado, o que ocasiona a necessidade de participação de outros atores na aplicação das políticas públicas voltadas à educação. 

A Constituição Federal de 1988 é também denominada de Constituição cidadã, assim chamada não só pelos valores nela inseridos como solidariedade, dignidade, igualdade, dentre outros, como também pela participação popular, juntamente com a representação política, sendo esses fatores que conferem legitimidade ao referido texto.

A pretensão da Constituinte não era criar uma sociedade ideal, mas permitir que o texto constitucional seja o reflexo da sociedade, de forma viva e, por isso, a inclusão de valores de cunho social. Nesse diapasão, surge a análise das razões pelas quais a educação e o ensino privado foram inseridos.

Na dissertação de mestrado sobre Universidade e Constituição, Mariana Cirne¹⁸, citando Luiz Carlos Mendonça Lucas, afirma:

Para o Professor Luiz Carlos Mendonça Lucas, o momento constituinte foi a culminância de uma fase em que os movimentos sociais puderam, por muita luta, influir na formatação do texto constitucional. Especificamente sobre a educação, afirma ele que o texto constitucional, ‘[…] embora necessite de alterações, é, em linhas gerais, muito próximo do que defende a comunidade universitária (LUCCAS, 2003, p. 515). O texto representaria, então, de certa forma, as preocupações da comunidade universitária.

A participação social foi um dos fatores que gerou significado relevante na Constituição Federal, quando se trata da apreciação acerca da educação, em todos os seus âmbitos, alcançando, com isso, o ensino superior e, em consequência, toda a previsão normativa, anteriormente mencionada, com o intuito de manutenção de valores da sociedade em seu texto.

A partir da previsão constitucional, o corpo docente, em razão de uma demanda de concursos, obteve a garantia da elaboração de um plano de carreira, de salário profissional e de atualização de conhecimentos, tudo dentro da ideia proposta de uma gestão democrática do ensino público, o que nos permite afirmar que a Constituição Federal de 1988 acabou por fazer com que o ensino superior venha a gerar reflexos em outros âmbitos jurídicos como o direito previdenciário e o direito tributário, dentre outros, conforme se observa no artigo 206 da Carta Magna.

3. A ESTRUTURA NORMATIVA DO ENSINO SUPERIOR

A Constituição Federal de 1988, que regula o cabimento do Ensino Superior no Brasil,  dispôs que a União será responsável pela competência legislativa, posteriormente reforçada pela existência da Emenda Constitucional nº 14/96 e Lei nº 9.424/96, do FUNDEF. Tem-se o Plano Nacional da Educação, instituído pela Lei nº 10.172/01 e pela Lei nº 2.005/14, em razão da previsão do artigo 214 da referida Carta Magna.

O Plano Nacional de Educação – PNE, criado em nível nacional em 1962, corresponde a um documento que é editado de forma periódica, por meio de lei, compreendendo desde diagnósticos e estudos sobre a educação brasileira até a proposição de metas, diretrizes, estratégias e planejamentos para o desenvolvimento do referido setor. É a partir do PNE que são implementados planos menores, com foco em setores ou localidades específicas na busca de melhorias da educação, tendo-se por base as características regionais, econômicas e culturais da realidade brasileira.

Como acima aludido, a Constituição Federal de 1988, previu um Plano Nacional de Educação em seu artigo 214, traçando os objetivos e as características do plano em comento, como se identifica no referido artigo. Pode-se observar que o PNE visa alcançar não só o ensino fundamental, mas também o ensino superior, com o investimento em pesquisa e extensão, pois proporcionam uma visão humanística, científica e tecnológica do País. Além disso, a formação para o trabalho, sem dúvidas, uma das metas evidentes do ensino superior.

Em que pese a Constituição Federal de 1988 ter instituído a criação do Plano Nacional de Educação, o funcionamento desse plano dependeria de previsão específica, o que foi realizado pela Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional – LDB, a Lei nº 9.394/96.

Nesse diapasão, trazemos à baila o aparato jurídico apresentado por Robert Dworkin, que apresenta estruturas normativas onde trata da importância da sujeição dos institutos à Constituição Federal, observando-se a teoria dos princípios.

O autor, em parte de sua literatura, apresenta que os institutos e, o mesmo ocorre com a educação no ensino superior, fundamentam-se essencialmente em três estruturas normativas, sendo elas: a) uma, de regras; b) a segunda, de política pública; c) a terceira, com base em princípios.

As regras são taxativas, correspondem às imposições feitas à sociedade, no intuito de controle e pacificação. Já os princípios, possuem base nos valores da sociedade, aplicando-se mais por ponderação.

É possível, muitas vezes, que a norma venha a engessar o caso, resultando em falta de solução dele, enquanto o princípio resolveria o conflito estabelecido pela norma de prevalência.

Na educação no ensino superior, pode-se identificar esse conflito aparente das normas ou regras. Ao observarmos a Constituição Federal, verificamos, nitidamente, tratar-se de um serviço público e, portanto, o agente que oferta o serviço também deverá ser público, o que justifica facilmente a existência das instituições públicas.

Contudo, nesse diapasão, poderíamos afirmar que o serviço público de oferta da educação não poderia ser oferecido por instituições privadas. Entretanto, embasados em Princípios como os célebres Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e o da Igualdade, considerando-se que a educação é um direito social, que os agentes privados podem atuar na educação.

Ora, como já é sabido, as regras e os princípios são mandamentos que proporcionam otimização e podem ser aplicados em graus hierárquicos distintos, justamente porque seus limites são estabelecidos por normas que determinam conduta em sentido contrário, em um contexto de conflito normativo.

Dworkin¹⁹, em sua obra sobre princípios, às fls. 117, aduz que princípios, de uma forma mais objetiva, seria o próprio direito, ou seja, os direitos vistos de maneira individual que cada próprio indivíduo possui.

Nesse sentido, é que se torna mais que relevante a importância trazida pelo Autor, em sua obra, quando faz uma narrativa sobre princípios. Os princípios são elementares, correspondem a valores sociais, enquanto as regras disciplinam condutas, contudo, com base em um interesse coletivo, sem visar o indivíduo, de maneira isolada, com base em suas próprias características.

Tanto essa individualização acontece, que o autor²⁰ expõe, de forma evidente, o cabimento da desobediência civil, entendendo tratar-se de um instituto democrático, procurando demonstrar que o fato de uma pessoa, individualmente considerada, não concordar com determinada decisão judicial, não incorre em prática de atividade ilícita.

Naturalmente, o interesse público diferencia-se do interesse do Estado ou interesse da Administração Pública. No entanto, por vezes, a avaliação e análise da melhor política ou da abrangência pela norma específica, existente no Direito Administrativo, será inserida por escolha da Administração Pública, analisando-se recursos, prioridades e possibilidades de oferta pelo Estado.

Assim, vê-se que as articulações da Educação Superior privada em torno das políticas públicas para a educação superior, alcançam três níveis distintos: avaliação, regulação e supervisão, todos produzidos pelo Estado, por meio da Administração Pública.

É possível, por vezes, que se tenha que repensar as políticas públicas da regulação em termos dos efeitos práticos, mas a simples existência da regulamentação estatal nas Instituições de Ensino Superior – IES já indica que o ensino superior se encontra sob o pálio do Direito Administrativo.

Essa oportunidade concedida de forma igualitária a todos os cidadãos, permite compreender as razões pelas quais a Constituição Federal embasa o cabimento da Educação, inclusive no Ensino Superior, tomando-se por base uma regulação à base de regras, mas substancialmente, formada por princípios e, todos, em equilíbrio.

É nesse contexto que Dworkin²¹ traduz a ideia de que deixa de ser cabível no ordenamento jurídico uma ordem ou hierarquia entre princípios, levando-se em conta que, ainda que existam vários princípios sobre o mesmo assunto, eles representam a mesma força jurídica. Salienta, contudo, a importância entre os princípios da igualdade e da liberdade, pois são o centro de todo o pensar jurídico constitucional. Assim, elemento essencial na teoria dos princípios refere-se a sua interpretação:

A suposta distinção entre esses dois tipos de teoria oferece não apenas um esquema de classificação para as teorias de revisão judicial, como também um esquema para a discussão sobre tais teorias. Alguns constitucionalistas escrevem dissertações em que se propõe, por exemplo, que nenhuma teoria não interpretativa é compatível com a democracia. Ou que qualquer teoria não interpretativa apoia-se necessariamente numa doutrina de Direito natural e que, portanto, deve ser rejeitada. Ou que nenhuma teoria interpretativa pode ser correta ou adequada para sustentar o que quase todos concordam ser decisões próprias do Supremo Tribunal, como as decisões importantes que consideram inconstitucional a segregação racial na educação. Dessa maneira, as teorias constitucionais são estudadas e rejeitadas aos montes.

A importância de Dworkin para a Teoria dos Princípios é inquestionável. Ao se tratar da educação como um direito social, tendo por base uma garantia constitucional, não se pode olvidar a identificar a relevância do pensamento de Dworkin.

Esse autor diferencia princípios e regras em duas classes que são de espécies distintas, mas ambas pertencentes ao mesmo gênero, que é o de normas. As regras partem de uma ideia de aplicabilidade radical, em uma visão impositiva e imperativa, obrigando o sujeito ao ser.

Já no que se refere ao modelo onde se encontram os princípios, o que se observa resulta numa esfera de pesos, que é o elemento que falta às regras. Ou seja, os princípios funcionam como diretrizes políticas na análise da conduta e na concessão e aplicação do Direito. É nesse sentido que se torna clara previsão normativa da Educação como Direito social inserido na Constituição Federal.

Os princípios, segundo Dworkin²², são chamados de Standards, como se elucida:

Princípio é aquele standard que deve ser observado, não por ter em vista uma finalidade econômica, política ou social, que se possa considerar favorável, mas porque seja uma exigência de justiça, ou equidade, ou alguma outra dimensão de moralidade.

É nesse sentido que a educação é pensada! Considerando que há, no mercado, Instituições responsáveis pelo Ensino Superior e que, todas elas não seguem um aspecto padrão nem homogêneo, de modo que pode sofrer alterações em seus formatos e, com isso, tornar-se necessários os ajustes dentro do sistema de avaliação.

A Teoria dos Princípios trazida por Dworkin vai ao encontro desse entendimento, pois é somando valores como equidade é que se tem uma oferta mais igualitária ou sujeita às adequações e relativizações, pois é o que ocorre no ensino superior.

Nesse contexto, os princípios embasam o cabimento da educação como Direito social inserido na Constituição Federal, pois se predispõem à defesa dos direitos do indivíduo e, não atendendo-se aos interesses coletivos. É sob esse aspecto que podemos afirmar que o indivíduo, por si só, pode ingressar no Judiciário em busca de vagas, transporte, material didático, oferta de cursos, dentre outros.

Para Dworkin²³, as regras são aplicáveis por meio de critérios objetivos e pontuais, de modo incisivo. Já os princípios possuem uma subjetividade de análise em seus objetivos e alcance. tornando-os socialmente adequados. Assim, elucida:

Enquanto as regras são aplicáveis a partir de um critério de tudo-ou-nada, este critério não vale para os princípios. Assim, ou a regra é válida e, então, se deveriam aceitar os seus efeitos jurídicos, ou a regra não é válida e, por isso, não fundamenta nem pode exigir qualquer consequência jurídica. Como a possibilidade de exceções não pode prejudicar esse resultado, uma formulação completa e a mais adequada de uma regra precisa incluir todas as exceções. Princípios, ao contrário, não determinam, quando verificado um caso de sua aplicação, uma decisão concludente segundo uma formulação pronta e acabada. Diversamente, os princípios veiculam motivos, que falam por uma decisão. Outros princípios que, de seu lado, segundo sua formulação seriam também aplicáveis, podem preceder um outro princípio no caso concreto. Aqui, porém, graças ao seu caráter não concludente, não se mostram necessárias (todas), como nas regras, as exceções que seriam de acolher numa formulação completa desse Princípio.

Vê-se que, segundo essa análise, as regras são aplicáveis segundo um modelo radical, os fatos que motivam a criação das regras são dispostos e analisados dentro de um contexto geral, primando pelo interesse coletivo, de modo que sua resposta precisa ser aceita para que ela seja considerada válida.

Ao contrário, quando inserimos e analisamos um princípio em um caso concreto, a sua aplicabilidade não se apresenta obrigatória, pois não trazem uma sanção, mas sim uma condição prevista em seu conteúdo que se adequa às necessidades individuais, sem gerar, contudo, desigualdades.

Uma vez que se verifica o peso dos princípios ante as regras, faz-se necessária uma segunda análise sobre aspecto relevante que permeia o tema, que se refere à possiblidade de existência de conflitos entre os princípios.

É possível que dois ou mais princípios entrem em colisão, sendo certo que será aplicado ao caso aquele princípio de que melhor se adequar ao Direito ali discutido, mas com base em circunstâncias concretas, deve-se observar e verificar como ficaria o outro princípio, que se coloca em posição contrária.

Quando se observa a teoria dos Princípios de Dworkin, será possível afirmar que, ao caso concreto será aplicado o princípio com melhor adequação, ainda que existam outros de aplicação contrária, correspondendo à primazia dos princípios. Ou seja, um princípio ganha primazia sobre os outros.

Seguindo a necessidade de uma análise própria quando trata-se de regras e princípios, em virtude do enquadramento da educação na Constituição Federal, é imperioso trazer à baila o entendimento de Robert Alexy.

Em sua obra, Robert Alexy²⁴ preceitua o seguinte:

Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida. Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair da sala antes que o sinal toque o e dever de deixar a sala se soar o alarme. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio de inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio.

Se esse tipo de solução não for possível, pelo menos uma das regras tem que se declarada inválida e, com isso, extirpada do ordenamento jurídico. Ao contrário do que ocorre com o conceito de validade social ou de importância da norma, o conceito de validade jurídica não é graduável. Ou uma norma jurídica é válida, ou não é. Se uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa que também sua consequência jurídica é válida.

Para o autor, os princípios se sobrepõem às regras, no mesmo sentido que Dworkin afirma. Entende o autor que, em existindo colisões entre os princípios, elas devem ser solucionadas de forma que um dos princípios venha a ceder ao outro.

Para Alexy²⁵ deve haver uma solução quando há conflito de princípios, dada a importância que todos representam dentro do cenário jurídico, ainda que de base constitucional, senão vejamos:

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.”

Esse entendimento de que um princípio deve ceder ao outro, corresponde ao que se denomina lei de sopesamento. Contudo, essa aplicação não gera extinção do princípio cedido, pois todos eles devem ser balanceados sem a necessidade de se criar uma cláusula de exceção, como ocorre no rigor implementado nas regras.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve, por propósito, avaliar o ensino superior oferecido no Brasil e, verificar se é possível inseri-lo dentro da definição de serviço público e, em sendo considerado um serviço público, gera, portanto, um direito social regido diretamente pelas normas de Direito Público, tendo base na Constituição Federal.

A educação tem previsão normativa na Constituição Federal, em seus artigos 207 e 208, que estabelecem condições referentes ao ensino. A referida norma insere a educação como direito fundamental, o que já com que ela tenha um caráter público.

Todavia, quanto ao sistema federal de educação superior no Brasil, este é regulamentado pelo Ministério da Educação e demais órgãos da estrutura do governo federal, tais como a Conselho Nacional de Educação (CNE), a Secretaria de Educação Superior (SESu), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), entre outros, mas todos com base constitucional.

O que implica dizer que toda a regulação pertinente ao ensino superior, à criação e implementação das políticas públicas direcionadas à educação são atribuições da Administração Pública, segundo as necessidades sociais, mas também aos interesses do Poder Público.

Assim, exista a necessidade de atendimento, por parte do Estado, dos preceitos constitucionais, de modo que caso isso se torne impossível, surge o cabimento de repasse do serviço a ser desempenhado por outros agentes, que compõem a iniciativa privada. Isso, porém, não retira a característica pública da prestação de serviços, nem tampouco, da tutela e regulação pelos órgãos oficiais.

Assim, ainda que o serviço seja ofertado pela iniciativa privada, os órgãos e métodos de avaliação, as normas vinculadas ao ensino, pesquisa e extensão, bem como a necessidade de atendimento desses três eixos, os instrumentos e políticas de credenciamento e recredenciamento das instituições de ensino superior, são todos decorrentes do poder estatal.

Desse modo, é possível afirmar que o ensino superior, ainda que prestado pela iniciativa privada, resulta desse mix público-privado, mas não lhe retira as características de direito fundamental e de direito social de segunda geração, garantido pelo Estado.

Como já aludido, a definição de serviço público sofre influências e variações, de acordo com as necessidades da sociedade, mas sem dúvidas, no que se refere à educação, não só por ser um direito fundamental, mas por pretender gerar uma sociedade real, com valores como a solidariedade, a dignidade humana, a lealdade nas relações, dentre outros, necessita de manutenção desse serviço público, que corresponde a um direito de todos.

O que se verifica aqui é tratar-se de direitos fundamentais discutidos e que uma fundamentação acertada neles gera composição dos conflitos e melhor flexibilização dos conflitos. Isso gera a aplicação da máxima proporcionalidade que incide em dizer em exigência do sopesamento, conforme estabelece o autor²⁶. Tal aspecto decorre do fato de que a máxima proporcionalidade entre os princípios que resultam em otimização frente às possibilidades jurídicas.

É possível identificar tanto em Dworkin quanto em Alexy que eles buscam desenvolver um aparato doutrinário na construção de um sistema de análise dos conceitos normativos vinculados aos princípios e regras que justificam a aplicação dos direitos fundamentais e o escalamento e classificação dos direitos sociais como ocorre na educação.

Esse entendimento de que um princípio deve ceder ao outro, corresponde ao que se denomina lei de sopesamento. Contudo, essa aplicação não gera extinção do princípio cedido, pois todos eles devem ser balanceados sem a necessidade de se criar uma cláusula de exceção, como ocorre no rigor implementado nas regras.

REFERÊNCIAS

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.³SILVA JUNIOR, Annor da; MUNIZ, Reynaldo Maia. A Regulamentação do ensino superior e os impactos na gestão universitária. Instituto de Pesquisas e Estudos em Administração Universitária, 2004. p. 01.
⁴BANNEL, Ralph Ings. Habermas e a educação. São Paulo: Autêntica, 2006, p. 23.
⁵FREIRE, Paulo. Apud ZITKOSKI, Jaime José. Paulo Freire & educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1993, p. 53.
⁶ISO: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2018 [on line]. Brasília: Inep, 2019. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-ce-sinopse.
SEIXAS, Clarice. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 113
⁸ISO: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2019 [on line]. Brasília: Inep, 2019. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2020/Apresentacao_Censo_da_Educacao_Superior_2019.pdf.
⁹BARROS, César Mangolim de. Ensino Superior e sociedade brasileira: análise histórica e sociológica dos determinantes da expansão do ensino superior no Brasília (décadas de 1960/70). Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Metodista de São Paulo, UMESP, São Bernardo do Campo, 2007. p. 27. Disponível em: http://tede.metodista.br/jspui/handle/tede/1094.
¹⁰BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
¹¹GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. São Paulo: Forense, 2013, p. 05
¹²BUCCI, Maria Paula Dallari. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Pólis, 2001, p. 23.
¹³DUARTE, Clarice Seixas. Direito Público subjetivo e políticas educacionais.In: Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva – UNISANTOS, 2006, p. 267.
¹⁴DUARTE, Clarice Seixas. Direito Público subjetivo e políticas educacionais. In: Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva – UNISANTOS, 2006, p. 271.
¹⁵BUCCI, M.P. Dallari. Políticas Públicas. Reflexões para um conceito jurídico. São Paulo: Saraiva – Unisantos, 2006, p. 58.
¹⁶DUARTE, Clarice Seixas. Direito Público subjetivo e políticas educacionais. In: Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva – UNISANTOS, SP, 2006, p. 113.
¹⁷DUARTE, Clarice Seixas. Direito Público subjetivo e políticas educacionais. In: Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva – UNISANTOS, SP, 2006, p. 115.
¹⁸LUCAS, Luiz Carlos Gonçalves. Universidade e Movimentos Sociais. In: MORHY, Lauro (org.). Universidade em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, p. 515, apud CIRNE, Mariana Barbosa. Universidade e Constituição. Uma análise dos discursos do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o princípio da autonomia universitária. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Brasília/UNB, 2012, p. 23.
¹⁹DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2015, p. 117.
²⁰DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2015, p. 153.
²¹DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2015, p. 44.
²²DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins; 2015, p. 236.
²³DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins; 2015, p. 184.
²⁴ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92.
²⁵ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93.
²⁶ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 153.

¹Advogada, professora universitária, Mestranda do Programa de Mestrado em Direito do
UniCEUB.
²Advogado, professor universitário, Doutorando do Programa de Doutorado em Direito do
UniCEUB