ENDOCULTURA POLICIAL MILITAR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7569126


William de Oliveira Dias1
Willer José dos Santos Abdala2
Christina Aline de Melo Martins3
Luana Guiana Saunier de Alcântara4
Ailton Luiz dos Santos5
Paulo Roosewelt Costa Padilha6
João Frederico Nascimento Araujo7
Idevandro Ricardo Colares dos Santos8
Madson dos Santos Correia9


RESUMO

Desde a criação da Polícia Militar, passando por todo seu contexto histórico, várias mudanças culturais foram observadas. Assim, transformações culturais tanto na sociedade contemporânea quanto na própria Instituição Policial Militar são perceptíveis. É interessante assim, mostrar como ocorreu e está ocorrendo tais mudanças, almejando dentro do contexto social e institucional a valorização do serviço policial. Para isso, busco desenvolver, através da endocultura, ou seja, da cultura interior da Polícia Militar, os hábitos, costumes ou vocabulários vivenciados na Instituição, para disseminar na sociedade variadas situações, promovendo assim, o trabalho da Polícia Militar como um todo em prol da sociedade. Trazer desta maneira, o cidadão, a criança, o adolescente, enfim, toda a coletividade para junto do objetivo maior, que é a preservação da ordem pública e do meio ambiente, tendo como princípio a relação entre o policial como protetor do cidadão sendo desta forma criada uma cumplicidade entre ambos do ponto de vista institucional e social para o bem comum de todos.

Palavras–Chave: Endocultura; Polícia Militar; Sociedade; Transformações.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como principal fonte de abordagem o processo que explica a transmissão e a aprendizagem de comportamentos dentro de uma mesma cultura, ou seja, a cultura policial militar. Ao longo dos anos, percebeu-se que os moldes, as ferramentas e a própria cultura social em si vem mudando de contexto. O foco não é a questão histórica, mas sim analisar as características e os princípios norteadores que estão trazendo tais mudanças para a atualidade.

Essa troca ou transmissão de conhecimento traduz-se pela endocultura, ou seja, todo o contexto vivido anteriormente ou continuamente é repassado a outrem. Dentro da Instituição Policial Militar, pouco se ver ou pouco se assimila o que é de fato o real e verdadeiro sentido que tomam os princípios norteadores que regem a relação do policial militar para com a sociedade. É nesse contexto que o presente trabalho tenta, de forma clara e objetiva, através de pesquisas, doutrinas e a própria realidade vivenciada nos dias de hoje, mostrar quais os benefícios dessa troca de conhecimento e experiências no âmbito social para que tenhamos uma proximidade da sociedade com a atividade policial militar, não cabendo a estes, somente a análise unilateral da atividade ou da pessoa, mas sim, causar uma relação de proximidade entre ambos, para que desta forma, o cenário possa ser de proximidade mútua objetivando o interesse comum que é a obtenção da ordem pública como direito de todos.

Ao passar dos anos, observou-se que a natureza comportamental da sociedade tem passado por grandes e históricas mudanças. É necessário desta forma, que Instituições que seguem determinados padrões, como por exemplo, a Instituição Policial Militar, traga para si, a observância, análise e posteriormente aplicabilidade prática a tais mudanças. Para isso, é necessário não deixar de seguir determinados princípios, mas entender que a natureza do homem está em constante mudança, em constante aprendizado, seja ele técnico ou não, lato sensu ou stricto sensu, e que desta forma, o acompanhamento de tais processos torna-se necessário.

Dentro da cultura policial militar, embasada como o próprio termo sugere advindo do “militarismo”, onde regras são seguidas e que dentro do contexto histórico e cultural tinham como formas de fazer valer a vontade para restituir a ordem, muitas vezes, à maneira “bruta”, “grossa”, sem procurar preliminarmente, ações menos bruscas de se resolver o problema. Era a forma impositiva que prevalecia sempre. Com o passar dos anos, o nível cultural das pessoas mudou, o conhecimento e a perspectiva de fazer valer o Direito, e não tão somente aceitar imposições vindas dos mais variados segmentos, fizeram com que a própria Instituição Policial Militar passasse a enxergar e auferir tal discernimento para integrar seus serviços em prol da sociedade trazendo esta para junto de si, e não simplesmente impor determinadas situações ou formas de se aplicar e fazer valer a ordem pública.

Assim, com o modelo de polícia comunitária, a interação da polícia com a sociedade se fez presente e os resultados mostram que esse é o melhor modelo a ser seguido na atualidade. Cabendo mais uma vez, focar no processo de endoculturação da Instituição para com a sociedade.

Ao tempo em que se incorporam as normas da sociedade, o ser humano se endocultura, ou se encultura. Isso quer dizer que a pessoa assimila, incorpora, absorve a maneira de pensar, agir, sentir, própria da cultura em que vive. É como um ajustamento progressivo à vida social, regida pelos costumes trazidos pela tradição. Esse ajuste aos moldes sociais é fruto da internalização dos princípios que regem determinada sociedade. Incutindo tais princípios à vida na prática, assim, a imagem daquilo que se propõe outrora estipulado por determinada cultura será alcançado.

2. ENDOCULTURA

2.1 O que é Endocultura

Ao tempo em que se incorporam as normas da sociedade, o ser humano se endocultura1, ou se encultura2. Isso quer dizer que a pessoa assimila, incorpora, absorve a maneira de pensar, agir, sentir, própria da cultura em que vive. É como um ajustamento progressivo à vida social, regida pelos costumes trazidos pela tradição. Esse ajuste aos moldes sociais é fruto da internalização dos princípios que regem determinada sociedade. Incutindo tais princípios à vida na prática, assim, a imagem daquilo que se propõe outrora estipulado por determinada cultura será alcançado.

Para Bernardi (1992), os principais aspectos sob os quais se manifestam as dinâmicas da cultura são: A Enculturação, também chamada de endoculturação; a Internalização ou socialização, cujo âmbito se verifica pelo fenômeno da iniciação, de forma particular, e os ritos de passagem, de forma geral; a Aculturação, que integra diversos fenômenos e instituições particulares como: a atividade missionária, a colonização, os movimentos de libertação e de revoluções religiosas; e a desculturação que significa a subtração ou destruição do patrimônio cultural. Sobre tais aspectos se pode definir como: A Enculturação é o processo educativo pelo qual os membros de uma cultura se tornam conscientes e coparticipantes da própria cultura, ou seja, o processo através do qual os membros de uma determinada cultura assimilam seus próprios valores, seus códigos, seus hábitos e sua compreensão do mundo.É pela Enculturação que se informa e se forma a visão mental do homem e se orienta o seu comportamento. Este processo tem início com o nascimento da criança e se estende até a sua morte. A criança ao nascer tem o seu comportamento totalmente biológico, mas logo, ela passa a receber o impacto da cultura e é levado a assimilar comportamentos padronizados que observa a sua volta. A endoculturação ou enculturação é um processo de aceitação e repulsa mais consciente. Para determinados autores, a endoculturação da pessoa nos seus primeiros anos de vida torna-se o mecanismo dominante para a formação de sua estabilidade cultural, ao passo que o processo tal como se opera em gente mais madura é muito importante na produção da mudança. É muito importante para tornar o indivíduo como membro ajustado à sociedade.

2.2 Endocultura Policial Militar

A cultura Policial Militar, alicerçada na disciplina e hierarquia, pautada nas crenças e valores através de orientações tidas e expressas pelos policiais durante o seu trabalho, não é a mesma coisa da chamada Cultura Cantineira3, que são os valores e crenças da socialização e localizadas de modo exterior ao cumprimento do dever. Daí o termo endocultura policial militar. Todo conhecimento, doutrina, crenças e valores aprendidos dentro da cultura policial, são elaborados para a realização da atividade fim da Polícia Militar, que é a manutenção da ordem pública em garantia aos direitos individuais e coletivos.

Cada grupo dentro de uma sociedade tem seus costumes, suas crenças e não diferente funciona em uma empresa privada, em um colégio, ou na Polícia Militar. Existem parâmetros que, ao longo dos anos, são formados, alimentados e aplicados dentro de cada contexto. Independente da formação, todos devem estar voltados ao interesse comum e maior, qual seja, a sociedade como um todo. O militarismo que abrange a Polícia Militar, diferentemente de outros regimentos, é pautado para lidar com a sociedade, na linha de frente às contravenções penais. Para isso, é necessário esclarecer que, o uso da força deve ser aplicado somente quando se fizer necessário. Quando se fala em polícia, pensamos em força para fazer valer a lei. Historicamente, o princípio fundamental da Polícia Militar é a repressão, envolvendo é claro a prevenção, porém atuando incisivamente de forma repressiva. Por tais costumes, criou-se a ideia de que polícia é truculenta, agressiva; aquela cuja doutrina forja seus policiais a serem severos. Pelo contrário, a Instituição Policial Militar prepara seus policiais a servirem a sociedade em conformidade com a doutrina transmitida internamente.

Skolnick citado por Monjardet (2002, p. 163), em seu livro “O que faz a polícia”, diz o seguinte:

Como os militares, os policiais enfrentam o perigo; como os professores, devem construir uma relação de autoridade com seu público; como todo trabalhador, têm preocupação com a eficácia de sua ação; mas só eles combinam esses três elementos em sua situação de trabalho.

Toda especificidade exercida por policiais, no emprego de seu caráter, costumes, crenças e doutrinas militares, deveriam e devem ser transmitida à coletividade, fazendo sim, transparecer o que de fato representa a Instituição Polícia Militar.

2.3 Cultura Organizacional

Os primeiros estudos acerca da cultura organizacional surgiram por volta da década de 1950 com a internacionalização das empresas. Pelo fato da existência de conflitos nas organizações multinacionais, percebeu-se a necessidade de haver uma conviência harmônica entre diferentes culturas. Por isso a cultura era considerada uma variável externa. Somente quando se vincula posteriormente a cultura com a gestão da organização é que se passa a considerar essa variável como interna.

A expressão cultura organizacional passou a ser utilizada em definitivo no final da década de 1970, sendo um importante instrumento para a interpretação da vida e do comportamento organizacional. Edgar Schein (2004, p. 17), um dos maiores estudiosos sobre cultura organizacional, define esta como:

[…] o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.

Esses pressupostos básicos tornam-se, a princípio, modelo a ser seguido como padrão onde quer que estejam. Assim, eles passam a ser uma peça fundamental na organização enquanto cultura. O interessante é que, ao serem transmitidos tais pressupostos, como condutas, costumes ou procedimentos a serem adotados, cria-se uma cultura que tende a manter todos os ritos por tempo indeterminado. Aí se instala o “perigo” em contra partida às inovações e avanços ao longo da história. A sociedade tem como fundamento enquanto civilização adequar-se ao meio em que vive e adequar o meio, conforme seus interesses e prerrogativas. Assim busca incessantemente, aperfeiçoar, através de tecnologias, aprendizados, novos costumes, novas experiências, qualidade de vida independentemente de resultados positivos ou negativos.

O que se observa, com isso, é o acompanhamento das organizações ou instituições frente a esses avanços. Porém, nem todas entendem dessa forma, levando ao pé da letra, tornando a cultura organizacional da qual fora doutrinado, um obstáculo às inovações e mudanças de hábito.

A cultura organizacional está inteiramente ligada ao perfil profissional de cada pessoa, esteja ela em empresa privada, seja ele um funcionário público. Não diferente ocorre na esfera militar, onde toda uma cultura é transmitida e seguida inteiramente. Na Polícia Militar, por exemplo, desde o falar ou até mesmo a maneira como os policiais se portam, os tornam “diferentes” das demais pessoas. Tudo isso é tido como cultural, vindo de geração em geração, onde os mais novos seguem o padrão dos mais antigos.

Tudo depende da forma como valores, premissas, e a própria cultura da Instituição moldam a conduta de cada um que passa pela formação policial militar. Segundo Rodrigues (2009, p. 29), em sua obra, diz que:

Os valores organizacionais, portanto, compõem a construção da identidade social da organização. Eles auxiliam na determinação do que ela é e a forma como ela se percebe. Assim, quando os funcionários se veem diante dos valores, ritos, crenças, rituais, normas, rotinas e tabus da organização, o que a eles seja fornecido um senso de direção comum a todos que partilham do ambiente organizacional.

Vemos assim, que através de toda conduta transmitida à pessoa, esta se enquadra naquilo que para si passa a ser verdade, incorporando desta forma todo o contexto, o que muitas vezes significa sua aceitação dentro daquele grupo, dentro daquela instituição.

3. DIFUSÃO DA ENDOCULTURA POLICIAL MILITAR

3.1 Meios utilizados para discutir e difundir

Existem alguns meios utilizados para realizar e difundir a endocultura policial militar. Dentre eles, os artefatos visíveis, pois são de fácil acesso; os valores, pois condizem de certa forma com a cultura, orientando assim a vida daquela determinada organização e guiando o comportamento de seus membros; e os pressupostos básicos que tendem a ser inconscientes e são tidos como verdade absoluta dentro da organização. Consequentemente, esses diferentes níveis se integram, tornando-se indispensáveis ao entendimento da proposta da organização como um todo. Nesse sentido, na visão de Schein (2004, p. 17):

[…] o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.

Para Schein (2004), os pressupostos básicos fundamentais seguem um padrão dentro dos paradigmas culturais, com ordem e consistência, com o objetivo de orientar a ação do ser humano e segundo Fleury, Shinyashiki e Stevanato (2007), isso vai implicar que se determinado grupo compartilha durante algum tempo um número significativo de experiências ao lidar com problemas internos e externos, esse grupo compartilhará de uma visão de mundo. Ainda conforme esses autores, duas características são marcantes. A primeira é a necessidade de pensar a cultura relacionada a uma unidade social; e a segunda, é a necessidade de estabilidade do grupo durante algum tempo. Conceito este baseado nas teorias de dinâmica de grupo e de crescimento grupal.

Com esses pressupostos básicos, é interessante que por meio de projetos sociais envolvendo a comunidade, esses sejam transmitidos à comunidade, aproximando dessa forma, a Instituição da comunidade, fazendo assim, que esta entenda e compreenda o que significa a Instituição Policial Militar.

3.2 Benefícios para a Instituição Policial Militar e para a sociedade

É importante trazer à tona a importância devida que a sociedade representa, incutindo na mente de cada cidadão seu valor como parte integrante no combate ao crime, e não tão somente se por como mero expectador de soluções oriundas do sistema de segurança pública. Nesse contexto, o policial militar não está preocupado somente na prisão ou contenção em si do meliante, mas primeiramente com o bem estar do cidadão e da possível vítima.

Antes, na ânsia de resolver o problema a qualquer custo, as consequências não eram tão medidas. O foco era tão somente prender o delinquente em detrimento dos direitos individuais do cidadão, muitas vezes, com o uso inadequado de armas, aplicação desmedida da força, causando assim danos tanto a inocentes quanto aos próprios policiais.

Com fundamentação nas técnicas policiais, na observância de cada uma delas, juntamente com a interação na comunidade, observando os preceitos da mudança existente, é de grande valia a continuidade desse processo. Com a sociedade se sentindo parte da sua própria segurança, num simples ato de se dispor a dar uma informação, ligar para a viatura, fazer denúncias, traz estes, principalmente para junto da Instituição, comprovando que esta realiza um trabalho sério, digno e eficaz, ao contrário do que a mídia e até mesmo a própria sociedade tinha ou tem como conceito.

A sociedade se sente mais protegida e próxima da Polícia Militar, e por outro lado a Instituição se beneficia ao poder transmitir a verdadeira e real imagem da Polícia Militar em prol da sociedade. Nesse processo de policiamento comunitário, cabe ao policial militar, trazer o cidadão para junto da Instituição, mostrando e divulgando o conceito, objetivo e cultura da Polícia Militar.

3.3 Necessidade de mudanças ao longo dos anos

Ao longo dos anos, observamos ao retroceder na história, a interferência política existente dos regimes políticos de acordo com cada momento vivido. Conforme a implantação da política de segurança pública, vemos que conforme muda o governo, ou seja, quando há a troca de poder nos governos, quer seja Federal, Estadual ou Municipal, a tendência é mudar a forma de política de segurança pública quanto a sua forma de atuar.

Vivenciamos constantemente, ao se tratar de segurança pública, políticas de Governo ao invéz de políticas de Estado. Isso, infelizmente, acarreta em mudanças estruturais e conjunturais radicais a cada mudança de Governo, sendo isto, o resultado do enlace estrutural que a Instituição Policial Militar está inserida.

Mesmo parecendo semelhante, não se deve confundir o termo política de segurança pública com políticas públicas de segurança. Por isso João Ricardo W. Dornelles (2003, p. 6), os distingue

Pelo primeiro se entende os instrumentos e meios instituicionais destinados ao combate da violência criminal e à manutenção da ordem pública centrando a sua ação principalmente, no aparato policial. O segundo conceito, das políticas públicas de segurança, mais abrangente, deve ser entendido como o conjunto das políticas públicas – que inclui as políticas de segurança, mas não se restringe às práticas relacionadas com o controle direto da criminalidade através da ação policial – principalmente as de caráter socioeconômico que possibilitam, de forma integrada com órgãos públicos e da sociedade organizada, a contenção das diferentes formas de violência – inclusive a criminal – das ilegalidades e das desordens sociais, priorizando os métodos preventivos e as formas não-violentas de manutenção da paz social.

Entendemos assim, que a polícia atuava e atua de forma repressiva, no confronto direto que causa mortes de bandidos, policiais e de terceiros, não conseguindo assim uma redução significativa da criminalidade. O que pode ocasiosionar até um efeito contrário ao que se espera.

A política de segurança pública busca encontrar soluções ou alternativas viáveis para o controle da violência e da criminalidade da sociedade atual. Assim, o Estado, por meio das autoridades públicas competentes, almeja alcançar esse objetivo aplicando planos estratégicos conforme seus respectivos órgãos. Em consequência, observou-se a necessidade com isso, de aproximar a Polícia Militar da comunidade, não deixando-a somente em caráter repressivo, mais também manter uma interação, apoio e diálogo para juntos, cada um atuando na forma proposta do policiamento comunitário, cooperar no combate ao crime.

4. PERFIL DA POLÍCIA MILITAR ONTEM E HOJE

4.1 Adaptações Institucional e Social

Com o passar dos anos, observou-se a necessidade de adaptar o modo “operandis”, dentro da medida do possível, ao perfil social que evolui constantemente. A Polícia Militar tinha como perfil, a repressão ao crime, além da prevenção, de forma a resolver o problema independentemente da força necessária a ser aplicada, ficando a pessoa como sociedade, a mercê da vontade da ação policial. Com o desenvolvimento cultural das pessoas, estas passaram a estudar mais, conhecer mais, e aprofundar suas atenções ao direito que lhe é devido. Não somente o dever como outrora lhe era imposto, mas este passou a conhecer e exigir seus direitos enquanto cidadão.

Mesmo existindo desde o século XIX, a polícia no modo que conhecemos hoje só tomou sua forma a partir do século XX, com patrulhamento uniformizado. Contudo, no início, essa modalidade era exercida tanto por civis como militares.

De acordo com Albert, (2009, p.5):

No século XIX o entendimento do que era a polícia ampliou-se consideravelmente. A despeito do conceito de polícia não se limitar aos aspectos de repressão e controle social a ideia de manutenção da ordem estabelecida permaneceu como fio condutor para as ações das instituições responsáveis pela polícia no Brasil.

Com isso, a polícia passa a ter uma maior influência política tanto para sociedade quanto para o estado governante, pois este não pode mais somente usá-la como poder armado, ou instrumento de controle civil.

Pretendia-se organizar os espaços da cidade e disciplinar os costumes de sua população segundo o paradigma da civilização europeia. Nesta perspectiva a Intendência Geral da Polícia teria assumido o papel de “agente civilizador”, uma instituição privilegiada do Estado para a difusão de valores e códigos de comportamento social, condizentes com a ‘ordem social renovada que se pretendia fundar no Brasil a partir de 1808’. (IBIDEM, p. 6).

Com isso, os princípios colocados em prática quando do serviço policial militar devem seguir o padrão institucional, lembrando sempre que o objetivo, além do combate ao crime, é atender o cidadão da melhor forma, para que este confie na Instituição e na pessoa do policial que está na ocorrência. Assim, tanto a Polícia Militar quanto a sociedade são beneficiadas, estando uma interligada à outra numa relação recíproca de confiança.

4.2 Surgimento do modelo de Polícia Comunitária

O surgimento da polícia comunitária deu-se ao observar o comportamento da sociedade, seguido pelas características peculiares do desenvolvimento social frente ao comportamento policial militar. Assim tanto o indivíduo enquanto cidadão quanto o policial militar, ambos inseridos dentro desse contexto social empenham-se para a eficiência deste modelo de policiamento. “Alem disso, estes policiais deverão encontrar meios criativos de expor esta nova filosofia na busca da prevenção, antes mesmo de os problemas acontecerem ou se tornarem graves”. (TROJANOWICZ, 1999, p.5).

Com este pensamento, a ação policial se torna menos centralizada, deixando uma maior autonomia quando do escutar e trabalhar uma solução para os problemas identificados na comunidade e em contrapartida, o cidadão se sente mais confortável ao dialogar e expor seu problema tendo maior liberdade e confiança.

Segundo a doutrina, a polícia comunitária pode ser definida como:

[…] uma filosofia operacional orientada à divisão de responsabilidades entre polícia e cidadãos no planejamento e na implementação das políticas públicas de segurança. O conceito revela a consciência de que a construção de uma relação sólida e construtiva com a sociedade pressupõe um empenho da polícia em adequar as suas estratégias e prioridades às expectativas e necessidades locais. (DIAS NETO, 2000, p. 44).

Percebe-se assim, que o fator principal da aplicação da polícia comunitária depende de certa forma, da cooperação entre o cidadão enquanto comunidade e o policial militar que está ali na sua rua, na sua casa enquanto representante da Instituição policial militar.

Vale salientar que para o desenvolvimento dessa forma de policiamento, se faz necessário uma mudança de comportamento, sendo com isso, indispensável mudar o jeito de agir na forma de trabalhar, desde a estrutura organizacional da Instituição, até ao planejamento estratégico e operacional, realizando políticas dentro da Instituição que possam atingir o público alvo, qual seja, a sociedade, cada comunidade. Assim, segundo Oliveira, (2002, p. 46):

Esta necessidade de juntar as forças policiais e os cidadãos na tentativa de reverter o quadro atual da segurança pública, seja ela local ou mundial, surge para suprir uma lacuna existente desde a época do modelo tradicional, onde se mate um forte distanciamento entre os policiais e o público, devido as suas características centralizadoras e burocráticas.

Desse ponto de vista, almeja-se uma maior proximidade com a comunidade, e que também o nível de qualidade do serviço prestado esteja no nível de satisfação desejado de cada cidadão.

4.3 Perspectivas futuras frente à evolução social-cultural

Infelizmente vivemos em uma sociedade onde a cultura da violência é influenciada, muitas vezes, pelos meios de comunicação, os quais incentivam a sua prática. O crescimento populacional acelerado e desregrado, qualidade no ensino educacional abaixo do esperado, elevado índice de pobreza, são fatores que contribuem para que os índices de criminalidade aumentem cada vez mais.

Desta maneira, é complicado pensar em medidas a curto prazo no intuito de amenizar esse quadro de vulnerabilidades sociais. Há de se ter em mente que para haver tal mudança, mesmo sendo possível, é um processo bem demorado. Trata-se de uma mudança cultural que pode ser iniciada simplesmente pela educação. Assim, de acordo com Isaías Alves (2007, p.9), é necessário mudar a formação, a maneira de pensar dos policiais e também da população.

As mudanças na polícia são possíveis, mas não fáceis, pois se tratam de valores institucionalizados e transmitidos por gerações durante anos. É preciso haver uma integração entre a comunidade, a própria polícia e o campo científico – as universidades e os centros de pesquisa para um exercício efetivo de cidadania.

A tendência assim, frente a evolução sociocultural é a aproximação literal entre a Polícia Militar e a comunidade, para que haja desta maneira, uma conjuntura no combate ao crime onde tanto a sociedade quanto o serviço policial militar sejam beneficiados.

5. CONCLUSÃO

Conclui-se assim que a endocultura não é de fácil aplicação no dia-a-dia do policial militar frente à sociedade. Fatores históricos ou até mesmo o conceito do policial na Organização Policial Militar não deixam e impedem a transmissão seja dos valores, seja dos princípios ou da cultura organizacional da Polícia Militar.

O fato é que não se pode pensar e atuar de maneira arcaica frente aos acontecimentos e à evolução da sociedade. Pensamentos retrógrados não têm mais espaços e é necessário sim um processo de aculturamento dentro da Instituição Policial Militar, para desta forma, valorizar cada vez mais a nossa Instituição, os nossos princípios e valores que quase sempre são apagados ou linchados pela mídia, pela política ou até mesmo pela própria sociedade a quem servimos. Não podemos ver os símbolos, a cultura, a formação policial militar ser pisoteada por muitos que se quer sabem o que representa ou quem os representa a cada hora do dia frente à criminalidade.

Faz-se necessário um planejamento específico de valorização da Instituição Policial Militar, não deixando esta a mercê de comentários ou críticas muitas vezes sem fundamentos, que denigrem tanto a imagem da Instituição como daquele policial que luta por si, por sua família e por cada cidadão que encontra na rua.

Desta maneira, é de suma importância incutir na mente e no preparo de cada policial militar, seu dever de mostrar não somente seu poder ostensivo, mais também, todo seu preparo físico, psicológico e cultural, podendo desta maneira, a cada abordagem, a cada visita comunitária, a cada visita solidária, mostrar o porquê de se estar ali, além dos variados motivos é claro, transmitindo desta maneira, conhecimentos advindos da Instituição Militar como a cultura, o sentido e a importância de cada cidadão para esta, fazendo-o entender que ele é parte ativa do processo de manutenção da ordem pública. Trazendo o cidadão pra junto da Instituição, esta será ainda mais forte e valorosa aos olhos de cada um deles.

REFERÊNCIAS

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TROJANOWICZ, Robert Bucqueroux, Policiamento Comunitário: como começar. Tradução Mina Seinfel de Carakushansky. Parma. São Paulo – SP, 1999.


1 Especialista em Docência do Ensino Superior pelo La Salle. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA. Bacharel em Ciências Militares e Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Tenente da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Desde 2021 exerce cargo de Secretário Municipal Chefe da Casa Militar na Prefeitura de Manaus. Responsável pela criação do Estatuto da Guarda Municipal de Manaus. Responsável pela criação da Ouvidoria e Corregedoria da Guarda Municipal de Manaus. Possui experiência na área de Direito, Gestão pública e Gestão de Pessoas. Possui experiência na área de Segurança Pública Estadual e Municipal. E-mail: americawilliamdias@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9036-1381.

2 Bacharel em Segurança Pública – APM CE, Ciências Econômicas pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA, Curso Superior de Polícia – CES PMRN, Pós Graduado em Políticas e Estratégias pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Coronel da Polícia Militar do Estado do Amazonas.

3 Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto de Pos Graduação, IPOG. Especialista em em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas, CIESA. Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas, CIESA. Graduação em Letras – Língua e Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Tenente da Polícia Militar do Amazonas.

4 Especialista em Segurança pública e Inteligência pela faculdade UniBF. Possui graduação em Segurança Pública e do Cidadão pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Capitão da Polícia Militar do Amazonas. E-mail: luana_saunier@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6132-6096.

5 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade FOCUS. Especialista em Segurança Pública e Direito Penitenciário pela Faculdade de Educação, de Tecnologia e Administração – FETAC. Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Candido Mendes – UCAM. Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Major da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Possui experiência na área de Direito, na fiscalização e gestão de contratos públicos, com ênfase em Segurança Pública. Email: ailtontati2001@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6428-8590.

6 Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Inteligência Policial pela Faculdade Literatus (UNICEL). Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Major da Polícia Militar do Estado do Amazonas.

7 Especialista em Gestão Pública Aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – (UEA). Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade La Salle (La Salle). Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e em Ciências Militares e Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Major da Polícia Militar do Estado do Amazonas.

8 Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Direito Penal e Processo Penal, pela UNINORTE. Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior e Gestão, Supervisão e Orientação Escolar pela Faculdade IDAAM – AM. Bacharel em Segurança Pública e do Cidadão pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Bacharel em Direito pela Universidade Nilton Lins. Atualmente é Major QOPM da Polícia Militar do Estado do Amazonas.
9 Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Major da Polícia Militar do Estado do Amazonas.


1 Endocultura: Endo: dentro – cultura: saber (cultura interior). Disponível em <HTTP//: www.dicionarioinformal.com.br>.

2 Encultura: Assimila, absorve a maneira de pensar e agir da cultura em que vive.

3 Cultura Cantineira: Valores e crenças transmitidos mesmo quando o policial não está de serviço. (Robert Reiner, 2004).