REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7557113
Luciana Pinto Gonçalves1
Dorli João Carlos Marques2
Flávio Carvalho Cavalcante3
Ailton Luiz dos Santos4
Tatiana Rocha dos Santos5
Paulo Roosewelt Costa Padilha6
João Batista Flores de Moraes7
Roberta Torres Dias8
William de Oliveira Dias9
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi o de caracterizar as influências biológicas como um dos componentes que influenciam a prática da violência contra a mulher na região Amazônica. Trata-se de um estudo qualitativo, empregado o método dedutivo por meio de pesquisa bibliográfica em que se buscou estudos que apresentaram como objeto os seguintes descritores “violência contra a mulher”, “neurocriminologia” e “região Amazônica” sob o qual foram selecionados livros, estudos científicos, artigos e matérias jornalísticas por meio da técnica da análise de conteúdo. Concluiu-se que em análise da origem do comportamento violento, o componente genético se constitui como um fato cientificamente observável.
Palavras-chave: Amazônia; Genética; Indígena; Neurocriminologia; Violência contra a mulher.
ABSTRACT
The objective of this research was to characterize the biological influences as one of the components that influence the practice of violence against women in the Amazon region. This is a qualitative study, using the deductive method through bibliographical research in which studies were sought that presented the following descriptors “violence against women”, “neurocriminology” and “Amazon region” as objects, under which books were selected , scientific studies, articles and journalistic materials through the technique of content analysis. It was concluded that in analyzing the origin of violent behavior, the genetic component constitutes a scientifically observable fact.
Keywords: Amazon; Genetics; Indigenous; Neurocriminology; Violence against women.
INTRODUÇÃO
O estudo da violência doméstica contra a mulher, em sua maioria, concentra-se no âmbito das ciências humanas e sociais, assim, sob este prisma são desenvolvidas as principais teorias acerca de sua conceituação, causas e consequente enfrentamento adequado à cada proposição. Desta forma, grande parte do conhecimento acerca da temática é proveniente da Filosofia, sociologia, ciências políticas, antropologia, história e especialmente do direito, que foi capaz de ordená-las.
Há pouco mais de um século o fator biológico e genético do comportamento humano violento vem sendo estudado, porém só recentemente tem alcançado credibilidade por mostrar-se capaz de prover um enfrentamento eficaz, uma vez identificada a presença deste fator no indivíduo. Com isso surge a importância de um estudo que possa caracterizar o fator biológico como um dos componentes que influenciam a prática da violência contra a mulher, especificamente, na região Amazônica.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica qualitativa, por meio do método dedutivo. Quanto aos meios, foram utilizadas bibliografias de livros, consulta às bases de dados, Google Acadêmico e publicações jornalísticas. Para Prodanov (2013, p.27), o método dedutivo é o método proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, o qual pressupõe que só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem o objetivo de explicar o conteúdo dos princípios por meio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, maneira pela qual se chega a uma conclusão. Isto posto, a pesquisa bibliográfica examinará estudos que apresentem como objeto os seguintes descritores “violência contra a mulher”, “neurocriminologia” e “região Amazônica” sob o qual serão selecionados livros, estudos científicos, artigos e matérias jornalísticas por meio da técnica da análise de conteúdo e consequente pertinência ao cumprimento do objetivo proposto.
Em se considerar o componente biológico do indivíduo como um dos integrantes dentre os fatores causais da violência, torna-se possível a expansão de ações de controle e prevenção diretivas a este aspecto, as quais seriam negligenciadas e fatalmente entrariam em taxa de insucesso se aplicadas ações de controle e prevenção modelados pela violência como um fenômeno social, quando diante de um caso específico de ação violenta praticada por indivíduo biologicamente propenso ao ato.
2-DESENVOLVIMENTO
No início do século XX experimentos rudimentares apontavam que intervenções cirúrgicas poderiam produzir efeitos de controle sob o comportamento humano, inicialmente para controle de doenças mentais, uma vez que não havia tratamento desenvolvido para cada enfermidade. Inicialmente chamada de leucotomia e posteriormente lobotomia, a cirurgia experimental passou a ser realizada em diversos países pelo mundo, inclusive no Brasil, sendo considerada um sucesso à época. Pacientes que sofriam de alucinações ou apresentavam comportamento agressivo, deixavam de apresentá-los após a cirurgia, por outro lado, com o tempo se percebeu umaimportante taxa de insucesso, considerando-se algumas mortes, suicídio, apatia e diminuição da volição, o que naturalmente levou a proibição do procedimento após algumas décadas (Sodré, 2018, p.64), como veremos nos tópicos a seguir.
2.1 O FATOR BIOLÓGICO
Válido observar que já se sabia aquele tempo que o lobo frontal era a parte do cérebro associada ao comportamento e à personalidade, assim, além da tentativa de eliminar sintomas relacionados a depressão, esquizofrenia ou síndrome do pânico, por exemplo, o procedimento experimental e terapêutico, praticamente indiscriminado, chegou a ser utilizado meramente para “estabilizar” comportamentos ou até mesmo “acalmar” crianças.
O psicólogo britânico Adrian Reine, que vastamente estudou as raízes biológicas da criminalidade, fornece sólidos elementos para a conceituação do fator biológico como um componente da violência. Historicamente e na maior parte do século XX o modelo dominante para a compreensão do comportamento criminoso, era composto por quase exclusivamente de modelos sociais e sociológicos, contudo ele concluiu ao final de suas pesquisas que os aspectos biológicos do início da vida podem impulsionar algumas crianças a se tornarem adultos violentos. Além disso, destacou que fatores de risco, como desnutrição, trauma encefálico e genética estão além do controle do indivíduo, e, quando combinados com fatores sociais de desigualdade e a falta da percepção da sociedade em detectar e tratar estes indivíduos, probabiliza que estes se voltem para o crime (RAINE, 2015).
É esclarecido no estudo que, os genes moldam o funcionamento fisiológico, o que afeta o pensamento, a personalidade e o comportamento, incluindo a propensão a infringir leis. Outro fator importante na base biológica do crime foi o avanço nos exames de imagem do cérebro. Isto posto, denominou seu estudo como neurocriminologia – a base neural para o crime, envolvendo princípios e técnicas da neurociência para entender as origens do comportamento antissocial.
Nesta perspectiva, os atos violentos e a criminalidade são externalizações da constituição evolucionista do homem, não confundindo-se com os modelos sociológicos, mas considerando também a contribuição antropológica. Desta forma, os atos violentos são tentativas de garantir que nossos genes sejam reproduzidos nas próximas gerações, sob a tese de Richard Dawkins em O gene egoísta em que os genes “bem sucedidos” são egoístas em sua luta pela sobrevivência e perpetuados pela sua descendência.
Embora contemporaneamente vejamos a agressão como um comportamento reprovável e até punível, a despeito de um eventual enquadramento penal, pela lógica evolutiva primitiva o fenômeno da violência é compreendido de outra formal. Ou seja, nem sempre o crime tem o ânimo na obtenção de um bem ou ocorre por causa única, pois em um roubo por exemplo, o infrator não deseja apenas tomar para si a res furtiva, mas, ainda que inconscientemente, faz de seu ato uma oportunidade para estabelecer-se como dominador e atingir determinada reputação, assim como em um ato de violência doméstica, o perpetrador alega corrigir a vítima por alguma suposta falha desta por meio de uma agressão e assim, além de a praticá-la, estabelece uma hierarquia de dominação e poder naquela relação.
Neste estudo a predisposição genética para o crime foi observada, como por exemplo, bebês cujos pais biológicos eram criminosos e que foram adotados por não criminosos apresentaram propensão maior a se tornarem criminosos do que aqueles bebês também adotados cujos pais não eram criminosos. Assim como gêmeos idênticos que foram separados no nascimento e foram criados em ambientes diferentes revelaram-se semelhantes no que diz respeito a personalidade antissocial. Resultados semelhantes foram encontrados em diferentes países, confirmando o fator genético.
O fator genético foi constatado por diferentes pesquisas, contudo de modo algum pretendem duelar com as pesquisas sociais, mas do contrário, apresenta-se como um fator associado ao agravo.
Ainda que de base teórica distinta e defensor de um programa de Alfabetização emocional como prevenção à violência, Daniel Goleman (1995), expõe que uma pesquisa revelou uma anomalia fisiológica entre muitos dos maridos mais violentos, que batem regularmente na esposa ou as ameaçam com emprego de armas: eles fazem isso mais em estado calmo, calculado, do que sob fúria, como ocorre na maioria dos casos. Nestes indivíduos, que são desprovidos de empatia, e apresentam características que remetem à psicopatia, ocorre que, à medida que aumenta a sua cólera, surge uma anomalia: os batimentos cardíacos caem, em vez de elevar-se, como acontece comumente. Isso significa que estão ficando fisiologicamente mais calmos, no momento em que se tornam mais abusivos. A violência deles parece ser um ato de terrorismo calculado, um método de controlar as esposas pela instilação do medo. Estes ainda, têm muito mais probabilidades de serem violentos também fora do casamento, metendo-se em brigas de bar e saindo no tapa com colegas de trabalho e outros membros da família e quanto a estes, pesquisas sugerem que a origem se deva a um defeito neural.
2.2 DUAS PESQUISAS DE REINE: EXAMES DE ASSASSINOS E DE AGRESSORES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Antes que se pense no achado de um mero gene da violência, observamos que Reine estudou exames de imagem do cérebro de 41 assassinos presos no Estado da Califórnia frente a 41 exames de pessoas tidas como normais, do grupo controle. A técnica utilizada foi a tomografia por emissão de prótons – PET, um exame nos possibilita medir a atividade metabólica de muitas regiões diferentes do cérebro ao mesmo tempo, incluindo o córtex pré-frontal. No geral, os 41 assassinos mostraram uma redução significativa no metabolismo da glicose pré-frontal em comparação aos controles.
As alterações no córtex pré-frontal podem ser observadas em cinco níveis:
I. No nível emocional: a redução no funcionamento da região pré-frontal resulta em perda de controle sobre as partes evolutivamente mais primitivas do cérebro, como o sistema límbico, que geram emoções cruas, como a raiva e a ira;
II. No nível comportamental: lesões no córtex pré-frontal resultam em elevação de riscos, irresponsabilidade e quebra de regras;
III. No nível da personalidade: tendem a resultar em um conjunto de alterações que incluem impulsividade, perda do autocontrole e incapacidade de modificar e inibir o comportamento de modo apropriado;
IV. No nível social: os danos ao pré-frontal resultam em imaturidade, falta de tato e déficit de julgamento, podendo resultar em comportamentos socialmente inadequados e menor capacidade de elaborar soluções não agressivas em encontros sociais turbulentos;
v. No nível cognitivo: o prejuízo no funcionamento frontal resulta em perda de flexibilidade intelectual e piores habilidades de resolução de problemas, podendo resultar em fracasso escolar, desemprego e privação econômica, fatores que predispõem a pessoa a um estilo de vida criminoso e violento.
Embora tenha se debruçado no aprofundamento das alterações cerebrais pré-frontais, foi contatado que outras áreas podem predispor o indivíduo a violência, como a amígdala, o hipocampo, o giro angular e o córtex temporal.
Foram analisados também casos em que os condenados tinham uma disfunção cerebral causada por lesões na cabeça após um incidente e pelo acometimento de cisto cerebral.
Em outra pesquisa realizada, foram recrutados 23 homens encaminhados pela polícia a departamentos de bem-estar social e atendimento psicológico por maltratar fisicamente suas esposas. A hipótese principal era a de que esses homens poderiam ser hiper-responsivos a estímulos emocionais, e que isso, em parte, poderia ser uma causa da sua violência. Os resultados apontaram que os agressores têm uma personalidade agressiva reativa que os torna mais propensos a atacar quando provocados, com tendência a ignorar a razão e agir de modo emocionalmente desproporcional. A pesquisa não teve por finalidade justificar os atos agressivos, mas reconhecer que existem elementos além do entendimento da violência doméstica como reprodução da sociedade patriarcal para que assim o enfrentamento a ela seja aplicado de modo adequado.
Em que pese a perspectiva do impulso social à prática da violência, foram analisados também exames de imagem considerando o grupo de controle, com o de dois assassinos, sendo um proveniente de um ambiente doméstico ruim e o outro proveniente de um ambiente doméstico bom, sendo a verificado o funcionamento pré-frontal reduzido nos dois últimos.
2.3 O GENE MAOA
O gene da monoamina oxidase A (MAOA) ganhou o apelido de “gene guerreiro” porque passou a ser associado à agressão em estudos observacionais e baseados em pesquisas, segundo McDermott (2009). Seus estudos confirmam um papel para o genótipo MAOA em resposta à provocação e, em particular, estendem essa ligação ao comportamento agressivo em resposta à uma perda financeira.
SUN (2020) sintetiza que amonoamina oxidase A (MAOA) é uma enzima mitocondrial envolvida no catabolismo de neurotransmissores, que inclui norepinefrina, serotonina e dopamina. Atualmente, a visão mais consistente é que o porte de MAOA-L está associado à agressão, comportamento impulsivo e transtornos de personalidade antissocial, especialmente em indivíduos que sofreram abuso na infância. Considera também que o estresse psicossocial geralmente é causado por fatores como relacionamentos com companheiros ou familiares, ou pressão ocupacional ou financeira. Por outro lado, o estresse social agudo reduz significativamente a ligação de MAOA no cérebro, sugerindo que o estresse crônico e agudo têm efeitos diferentes nos níveis cerebrais de MAOA.
Estudos de ressonância magnética mostraram que o MAOA pode afetar o funcionamento do cérebro durante várias tarefas cognitivas. Os portadores de MAOA mostraram menor atividade no córtex pré-frontal, durante a excitação emocional.
2.4 A QUESTÃO INDÍGENA NA AMAZÔNIA
Historicamente é sabido que a população brasileira se formou pela miscigenação entre os indígenas que já ocupavam o território com a chegada dos colonos brancos europeus e posteriormente, por meio destes, com os escravizados negros africanos. Devendo-se muito à questão geográfica, a região Amazônica concentra até hoje a maior população indígena do país, correspondendo a 37,4% dos autodeclarados e justamente o Estado do Amazonas possui a maior população autodeclarada indígena do País, com 168,7 mil (IBGE, 2012).
Entre os dez municípios que concentram maior população indígena, seis pertentem ao Amazonas, se não vemos em ordem quantitativa: 1º São Gabriel da Cachoeira (29 017); 2º São Paulo de Olivença (14 974); 3º Tabatinga (14 855); 5º Santa Isabel do Rio Negro (10 749); 6º Benjamin Constant (9 833); 9º Barcelos (8 367).
“Os resultados do Censo Demográfico 2010 confirmam que a miscigenação entre os diversos grupos étnicos deu origem a tão numerosas e complicadas combinações que se torna impossível chegar a uma classificação étnica dos brasileiros (Coelho, 1970 apud IBGE, 2012)”.
E embora as estatísticas considerem a autodeclaração de cor ou raça onde prevalece nacionalmente a autodeclaração como pardo, considerando o contexto histórico, é manifesto que a origem indígena está presente em toda a constituição da população amazonense, em fatores sociais, étnicos, culturais, morais e biológicos, tornando-se se assim um marcante traço antropológico, não sendo diferente esta característica na população da Capital Amazonense.
De volta a Reine, vemos que, em todo o mundo, comportamentos pré-históricos evoluíram em uma resposta adaptativa às mutantes circunstâncias ambientais, e ricamente em uma pesquisa em que foram comparadas as culturas dos bosquímanos !Kung, do deserto do Kalahari, na África do Sul, e dos Mundurucu, na bacia amazônica, os antropólogos descobriram que os ambientes muito distintos em que vivem se correlacionam com o comportamento altruísta e antissocial, respectivamente.
Os bosquímanos !Kung vivem em um ambiente desértico relativamente inóspito, assim em razão das condições extremamente difíceis de vida, a cooperação é valorizada. Os homens precisam caçar juntos em busca de comida e a caça é compartilhada no acampamento. Outro fator importante é a baixa fecundidade em razão da alta atenção dada à prole, que é totalmente dependente e uma ruptura entre os pais traz consequências, eis que escolhem bem seus cônjuges.
Em contraste, os Mundurucus são agricultores que desfrutam de nicho ecológico relativamente rico ao longo dos rios Tapajós e Trombetas, na bacia amazônica e esse ambiente propicia um estilo de vida muito diferente. A disponibilidade relativamente maior de alimentos permite aos machos se envolverem em interações competitivas entre si, as quais são centradas em torno de fazer política, atividades relacionadas a guerras e rituais. Os homens dormem juntos em um ambiente separado das mulheres, a quem veem com desdém e como fontes de perigo. As mães Mundurucu dão pouca atenção a seus filhos depois de terem sido desmamados, e essas crianças devem aprender rapidamente a se defender sozinhas, enquanto os homens desempenham um papel mínimo nos cuidados com a prole. O homem Mundurucu bem-sucedido tem boas habilidades verbais para a oratória política, coragem, habilidades de guerra, bem como a capacidade de manipular e enganar potenciais riscos. Por outro lado, a mulheres que conseguirem manipular seus parceiros, enganando-os sobre a paternidade de um filho, exagerando nas exigências e resistindo ao desenvolvimento de ligações monogâmicas, são as mais bem sucedidas.
O Antropólogo Napoleon Chagnon apud Raine, embora tido como controverso, assemelha o estilo de vida dos índios Amazônicos Ianomamis aos Mundurucus sob a perspectiva evolutiva, uma vez que aponta que homens que já haviam praticado assassinato possuíam maior número de esposas e filhos do que aqueles que não haviam matado ninguém, atribuindo a maior parte dos assassinatos à ciúme sexual.
Na etnia Sateré Mawé o jovem rapaz voluntariamente é submetido ao ritual da tucandeira, formiga que tem uma forte picada. No rito a comunidade canta, dança, se comunicam com entidades espirituais e invocam a Tucandeira Mulher, que representa força, virilidade e fertilidade, no tempo em que o jovem tem suas mãos vestidas luvas feitas de palhas tendo em seu interior centenas de formigas. O corpo do jovem, no sentido amplo que inclui a mente e a matéria física, é exposto à dor intensa, como um sacrifício espontâneo. O jovem tem seu sangue aspirado pela tucandeira e ela avaliará o rapaz, mais de uma vez, até ter firme convicção de que ele está pronto para conhecê-lo em sua intimidade feminina. Deste modo, o ritual aprova ou desaprova o jovem para a vida adulta, tanto como um forte guerreiro como também um homem viril, apto a iniciação sexual, servindo ainda o ritual como reafirmação étnica (Silva, 2017).
Popularmente, os índios mundurucus são conhecidos como os “cortadores de cabeça”, e sendo a decapitação considerado um ato de extrema violência, somos remetidos ao fato histórico recente do Amazonas, conhecido como “Massacre do Compaj” quando no primeiro dia do ano de 2017 foi declarada uma disputa de facções entre presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim em que 52 deles foram assassinados. O massacre foi considerado popularmente como o segundo maior, após o ocorrido no Carandiru em São Paulo no ano de 1992, que teve como resultado a morte de 111 presos.
O massacre do COMPAJ repercutiu internacionalmente e, uma vez que nos debruçamos sobre as causas da violência, não é difícil entender a razão. Não se trata de um ranking com o maior acúmulo de mortes. Se trata da sujeição inconsciente da sociedade em horrorizar-se com a barbárie, ao passo que se torna vítima tanto quanto o grupo rival que foi subjugado e em parte exterminado. Sabe-se que a comoção não provém de bandidos matando bandidos no interior de um presídio, pois como já dito, a sociedade, em certa medida, valida atos violentos contra criminosos, mas do sucesso, naquele momento, da ação voluntária do grupo dominante, vez que o pânico e temor foi imposto com sucesso dentro e fora do COMPAJ, tornando-se o assunto mais procurado na internet naquele ano (Acrítica, 2018).
O fascínio não pairou sobre aquele que matou ou o que morreu, mas pelo desencadear de crueldades, tudo documentado pelos próprios agentes, como publicidade intencional. Diversos vídeos passaram a circular livremente nas redes sociais, foram vistos partes de corpos amontoados, corpos decapitados, corpos esquartejados, paredes escritas com sangue, ostentação de diversos tipos de armas, corpos queimados e como um troféu, os algozes chegavam a brincar com partes arrancadas dos corpos das vítimas, subiram ao telhado e impuseram seu nome, como aquele que venceu.
Foi documentado por Malvezzi Filho, P. 2021, que nos laudos necroscópicos juntados ao processo criminal há relatos de formas de violência como: decapitação, esgorjamento, asfixia por inalação de fumaça, traumatismo cranioencefálico, ferimentos perfurocortantes, anemia aguda, incisão torácica e ausência de coração, evisceração do pulmão e outros órgãos, queimaduras, carbonização, fratura exposta, transfixação cardíaca, traumatismo torácico por arma de fogo, afundamento/esmagamento crânio facial, choque cardiogênico, entre outras. Além disso, 46 dos 56 mortos tinham sinais de violência post mortem, ou seja, grande parte das vítimas foram assassinadas e vilipendiadas.
Por um instante podemos pensar nesta expressão como um cenário de guerra, sim, uma guerra amazônica do século XXI, e ninguém esperava se deparar com estas imagens no conforto e na relativa segurança de seu lar. Pensemos em duas tribos em um dia de confronto, com suas armas e suas leis, buscando desesperadamente reestabelecer a sua ordem, defender seu território e domínio, proteger os seus, assim como fizeram nossos antepassados, e lamentavelmente ainda precisam fazê-lo até hoje, pois continuam sob a mira de inimigos que tentam usurpar sua terra continuamente.Além disto, a questão da mulher, que tida como mais frágil e perigosa, era designada à papéis secundários ou menos importantes ao grupo social. Por esta perspectiva é possível observar a tese de Richard Dawkins em O gene egoísta.
Na Política Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres, apud Saffioti (O Poder do Macho,1987) a violência de gênero caracteriza-se como:
“é tudo que tira os direitos humanos numa perspectiva de manutenção das desigualdades hierárquicas existentes para garantir obediência, subalternidade de um sexo a outro. Trata-sede forma de dominação permanente e acontece em todas as classes sociais, raças e etnias”.
Em outro prisma, longe das raízes históricas da população manauara, antes de qualquer rechaço à cultura indígena como violenta ao olhar contemporâneo, vejamos o legitimado fascínio pela violência presente em alguns esportes, filmes, o regozijo diante de linchamentos, as condecorações aos agentes do Estado, e ainda àquelas não legitimadas, mas que exercem o mesmo deslumbramento, como relacionamentos que se iniciam com pessoas já encarcerados como homicidas, estupradores ou chefes de organizações criminosas e ainda a cultura da justiça com as próprias mãos. Seria o interesse e até mesmo o prazer pela violência uma das nuances nossas raízes evolutivas?
Que faremos, pois, se a existência do componente genético da violência é evidente, se além da biologia evolutiva não se nega também as reafirmações antropológicas em torno de uma cultura de violência, e muito menos se nega o componente social que surge como centelha neste barril de pólvora prestes a explodir em muitos de nós, em qualquer tempo ou lugar, pelos motivos mais banais, em ambientes domésticos ou coletivos, vitimando milhões, como tragicamente demonstra nossa história?
Segundo Flores (2022) desconsiderar os aspectos biológicos, leva à ausência de recursos de saúde coletiva e assistência social para auxiliar indivíduos predispostos a comportamentos violentos a como lidarem com suas circunstâncias.
3. CONCLUSÃO
Como vimos, ainda que estudo da violência doméstica contra a mulher, em sua maioria, concentre-se no âmbito das ciências humanas e sociais, o fator biológico e genético do comportamento humano violentovem sendo estudado e tem alcançado credibilidadecomo um dos componentes que influenciam a prática da violência contra a mulher, especificamente, na região Amazônica. Ou seja, estudos neste sentido, de forma alguma almejam desqualificar ou concorrer com aqueles que apresentam aspectos causais sociais como determinantes da violência doméstica contra a mulher, mas vimos que estes foram apresentados como um dos aspectos a se considerar.
O objetivo foi atingido na medida em foram apresentados elementos que evidenciam as influências biológicas como um dos componentes que favorecem a prática da violência contra a mulher na região Amazônica. Ressalte-se que ao apontar a existência do componente genético como fato cientificamente observável a ciência não valida a violência ou almeja proteger o algoz, mas possibilita o avanço no controle e combate, uma vez que, considerando-o como um dos fatores causais da violência, surgem diversas pesquisas que trazem otimismo em ações de controle bem sucedidas, como por exemplo na prática de suplementação nutricional diretiva e mindfulness que são capazes de reduzir a reincidência, como também no sentido de prevenir a ocorrência desde a infância nos indivíduos em risco, tornando-se assim, um aliado às outras ações provenientes de outras bases teóricas que também obtêm sucesso.
A pesquisa bibliográfica apresentada possui limitações considerando que na neurocriminologia os estudos experimentais encontrados são ainda escassos e ainda não foram realizados em grande número, carecendo assim de investimentos em pesquisa cientifica.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para mulheres. Política Nacional de Enfrentamento a violência contra a Mulher. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2011.
FEITOSA, Anny[et al.]Como elaborar um artigo científico. Iguatu, CE: IFCE, 2020;
FLORES, Renato. A biologia na violência. Porto Alegre, RS: UFRG, 2022;
GAVIRATI, Vitor. Massacre do Compaj foi o assunto mais pesquisado no Google sobre Manaus em 2017. A crítica, 2018. Disponível em: https://www.acritica.com/manaus/massacre-do-compaj-foi-o-assunto-mais-pesquisado-no-google-sobre-manaus-em-2017-1.100068, Acesso em 03 jan. 2023.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: A teoria revolucionária que define o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995;
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf, Acesso em 03 jan. 2023.
PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2013.
MALVEZZI FILHO, Paulo Cesar. Máquinas de massacre: A produção da morte e da sobrevivência no Compaj. 137 f. Dissertação (mestrado), Universidade Federal de São Paulo, 2021;
MCDERMOTT, Rose [et al.]. Monoamine oxidase A gene (MAOA) predictsbehavioralaggressionfollowingprovocation. Indian Instituteof Science, Bangalore, India, 2009.
RAINE, Adrian. A anatomia da violência: as raízes biológicas da criminalidade. Porto Alegre: Artmed, 2015;
SILVA, Sheila. A luva da Tucandeira: A mitopoética da sexualidade e da fertilidade SateréMawé. II Congresso Lusófono de Ciência das Religiões: Histórias, Memórias, Narrativas – Ruturas, Violências, Fundamentalismos e Revoluções. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Lisboa, 2017;
SODRÉ, Raquel. História bizarra da psicologia. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018;
SUN, Xiaoqiang[et al.]The MAOA Gene Influencesthe Neural Response toPsychosocial Stress in theHumanBrain. Frontiers in BehavioralNeuroscience. 2020.
1 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Penal pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos pela Faculdade Martha Falcão, FMF/IESA. Bacharel em Psicologia. Bacharel em Letras – Inglês pela Universidade Estácio de Sá, UNESA. Atualmente Escrivã da Polícia Civil do Estado do Amazonas. http://lattes.cnpq.br/1433986801377880.
2 Doutor em Biotecnologia. Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia. Especialização em Administração e Planejamento para Docentes. Graduação em Estudos Sociais. Graduação em Filosofia. ORCID:https://orcid.org/0000-0002-2009-0897.
3 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Gestão Pública Aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Segurança Pública e Inteligência Policial pela UNIC/LITERATUS. Especialista em Direito Militar pela UNINORTE. Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Bacharel em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Atualmente é Oficial da Polícia Militar do Estado do Amazonas. http://lattes.cnpq.br/5858031454643356.
4 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade FOCUS. Especialista em Segurança Pública e Direito Penitenciário pela Faculdade de Educação, de Tecnologia e Administração – FETAC. Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Candido Mendes – UCAM. Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Major da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Possui experiência na área de Direito, na fiscalização e gestão de contratos públicos, com ênfase em Segurança Pública. Email: ailtontati2001@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6428-8590.
5 Especialista em Saúde Pública com ênfase em saúde da família pela Faculdade Iguaçu. Especialista em saúde Coletiva e ESF pela Faculdade Iguaçu. Especialista em Enfermagem em Atenção Primária à Saúde pela Faculdade Iguaçu. Especialista em Enfermagem em Saúde da Família pela Faculdade Iguaçu. Especialista em Urgência e Emergência pela Faculdade Literatus (UNICEL). Bacharel em Enfermagem. Atualmente é Analista em Enfermagem da Prefeitura Municipal de Manaus e servidora civil no Hospital Militar do Exército Brasileiro. Tem experiência na área de Enfermagem. Possui experiência na área de Saúde Pública, Saúde Materno-Infantil, na assistência e gestão de enfermagem. Tem 18 (dezoito) anos de serviço em atividade de enfermagem. É autora e organizadora de livros técnicos e acadêmicos. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3677-1985.
6 Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Inteligência Policial pela Faculdade Literatus (UNICEL). Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Major da Polícia Militar do Estado do Amazonas.
7 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em egurança Pública pela Faculdade Literatus (UNICEL). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Delegado de Polícia Civil do Estado do Amazonas.
8 Mestranda em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Federal do Amazonas, UFAM. Bacharel em Direito. Servidora do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas.
9 Especialista em Docência do Ensino Superior pelo La Salle. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA. Bacharel em Ciências Militares e Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Tenente da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Desde 2021 exerce cargo de Secretário Municipal Chefe da Casa Militar na Prefeitura de Manaus. Responsável pela criação do Estatuto da Guarda Municipal de Manaus. Responsável pela criação da Ouvidoria e Corregedoria da Guarda Municipal de Manaus. Possui experiência na área de Direito, Gestão pública e Gestão de Pessoas. Possui experiência na área de Segurança Pública Estadual e Municipal. E-mail: americawilliamdias@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9036-1381