A PERDA DA AUTORIDADE E O ENFRAQUECIMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS E A ASCENSÃO DE BOLSONARO

THE LOSS OF AUTHORITY AND THE WEAKNESS OF BRAZILIAN POLITICAL PARTIES AND THE RISE OF BOLSONARO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7520414


Oton Fernandes Mesquita Junior*


RESUMO

O presente artigo tem por objeto o possível enfraquecimento dos tradicionais partidos políticos brasileiros no contexto da atual crise política deflagrada a partir de junho de 2013. Foram analisados alguns dos motivos para o descrédito dos políticos e do sistema partidário nacional frente à maioria dos eleitores, buscando articular se, de alguma forma, essa conjuntura de crise partidária contribuiu para a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018. Numa revisão de literatura, foram identificadas as principais funções dos partidos políticos e o papel que desempenham na organização política e democrática do Estado. Ao fim, verifica se o populismo de Bolsonaro contribui para o agravamento da política e da democracia no país. Utiliza-se como metodologia a pesquisa do tipo bibliográfica por meio da revisão da literatura política, consulta de artigos jurídicos, de opinião e jornalísticos e legislação. A pesquisa é pura e de natureza qualitativa, com finalidade descritiva e exploratória.   

Palavras-chave: Partidos Políticos, Populismo, Democracia, Jair Bolsonaro.

ABSTRACT

This article aims to analyze the possible weakness of traditional Brazilian political parties in the context of the current political crisis that started in June 2013. The article intends to list some of the reasons for the discredit of politicians and the national party system in front of most voters, as well. How to analyze, if in any way, this situation of party crisis contributed to the election of Jair Bolsonaro to the Presidency of the Republic in 2018. It is also intended to make a brief presentation about the main functions of political parties and the role they play in political organization and democratic state. Finally, it verifies whether Bolsonaro’s populism contributes to the worsening of politics and democracy in the country. The methodology used is the bibliographical research through the review of political literature, consultation of legal, opinion and journalistic articles and legislation. The research is pure and qualitative in nature, with a descriptive and exploratory purpose.

Keywords: Political Parties, Populism, Democracy, Jair Bolsonaro.

INTRODUÇÃO

O artigo analisa o enfraquecimento dos tradicionais partidos políticos brasileiros e as razões pelas quais os partidos perderam autoridade, prestígio e credibilidade junto aos eleitores, contribuindo para a fragilização do sistema político partidário nacional, especialmente no intervalo entre a Lei 6.767/79, que restabeleceu o pluripartidarismo ainda em meio a ditadura militar, passando pela Emenda Constitucional nº 25 de 1985, pela Lei 9.096/95, até os tempos atuais. Além disso, o trabalho investiga se a crise dos partidos políticos contribui para que Jair Bolsonaro chegasse ao poder em 2018. Para finalizar, o artigo pretende expor como o populismo de Bolsonaro ajuda a agravar ainda mais o quadro da crise partidária.

 Na primeira parte do trabalho abordou-se a finalidade dos partidos políticos, buscando-se na literatura definições e conceitos que ajudem a compreender o surgimento e o atual cenário dos partidos políticos no mundo, mas principalmente aqui no Brasil. No segundo trecho do artigo, sistematizou-se um histórico da formação dos partidos políticos já na era da redemocratização brasileira pós-ditadura militar de 1964 e verificar porque os partidos, organizações essenciais à democracia, são vistos hoje com desconfiança e repulsa junto ao eleitorado brasileiro. Na terceira parte do trabalho, pretende-se demonstrar como a crise dos partidos políticos, agravada sobretudo após as manifestações de junho de 2013 e da Operação Lava Jato, contribuíram para que Jair Bolsonaro vencesse as eleições presidenciais de 2018. Na conclusão, espera-se evidenciar que a crise dos partidos políticos é um dos motivos que contribuem para a decadência da democracia brasileira e explica em parte a ascensão do populismo de extrema direita ao poder no país.

1. BREVE HISTÓRICO SOBRE PARTIDOS POLÍTICOS, SUA FUNÇÃO NAS DEMOCRACIAS E SUA SITUAÇÃO ATUAL NO CONTEXTO GLOBAL

Os partidos políticos não nasceram exatamente na era da democracia representativa, mas a ela se adaptaram muito bem. Com o advento do sufrágio universal no mundo ocidental, a representação política tornou-se um mecanismo essencial para gerenciar a participação dos indivíduos na política democrática (SALGADO, 2020).  É por meio dos partidos políticos que as democracias se estruturam e a competição se organiza (AMARAL, 2013, p. 12). Os partidos políticos emergiram como os principais veículos para facilitar as eleições democráticas representativas em estados modernos complexos ou moderados (KHAITAN, 2021). Os partidos políticos foram importantes instrumentos que permitiram o acesso de grupos sociais até então ausentes da cena política, permitindo-lhes exprimir suas reivindicações e influenciar na tomada de decisões políticas levando em consideração as necessidades da sociedade (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998). 

Os partidos políticos têm como função precípua servir de intermediário entre os vários grupos sociais que compõem a sociedade civil e o Estado, buscando levar as demandas surgidas entre os grupos que lhe dão suporte para que sejam aprovadas como dispositivos legislativos ou como políticas públicas e implementadas pelo governo que esteja momentaneamente ocupando o Estado (KHAITAN, 2021). 

Para Levitsky e Ziblatt (2018) os partidos políticos e os líderes partidários são os guardiães da democracia. Oliveira Torres (2017) chega a afirmar que não haveria regime democrático sem partidos políticos.  Mas será que é possível ainda hoje se falar em partidos políticos como figuras imprescindíveis para o regular funcionamento da democracia? Se são realmente tão importantes para a sustentação dos regimes democráticos, por que são tão contestados e criticados?  

Contrapondo-se a essa visão majoritária acerca dos partidos políticos como entes indispensáveis à construção democrática, Simone Weil (2016) escreveu, em meados do século passado, um opúsculo no qual expôs severas críticas aos partidos políticos. Entre as inúmeras críticas, afirmou que os partidos políticos são: “máquinas de fabricar paixão coletiva”, “organizações totalitárias” tanto potencialmente quanto em aspiração e são “organismos constituídos pública e oficialmente com vistas a matar o senso de verdade e de justiça nas almas” (WEIL, 2016). Weil, já no desfecho de seu texto, ainda afirma que tomar partido inibe o pensamento e sustenta a supressão dos partidos políticos.

Em pesquisa recém-publicada pela Ipsos, a Global Trustworthiness Index 2021, os políticos e membros de governos foram os avaliados como os menos confiáveis na pesquisa global, com índices de 63% e 54% de desconfiança, respectivamente. Quando se analisam os números específicos no Brasil, os números são ainda mais alarmantes. A pesquisa mede a confiança das profissões. Entre os mais confiáveis estão os professores e cientistas que figuram no topo da pesquisa, empatados com 68% como as profissões mais confiáveis, em seguida vem a classe médica com índice de aprovação de 66%. Já a taxa de confiança entre os políticos é de apenas 6% e de 11% em relação aos membros de governo, o que denota que o brasileiro perdeu quase que completamente a confiança na sua classe política. Analisando os resultados da pesquisa, é inegável que os políticos e por via reflexa as legendas que integram estão com baixíssima credibilidade frente ao cidadão brasileiro. Motivos não faltam para tal desconfiança. Mesmo com esse cenário de suspeição e incredulidade, existe um consenso entre os estudiosos do tema de que os partidos políticos ainda são importantes instrumentos para a manutenção da democracia.  

Segundo Moisés Naim (2013), os partidos continuam sendo as principais organizações políticas e ainda conservam muito poder, no entanto, encontram-se fragmentados, enfraquecidos e polarizados. “Na realidade, hoje a maioria dos partidos políticos tradicionais são incapazes de exercer o poder que tinham antes” (NAIM, 2013, p. 338). Na visão de Oswaldo E. Amaral  (2021), os partidos são responsáveis por dar inteligibilidade à competição eleitoral, conduzir e estruturar governos e parlamentos e ainda não foram substituídos por outras formas mais eficientes de organização política nas democracias representativas contemporâneas. 

O declínio da democracia partidária abre espaço para soluções populistas com um viés antipartidário. Na verdade, a democracia populista pode realmente servir aos interesses dos líderes, oferecendo um meio de legitimar o governo em um contexto de despolitização generalizada. (MAIR, 2002). As democracias contemporâneas já experimentaram uma erosão substancial no papel tradicional de mediação desempenhado pelos partidos como intermediários entre os cidadãos e o Estado (MAIR, 2002). É essa falta de mediação que incentiva o recurso à democracia populista. Em outras palavras, a democracia popular, quando despojada do papel central desempenhado pelos partidos, cada vez mais se inclina para a democracia populista (MAIR, 2002).

É preciso investigar, assim, alguns dos motivos que levaram a classe política e, em especial, os partidos políticos, a perderem força no cenário político brasileiro tendo por foco a origem dos atuais partidos desde o período de reabertura política e redemocratização do país até tempos atuais. 

2. O ENFRAQUECIMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS 

Os partidos políticos, já no período de reabertura do regime militar no Brasil, mas sobretudo no pós-redemocratização em 1985, voltaram a ser os protagonistas da cena política brasileira. O país saía de um regime ditatorial bipartidário para consolidar um sistema pluripartidário, primeiro através da lei 6.767/79, depois por meio da Emenda Constitucional nº 25, e finalmente com a promulgação da Constituição de 1988, que dedicou um capítulo exclusivo aos partidos políticos, e restabeleceu o Estado Democrático de Direito. Entretanto, passadas 3 décadas desde a promulgação da Constituição Cidadã, percebe-se um declínio acentuado das instituições democráticas, mas sobretudo dos partidos políticos.

A crise dos partidos políticos no Brasil pode ser compreendida, entre outros fatores, pela perda da identidade, representatividade e de credibilidade diante do eleitorado. Segundo Peter Mair (2002), os eleitores têm dificuldades de detectar diferenças ideológicas ou programáticas entre os partidos e, além disso, constata-se um desinteresse e o baixo engajamento dos eleitores e também dos políticos. 

A falta de prestígio dos partidos políticos no Brasil pode ser medida e constatada de forma emblemática pelo tempo que o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, permaneceu sem nenhuma filiação partidária desde que se desfiliou do Partido Social Liberal (PSL) em novembro de 2019, sua oitava legenda partidária ao longo de sua carreira política, com objetivo de criar sua própria legenda, a “Aliança pelo Brasil”. Mesmo ocupando o cargo de presidente, Bolsonaro foi incapaz de criar seu próprio partido político (AMARAL, 2021). 

Como não conseguiu preencher os requisitos legais para a formalização do novo partido, sua filiação para concorrer às próximas eleições em 2022 passou a ser intensamente negociada e disputada entre os partidos. Na prática, esse interesse na filiação do presidente tem por escopo se aproveitar de sua popularidade e conquistar mais espaço na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e por consequência aumentar ainda mais a participação no fundo partidário e no fundo eleitoral, sem qualquer referência ideológica ou programática. Bolsonaro acabou se filiando ao Partido Liberal no final de novembro de 2021.  

Boa parte dos partidos tradicionais que hoje figuram no cenário político partidário brasileiro são filhos da reabertura política ocorrida ainda no período da ditadura militar, iniciada no governo Geisel e continuada no governo Figueiredo. É deste tempo a promulgação da Lei 6.767/79, que extinguiu o bipartidarismo protagonizado pelos partidos até então existentes, a ARENA e o MDB, e reinstitui o pluripartidarismo no Brasil, permitindo a criação de novos partidos políticos. É curioso imaginar que os partidos políticos surgidos na esteira da redemocratização, contagiados pelo turbilhão de sentimentos favoráveis à volta da democracia ao país depois de 21 anos de ditadura militar, possam ter se desviado tanto de seus ideais e propósitos desde então. 

Como já foi afirmado, os partidos tradicionais da Nova República nasceram dos clamores e lutas sociais por redemocratização, portanto, o mito fundador dos partidos políticos que hoje militam no cenário político brasileiro está ancorado na ideia indissociável da reabertura política, do movimento “Diretas Já” e do retorno definitivo da democracia. No entanto, o que se percebe é que esse referencial democrático se perdeu no decorrer do tempo e ficou bastante evidente, sobretudo a partir da crise política instalada no Brasil desde 2013, que há graves disfunções no sistema representativo no Brasil.

A Força Tarefa da Operação Lava Jato colocou a política no banco dos réus e lançou políticos e partidos tradicionais no completo descrédito com largo apoio e cobertura da grande mídia nacional (KERCHE; MARONA, 2022). Esse movimento de “criminalização da política” contribuiu para o surgimento de novas lideranças desconectadas de partidos políticos, e avessos à política partidária, bem como permitiu a ascensão de políticos populistas e anti políticos, aprofundando ainda mais a crise dos partidos políticos que amargaram considerável perda de protagonismo nesse contexto, o que levaria mais adiante a pavimentar o caminho de Bolsonaro à presidência (MESQUITA JR; ALBUQUERQUE, 2020).

Segundo Bernardo Sorj (2004), a crise de legitimação na América Latina decorre do esvaziamento do sistema político-partidário expresso na desprezível consideração reservada aos políticos, na descrença nas eleições como mecanismos para mudar o destino da sociedade e na disposição de apoiar políticos aventureiros, sem raízes no sistema partidário. A queda vertiginosa da credibilidade junto ao eleitor brasileiro acarretou também a perda da autoridade, com o consequente enfraquecimento dos partidos políticos e de suas balizas éticas (SORJ, 2004). Ainda segundo Sorj (2004), os partidos políticos, ainda insubstituíveis e principais intermediários nas demandas da sociedade, estão sem capacidade de expressar as dimensões morais da política ou de representarem os vulneráveis, e estariam condenados a se transformarem em conglomerados amorfos, sem densidade moral, pois estariam inseridos em um contexto social cujos parâmetros e dinâmicas não mais compreendem.

Para Adam Przeworski (2020), a democracia está visivelmente em crise quando os partidos políticos perdem apoio subitamente e diminui a confiança nas instituições democráticas ou quando há a incapacidade dos governos de manterem a ordem pública, concluindo que o declínio dos partidos tradicionais é evidente: “as pessoas, quando acham que todos os políticos profissionais são a mesma coisa, egoístas, desonestos e corruptos, se viram contra eles, estejam à esquerda, à direita ou no centro” (PRZEWORSKI, 2020, p. 120). Complementa afirmando que, por razões obscuras, os partidos se transformaram em entidades intermitentes, só funcionam em época de eleição, perdendo essa conexão mais próxima com o eleitor (PRZEWORSKI, 2020) 

Os partidos políticos também não se estabeleceram de forma definitiva como meios capazes de falar pelos diversos grupos sociais. A partir do descrédito conferido às instituições representativas, percebe-se um certo grau de desafetação democrática. Os políticos são vistos como corruptos e dissimulados, visam apenas vantagens pessoais em detrimento dos anseios da sociedade que representam. Essa falta de confiança nos políticos leva inexoravelmente a uma perda na confiança na própria união estatal (ROMANO, 2014). Existe uma acentuada queda na mobilização dos cidadãos no processo político, acompanhada pela má reputação que ronda os políticos, o aumento da abstenção eleitoral, bem como o crescimento de partidos extremistas como consequência direta da desilusão política (SANTANO, 2017). 

Conforme assevera Manuel Castells (2018), a democracia não é representativa, a menos que os cidadãos acreditem que estão sendo representados, porque a estabilidade das instituições depende basicamente da confiança que os cidadãos depositam nelas. Se for rompido o vínculo subjetivo entre a vontade dos cidadãos e seus interesses e as ações daqueles que são eleitos para cumprir essas tarefas, no caso os políticos, produz-se o que Castells chama de “crise de legitimidade política” (CASTELLS, 2018). 

Hoje, as pessoas se dirigem diretamente aos políticos através das redes sociais, que passaram a fazer esse papel de intermediários entre o povo e os representantes do poder, outrora exercido pelos partidos políticos. Os partidos perderam a capacidade de liderar o processo e de conquistar eleitores, qualquer tentativa de debate de ideias se tornou extremamente polarizada e inaudível. Os debates nas redes sociais estão longe de constituir um processo amistoso e de promoção de consensos, o que se vê é uma incompreensível virulência. Em vez de ser um ambiente propício para trocas de ideias, com espírito desarmado, tem-se exatamente o oposto: protegidos pelo anonimato garantido pelo distanciamento que o ambiente virtual proporciona, os participantes das redes sociais se digladiam e recorrem a expedientes que dificilmente usariam em uma interação pessoal presencial (LAMOUNIER, 2021).

De acordo com os dados colhidos no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos políticos brasileiros repartiram no ano de 2020, a título de Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos ou popularmente “fundo partidário”, cerca de 840 milhões de reais.  Para além do fundo partidário, também repartem, desde as eleições de 2018, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, vulgo “fundo eleitoral”, que leva em conta a representatividade das bancadas nas duas casas parlamentares, conforme preceitua o art. 16-C e seguintes da Lei das Eleições 9.504/97, alterada pela Lei 13.487/2017 que criou o fundo eleitoral, e distribuíram entre os partidos, para suas campanhas eleitorais de 2020, mais de 2 bilhões de reais. 

A competição entre os partidos por cadeiras no Congresso Nacional em busca de abocanhar maiores fatias dos fundos partidário e eleitoral incentiva uma prática cada vez mais comum no Brasil: o recrutamento, filiação e apoio de candidaturas de celebridades e/ou personalidades públicas que não necessariamente têm uma reconhecida militância na política partidária. Os casos mais recentes e notórios são das estrelas da Operação Lava Jato, o ex-juiz federal Sérgio Moro, que até há pouco era cotado para concorrer à presidência da república, e o ex-procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, este filiado ao Podemos, aquele, inicialmente filiado ao Podemos, mas depois aderiu à Federação Partidária do União Brasil, uma fusão entre o Partido Social Liberal (PSL) e o Democratas (DEM). 

Para além do interesse pecuniário, lançar candidaturas de personalidades é um traço marcante da sociedade brasileira, que tem imensa dificuldade de compreender e aceitar o funcionamento das instituições e organizações impessoais. O povo desconfia de ideias e programas abstratos, repudia os partidos políticos e só acredita em políticos que encarnam um paternalismo protetor. A política no Brasil nunca foi um embate de ideias, mas a atuação, conflitiva ou amigável, de personalidades marcantes (COMPARATO, 2017). 

A fragilidade no sistema político-partidário brasileiro abriu caminho para que Bolsonaro chegasse ao poder? No próximo tópico pretende-se responder a essa questão e apontar possíveis soluções para consertar o sistema partidário no Brasil.    

3. A CRISE PARTIDÁRIA FAVORECEU BOLSONARO?

Segundo Kim Scheppele (2018), a atual crise da democracia liberal é devida ao colapso geral dos partidos políticos. Nessa mesma linha de raciocínio, Fernando Bértola e José Rama (2021) asseveram que a verdadeira doença que aflige as democracias representativas é decorrente da crise dos partidos políticos tradicionais e arremata afirmando que a ascensão de partidos antiestablishment é meramente um sintoma.  Partindo desse pressuposto, é possível apontar o enfraquecimento dos partidos políticos no Brasil como uma das causas da nossa crise política e da ascensão de Bolsonaro à presidência e de seu populismo autoritário. Obviamente, somente a crise partidária não explica todos os acontecimentos políticos desde 2013, mas ajuda a compreender por que Bolsonaro conseguiu chegar à presidência da república. 

Bolsonaro fez sua campanha presidencial em 2018 calcado no discurso da antipolítica, com a promessa de promover uma nova forma de fazer política no Brasil. Certamente, aproveitou-se da crise política provocada pelos escândalos de corrupção da Operação Lava Jato, amplamente divulgados pela grande mídia, que minou a credibilidade dos políticos e dos partidos. Bolsonaro, não obstante o exercício de cargos públicos eletivos ao longo de mais de três décadas, apresentou-se como o outsider, a única opção “antiestablishment”, desvinculado dos velhos conchavos e alianças partidárias. 

Durante sua campanha, sinalizando para sua base de apoiadores, muitos dos quais ressentidos e decepcionados com a política, deixou claro que não se alinharia com os partidos do chamado “centrão”, considerados clientelistas e fisiológicos dentro do parlamento brasileiro (MESQUITA JR; ALBUQUERQUE, 2020). Leonardo Avritzer (2020) define a antipolítica como “a reação à ideia de que instituições e representantes eleitos devem discutir, negociar e processar respostas a temas em debate no país” como se fosse proibida a negociação e a coalizão. Ainda segundo Avritzer (2020), a antipolítica se constitui de dois elementos: um punitivismo jurídico, a exemplo do que se viu na Operação Lava Jato, e a substituição do governo por uma concepção moral de política judicialmente sancionada, ou seja, a substituição da política por uma moralidade conservadora.  

Bolsonaro chegou ao poder por um conjunto imprevisto e irreprodutível de fatores (ABRANCHES, 2020), num cenário político absolutamente improvável: sequer precisou fazer coligações com partidos tradicionais para vencer as eleições presidenciais. Filiado a um partido nanico, aproveitou-se de uma conjuntura política extremamente favorável e uma estratégia de marketing digital muito bem sucedida nas redes sociais e conseguiu se eleger presidente (AMARAL, 2021). Bolsonaro é o que o sociólogo Sérgio Abranches (2020) chamou de “governante incidental”.

Nadia Urbinati (2019) sustenta que o populismo é um modelo de governo representativo, mas que desfigura a tradicional democracia representativa. O populista almeja chegar ao poder pelo voto, mas a sua ambição interior é incorporar o maior número de indivíduos em si mesmo, de modo a tornar-se o único partido do povo e varrer as demais filiações partidárias que antecederam a sua ascensão. A autora italiana afirma que o populismo inaugura uma espécie de regime caracterizado por uma “representação direta”. Os líderes populistas querem substituir a democracia de partidos pela democracia populista, querem falar diretamente ao povo sem recorrer aos tradicionais intermediários, como a imprensa e os partidos políticos e constroem sua popularidade atacando os principais partidos e políticos, construindo representatividade direta com base apenas na retórica (URBINATI, 2019). 

Bolsonaro é o arquétipo do político populista, elegeu-se em meio a desorientação dos partidos políticos sob forte ataque da mídia, do judiciário e dos eleitores descontentes com um cenário de problemas econômicos, políticos e morais e um contexto de recrudescimento de violência urbana. Assumiu a presidência e, de fato, inicialmente, rompeu com o modelo de presidencialismo de coalizão existente desde 1946 e que havia sido a prática corrente nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT) (ABRANCHES, 2020). Essa postura de não negociar com os partidos políticos, por considerá-los moralmente indignos e não confiáveis, demonstra não apenas sua inabilidade política, mas sobretudo sua aversão à política e seu viés autoritário e antidemocrático.

No entanto, premido pela queda nos índices de popularidade, sobretudo após a desastrosa condução do governo federal no combate à pandemia do Coronavírus, aliado à errática política econômica, social e fiscal e incorrendo em diversos crimes de responsabilidade, Bolsonaro se viu obrigado a ceder às pressões das bancadas partidárias hiper fragmentadas que compõe o “centrão” para se blindar no poder. Os partidos que integram o “centrão” tornaram-se a viga de sustentação do presidente, a única saída para obter uma maioria confortável que lhe garantisse a permanência no poder, evitando que fosse defenestrado do cargo, mesmo diante de mais de uma centena de pedidos de impeachment protocolados na Presidência da Câmara dos Deputados. 

Bolsonaro não esconde sua aversão à política: se ele é sintoma da grave crise que assola diversas democracias ocidentais, é também consequência da crise do sistema partidário no Brasil. Nem mesmo as inúmeras manifestações racistas, homofóbicas e discriminatórias proferidas por Bolsonaro ao longo de sua vida política foram capazes de sensibilizar e alertar o povo e os partidos políticos ao ponto de evitar sua vitória eleitoral em 2018. 

De acordo com Daily e Jones (2020), são problemáticos e inadequados o uso de meios convencionais que impeçam a participação de partidos políticos, pois não se sabe a priori que partidos realmente ameaçam a democracia. Distinguir entre ameaças potenciais e ameaças reais, especialmente em um momento de profunda transformação do sistema partidário, talvez seja a dificuldade definidora que persegue a busca de soluções de direito público e políticas para as ameaças contemporâneas. Alimentar uma ideia de anti-partido é um grande perigo para a democracia, pois promove processos democráticos superficiais, sem responsabilidade democrática, que por sua vez acaba afastando os cidadãos da política e levando-os a desistir da própria democracia e se tornam vulneráveis a demagogia populista (ROSENBLUTH; SHAPIRO, 2018).  

O vácuo de poder que se deu entre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a gestão impopular de Michel Temer, somada à intensa campanha midiática da Lava Jato contra os políticos e partidos, permitiu que alguém como Bolsonaro, sabidamente autoritário e antidemocrático, concorre e vencesse as eleições em 2018 (MESQUITA JR; ALBUQUERQUE, 2020). Sua eleição só foi possível porque a legenda partidária pela qual se elegeu, o Partido Social Liberal – PSL, preocupou-se unicamente com a sua sobrevivência eleitoral, em detrimento da democracia. Juntamente com Bolsonaro, foram eleitos dezenas de outros deputados e senadores alinhados com suas práticas antidemocráticas e autoritárias, reflexo de um momento histórico de exacerbado conservadorismo moral e de um apelo popular contra a violência urbana.

Mesmo com inúmeras ferramentas à disposição de partidos políticos para evitarem a ascensão de um líder populista e autoritário como Bolsonaro, isso se mostrou ineficaz diante da realidade da política partidária brasileira. Segundo Levitsky e Ziblatt (2018), democracias bem-sucedidas confiam em regras informais, ainda que não estejam previstas na Constituição ou nas leis, mas que devem ser observadas e respeitadas em nome da tradição. 

Para Comparato (2017), três medidas seriam necessárias para reverter a dominação oligárquica na política brasileira, entre elas uma melhor educação política do povo, a quebra do oligopólio empresarial dos meios de comunicação de massa e uma maior participação dos partidos políticos e organizações políticas na aprovação de medidas que visem tornar mais efetiva a participação do povo nas decisões políticas através de instrumentos de democracia direta como referendos e plebiscitos.

Todavia, o imenso incentivo financeiro produzido pelo fundo eleitoral para as eleições de 2022, orçado em cerca de 4,9 bilhões de reais, acaba por desviar os partidos de seu compromisso com as regras de tolerância mútua e a reserva institucional como elementos essenciais na formação das grades de proteção aos regimes democráticos (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018). Sem uma prestação de contas do papel democrático dos partidos, tomando por base a constituição, um colapso da democracia constitucional como tal se torna não apenas pensável, mas talvez até inevitável (SCHEPPELE, 2018).  

Dito isso, mostra-se importante que os partidos políticos aqui no Brasil repensem sua estrutura hierarquizada e verticalizada, e passem a adotar uma organização mais horizontal, inclusiva e participativa, aproximando-se dos verdadeiros anseios da população. Os partidos políticos, com raras exceções, são constituídos apenas com intuito de usufruir do fundo partidário e do fundo eleitoral, transformaram-se em verdadeiras sociedades empresárias e perderam o verdadeiro sentido do engajamento político, além da identidade, o caráter programático e ideológico. (MESQUITA JR; ALBUQUERQUE, 2020) 

É muito provável que no futuro, partidos políticos no Brasil continuem apoiando líderes extremistas e com forte apelo popular, sem nenhum constrangimento, se isso significar maior participação no rateio do fundo partidário e eleitoral.  Lamentavelmente, a permanecer essa lógica, não se conseguirá preservar a democracia e os princípios democráticos encartados na Constituição Federal apelando apenas para o senso de moralidade dos líderes partidários, sobretudo quando a escolha de candidatos envolver considerável participação política na divisão do poder e cifras astronômicas para amealhar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa empreendida permitiu articular a perda da autoridade e o enfraquecimento dos partidos políticos nas primeiras três décadas da redemocratização brasileira com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, para a presidência do Brasil, permitindo afirmar uma relação direta de causa e efeito entre os dois fenômenos, uma vez evidenciada, em achados estatísticos e demais pesquisas no campo da Ciência Política no Brasil, a ausência de reconhecimento dos partidos políticos como os meios intermediários preferenciais entre os grupos sociais mobilizados e os lugares de exercício do poder político, mormente os cargos eletivos do poder executivo e do poder legislativo.

Um breve levantamento histórico dessa relação no Brasil demonstra também que esse reconhecimento esteve historicamente ausente na maior parte da vida institucional brasileira, com forte expectativa de mudanças em períodos de redemocratização, como 1946 e 1988, mas com recuo diante do refluxo dos movimentos de mobilização pelo fim das respectivas ditaduras (1937-1945 e 1964-1989). Uma crise dos partidos políticos é um entrave para a efetivação de uma democracia no molde laico e secular construído pelas revoluções liberais e, diante da crise por qual passam também os sindicatos, é preciso emitir sinais de alerta para a ocupação dos lugares políticos por agremiações de fundo religioso e moralista, afastando as discussões sobre o modelo de Estado e sobre questões como justiça social, distribuição de renda e acesso a direitos, bens e serviços públicos.

Essa relação identificada de causa e efeito entre a perda da autoridade e o enfraquecimentos dos partidos políticos no Brasil e a eleição de Jair Bolsonaro nos termos de seus discursos e ações, como ataques diretos à forma democrática de poder e às instituições que equilibram o jogo político, como o Supremo Tribunal Federal, agrava-se na medida em que é de mão dupla e se retroalimenta. A tendência é que Bolsonaro e sua postura populista de extrema direita venha a agravar ainda mais o sistema político-partidário brasileiro até o final de seu mandato, pois, percebe-se, que não há disposição do presidente de modificar seu relacionamento com os partidos políticos que integram a base governista tampouco as demais legendas que compõe o parlamento.   

Tudo indica que o populismo de extrema direita que governa o país tende a agravar ainda mais o sistema político-partidário brasileiro, principalmente pela ausência de diálogo com os partidos. Mas o sistema político como um todo foi tolerante demais com as declarações e visões antidemocráticas de Bolsonaro. Talvez por isso, seja um tanto utópico ou de difícil aplicação, diante da consolidação do discurso de campanha no exercício do governo, estabelecer barreiras ou mecanismos efetivos para impedir candidatos autocráticos. 


1Não há regime democrático sem partidos políticos, isto é, sem aquelas associações de pessoas que, adotando as mesmas atitudes e as mesmas opiniões em face dos acontecimentos e realidades que se referem à vida nacional, procuram aconselhar ao povo a respeito da melhor maneira de resolver os problemas coletivos. E como a ação humana, geralmente opinativa (“opinião” possui em lógica um sentido muito definido), é levada a procurar a linha reta para poder alcançar os objetivos mais profundos, a tendência de todos os partidos consiste em tirar as últimas consequências de suas premissas fundamentais e iniciais. Daí o princípio da pluralidade de partidos: se uma orientação é levada muito longe demais, a opinião pública faz meia volta e toma o caminho contrário… (TORRES, João Camilo de Oliveira. A democracia coroada. p. 361 Câmara dos ed. Brasília: Edições Câmara)
2“Quase em todo lugar – e com frequência até para problemas puramente técnicos – a operação de tomar partido, de se posicionar a favor ou contra, substituiu a obrigação de pensar. Trata-se de uma lepra que se originou nos meios políticos e se estendeu, por todo o país, à quase totalidade do pensamento. É improvável que se possa cuidar dessa lepra que nos mata sem começar pela supressão dos partidos políticos” (WEIL, 2016, p. 26-27)
3Para ter acesso à pesquisa, acessar: https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2021-10/Globaltrustworthiness-index-2021_0.pdf
4EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 25. Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 49 da Constituição Federal,promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Emenda constitucional nº 25, Brasília, ano 1985, 15 maio de 1985. A Emenda Constitucional nº 25 de 15/05/1985 alterou diversos dispositivos da Constituição de 1967 que tratavam de normas de direitos políticos, eleitorais e partidários, com destaque para o art. 152. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/540625/publicacao/15645218. Acesso em: 10 mar. 2022.
5E de fato é isso que o modelo de democracia liberal nos propõe. A saber: respeito aos direitos básicos das pessoas e aos direitos políticos dos cidadãos, incluídas as liberdades de associação, reunião e expressão, mediante o império da lei protegida pelos tribunais; separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário; eleição livre, periódica e contrastada dos que ocupam os cargos decisórios em cada um dos poderes; submissão do Estado, e de todos os seus aparelhos, àqueles que receberam a delegação do poder dos cidadãos; possibilidade de rever e atualizar a Constituição na qual se plasmam os princípios das instituições democráticas (CASTELLS, 2018, p. 11)
6MAZUI, Guilherme; RODRIGUES, Paloma. Bolsonaro anuncia saída do PSL e criação de novo partido: Presidente se filiou ao PSL em 2018 para disputar eleição. Crise no partido foi desencadeada após atrito entre ele e Bivar. G1 e TV Globo, Brasília, 12 nov. 2019. Política, p. 1-4. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/11/12/deputados-do-psl-dizem-que-bolsonaro-decidiu-deixar-partido-e-criar-nova-legenda.ghtml. Acesso em: 12 abr. 2022.
7GOMES, Pedro Henrique; BORGES, Beatriz; OLIVEIRA, Paloma. Após dois anos sem partido, Bolsonaro se filia ao PL, nona legenda da carreira política: Filiação estava marcada para o último dia 22, mas foi adiada após exigências de Bolsonaro sobre alianças nos estados em 2022. PL também abrigará senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. G1 e TV Globo, Brasília, 30 nov. 2021. Política, p. 1-4. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/11/30/apos-dois-anos-sem-partido-bolsonaro-se-filia-ao-pl-nona-legenda-da-carreira-politica.ghtml. Acesso em: 16 mar. 2022.
8BRASIL. Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Modifica dispositivos da Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), nos termos do artigo 152 da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional nº 11, de 1978; dispõe sobre preceitos do Decreto-lei nº 1.541, de 14 de abril de 1977, e dá outras providências. [S. l.], 20 dez. 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l6767.htm. Acesso em: 10 mar. 2022.
9A campanha cívica que contou com maior envolvimento dos cidadãos na história política brasileira foi organizada em torno de um tema eleitoral: o voto direto para presidente da República. Entre novembro de 1983 e abril de 1984, o movimento Diretas Já organizou comícios e passeatas em dezenas de cidades brasileiras. Seu principal objetivo era dar apoio a uma Emenda Constitucional que tramita no Congresso e propunha a adoção das eleições diretas para a Presidência. Em abril de 1984, a emenda foi rejeitada no plenário da Câmara dos Deputados, já que não obteve os 320 votos necessários.1 Após a não aprovação das eleições diretas, alguns segmentos de oposição resolveram apoiar a candidatura de dois civis nas eleições indiretas. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves (PMDB) e José Sarney (ex-presidente do PDS, recém-filiado ao PMDB para a disputa presidencial) foram eleitos no Colégio Eleitoral, respectivamente, presidente e vice-presidente da República. NICOLAU, Jairo Marconi. Eleições no Brasil: do Império aos dias atuais. e-book ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
10“À medida que os partidos políticos foram crescentemente esvaziados e abandonados pela falta de substância ideológica, a política ‘tradicional’ passou a ser vista de forma negativa, como um campo em que prevalecem a vaidade e a corrupção, e sofreu, assim, um processo de dessacralização, ou seja, para boa parte da população, os partidos e os políticos perderam autoridade, respeito e admiração, e do mesmo modo a esperança e a mensagem utópica que os acompanharam durante o século XX”. SORJ, Bernardo. A democracia inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. p. 64-65; Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
11“Na realidade, a democracia se constrói em torno das relações de poder social que a fundaram e vai se adaptando à evolução dessas relações, mas privilegiando o poder que já está cristalizado nas instituições. Por isso não se pode afirmar que ela é representativa, a menos que os cidadãos pensem que estão sendo representados. Porque a força e a estabilidade das instituições dependem de sua vigência na mente das pessoas. Se for rompido o vínculo subjetivo entre o que os cidadãos pensam e querem e as ações daqueles a quem elegemos e pagamos, produz-se o que denominamos crise de legitimidade política; a saber, o sentimento majoritário de que os atores do sistema político não nos representam. Em teoria, esse desajuste se autocorrige na democracia liberal com a pluralidade de opções e as eleições periódicas para escolher entre essas opções. Na prática, a escolha se limita àquelas opções que já estão enraizadas nas instituições e nos interesses criados na sociedade, com obstáculos de todo tipo aos que tentam acessar uma corriola bem delimitada” (CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. p. 12-13 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, (2018))
12TRIBUNAL Superior Eleitoral – TSE: Fundo Partidário. In: Partidos: Contas Partidárias – Fundo Partidário. [S. l.], 14 dez. 2018. Disponível em: https://www.tse.jus.br/partidos/contas-partidarias/fundo-partidario-1. Acesso em: 15 abr. 2022.
13BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. [S. l.], 1 out. 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 10 mar. 2022.
14FILARDI, Isabela. Deltan Dallagnol oficializa filiação ao Podemos: Em evento, ex-procurador fez discurso contra corrupção. CNN, São Paulo, p. 1-4, 10 dez. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/deltan-dallagnol-oficializa-filiacao-ao-podemos/. Acesso em: 10 mar. 2022.
15CAETANO, Guilherme; GOMES, Bianca. Moro se filia ao União Brasil e vai ser candidato a deputado federal por São Paulo: Em nota, ex-juiz da Lava-Jato confirma desistência da candidatura à Presidência, mas deixa em aberto seu futuro político. O Globo, São Paulo, 31 mar. 2022. Política – Eleições 2022, p. 1-4. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/moro-se-filia-ao-uniao-brasil-vai-ser-candidato-deputado-federal-por-sao-paulo-1-25456815. Acesso em: 14 abr. 2022.
16“Com um discurso demagógico e autoritário, figurando como outsider, posando de candidato ficha-limpa e incorruptível, dispondo de um grande apoio junto aos líderes das mais importantes igrejas neopentecostais do Brasil, Bolsonaro conquistou seus eleitores pregando pautas liberais na economia e conservadoras nos costumes, sem se esquecer do forte apelo no tocante à segurança pública. Em uma eleição extremamente polarizada, marcada pelo ódio destilado nas redes sociais de ambas as partes, e pelo atentado à faca em Juiz de Fora/MG durante a campanha que quase o vitimou fatalmente, Jair Messias Bolsonaro venceu o candidato Fernando Haddad do PT no segundo turno de 2018 e tornou-se o 38º Presidente do Brasil”. (MESQUITA JR, Oton Fernandes; ALBUQUERQUE, Felipe Braga. Nem a paranóia, nem o autoritarismo poderão vencer a democracia brasileira. In: Direito e Política: aspectos da democracia que funcionam. Fortaleza: Kindle Direct Publishing, 2020. p. 436–479)
17“Governantes incidentais são o que o próprio nome indica. Chegam ao poder por um conjunto imprevisto e irreprodutível de fatores e, até agora, nenhum deles demonstrou capacidade de sobreviver a um mandato, se tanto. Lideranças ou governantes incidentais, em circunstâncias normais, em eleições-padrão, jamais chegariam ao topo do poder. Nascem de rupturas eleitorais, da desorientação dos partidos e forças tradicionais, à esquerda e à direita. Porque são incidentais, passam, mas não sem causar danos significativos na institucionalidade democrática e na sociabilidade. O pior legado desses governos ocasionais é que contribuem para agravar o desencanto com a democracia e elevam os riscos de crises sérias de governabilidade” (ABRANCHES, Sérgio. O tempo dos governantes incidentais. p. 96; 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020)
18 Populistas são políticos antiestablishment – figuras que, afirmando representar a “voz do povo”, entram em guerra contra o que descrevem como uma elite corrupta e conspiradora. Populistas tendem a negar a legitimidade dos partidos estabelecidos, atacando-os como antidemocráticos e mesmo anti patrióticos. Eles dizem aos eleitores que o sistema não é uma democracia de verdade, mas algo que foi sequestrado, corrompido ou fraudulentamente manipulado pela elite. E prometem sepultar essa elite e devolver o poder “ao povo”. Esse discurso deve ser levado a sério. Quando populistas ganham eleições, é frequente investirem contra as instituições democráticas LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. P. 32, 1 ed. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
19PÚBLICA: Agência de jornalismo investigativo. [S. l.], 22 abr. 2022. Disponível em: https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/. Acesso em: 7 jun. 2022.

REFERÊNCIAS

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*Graduado em Direito pela UFC e Mestrando em Direito Constitucional pela UFC