PARALISIA CEREBRAL: ETIOLOGIA, PROGNÓSTICOS E TRATAMENTO COM ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR

Giordani, Letícia Gué ¹; Schimanoski, Patrícia¹; Flores, Daniela²
Resumo
A paralisia cerebral é uma encefalopatia crônica não-progressiva da infância que resulta de agressão ao SNC no período pré, peri e pós-natal e manifesta-se por distúrbios principalmente motores, mas pode estar associada a déficits sensoriais e cognitivos. Quanto as classificações podem ser espástica, atáxica, mista ou hipotônica. O tratamento deve ser realizado com equipe multidisciplinar, objetivando prevenir complicações, estimular as habilidades, restaurar/estabilizar padrões motores adquiridos, promover estímulos cognitivos, proporcionar melhor qualidade de vida e desenvolver a inserção social, tanto a nível educacional, de lazer e profissional.
Palavras-chave: paralisia cerebral, etiologia, classificação, reabilitação.
Abstract
The cerebral palsy is a chronic non-progressive encephalopathy of childhood aggression is the result of the SNC in the pre, peri-and post-natal and manifests itself mainly by disturbances engines, but can be associated with sensory and cognitive deficits. As the classifications can be spastic, ataxic, mixed or hypotonic. Treatment should be conducted with multidisciplinary team, to prevent complications, stimulate the skills, restore / stabilize patterns engines purchased, promote cognitive stimuli, providing better quality of life and develop social inclusion, both in education, leisure and professional.
Key Words: cerebral palsy, etiology, classification, rehabilitation.
Introdução
A Paralisia Cerebral (PC) foi definida no Simpósio de Oxford (1959) como uma condição decorrente de agressão encefálica que pode exercer influência na maturação neurológica. Os sintomas iniciam na primeira infância e se caracterizam por ser um transtorno persistente do tono, da postura e do movimento (Rotta, 2002). A partir dessa data passou a ser considerada uma encefalopatia crônica não-progressiva.
É uma doença que tem incidência de 1,5 a 5,9/1.000 nascidos vivos em países desenvolvidos. No Brasil são registrados 17.000 novos casos a cada ano (Edelmuth apud Rotta, 2002). Em prematuros com peso inferior a 1500g, a incidência de paralisia cerebral aumenta em 25 a 31 vezes em relação aos nascidos a termo (Reed apud Christofoletti, 2007).
O termo paralisia cerebral é usado para um grupo de condições que afetam o desempenho motor que pode estar associada a déficits sensoriais e cognitivos. Dentre estes podemos citar a deficiência mental, a epilepsia, os transtornos da linguagem (disfasia, disartria), alterações auditivas (comprometimento do VIII nervo craniano, uso de drogas – antibióticos) e oculares (estrabismo convergente por lesão do nervo abducente), visuais (catarata, hemianopsias) e de conduta (autismo). Pode também estar associado a outras doenças crônicas sistêmicas (ortopédicas, gastrintestinais e respiratórias) secundárias ao quadro principal (Iwabe, 2003).
Acredita-se que o comprometimento do sistema nervoso central, em pacientes com paralisia cerebral, decorra de fatores endógenos e exógenos em diferentes proporções em cada caso. O fator endógeno é devido ao potencial genético em que existe a susceptibilidade maior ou menor do cérebro em se lesar. O fator exógeno irá depender do momento em que o agente atua (período pré-natal, perinatal e pós-natal), da sua duração e da intensidade (Rotta, 2002).
Este artigo trata-se de uma revisão da bibliografia quanto aos agentes causadores, classificação, tratamento, qualidade de vida, relacionamento interfamiliar, inclusão escolar e social e o papel dos profissionais da saúde.
Metodologia
Para encontrar os artigos utilizados nesta revisão, foram utilizadas as bases eletrônicas Medline e Scielo, a biblioteca da UNISINOS e o Site do MEC. A pesquisa ocorreu no período de abril a maio de 2008. As palavras-chave utilizadas foram: “paralisia cerebral” em combinação com “etiologia”, “classificação” e “reabilitação”. As buscas foram realizadas sem restrição de data inicial, restringindo ao idioma português. Os trabalhos foram selecionados por duas pesquisadoras, por meio dos seguintes critérios de inclusão: 1) trabalhos publicados em português, 2) participantes com diagnóstico de paralisia cerebral, 3) intervenção compatível com equipe multidisciplinar, 4) descrição de etilogias e 5) classificações.
Agentes causadores
As lesões que acontecem no período pré-natal (tabela 1) tem como principais fatores etiológicos infecções e parasitoses (rubéola, toxoplasmose, HIV, citomegalovírus), intoxicações (drogas, álcool,tabaco), radiações (diagnóstica ou terapêutica), traumatismos e condições maternas (doenças crônicas, anemia grave, desnutrição e idade avançada) (Leitão, 1993).
No período perinatal a hipóxia é um sinal muito importante. De maneira aguda é medida pelo índice de Apgar (avaliação feita no 1⁰ e 5⁰ minuto de vida do recém nascido). A asfixia crônica, que ocorre durante a gestação, é bastante perigosa e está relacionada com a insuficiência placentária, pois o recém-nascido pode apresentar boas condições vitais, mas ter comprometimento cerebral importante. A asfixia pré e perinatal é uma das principais causas de morbidade e mortalidade do recém-nascido (Leitão, 1993).
Fatores pós-natais que merecem destaque são os distúrbios metabólicos (hipoglicemia, hipocalcemia, hipamagnesemia), as infecções (meningites), as encefalites (pós-infecciosas ou pós-vacinais), a hiperbilirrubinemia (por incompatibilidade sangüínea materno-fetal), o traumatismo crânio-encefálico, as intoxicações (por produtos químicos ou drogas), os processos vasculares (tromboflebites, embolias e hemorragias) e a desnutrição (interfere no desenvolvimento do tecido cerebral) (Leitão, 1993).
\"\"
Classificação
As classificações para a paralisia cerebral, segundo Rotta (1992), estão descritas na tabela 2.
A forma mais freqüente é a espástica, que se caracteriza por hipertonia muscular extensora e adutora dos membros inferiores (podendo ser grave, moderada ou leve), paresias localizadas ou generalizadas, dependendo da extensão do comprometimento, hiperreflexia profunda e sinal de babinski (Rotta, 1992).
A forma coreoatetósica apresenta movimento involuntários típicos e tônus flutuante durante a movimentação ou manutenção da postura (Rotta, 1992).
O paciente atáxico apresenta importante alteração do equilíbio e da coordenação que pode estar associada a hipotonia. Já os distúrbios mistos advém de diferentes combinações (Rotta, 1992).
As alterações anatomopatológicas variam, podem-se apresentar na forma de dilatação ventricular (por diminuição difusa ou localizada do número de neurônios), de porencefalia (cavidade uni ou bilateral no sistema nervoso central por ausência de tecido nervoso), de hematomas subdurais e de aderência meningocortical com importante gliose (tocotraumatismo e traumatismo crânio-encefálico) (Rotta, 1992).
\"\"
Equipe multidisciplinar
Apesar do aparecimento de sinais sugestivos de paralisia cerebral como desenvolvimento insatisfatório, espasticidade ou falta de coordenação, dificilmente ela é diagnosticada no primeiro ano de vida do bebê. O diagnóstico precoce é importante, pois sabe-se que quanto mais precocemente se age no sentido de proteger ou estimular o sistema nervoso central, maior a chance de obter uma melhor resposta (Bobath, 1990).
O tratamento deve ter como base o grau de acometimento e as necessidades de cada paciente. Existem pacientes que não apresentam retardo mental, não possuem deficiências físicas graves, desenvolvem-se normalmente e freqüentam escolas regulares. Outros, possuem graves limitações o que exige uma assistência contínua de profissionais da área da saúde e da área educacional (médico, fisioterapeuta, fonaudiólogigo, psicólogo, terapeuta ocupacional, educador físico e pedagogos) (Tecklin, 2002).
O prognóstico da doença irá depender do tipo e da gravidade da lesão. Estima-se que mais de 90% das crianças portadoras de paralisia cerebral sobrevivem até a idade adulta. Salvo aquelas com maior comprometimento neurológico incapazes de realizar qualquer cuidado pessoal, que podem ter a expectativa de vida diminuída (Christofoletti, 2007).
Cirurgias ortopédicas, cirurgia anti-refluxo gastroesofágico, herniorrafia inguinal, extração e restauração dentária, gastrostomia, traqueostomia e procedimentos neurocirúrgicos são comuns na criança com paralisia cerebral, afim de promover melhores condições de saúde (Maranhão, 2005).
O tratamento deve ser baseado em prevenir complicações, estimular as habilidades, restaurar/estabilizar padrões motores adquiridos, promover estímulos cognitivos, proporcionar melhor qualidade de vida e desenvolver a inserção social, tanto a nível educacional, de lazer e profissional.
Qualidade de Vida
Qualquer que seja o nível de comprometimento motor da criança com paralisia cerebral, poderemos encontrar reflexos de tal disfunção em sua qualidade de vida.
A qualidade de vida é uma sensação subjetiva que pode ser influenciada por interações do sujeito com seu desenvolvimento potencial e ambiente. Dessa forma, duas crianças que apresentam a mesma limitação funcional podem não ter o mesmo nível de qualidade de vida, porque este último depende da capacidade de aceitação da doença e das adaptação às limitações presentes (Manificat et al apud Christofoletti, 2007).
Para avaliar a qualidade de vida, podemos utilizar instrumentos específicos, tais como, o Questionário da Saúde da Criança (CHQ), o Questionário do Cuidador (CQ), o Wee-Functional Independence Measure (WeeFIM) e o Autoquestionnaire Qualit é’e de Vie Enfant Imagé (AUQEI) (Assunção, 2000; Christofoletti, 2007;
Relacionamento interfamiliar
Além das dificuldades inerentes do cotidiano, existe a necessidade e o desafio de tomar consciência do que está acontecendo e como enfrentar essas situações na relação paciente/família. As pessoas muitas vezes não estão preparadas ou esperam receber no seio familiar uma criança com necessidades especiais. Por vezes a solução encontrada é o isolamento e a exclusão social. No primeiro momento, os pais se culpam por gerar filhos com aspectos físicos e comportamentais diferentes aos das demais crianças, mas com a convivência entre pais/filho esse sentimento vai sendo esquecido e passa-se então, a reconhecer e valorizar os potenciais do filho (Rotta, 2002).
A superproteção pode ser facilmente detectada e aparece para encobrir outros sentimentos e convicções. Pode corresponder a uma desvalorização da criança, falta de confiança na sua potencialidade, necessidade de auto-punição ou até mesmo rejeição. É comum os membros da família se complementarem, por exemplo, enquanto a mãe é piedosa e superprotetora, o pai é autoritário e rejeitador (Leitão, 1983).
A estrutura familiar desorganizada ou a carência de recursos pode impedir o suprimento das necessidades básicas da criança (Leitão, 1983).
O convívio com outras crianças (com ou sem necessidade especial) deve acontecer para permitir o aprendizado mútuo de respeito das diferenças e características, seja elas quais forem, das limitações e fragilidades (Leitão, 1983).
Maranhão (2005) defende que os pais, para compreender melhor o que acontece, devem ser informados e aconselhados a respeito do potencial de seus filhos e do enfrentamento das dificuldades à medida que elas ocorrem. A atenção e o carinho dos pais, combinada com a intervenção de instituições especializadas é fundamental para ajudar a criança a desenvolver o seu potencial.
Inclusão
A lei n.º 9394/96 – Nova Lei de Diretrizes e Bases Nacional (LDB) (BRASIL, 1996) trata do direito à educação inclusiva dos portadores de necessidades educativas especiais. Em seu Artigo 4.º, a LDB determina que deve haver “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”, e, no seu Artigo 58.º, estabelece, também, que educação especial é “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”.
É necessário investir tempo e recursos financeiros para possibilitar a adaptação das escolas tanto na dimensão do ensino (qualificação dos recursos humanos – professores e funcionários, elaboração do projeto político-pedagógico e provisão de recusos e equipamentos adaptados) quanto na dimensão física (eliminação das barreiras arquitetônicas). Tais condições são essenciais para a efetivação do processo inclusivo (Melo, 2007).
Em diversas culturas e contextos, as barreiras para a inclusão escolar podem estar relacionadas às pessoas direta ou indiretamente envolvidas (professores, pais), à ausência de recursos financeiros e materiais, à falta de conhecimento e informação e às características do próprio contexto social que a família está inserida (Miles apud Gomes, 2006).
O processo inclusivo de educação não deve permear apenas na alfabetização e na educação básica. Não podemos esquecer que as manifestações motoras, principalmente, iniciam no paciente ainda quando o mesmo é bebê/criança. A maioria dos pacientes com paralisia cerebral atingem a vida adulta; faze a qual é muito importante a qualificação dos potenciais destes jovens; educando e preparando para inserir no mercado de trabalho, para que se tornem auto-suficientes e desempenhem seu papel social, como qualquer cidadão.
Considerações Finais
Como profissionais da saúde devemos nos preocupar e agir na prevenção dos fatores etiológicos. Quando já instalada a paralisia cerebral, um diagnóstico precoce e a busca por tratamento terapêutico no início dos sintomas favorecem a um menor acometimento muscular e um melhor prognóstico.
Preocupar-se em minimizar as manifestações, garantir a saúde (física e mental) e a qualidade de vida para o paciente e sua família.
A fisioterapia tem como objetivo as necessidades dos pacientes, devendo promover o desempenho de tarefas e atividades funcionais que possam viabilizar um maior nível de independência. A inclusão da família é fundamental durante todo o tratamento, estimulando o desenvolvimento durante as sessões de fisioterapia, o desenvolvimento cognitivo e a inclusão escolar bem como a prática de atividade física como forma de lazer e aquisição adequada de massa óssea.
Referencial
ASSUMPÇÃO, FBJ; KUCZINSKI, E; SPOROVIERI, MH; ARANHA, EMG. Escala de Avaliação de Qualidade de vida (AUQUEI – Autoquestionnaire Qualité de vie Enfant Imagé). Validade e confiabilidade de uma escala de qualidade de vida em crianças de 4 a 12 anos. Arq Neuropsiq. 2000; 58:119-27.
BOBATH, K. Uma base neurofisiologica para o tratamento da paralisia cerebral. 2. ed. São Paulo: Manole, 1990. 110 p.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília. Disponível em: CHRISTOFOLETTI, G; HYGASHI, F; GODOY, ALR. Paralisia cerebral: uma análise do comprometimento motor sobre a qualidade de vida. Fisioterapia em Movimento, Curitiba, v. 20, n. 1, p. 37-44, jan./mar., 2007
GOMES, C; BARBOS, AJG. Inclusão escolar do portador de paralisia cerebral: atitudes de professores do ensino fundamental. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jan.-Abr. 2006, v.12, n.1.
IWABE, C; PIOVESANA, AMSG. Estudo comparativo do tono muscular na paralisia cerebral tetraparética em crianças com lesões predominantemente corticais ou subcorticais na tomografia computadorizada de crânio. Arq Neuropsiquiatr 2003;61(3-A):617-620
LEITÃO, A. Paralisia cerebral: diagnóstico, terapia, reabilitação. Rio de Janeiro: Atheneu, 1983.
MANCINI, MC et al. Comparação do desempenho de atividades funcionais em crianças com desenvolvimento normal e crianças com paralisia cerebral. Arq Neuropsiquiatr 2002;60(2-B):446-452.
MARANHÃO, MVM. Anestesia e Paralisia Cerebral. Rev Bras Anestesiol 2005; 55: 6: 680 – 702.
MELO, FRLV; MARTINS, LAR. Acolhendo e atuando com alunos que apresentam paralisia cerebral na classe regular: a organização da escola. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jan.-Abr. 2007, v.13, n.1, p.111-130.
ROTTA, NT. Paralisia Cerebral, novas perspectivas terapêuticas. J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (Supl.1):S48-S54.
TECKLIN, JS. Fisioterapia pediátrica. 3. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2002. 479 p. (Biblioteca ARTMEDEsporte & reabilitação.) ISBN 85-7307-871-5.