PODER NAVAL COMO FORÇA POLÍTICA E DE GUERRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7478288


Eduardo da Costa Honorato1


RESUMO

Poder Naval como força de guerra é a ideia primordial que, quando falamos de Marinha, vem à cabeça aqueles enormes navios cinzentos, com blindagem e armamentos pesados. Mas  vai muito além disso, em pleno século XXI nunca foi tão imperativo um poder dissuasório e representativo nos mares de todo o planeta. O objetivo deste trabalho é mostrar como a estratégia de diplomacia, comercial e até quem sabe bélica da China se aperfeiçoou ao longo dos séculos desde o fechamento do antigo império Ming para o mundo conhecido da época, no século XV. Hoje temos uma China muito mais moderna, com navios respeitáveis e até mesmo temíveis, será mostrado uma análise bibliográfica onde deixa evidente a importância de uso e emprego de uma força naval bem preparada, e disposta a se fazer presente em vários lugares, e servindo de embaixada aos seus países, será destacado a importância da diplomacia, do jogo político e também dissuasivo que muitos países fazem hoje usando suas Marinhas, com armas cada vez mais sofisticadas, as novas alianças comerciais estabelecidas; ao longo, será apresentado um país que ficou adormecido por muito tempo, e que acordou com sede de expansão, não de levar seu modo de vida a outros povos, mais de comercializar, e ser uma potência global reconhecida, porque afinal, potência econômica a China já se tornou há tempos , deu os primeiros passos nos anos de 1970 e hoje no tabuleiro da geopolítica, todos os países desempenham um papel no mundo globalizado em que vivemos. A China aprendeu com os erros do passado, viveu na pele a opressão externa e até mesmo interna, um povo que tem mais de seis mil anos de história, que sempre esteve na vanguarda de antigas invenções, como sismógrafo, estribo de montaria, moinho, não é de se estranhar que a China queira crescer, e vai continuar crescendo, envolvida em polêmicas históricas e mais recentemente a sua neutralidade em relação ao conflito russo x ucraniano, a China ainda é uma peça chave nesse tabuleiro diplomático e dissuasivo; e o gigante asiático faz isso com maestria, através da sua expansão naval, reforçando e aumentando o seu poder marítimo e sua presença com antigos aliados e novos; com navios modernos, aeronaves novas e uma sede de se fazer notar, a China certamente mantera sua indústria naval a pleno vapor, a mais recente jóia da Marinha Chinesa é o navio Fujian que promete muito, e até deixa outras potências apreensivas; o dragão acordou e ele está com fome.

PALAVRAS-CHAVE: Guerra Naval. Expansão Marítima. Estratégias Comerciais. Marinha Chinesa. Poder Naval.

2. INTRODUÇÃO

O poder naval como força de guerra, tem sido uma maneira como vários países ao redor do mundo tem se portado em relação ao emprego de suas forças  para projetar poder, como é o caso da Marinha norte-americana, com as suas várias frotas, a Rússia com suas frotas no Mar Negro e também a China, que tem mostrado um poderio militar crescente e surpreendente.

O poder naval chinês tem se destacado nos últimos anos onde a Marinha chinesa tem-se feito, ser notada, temida e respeitada, um gigante antes adormecido, acordou com uma ânsia de reaver o seu lugar de destaque no mundo. 

Esta pesquisa está focada em estudos que sirvam de ponto de partida para a explicação da tão acelerada pretensão naval chinesa em se tornar uma potência global,  e no que se trata do emprego do poder naval como força de guerra, a China tem se mostrado propensa a continuar a sua expansão. Fazendo com que a sua influência e poder de dissuasão aumente gradativamente no cenário global.

Partindo das informações largamente mostradas pelo próprio governo chinês, e a crescente preocupação do governo norte-americano, é notado que essa expansão naval chinesa tem deixado muitas potências preocupadas, a China, um país estrategista e isso é evidente ao longo da sua história, nos faz levantar uma questão, se o caráter dessa expansão naval, é de projeção bélica ou simplesmente protecionista da sua economia?

O objetivo global deste trabalho, é levar o leitor a pensar criticamente e profundamente sobre tudo o que é apresentado, criar uma reflexão sobre as pretensões chinesas, de querer recuperar o seu lugar no cenário político. As especificidades girarão em torno de como a China tem se portado em relação ao mundo, e a maneira que os dirigentes no país estão se posicionando para buscar um maior reconhecimento e aumentar seu poder dissuasivo no cenário global .

A importância desse trabalho é de que, a China como o maior parceiro econômico do Brasil, deve ser analisado com mais presteza, e o país tem sabido empregar e usar o seu poder marítimo em todas as partes do mundo, seja através de ajudas humanitárias ou mesmo militares, estreitando laços e sem dúvida alguma, aprendendo e empregando novas táticas navais , afinal  a China é um país que tem uma história bélica extensa, e estudar sobre a sua Marinha, é algo relevante e urgente para todos. Em resumo, a maior arma que existe é a informação.

Para chegar a esse trabalho, foi usado vários autores que tratam sobre o tema bélico, de guerras e em especial, como no caso da jornalista e escritora Cláudia Trevisan, sobre os chineses; são materiais que possuem a particularidade de mostrar o que existe de mais atual, seja na política, em termos bélicos, humanos e acadêmicos. Materiais escolhidos, por serem imparciais; que não aprovam e nem desaprovam as táticas e políticas chinesas, simplesmente mostram fatos, fatos esses que podem influenciar na vida de todas as pessoas do planeta. 

2. DESENVOLVIMENTO 

2.0 A China e suas estratégias

Longe de ser aliados naturais e estáveis, como muitas pessoas supunham, a China tinha uma relação surpreendentemente turbulenta com a Coreia do Norte. Pequim já sinalizara a disposição em aceitar a reunificação das Coreias e estava secretamente se distanciando do regime da Coreia do Norte. (HARDING.LEIGH, 2011, p.220).

A China, pelo contrário do que possa parecer apesar de a Coreia há séculos ter sido uma nação vassala tributária da nação chinesa; após passar por vários altos e baixos, parece que o país realmente acordou para a realidade de mundo e mercado em que está inserida, cessando assim os jogos de poder desnecessários. Como mostra a fala do vice-ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Chun Yung-Woo; ele disse à embaixada americana que os líderes mais jovens do Partido Comunista Chinês, não consideravam mais a Coreia do Norte um aliado útil e confiável.

Isso nos mostra que a China está mais suscetível a negociações e conversas do que antes, além do mais “a República Popular da China ( RPC) estaria confortável com a Coreia reunificada, controlada por Seul e ancorada nos Estados Unidos da América (EUA) , numa aliança benigna”, segundo os autores Harding;Leigh, 2011. A própria China inclusive nos anos de 1970 tentou uma tímida aproximação dos EUA, após se afastar da União Soviética; como bem lembrado por  (Magnoli;Barbosa,2013) : “[…] a aproximação com os Estados Unidos pode parecer chocante, do ponto de vista ideológico, mas era bastante coerente do ponto de vista da tradição geopolítica chinesa” .Claro que isso desde que não interfira nos assuntos chineses, se do ponto de vista diplomático a China se mostra propensa a diálogos este fator pode demonstrar que a expansão da marinha chinesa, possa não ser apenas uma conjectura de poder, mas de certa forma tenha o intuito de mostrar para o mundo que o gigante asiático antes adormecido, após vários conflitos internos agora está mais vivo que nunca.

O mar parece ser uma outra forma de território, além de ser uma via é um manancial de recursos de várias ordens. Por isso não é de estranhar que desde sempre tenha havido conflitos com dimensão política e jurídica sobre o seu uso, e até a sua titularidade. (CUNHA, 2017, p.211).

Toda nação que tenha um mar territorial tem o direito de usufruir  dessa porção de sua área geográfica, assim como nosso país, a China também possui a sua parte territorial no mar, mesmo que nos dias atuais isso gere conflitos por disputas no Mar do Sul da China. Durante o século XV a China que conhecemos atualmente, ela havia sido governada pela dinastia Ming (1368-1644), tendo como fator principal dos nossos estudos aqui apresentados,sendo essa a dinastia que, construiu uma grande marinha mercante e com navios de guerra,  um exército permanente de um milhão de soldados, com isso poderemos perceber o interesse de expansão e até mesmo econômico por parte da China Ming, podemos observar esse fato na descrição abaixo, retirada do livro de Gavin Menzies; onde após as celebrações de inauguração da cidade proibida em 2 de fevereiro de 1421 e após um mês de festividades, os embaixadores das diversas localidades com as quais a China-Ming mantinha relação, foram levados de volta, às suas terras.

As grandes frotas estavam prontas para leva-los de volta a Hormuz, Aden, La’sa e Dhofar, na Arábia; Mogadicho, Brava, Malinde e Mombaça da África; Sri Lanka, Calicute, Cochim e Cambaia , na Índia; Japão, Vietnã, Java, Sumatra, Malaca, Bornéu, no sudeste da Ásia, e outras paragens.( MENZIES. 2008. p.58 ).

 Sendo nesse período a construção da cidade proibida, a restauração da grande muralha e do grande canal construídos na época da dinastia Qing. A universidade de Calgary no Canadá afirma que “os Ming criaram um dos maiores períodos de organização governamental e estabilidade social da história da humanidade. Isso deixa evidente que a China Ming, possuía todas as condições para ser uma potência marítima, afinal de contas Portugal e Espanha ainda estavam consolidando sua soberania contra os árabes invasores, Veneza que poderia ser chamada de outra potência naval, estava passando por uma crise de poder interno; o que deixa sacramentado que a China foi uma potência naval por um certo período, sendo interrompido no início de 1433, quando a dinastia Ming se fecha para o mundo e como consequência a China se isola de tudo e todos.

O rápido crescimento e investimento na frota do tesouro, que era como a marinha chinesa ficou conhecida na época dos Ming, e é mencionado no documento: European Voyages of Exploration – The Ming Dynasty (Viagens Europeias de Exploração – Dinastia Ming). Após o imperador Yongle assumir o trono depois de um golpe, onde em 1402 invadiu a cidade de Nanquim ajudado pelos eunucos da corte; ele se torna o terceiro imperador da dinastia Ming, nomeia Zheng He como comandante chefe das frotas do tesouro, uma das maiores frotas navais nunca já construídas ao longo da história; até mesmo em nossos dias atuais, sabe-se que a Marinha Chinesa é tida como a maior do mundo.

Zhu Di (Yongle) ordenou a duplicação do estaleiro de Longjiang, dando início a construção da Marinha Ming, certas estimativas estipulam que foi ordenado a construção de 1600 navios, muitos deles os navios do tesouro, que eram gigantescas embarcações com até nove mastros, constava na lista de construção, navios patrulha, navios de guerra e navios cargueiros  para o transporte de cereais, água e cavalos. Isso deixa claro que a China estava desejosa de estender seus domínios e interesses pelo mundo, visto que queriam trazer os outros povos, que os Ming chamavam de bárbaros, para o sistema tributário chinês. Talvez hoje de forma genérica, a China esteja realizando as mesmas práticas, mas de forma velada, uma delas pode ser vista por parte da Marinha Chinesa com o  navio-hospital Arca da Paz, que no ano de 2018 realizou a operação Harmonia e também em 2017, desempenhando papel diplomático e humanitário em várias partes do mundo, sendo a missão de 2015 a mais demorada; por ter visitado locais como Austrália, Polinésia Francesa, Estados Unidos, México, Barbados, Granada e Peru.

Como é mostrado pelo site portuguese.people.com.cn, veiculado pela agência de notícias chinesa Xinhua em 2016. “[…] A viagem exibiu a imagem das forças navais, caracterizada pela abertura e confiança enquanto impulsiona os intercâmbios amigáveis e o entendimento mútuo entre a China e as nações que o navio visitou […] ”. 

Ou seja, o mesmo que a China-Ming pretendia fazer durante o século XV, é basicamente o que ela está procurando fazer atualmente, talvez não com caráter colonialista, mas sim em influência geográfica e maior protagonismo internacional; isso mostra com certeza o porquê de a China estar investindo pesadamente na construção naval. Ao menos era o que as pretensões de Zhu Di indicavam.

2.1 Auge e declínio das frotas do tesouro

( Hobsbawm,Eric,1997) diz que: “Só três regiões do globo permaneceram essencialmente dominadas por aldeias e campos: a África subsaariana, o sul e o sudeste da Ásia continental e a China. Apenas nessas regiões era possível encontrar países que tinham passado ao largo do declínio dos agricultores, nos quais os que plantavam e cuidavam de animais continuaram sendo durante todas as tempestuosas décadas uma proporção constante da população”. A China até nossos dias atuais tem a agricultura como essencial para a sua própria economia e existência, tanto que tem uma das maiores populações da Terra, ou seja é muita gente para ser alimentada. Mesmo com a abertura gradual da China na década de 1970, a agricultura é uma das bases da economia chinesa, e na época do segundo imperador Ming (Zhu Yunwen) os mandarins eram o grupo da sociedade que detinha o direito de exercer os cargos administrativos do império, isso após a dedicação deles há anos de estudo e exames baseados nos ensinamentos de Confúcio, com a tomada do poder por Zhu Di, os eunucos foram quem passou a ocupar esses cargos; o que acabou gerando o descontentamento dos mandarins que consideravam os agricultores e não os mercadores, comerciantes e estrangeiros, o ponto central da sociedade chinesa.  O que fica claro, é que os mandarins eram contra os projetos de navegação de Zhu Di, sendo eles os responsáveis por haver feito com que o imperador substituto de Zhu Di, suspendesse todas as viagens das frotas do tesouro por causa dos gastos. A classe dos mandarins tiveram seu descontentamento agravado ainda mais com os gastos com a cidade proibida, na restauração e construção do muro de mil Li, gastos com astronomia, reparação do grande canal, que era a principal artéria fluvial de comércio entre o norte e sul da China.

Como inclusive o próprio Napoleão disse “quando a China acordar, o mundo tremerá.” Quando o Brasil foi “encontrado” por Portugal em 1500, a China era a maior economia, mesmo que de caráter agrário, mas respondia por 25% do PIB do planeta. No decorrer dos últimos anos de Zhu Di ele acabou se afastando lentamente do poder, não dando tanta importância a vida política, isso ocorreu pelo fato de que o imperador pensava que os céus estava irado contra ele, tudo porque a capital havia pegado fogo após uma forte tempestade em Pequim e uma de suas concubinas ter morrido; com os problemas políticos crescentes, as rebeliões em algumas províncias, os enormes gastos com guerras em territórios fora da China continental, o imperador seriamente estava assentado e um barril de pólvora prestes a explodir.

Zhu Gaozhi filho do imperador Zhu Di, sofria forte influência dos mandarins, e esses por sua vez odiavam os eunucos que ocupavam os cargos da política externa e de comandos militares; aproveitando da fraqueza de Zhu Di, os mandarins manipularam o príncipe que, após assumir o trono depois da morte de seu pai com 64 anos, em 07 de setembro de 1424, proclamou um edito que suspendeu toda e qualquer construção de navios e as reformas nas frotas do tesouro. Os comandantes ao voltarem para a China foram tratados com desdém, com exceção de Zhang He; com a morte de Zhu Gaozhi em 1425 um ano após assumir o trono, ter controlado a fome e a pobreza e também controlando os gastos desnecessários, a China corta todos os laços com países que havia estabelecido relações diplomáticas. Zhu Zhanji, filho e herdeiro do antigo imperador diminuiu drasticamente o comércio da China com o mundo exterior, permitindo que Zheng He, fizesse sua última viagem no ano de 1433.

A primeira expedição de Zheng He teve 317 navios e cerca de 27 mil pessoas, um colosso se comparada às dez naus e três caravelas que trouxeram Cabral e cerca de 1500 homens à costa do Brasil. Com 9 mastros e 137 metros de comprimento as embarcações do almirante chinês eram cinco vezes maiores que o Santa Maria, uma das três caravelas comandadas por Colombo no descobrimento da América. Apesar de estar à frente da maior marinha do mundo no século XV, Zheng He não descobriu novos territórios. (TREVISAN,Cláudia. 2012. p.194-195. )

Isso nos mostra que mesmo que tenha passado séculos dessa época das navegações chinesas, podemos constatar que ainda hoje, a ideia de expansão da China, sendo no comércio, influência governamental ou proteção militar, nada mudou. É o mesmo que Pequim faz nos dias atuais, procurando projetar a China no cenário internacional. Como mencionado por TREVISAN,2012. “A principal missão das navegações de Zheng He era promover a grandiosidade da civilização do império do meio e aumentar o número de estados tributários que reconheciam a superioridade do filho do céu”. Parece que a vaidade do imperador, desejava sair das paredes do palácio. Mas acabou sendo um plano que quase custou a ruína da dinastia, e da economia chinesa da época, o que em 1435 causou um sentimento crescente de xenofobia do povo chinês com outros povos. Esse sentimento de aversão a estrangeiros se intensificou nos anos vindouros da dinastia, prova disso foi quando uma delegação de comerciantes vindos de Portugal tentaram uma audiência com o imperador e foram presos. 

Em 1479 Liu Daxia chefe do ministério da guerra, confiscou os registros das viagens de Zheng He e de toda a frota dos tesouros, mostrando com isso que não pretendiam mais desbravar os mares. A dinastia que sucedeu os Ming foram os Qing, que subiram ao trono do filho do céu em 1644 e fortaleceram ainda mais essas políticas isolacionistas.

Com o declínio da marinha chinesa nessa época, corsários e piratas logo passaram a operar ao longo da costa chinesa, deixando evidente que a proteção que o estado Ming oferecia era de suma importância na época, todo comércio exterior passou a ser realizado somente pelo Estado, foram criadas leis marítimas que ficaram conhecidas como Haijin que colocava normas rigorosas às navegações, um exemplo era o comércio realizado com o Japão que só podia ser realizado através do porto de Ningbo. Em 1592 a China-Ming entra em guerra com o Japão, esse último perde para uma coalizão do exército chinês e coreano. 

Após o fracasso de 1517, Portugal consegue em 1557 convencer a corte Ming a assinar um tratado comercial que estabeleceria Macau Como uma colônia portuguesa, o principal produto que os portugueses queriam, era a porcelana chinesa e em contrapartida a China comprava a prata que os portugueses comercializavam com o Japão. Em 1573 com uma base comercial espanhola em Manilla, Portugal tem seu comércio com a China diminuído,  por causa da concorrência dos preços especialmente o da prata ; a ruína dos Ming acontece pela falta de prata que vinha em sua maioria do novo mundo, a forte pirataria que havia fixado no Pacífico e no Mar da China, por causa de piratas holandeses e ingleses que buscavam enfraquecer os reinos católicos, terminou enfraquecendo na realidade a China e levando a dinastia Ming a ruína; relembrando que tudo  poderia ter sido evitado caso a China ainda tivesse a sua marinha funcionando, uma marinha que pudesse escoltar e defender seus próprios navios mercantes, que pudessem trazer não somente a prata, mas também outros produtos que era trazido pelos navios espanhóis e portugueses; essa marinha que foi abandonada, certamente poderia ter estendido o poder dos Ming por mais algumas centenas de anos, esse foi um erro que certamente a China aprendeu, e é isso que vamos ver.

2.2 Marinha Chinesa e Russa

O site global fire power classifica a China como a terceira força de trabalho militar ativo, e de força naval o gigante asiático está em primeiro lugar enquanto os Estados Unidos está na terceira posição, a França na décima sexta, o Japão na décima nona, o Reino Unido em quadragésimo segundo lugar, nações essas citadas aqui pelo fato das tensões no Mar do Sul da China durante o ano de 2021. E claro, a segunda maior frota naval do mundo , segundo o mesmo site, é a Marinha Russa com 605 embarcações totais.

Alfred Thayer Mahan (1890) e Sir Julian Stafford Corbett (1911) , ambos escritores e professores, o primeiro nos EUA e o outro na Inglaterra respectivamente publicaram seus livros, pregando o uso de forças navais, Mahan com mais ênfase e diz que somente com um poder naval bem estruturado é que se consegue a vitória ou demonstrar poder, já Corbett segue a análise  de que a decisão de uma guerra era em terra com o apoio do poder marítimo.  Seja em qualquer contexto, nação ou contingente militar, os números importam muito, mas táticas também. Na era das duas primeiras guerras, o que se evidencia é o estrelismo de porta aviões, encouraçados e navios de blindagens reforçadas, a segunda maior frota naval da Europa antes da segunda guerra, era a da França, a primeira era a inglesa, a marinha italiana era considerada fraca, mais tarde na batalha do Atlântico de 1939 a 1945, foi a guerra submarina que imperou no conflito; com perdas de 783 submarinos alemães.

No campo naval, como está sendo demonstrado, dois novos meios surgiram como capitais na formação das futuras esquadras nacionais, o submarino e o porta-aviões. O encouraçado e os cruzadores pesados perderam o seu lugar no inventário das forças navais. Dois novos atores viriam a surgir no cenário internacional, de um lado os EUA, com poder marítimo relevante, e de outro a URSS ( União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), com um poder terrestre avassalador. ( LEÃO e SILVA, 2018, p.387.) 

É fato inegável que as guerras travadas hoje, são diferentes das antigas, as marinhas mudaram, exércitos mudaram, as táticas foram aperfeiçoadas, em dias atuais o que define uma guerra naval ou a projeção de força de uma nação contra outra é sem dúvida a operação de navios aeródromos, submarinos e navios de assalto anfíbio, China e Rússia operam submarinos nucleares A China com 14 e a Rússia com 45. Quando a China foi adquirir o seu primeiro porta aviões em 2002, o país asiatico realizou a compra em segredo usando intermediários para isso, comprou o antigo Varyag que é um porta aviões da Classe Almirante Kuznetsov que estava parado em um estaleiro na Ucrânia, herança da antiga URSS. Após sua total reforma a embarcação entrou em serviço ativo em 2012, seguindo a plataforma do Liaoning, a China construiu o Shandong entrou em serviço em 2017, e o mais novo e moderno porta aviões chinês, o Fujian foi lançado para os testes em mar no dia 17 de junho de 2022.

O que podemos entender é que com a crescente tensão no leste europeu, com o conflito Rússia x Ucrânia, e a não manifestação da China contrária a investida bélica russa, fica uma incerteza pairando no ar. Mas o fato irrevogável é o de que em caso de uma guerra global, certamente China e Rússia serão parceiras, e levando em consideração que ambas as nações possuem uma frota de submarinos nucleares, interesses econômicos semelhantes e porta-aviões capazes de chegar a qualquer local do planeta, podemos esperar qualquer coisa desse cenário que ainda está se desenrolando.

Mas eis que, ao final dos anos 1990, a China começou a despontar economicamente e a defender com maior vigor os seus interesses políticos e econômicos. A cúpula chinesa percebeu que, sem uma marinha oceânica com credibilidade, muito dificilmente seria capaz de defender o seu território, uma preocupação constante dos dirigentes chineses, ou de proteger seus interesses na Ásia e em outros rincões pelo mundo, em especial na África. ( LEÃO e SILVA, 2018, p.389 ). 

E a China alcançou essa credibilidade através da mesma estratégia que ela usou no século XV durante a era Ming ,vários países da África, como Botsuana, Madagascar, e mais recentemente, o Djibuti, onde se localiza a primeira base militar chinesa fora de seu território; são exemplos dessa política de buscar credibilidade, além é claro e vale a pena relembrar novamente, o navio Arca da Paz da Marinha Chinesa que presta serviço hospitalar e humanitário à esses países, além dos altos investimentos financeiros que a China tem feito no continente africano, financiando várias obras em muitos países do continente, além da assistência militar da Marinha Chinesa, como a força naval tem feito em suas escoltas de navios chineses e estrangeiros pela costa da Somália no ano de 2021.  Ressaltando a ajuda de 2015 realizada pela Marinha Chinesa na retirada de vários estrangeiros do Iêmen, entre eles estavam alemães, paquistaneses, poloneses, canadenses e várias pessoas de outras nacionalidades, totalizando 225 cidadãos estrangeiros. Certamente esses fatos se não gerarem credibilidade para o gigante asiático, no mínimo gera  respeito.

Como bem lembram os autores, Silva e Leão,2018:  “[…] agora, em pleno século XXI, a corrida naval entre os EUA e a China, parece que há ciclos de disputa de poder entre dois poderosos contendores[..]”. E como dizem os autores, Magnoli e Barbosa, 2013: “[…] Uma nova China nascia depressa, no compasso das decisões do Comitê Central. Em julho, anunciou-se a criação de quatro Zonas Especiais de Exportação que seriam rebatizadas como Zonas Econômicas Especiais[…]”.Nos remete tanto as corridas armamentistas pré primeira guerra, quanto a escalada naval da Alemanha de Hitler, e os embates da Guerra Fria; o fato é que a Marinha Chinesa não vai parar seu desenvolvimento, assim como a nossa; a Marinha Brasileira, que após vários anos operando com navios com muito tempo de serviço ativo, temos um navio porta-helicópteros e futuramente novas fragatas, e brevemente os submarinos nucleares entrarão em serviço. E com a abertura econômica e o fôlego financeiro que a China conquistou, é nítido que um dos vários interesses do país, é continuar no mercado mundial.

A PLAN (People’s Liberation Army Navy – Marinha do Exército Popular de Libertação) continuará sua expansão, e a sua inovação tecnológica certamente evoluiu junto com a sua marinha, fato é o seu novo porta aviões, que mesmo ainda passando por testes de mar antes de entrar em serviço, está equipado com o que existe de mais moderno, com maior autonomia levou 7 anos para ficar pronto, e pode carregar 70 aeronaves como o J-35.

Se o seu inimigo for poderoso, esteja preparado para ele. Se ele possui uma estratégia superior, esquive-se . Caso seu oponente possua um temperamento colérico, irrite-o. Finja ser fraco, e isso fará florescer a arrogância. Se ele estiver tendo facilidades, não lhe dê um minuto de descanso. Se as forças dele estiverem unidas, faça com que sejam dispersas. Ataque quando ele estiver desprevenido. ( SUNZI, Século VI a.C)

A primeira frase já retrata o longo caminho que a China percorreu desde a sua subjugação à Inglaterra por causa da imposição do ópio, e das guerras que se seguiram sobre essa droga, passando pela dominação do Japão, a miséria dos anos vindouros, a guerra civil, os anos de alinhamento com a união soviética, a aproximação do ocidente com a visita do presidente Nixon, à China teve muito tempo para viver e conviver com vários povos e entender quem era aliado e inimigo, o país foi se preparando, se firmando como uma economia forte e competitiva, a longa história chinesa por si só nos dá uma aula de estratégia, lutas e conflitos; a história do seu povo é marcado por guerras, lutas entre dinastias, povos invasores. Tolo é quem pensa que o dragão da Ásia é fraco e a preocupação da China em reparar e reforçar sua Marinha não é por menos. Faz parte dos BRICS ( Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), bloco econômico que praticamente quem tem o maior PIB é a China, o gigante se aliou aos humilhados do planeta, que hoje se destacam no cenário mundial, Índia é uma potência nuclear apesar dos problemas sociais, Brasil é a maior potência do hemisfério sul e tem a segunda melhor Marinha do continente americano, Rússia apesar dos excessos cometidos na Ucrânia, é um país com tradição naval. As antigas alianças, antes formadas como aliados, eixo, entente; hoje podemos definir como blocos econômicos, apesar de que em toda guerra existe processos de desenvolvimento, que se possa vislumbrar dias melhores, e que essas novas alianças disfarçadas de blocos econômicos não acabem servindo de contingente de guerra. Como o próprio sun tzu disse há 24 séculos atrás: “ a arte da guerra é de vital importância para o Estado”

3. CONCLUSÃO

Ao longo da história, enquanto existir o ser humano, que prefere olhar só as diferenças e não as similaridades, sempre estaremos propensos a qualquer tipo de conflito. Durante a segunda guerra mundial o medo era de que no início do conflito o socialismo e comunismo se alastrasse pela Europa, fazendo com que Inglaterra e França as duas potências europeias fizessem vista grossa às vontades de Hitler, acaba a segunda guerra e o comunismo-socialismo nasce com força total; cai o mundo novamente em uma guerra fria, que ameaçou a humanidade com as bombas nucleares, norte-americanos, russos, chineses ou qualquer nação que fosse aliada com qualquer dos dois blocos na época da guerra , convivia com o medo de serem incinerados por uma bomba. Surge o Pacto de Varsóvia, a Otan, Mercosul, União Europeia; o século XX termina, terminando e derrubando o muro de Berlim, maior símbolo da divisão mundial, enfrentamos hoje o terrorismo, a vingança dos países que foram usados como fantoche durante os períodos sombrios do século XX, o próprio ocidente, a própria Rússia, herdeira da União Soviética criaram seus monstros do passado, e agora esses monstros cresceram, pensamos que o século XXI seria de paz e tranquilidade, mas como a própria história do mundo sempre nos mostrou, conflitos sempre existiram , e em plena era da tecnologia, nenhum país irá parar o seu avaço bélico, sua expansão de influência, isso faz parte da geopolitica mundial, isso faz parte do DNA do ser humano. Nós enquanto raça, somos seres em evolução; então que a nossa civilização humana possa evoluir para um futuro sem guerras e com mais unidade, respeitando cada nação do seu modo e de sua maneira. A China veio para ficar e recuperar o seu lugar que historicamente, ela tem por direito; erros internos e externos levaram-na a se fechar, isolar do mundo, ninguém imaginou que ao acordar, o reino do meio acordaria com tanta fome, e urgência em recuperar o seu prestígio e lugar de destaque no mundo.


1eduardo.honorato@educacao.mg.gov.br
2HARDING, Luke. LEIGH, David. Wikileaks: A Guerra de Julian Assange contra os segredos de Estado. Rio de Janeiro: Versus Editora LTDA,2011,p.221
3MAGNOLI, Demétrio. BARBOSA, Elaine. O leviatã desafiado. Vol.2. Rio de Janeiro:  RECORD , 2013, p. 315.
4CUNHA, Paulo Ferreira da. Direito internacional:raízes e asas. Belo Horizonte: Fórum. 2017.
5MENZIES, Gavin. 1421: o ano em que a China descobriu o mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2008.
6Disponível em: http://www.ucalgary.ca/applied_history/tutor/eurvoya/ming.html. Acesso em:04 de agosto de 2021.
7Disponível em:  http://afe.easia.columbia.edu/special/china_1000ce_mingvoyages.htm . Acesso em 02 de julho de 2022.
8Disponível em: https://www.globalfirepower.com/navy-ships.php. Acesso em 02 de julho de 2022.
9Consiste da relação senhorio-vassalo entre o governo chinês e os outros países que ofereceram tributos à China em troca de proteção naval e ajuda em guerras.
10Disponível em:  http://portuguese.people.com.cn/n3/2018/0803/c309806-9487548.html. Acesso em 02 de julho de 2022.
11Disponível em:  http://portuguese.people.com.cn/n3/2016/0127/c309806-9009951.html. Acesso em 02 de julho de 2022
12Era como os chineses chamavam a muralha da China, que havia sido construída na época da dinastia Qing que unificou a China, após os conflitos de mais de 200 anos da época que ficou conhecida como Estados Combatentes.
13Disponível em:  https://www.publico.pt/2011/02/15/jornal/quando-os-chineses-acordarem-21304672. Acesso em 02 de julho de 2022.
14TREVISAN,Cláudia. Os Chineses. 2012, ed.1. São Paulo:Contexto, 2017.
15Em 1517 portugueses enviaram uma missão diplomática para a corte Ming, acabaram sendo presos e morrendo na prisão.
16Disponível em: https://www.oxfordreference.com/search?q=liu+daxia . Acesso em 02 de julho 2022.
17Foi possessão de Portugal até 1999, Declaração Conjunta Sino-Portuguesa é um tratado internacional bilateral assinado em 13 de abril de 1987 em Pequim, China por Aníbal Cavaco Silva e por Zhao Ziyang, nas qualidades de chefe de estado de Portugal e da China.
18Disponível em: https://www.globalfirepower.com. Acesso em 02 de julho de 2022.
19Disponível em:https://www.globalfirepower.com/navy-ships.php . 02 de julho de 2022.
20 SILVA,Francisco. LEÃO, Karl. Por que a guerra: Das batalhas gregas à ciberguerra-uma história da violência entre homens. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,2018.
21Disponível em: https://www.defesaaereanaval.com.br/geopolitica/os-6-paises-que-dominam-o-mar-com-submarinos-nucleares. Acesso em: 02 de julho de 2022
22Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/china-apresenta-seu-terceiro-porta-avioes/. Acesso em 02 de julho de 2022
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24Disponível em: https://www.fmprc.gov.cn/ce/cept/pot/sgdt/t1252718.htm . Acesso em: 02 de julho de 2022.
25MAGNOLI, Demétrio. BARBOSA, Elaine. O leviatã desafiado. Vol.2. Rio de Janeiro:Record, 2013, p.329.
26Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/fujian-china-apresenta-seu-terceiro-e-mais-avancado-porta-avioes/  . Acesso em: 02 de julho de 2022.
27TZU, Sun. A arte da guerra. – ed.1. São Paulo: Pé da letra, 2016, p.15,16.

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