REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7437171
Tatiane Lara Costa Vasconcellos Martins
Conforme o art. 130 do Código de Processo Civil vigente, pode o magistrado determinar a produção de provas de ofício. Não é correto afirmar, no entanto, que o princípio dispositivo é violado, pois, como demonstrado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “Respeita às questões deduzidas em juízo, não podendo o juiz conhecer de matéria a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.”1
No que se refere ao princípio da igualdade, o autor postula que o juiz deve garantir igualdade de tratamento às partes. Outros princípios concernentes a essa questão são a imparcialidade do julgamento, do ônus da prova e da ordem de oitiva das testemunhas2.
No sentido de embasar a principal tese defendida (“o magistrado determinar a produção de provas de ofício”), copio julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. DETERMINAÇÃO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL EX OFFICIO PELO TRIBUNAL A QUO. FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO JUIZ. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o juiz tem a prerrogativa de determinar a produção de provas que reputar necessárias ao deslinde da causa, a qual poderá ser utilizada em qualquer fase do processo.
2. Recurso especial improvido.
(STJ – Recurso Especial, REsp 783202 RJ 2005/015745-2, Relator (a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, D. Julgamento 03/03/2009).”3
E do Tribunal Regional Federal:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. FAZENDA NACIONAL. DETERMINAÇÃO DE PRODUÇÃO DE PROVA EX OFFICIO.
I. Nos termos do art. 33, do CPC, o pagamento dos honorários periciais deverá ser suportado pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas ou determinado de ofício pelo juiz.
II. ‘O STJ e esta Corte Regional têm se posicionado no sentido da aplicação da Súmula 232 do STJ “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”, ainda que se trate de ação civil pública. Agravo de Instrumento improvido.’ (Agtr 112/402/PB. Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano. DJe de 25.04.2012) III. Agravo de instrumento improvido.
(TRF-5 – AG – Agravo de Instrumento : AG 36750420144050000, Relator Desembargador Federal LIRA DE CARVALHO, D. julgamento 01/07/2014).”4
No que tange ao destinatário da prova, segundo o professor Cássio Scarpinella Bueno, ele é o próprio julgador, isto é, a pessoa física que atua em frente ao juízo, “é ele quem determinará a realização da ‘fase instrutória’ porque é ele, em última análise, quem entende ser possível, ou não, ‘o julgamento antecipado da lide’ diante dos pressupostos do art. 330.”5
Quanto às expressões “poder-dever” e “dever-poder”, conforme entendimento do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, há diferença. As prerrogativas da Administração se qualificam melhor como “deveres-poderes” do que “poderes-deveres”, pois a primeira expressão ressalta a subordinação do poder em relação ao dever, salientando, assim, o caráter finalístico de tais prerrogativas, de que decorrerão suas inerentes limitações6.
Estado é o “dever” (interesse público), sendo o poder apenas um meio. Percebemos, portanto, que a última expressão somente acentua a sujeição do Poder Público ao interesse da coletividade e ao estabelecido pela lei.
Além disso, o Novo Código de Processo Civil ampliou os poderes do juiz. Entre alguns dos “novos” poderes dos juízes, constam:
“1) Os juízes poderão decidir tudo em matéria probatória sem que caiba qualquer recurso -se o juiz não admitir uma perícia, um documento ou uma testemunha que a parte reputa importante para provar o seu direito, nada poderá ser feito para mudar a decisão de imediato;
2) Os juízes poderão conceder medidas antecipatórias (verdadeiras sentenças no início do processo) com grande facilidade, apenas à vista de um bom documento apresentado pelo autor;
3) Os juízes poderão determinar a constrição de bens, móveis ou imóveis, inclusive contas bancárias e aplicações do réu, sem critérios estabelecidos precisamente pela lei (medidas como arresto, sequestro, busca e apreensão, arrolamento serão concedidas e executadas com enorme agilidade, segundo a vontade do magistrado);
4) Os juízes poderão proferir suas sentenças (as decisões finais das causas) observando princípios abstratíssimos, como “dignidade da pessoa humana”, “proporcionalidade” e “razoabilidade”, o que vai facilitar enormemente o subjetivismo judicial e a desconsideração de normas legais de todo tipo e de contratos, abalando os alicerces da segurança jurídica;5) As sentenças serão executadas imediatamente, sem a necessidade de confirmação por um tribunal, o que significará, a um só tempo, a eliminação do direito de cada um de nós a uma segunda opinião (de um colegiado composto por magistrados mais experientes) e a diminuição considerável da possibilidade de conserto de decisões injustas.”7
Portanto, percebe-se que o juiz ganhará mais poderes, no entanto, conforme as informações recolhidas, não haverá um amparo legal suficiente para evitar abusos de poder e opiniões subjetivas.
Por outro lado, há os que defendam uma posição mais otimista. Segundo o desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região Marcelo Navarro, “o projeto não dá mais poder aos juízes, mas sim cria mecanismos para tornar mais efetiva a realização dos direitos reclamados no Judiciário.” O relator do projeto, deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), também se pronunciou, “uma das minhas alterações à proposta será a instituição de um acordo de procedimentos, em que as partes definirão questões processuais e o juiz apenas arbitrará de acordo com o que foi definido.”8
Com base no princípio do livre convencimento motivado do juiz e a sistemática do atual Código, o juiz busca a verdade material. Se o interesse do magistrado estivesse restrito ao campo formal, não haveria a preocupação presente no atual Código de outorgar ao juiz poderes para produzir provas “ex officio” e apreciar as provas livremente, como previsto no art. 130 e no art. 131.
Esses poderes permitem que o juiz analise as provas sob a ótica que considera mais eficiente e verossímil, assim, não cabe ao magistrado aceitar uma prova como verdadeira apenas porque esta obedeceu aos requisitos formais, é incumbência dele analisá-la tendo por base os fatores casuísticos também, a fim de não se restringir à verdade formal e atingir a verdade material.
O professor Cássio Scarpinella disserta no mesmo sentido: “A qualidade da prestação da tutela jurisdicional, em atenção ao “modelo constitucional do direito processual civil”, não pode tolerar qualquer outro comprometimento do magistrado que não a busca da “verdade real”, isto é, a “verdade”, que no seu íntimo corresponda àquilo que realmente aconteceu no plano exterior ao processo […].”9
A seguir, julgado que reitera a posição:
“RECURSO ORDINÁRIO. REVELIA. PREVALÊNCIA DA VERDADE REAL SOBRE A VERDADE FORMAL.
Muito embora seja a reclamada revel e confessa quanto à matéria fática, a tese do recorrente restou amparada apenas sobre o aspecto formal, ou seja, em documento que aponta situação cadastral ativa e endereço ainda existente no mundo jurídico da empregadora, o que indicaria a possibilidade de retorno às atividades a qualquer tempo, porém tal situação não se sustentou no mundo fático, conforme constatado in loco segundo certidão da oficiala de justiça, sendo, assim, correta a decisão de primeiro grau que, respaldada no princípio da verdade real, indeferiu pedidos de condenação em obrigação de fazer diretamente relacionados com o citado documento.Recurso conhecido e não provido.
(TRT-16 : 60200300116002 MA 00060-2003-001-16-00-2, Relator (a) Américo Bedê freire, Data de julgamento 14/02/2013, Data de publicação 01/03/2013).”10
Quanto à função do princípio da Máxima Eficiência dos Meios Probatórios é garantir que os meios probatórios utilizados sejam, ao máximo, úteis e eficientes. Tal princípio encontra fundamento na Constituição Federal, no artigo 37, que impõe à administração pública o princípio da eficiência, dentre outros.
Além disso, este princípio nutre forte relação com outro: o do livre convencimento motivado do juiz. Este último tem previsão no artigo 130 do Código de Processo Civil, que garante ao magistrado a determinação da produção de provas a fim de produzir apenas provas úteis, isto é, segundo lecionado pelo professor, provas que alcancem o objetivo de esclarecimento dos fatos e que sejam o melhor meio para se atingir esse esclarecimento.
Portanto, o princípio do livre convencimento motivado do juiz tem relação intensa com o princípio da Máxima Eficiência dos Meios Probatórios, tendo em vista que o objetivo primordial do princípio do livre convencimento é a própria máxima eficiência dos meios probatórios.
No que tange ao princípio do livre convencimento motivado, o juiz poderia indeferir uma prova requerida pela parte, conforme lição de Cássio Scarpinella: “na medida em que o juiz não verifique a necessidade de produção de provas além daquelas já produzidas, ele não fica adstrito ou vinculado a pedido eventualmente formulado pelas partes nesse sentido”11. O processualista ainda acrescenta que, se a recusa foi ou não legitima, não importa, isto é questão diversa a que cabe recurso de apelação (art. 153) ou de agravo (art. 522).
É importante frisar que, no entanto, para tal indeferimento, é necessário que o juiz apresente motivos pelos quais ele se convenceu suficientemente das alegações pelas provas que lhe foram apresentadas e motivos pelos quais as provas pretendidas e indeferidas são desnecessárias. Pois, conforme o art. 93, i IX da Constituição, decisão sem fundamentação é nula “pleno iure”. Em cossonância com ensinamento do processualista Nery: “Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto.”12
No que concerne às principais diferenças entre o ônus da prova no Código de Processo Civil atual em relação ao Projeto do Novo Código de Processo Civil, inicia-se pelas disposições do Novo Código.
De acordo com o atual Código de Processo Civil, art. 333:
“O ônus da prova incumbe:
I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.
Já o Projeto do Novo Código Civil, pelo art. 358, caput, traz a possibilidade de inversão do ônus da prova a critério do julgador13. Portanto, há uma diferença entre os dois códigos: no primeiro, a inversão de ônus ocorre apenas segundo as possibilidades previstas em lei; no segundo, há uma abertura maior para que ocorra essa inversão, que ficará a critério do juiz.
Percebe-se, assim, que o Novo Código adota a Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da Prova. Esta consiste na flexibilização do ônus da prova, que pode ser disposto de modo diverso do disposto em lei se assim o juiz decidir. Ou seja, ao magistrado é facultado o poder de avaliar qual das partes tem melhores condições para produzir as provas e a ela incumbir a responsabilidade da produção das mesmas14. Tal teoria já encontra respaldo no Código do Consumidor, art. 6º, i VIII:
“São direitos básicos do consumidor – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”
Portanto, enquanto o Código atual restringe as possibilidades de inversão do ônus das provas pelo juiz somente na hipótese consumerista (ou naquelas em que se perceba a hipossuficiência de uma das partes, como na lide trabalhista15), o novo Código abre esse leque, permitindo ao juiz inverter o ônus em situações onde houver impossibilidade de cumprir com o ônus ou maior facilidade na obtenção da prova.
Nesse sentido, o professor William Ferreira que fez parte do projeto ressaltou a importância desse dispositivo. Foi comentado que não são raros os processos em que uma parte tem condições muito melhores para produzir provas, mas uma vez que ela não possui o ônus de produzi-la, ela simplesmente não o faz. Assim, o processo como um todo é prejudicado, não se aproximando ao máximo da verdade material. Com o novo Código, poderá se inverter o ônus, caminhando em direção à Máxima Eficiência dos Meios Probatórios.
BIBLIOGRAFIA
BUENO, Cássio. “Curso Sistematizado de DIREITO PROCESSUAL CIVIL: procedimento comum: ordinário e sumário, vol. 2, tomo I.” São Paulo, 7 ed. Ed. Saraiva, 2014.
NERY, NERY – “Código de Processo Civil Comentado”; São Paulo. 12 ed, Ed. Revista dos Tribunais. 2012.
HENRIQUE, Lygia Maria Moreno Lima. “Provas e ônus da prova sob o aspecto da tutela individual e coletiva.” 39 fl.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO”; São Paulo. 29 ed. Ed. Malheiros Editores. 2011.
SÍTIOS
https://www.2.cjf.jus.br – acessado em 03 de março às 20h.
http://www.jusbrasil.com.br/ – acessado em 03 de março às 20h30.
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ – acesso em 25 de fevereiro às 19h00.
http://coad.jusbrasil.com.br/noticias/ – – acesso em 25 de fevereiro às 19h30.
http://www.conjur.com.br/ – acesso em 25 de fevereiro às 20h00.
1NERY, NERY – “Código de Processo Civil Comentado”; São Paulo. 12 ed, Ed. Revista dos Tribunais. 2012. P. 130.
2NERY, NERY – “Código de Processo Civil Comentado”; São Paulo. 12 ed, Ed. Revista dos Tribunais. 2012. P. 130.
3http://jusbrasil.com.br/jurisprudencia/
4http://jusbrasil.com.br/jurisprudencia/
5BUENO, Cássio. “Curso Sistematizado de DIREITO PROCESSUAL CIVIL: procedimento comum: ordinário e sumário, vol. 2, tomo I.” São Paulo, 7 ed. Ed. Saraiva, 2014. P. 236.
6MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO”; São Paulo. 29 ed. Ed. Malheiros Editores. 2011. P. 73.
7http://www.conjur.com.br/
8http://coad.jusbrasil.com.br/noticias/
9BUENO, Cássio. “Curso Sistematizado de DIREITO PROCESSUAL CIVIL: procedimento comum: ordinário e sumário, vol. 2, tomo I.” São Paulo, 7 ed. Ed. Saraiva, 2014. P. 247
10http://www.jusbrasil.com.br/
11BUENO, Cássio. “Curso Sistematizado de DIREITO PROCESSUAL CIVIL: procedimento comum: ordinário e sumário, vol. 2, tomo I.” São Paulo, 7 ed. Ed. Saraiva, 2014. P. 246.
12NERY, NERY – “Código de Processo Civil Comentado”; São Paulo. 12 ed, Ed. Revista dos Tribunais. 2012. P. 340.
13https://www2.cjf.jus.br
14 https://www2.cjf.jus.br
15HENRIQUE, Lygia Maria Moreno Lima. “Provas e ônus da prova sob o aspecto da tutela individual e coletiva.” 39 fl. Tese. PUC.