USO DA VENTILAÇÃO NÃO-INVASIVA NA TERAPÊUTICA DO EDEMA PULMONAR CARDIOGÊNICO

Use of Noninvasive Mechanical Ventilation in the Treatment of Cardiogenic Pulmonary Edema
Autor:
CHRISTIANA SOUTO SILVA
Graduada em Fisioterapia pela Universidade Estadual da Paraíba /UEPB.
Especialista em Fisioterapia Cardio-Respiratória pela Universidade Federal de Pernambuco/ UFPE.
Professora /Supervisora de Estágio da Faculdade ASPER (Associação Paraibana de Ensino Renovado)
Título Abreviado: Uso da VNI na terap do edema pulm card
RESUMO
Em pacientes com edema agudo de pulmão, a redução na complacência pulmonar correlaciona-se à congestão pulmonar. Clinicamente importante é o fato de que o desconforto respiratório não está diretamente relacionado à hipoxemia e não pode ser revertido apenas com administração de O2. A terapia médica usual inclui diuréticos, vasodilatadores e inotrópicos. Embora muitos pacientes respondam rapidamente ao tratamento de rotina, um número significante progride para insuficiência respiratória severa, com intubação endotraqueal e suas complicações associadas. O uso de pressão positiva não-invasiva por máscara reduz a necessidade de intubação endotraqueal. A análise da literatura atual comprova que a ventilação não-invasiva é segura e efetiva em reduzir a necessidade de intubação endotraqueal em pacientes com desconforto respiratório de origem cardíaca. Os resultados reforçam o conceito que a pressão positiva não-invasiva deve ser considerada uma forma não farmacológica de tratamento do edema agudo de pulmão cardiogênico e não simplesmente uma medida de suporte.
PALAVRAS-CHAVE: Edema pulmonar. Ventilação não-invasiva. Insuficiência respiratória aguda. Terapia respiratória.
ABSTRACT
In patients with cardiogenic pulmonary edema, the reduction in lung compliance correlates with pulmonary congestion. Of clinical relevance is the fact that respiratory distress is not related directly to hypoxemia and cannot be reversed with O2 administration alone. Standard medical therapy includes diuretics, vasodilators and inotropics. Although many patients respond rapidly to standard treatment, a significant number progress to severe respiratory distress leading to endotracheal intubation with its associated complications. Noninvasive use of positive pressure delivered through a mask reduces the need for endotracheal intubation. The analysis of the current literature shows that noninvasive ventilation is safe and is effective in preventing the need for endotracheal intubation in patients with respiratory distress of cardiac origin. The results support the concept that noninvasive positive pressure ventilation must be seen as a nonpharmacological form of treatment of acute pulmonary edema, rather than only as a supportive measure.
KEYWORDS: Pulmonary Edema. Noninvasive Ventilation. Acute Respiratory Failure.
Respiratory therapy.
INTRODUÇÃO
O significado do termo insuficiência cardíaca indica uma disfunção do coração para bombear sangue suficiente às necessidades do organismo. A redução de bombeamento sanguíneo pelo coração pode ter várias origens, desde idiopatias a causas secundárias como diabetes, estresse emocional, tipo de personalidade, obesidade, dieta rica em sódio e gorduras, inatividade física, idade, raça, sexo, história familiar, dentre outros (1).
A hipertensão arterial, arteriosclerose e alterações do funcionamento das válvulas cardíacas é o grande responsável por 95% dos casos. Quando uma dessas causas atinge o coração incapacitando-o, alguns mecanismos e compensadores cardíacos e extra cardíacos se processam para superar essa falência funcional. O coração entra em luta para conservar o volume de expulsão normal às exigências tissulares e orgânicas inicialmente diminuindo sua freqüência para depois dilatar e hipertrofiar adquirindo uma fisiopatologia complexa (1,2).
Segundo Guyton (2), com a insuficiência cardíaca esquerda – unilateral predomina à do lado direito, logo o sangue continua a ser bombeado para os pulmões e não é bombeado adequadamente do pulmão para o resto do corpo. Em conseqüência a pressão média de enchimento pulmonar eleva-se devido ao deslocamento de um grande volume de sangue da circulação sistêmica para a circulação pulmonar.
A insuficiência cardíaca esquerda leva a aumento na água extravascular pulmonar, redução do volume e da complacência pulmonar, e aumento do consumo de oxigênio por volume ventilado (custo de oxigênio da ventilação). Em muitos casos, a combinação entre insuficiência cardíaca esquerda e insuficiência respiratória gera um ciclo vicioso que culmina no edema agudo dos pulmões, situação clínica na qual o risco de vida é iminente, a menos que medidas apropriadas e imediatas sejam adotadas (3).
No edema pulmonar cardiogênico, apesar da suplementação de oxigênio e da administração de drogas que têm como finalidade reduzir a quantidade de água extravascular e melhorar o desempenho miocárdico, muitos pacientes caminham para insuficiência respiratória aguda (IRA) (3,4).
Clinicamente importante é o fato de que o desconforto respiratório não está diretamente relacionado à hipoxemia e não pode ser revertido apenas com administração de oxigênio (5).
A utilização de ventilação mecânica (VM) invasiva restabelece a oxigenação, alivia o trabalho respiratório e diminui a sensação de dispnéia, porém essa modalidade ventilatória pode acarrear complicações hemodinâmicas e respiratórias (4).
A ventilação mecânica, além de ser um procedimento invasivo, está associada a complicações que podem comprometer significativamente a evolução clínica em pacientes graves. A presença do tubo endotraqueal pode lesar diretamente a mucosa da via aérea causando ulceração, inflamação, edema e hemorragia submucosa, e em casos extremos, estenose da via aérea. Adicionalmente, a via aérea artificial altera os mecanismos naturais de defesa, predispondo a infecções nosocomiais graves como pneumonia, sinusite e otite. Ainda, promove dor e desconforto, impede a alimentação por via oral e a fala. Tais fenômenos impõem a necessidade de sedação e são responsáveis por sérios transtornos psicológicos (6,7).
Hoje sabemos que os mesmos objetivos também podem ser alcançados, em pacientes selecionados, com o uso da ventilação não-invasiva com pressão positiva, sem os riscos inerentes ao uso do tubo traqueal, e com a facilidade de descontinuação da ventilação sempre que necessário (4).
A ventilação não-invasiva por meio de máscaras nasais ou faciais, diminui o trabalho muscular e melhora a troca gasosa por recrutamento de alvéolos hipoventilados. Alem disso, mantém as barreiras de defesa natural, diminui a necessidade de sedação, reduz o período de ventilação mecânica, e ainda pode evitar a intubação orotraqueal e suas complicações (6).
Entretanto, algumas condições clínicas como rebaixamento do nível de consciência, trauma de face, instabilidade hemodinâmica, alteração do reflexo da deglutição, cirurgia esofagogástrica recente, evidência de isquemia miocárdica ou presença de arritmias ventriculares limitam seu uso. As possíveis complicações incluem distensão abdominal, aspiração de conteúdo gástrico, necrose facial e barotrauma. Porém, a sofisticação dos equipamentos e máscaras tornou os benefícios da ventilação não-invasiva inquestionáveis, inclusive em populações específicas (6,7).
Neste estudo de revisão da literatura, fez-se uma abordagem sobre as principais características fisiológicas da ventilação não-invasiva por pressão positiva sobre as funções respiratória e cardiovascular, como também os benefícios do seu uso na prática clínica.
Ventilação não-invasiva
A ventilação não-invasiva (VNI) é definida como uma técnica de ventilação mecânica onde não é empregado qualquer tipo de prótese traqueal (tubo orotraqueal, nasotraqueal ou cânula de traqueostomia), (4,7) sendo a conexão entre o ventilador e o paciente feita através do uso de uma máscara. A forma mais estudada de ventilação mecânica não-invasiva no cardiopata é a pressão positiva contínua (4).
As ventilações em resgates, realizadas através de um tubo de junco e um fole foram popularizadas na Europa pela sociedade holandesa para o resgate de pessoas afogadas em 1700 (7).
Só depois de 1935, todavia, foi que Barach relatou uma série de estudos envolvendo uma VM potente para fornecer pressão positiva contínua na via aérea (CPAP) através de uma máscara para pacientes com edema pulmonar e outras formas de insuficiência respiratória (7).
O sucesso obtido por Sullivan e colaboradores com o uso da pressão positiva contínua para o tratamento da apnéia obstrutiva do sono foi um passo importante para o retorno da ventilação não-invasiva ao ambiente hospitalar. Esse fato levou ao aperfeiçoamento das máscaras, tornando-as cada vez mais confortáveis, assim como dos ventiladores, que passaram a ser desenhados especialmente para a ventilação não-invasiva (4,8).
Os efeitos da ventilação por pressão positiva nasal ou facial têm sido estudados em experimentos clínicos nos pacientes com IRA de diversas etiologias. (5,7,9)
A VNI mostrou-se eficiente no tratamento de insuficiência respiratória aguda e crônica. No entanto, seu sucesso depende da experiência da equipe que a realiza e da correta escolha dos pacientes e equipamentos. Pode ser realizada com geradores de fluxo, aparelhos de ventilação invasiva adaptados ou aparelhos projetados especificamente para VNI. Cada tipo apresenta vantagens e desvantagens. Portanto, a indicação do melhor equipamento depende do tipo de paciente assistido, da disponibilidade de equipamentos na instituição e do grau de conhecimento e treinamento da equipe que assiste o paciente (10).
A adequada seleção dos candidatos ao uso da ventilação não-invasiva é o primeiro passo para o sucesso da técnica. Como a VNI é uma modalidade de suporte ventilatório parcial e sujeita a interrupções, essa técnica não deve ser utilizada em pacientes totalmente dependentes da ventilação mecânica para se manterem vivos. A cooperação do paciente é importante para o sucesso da VNI, tornando o seu uso limitado nos pacientes com rebaixamento do estado de consciência ou com agitação (11).
Existem dois modos principais de aplicação de pressão positiva não-invasiva: pressão positiva contínua na via aérea (CPAP) e dois níveis de pressão positiva na via aérea = BiPAP (12) ou PSV + PEEP.
A CPAP trata-se de uma modalidade ventilatória na qual é aplicada uma pressão contínua nas vias aéreas durante todo ciclo respiratório, ou seja, pressão durante a inspiração igual à pressão durante a expiração. A utilização de CPAP é dependente do esforço respiratório inicial do paciente, que deve se mostrar cooperativo e apresentar respiração espontânea eficaz, não sendo efetiva durante o momento de apnéia.
A BiPAP é uma modalidade ventilatória pressórica que permite ajuste de pressão
positiva durante a inspiração e a expiração de forma independente. Esses ventiladores ciclam entre dois níveis de pressão positiva: um nível pressórico mais elevado durante a inspiração, que auxilia a ventilação, e outro menor durante a expiração (11).
Os efeitos fisiológicos da CPAP incluem (4,11,13): aumento do débito cardíaco, fornecimento de oxigênio, diminuição da pós-carga do ventrículo esquerdo, melhora da capacidade residual funcional e da mecânica ventilatória e conseqüente redução do esforço ventilatório. Atualmente, tem-se referido que o uso da BiPAP reduz de forma mais significante o trabalho ventilatório e a fadiga do que a CPAP (13,14).
A CPAP é um modo ventilatório empregado com freqüência para o suporte ventilatório não-invasivo de pacientes com edema agudo de pulmão. Nessa situação, acreditamos que se deva utilizar um valor mínimo de 10 cmH2O para garantir os benefícios hemodinâmicos e ventilatórios da CPAP. Fu et al. demonstraram que a CPAP obtida com gerador de fluxo tem funcionamento semelhante à CPAP de ventiladores mecânicos para aplicação não-invasiva (11).
Um grupo crescente de trabalhos, criando casuística consistente, foi sucessivamente publicado, enaltecendo o poder da ventilação não-invasiva em evitar a intubação, e diminuir a freqüência de complicações relacionadas à VM, a duração da estadia no hospital e o índice de mortalidade em pacientes com insuficiência respiratória(3,5,7,12,15,16).
Edema Pulmonar Cardiogênico
A ventilação não-invasiva com pressão positiva (VNIPP) tem reduzido o uso da ventilação pulmonar mecânica invasiva para pacientes com edema agudo de pulmão (EAP) cardiogênico (13).
O III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica (11) relata que o uso de CPAP é seguro e diminui a necessidade de intubação para pacientes com edema pulmonar cardiogênico, devendo ser aplicado precocemente e em conjunto com a terapia medicamentosa convencional.
Vários estudos comprovaram que as manifestações respiratórias e cardiovasculares do EAP severo podem ser significativamente beneficiadas pela administração de ventilação por pressão positiva.
A aplicação da máscara de CPAP em pacientes com EAP foi relatada inicialmente em 1930 por Poulton e Oxon (5,8).
A eficácia da máscara de CPAP neste grupo de pacientes foi comprovada por dois estudos randomizados. Rasanen et al randomizaram 40 pacientes selecionados com EAP (19 com infarto agudo do miocárdio) para pressão da via aérea ambiente ou CPAP 10 cm H2O enquanto a FiO2 foi mantida constante em 28% a 30%. O CPAP melhorou rapidamente a PaO2 e reduziu a freqüência respiratória e a PaCO2. Mais adiante, a CPAP resultou em melhora rápida e significante da freqüência cardíaca e pressão sangüínea durante o período de estudo (3 horas), 12 pacientes do grupo controle e seis no grupo tratado com CPAP necessitaram de intubação. As razões da intubação foram hipoxemia, retenção de CO2 e necessidade de ressuscitação cardíaca (5, 12).
Bersten realizou um estudo controlado e randomizado comparando a eficácia da CPAP via máscara facial total contra tratamento convencional em 39 pacientes com EAP cardiogênico apresentando severa hipoxemia. Ele observou uma rápida e significante melhora na PaO2, sinais vitais e uma significante diminuição na PaCO2 em pacientes tratados com CPAP (19 pacientes) comparados com aqueles tratados convencionalmente (20 pacientes). Observou-se que nenhum paciente necessitou de intubação no grupo tratado com CPAP e 35% dos pacientes do grupo de oxigenação foram intubados dentro de 3 horas do ingresso do estudo e a taxa de mortalidade foi similar em ambos os grupos. O autor demonstrou que, depois de 30 minutos, os pacientes recebendo CPAP tiveram significante diminuição na freqüência respiratória e PaCO2, um aumento no pH arterial e na relação PaO2/FiO2 do que nos pacientes recebendo oxigenioterapia. Os autores concluíram que a CPAP por máscara facial total pode reduzir a necessidade de intubação e VM invasiva em pacientes com EAP cardiogênico (5,12,15).
Na casuística de Lin et al, com 100 pacientes, foi aplicado CPAP em níveis progressivamente maiores, variando de 2,5 até 12,5 cmH2O, num intervalo de duas horas e meia. O resultado foi concordante com o estudo de Bersten (11).
Lima (15) realizou uma revisão bibliográfica e encontrou uma recorrência de infarto agudo do miocárdio (IAM) em pacientes que utilizaram o BiPAP. Em um destes estudos realizado em 1997, Mehta e colaboradores (12,14) compararam 14 pacientes em uso de VNI com PS = 15 cmH2O + PEEP = 5 cmH2O, com 13 pacientes em uso de CPAP = 10 cmH2O. Houve, na análise intra-grupo, uma queda mais rápida na pressão arterial, freqüência cardíaca e respiratória no grupo randomizado para o uso de VNI com PEEP + PS. A taxa de intubação foi semelhante, porém o resultado que tornou esse estudo polêmico foi a elevada taxa de infarto agudo do miocárdio (IAM) no grupo VNI com PEEP + PS (71% versus 31%), o que resultou na interrupção do estudo. Posteriormente, em 1999, o trabalho de Rusterholtz e colaboradores demonstraram exatamente o mesmo: os pacientes com EAP cardiogênico tratados com BiPAP apresentaram maior índice de IAM, sendo portanto contra-indicado o uso deste modo ventilatório, devendo ser tratados com intubação endotraqueal e ventilação invasiva. Em 2000, Kosowsky em uma outra experiência randomizada comparou o uso da BiPAP e CPAP no tratamento de 27 pacientes com EAP cardiogênico com insuficiência respiratória aguda do departamento emergencial. Os pacientes que utilizaram a BiPAP apresentaram uma redução da freqüência respiratória, menor dispnéia, melhora da oxigenação e ventilação em relação aos que usaram CPAP. Nenhuma diferença foi encontrada em relação à mortalidade hospitalar, e no tempo de permanência na UTI e no hospital. Neste estudo observou-se também uma alta taxa de IAM no grupo tratado com BiPAP. Os autores concluíram que, como ocorreu uma maior queda da pressão sanguínea e uma alta na pressão intra-torácica no grupo tratado com BiPAP, isto pode ter induzido à insuficiência cardíaca e menor perfusão do miocárdio, levando ao IAM.
Recentemente, Girou et al publicaram uma pesquisa observacional, retrospectiva do tipo coorte avaliando 479 pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou edema agudo de pulmão submetidos à ventilação mecânica convencional ou não-invasiva, durante um período de oito anos. As principais variáveis estudadas foram a incidência de infecção adquirida na UTI e a taxa de mortalidade. Como resultado, observou-se um aumento significativo da utilização da VNI com diminuição da freqüência de pneumonia intra-hospitalar de 20% em 1994 para 8% em 2001 e do risco de óbito (16).
A meta-análise de Peter et al (17), comparou três grupos de 29 estudos (1966 a 2005), com pacientes apresentando EAP cardiogênico: Grupo 1 (G1= pressão positiva contínua em vias aéreas (CPAP) versus terapêutica padrão-oxigênio por máscara facial, diuréticos, nitratos e outros cuidados de suporte) 12 estudos; Grupo 2 (G2= pressão positiva em vias aéreas com dois níveis de pressão (BiPAP) versus terapêutica padrão) 7 estudos; e Grupo 3 (G3= BiPAP versus a CPAP) 10 estudos, com os objetivos de verificar a redução da mortalidade, a necessidade de ventilação invasiva e o tempo de permanência hospitalar.
Nos resultados, a CPAP e o BiPAP foram associados com a redução da mortalidade em relação à terapêutica padrão, não havendo diferença significativa entre a ventilação com BiPAP em relação ao uso da CPAP. Quanto à necessidade da ventilação invasiva, a CPAP e o BiPAP foram considerados melhores do que a terapêutica padrão. Em relação ao tempo de permanência hospitalar, não foi encontrada diferença significativa, assim como na duração da VNIPP entre os modos ventilatórios. Este estudo concluiu que nos casos de EAP cardiogênico, a CPAP e a BiPAP reduzem a necessidade do uso de VPM invasiva. Comparada com a terapêutica padrão, a CPAP diminui a mortalidade; e há uma tendência à redução da mortalidade após o uso de BiPAP. O estudo é importante por confirmar os benefícios da CPAP e os possíveis benefícios da BiPAP no tratamento do EAP cardiogênico, sendo ainda necessários outros com poder suficiente para detectar uma redução verdadeira na mortalidade com o uso da BiPAP (16,17).
Efeitos hemodinâmicos e respiratórios
A aplicação de pressão positiva contínua, através de máscara facial ou nasal, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada pode provocar aumento agudo no débito cardíaco ou aumento do desempenho do ventrículo esquerdo (3).
Os efeitos benéficos da pressão positiva contínua sobre o desempenho cardíaco podem ser traduzidos como redução do retorno venoso, e da redução da pós-carga, por meio de redução da pressão transmural do ventrículo esquerdo. Efeitos crônicos sobre a melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo também foram relatados após a aplicação noturna diária de pressão positiva contínua em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e apnéia obstrutiva do sono (3,5).
Os efeitos hemodinâmicos agudo da pressão positiva contínua no cardiopata estável são controversos, principalmente o efeito sobre o débito cardíaco, que pode aumentar, diminuir, ou ficar inalterado (3,4). Essas diferenças refletem as variadas populações de cardiopatas estudados. Pacientes que respondem à pressão positiva contínua com aumento do débito cardíaco apresentam como efeito predominante da pressão positiva contínua, a redução da pós-carga ao passo que, nos que não respondem o efeito principal da pressão positiva contínua concentra-se na redução do retorno venoso. Admite-se que, na insuficiência cardíaca congestiva, o débito cardíaco seja mais sensível às modificações da pós-carga do que da pré-carga. Apesar dessas controvérsias sobre a modificação do débito cardíaco induzidas pela pressão positiva contínua, há unanimidade sobre os efeitos benéficos da pressão positiva contínua quando aplicada no paciente com edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica, especulando-se ainda, a colaboração de mecanismos reflexos para a melhora do desempenho cardíaco (3).
O edema pulmonar cardiogênico causa deterioração da mecânica respiratória, ocorrendo aumento da resistência de vias aéreas e diminuição da complacência pulmonar (3,4). Esses efeitos somados aumentam o trabalho respiratório e o gasto de oxigênio pela ventilação e provocam uma necessidade de geração de pressões intratorácicas mais negativas para a manutenção da ventilação. Esse aumento do trabalho respiratório e redução da pressão pleural submetem o paciente a aumento da pós e da pré-carga, bem como a aumento do consumo de oxigênio, submetendo o paciente cardiopata a sobrecarga adicional a seu sistema circulatório. A oxigenação encontra-se afetada pelo aumento de “shunt” pulmonar.
A utilização de pressão positiva contínua melhora a oxigenação desses pacientes, reduzindo o “shunt”. Esse efeito é explicado pela capacidade da pressão positiva contínua de recrutar unidades alveolares colapsadas.
A combinação dos efeitos sobre a mecânica respiratória, a oxigenação e o sistema circulatório resulta em melhora no balanço entre a oferta e o consumo de oxigênio nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva (3).
Intervenção da fisioterapia durante a VNI
Os fisioterapeutas têm sido envolvidos na aplicação da VNI desde a epidemia de pólio em 1950. Até a metade da década de 70, os fisioterapeutas administravam as medicações para o sistema respiratório por RPPI através de máscara e boquilha.
Na segunda metade da década de 80, as vantagens potenciais da VNI no manejo da insuficiência respiratória crônica começaram a ser demonstradas. Desde essa época, os fisioterapeutas têm-se envolvido intimamente na aplicação desta técnica e nas pesquisas, em diversas situações clínicas (7,8).
Em um estudo recente sobre o uso da ventilação não-invasiva em unidades de terapia intensiva de hospitais públicos, privados e de ensino da região metropolitana de São Paulo, indicou que os fisioterapeutas mostraram-se mais atualizados e mais aptos a instalar a VNI do que médicos e enfermeiros, provavelmente devido ao fato de que, na divisão de tarefas na UTI, cabe a esta categoria profissional a instalação e monitorização da VNI ou por haver maior ênfase no ensino da VNI durante a graduação destes profissionais (10).
O papel do fisioterapeuta inclui desde a avaliação do paciente até a seleção do equipamento e montagem, adaptação do paciente à máscara e à máquina, educação do paciente e da família a respeito da terapia (7). Há também a necessidade de monitorização e ajuste do respirador para otimizar o suporte ventilatório e maximizar seu conforto, o que exige um sólido conhecimento da fisiologia respiratória, assim como habilidade clínica em avaliar a resposta à terapia (8).
A monitorização do paciente é essencial para o sucesso da técnica. Deve ser feita através da oximetria contínua e dióxido de carbono transcutâneo para avaliar as trocas gasosas, além de gasometria arterial e monitorização cardíaca para identificar possíveis arritmias.
Além disso, as respostas subjetivas (dispnéia, conforto e estado mental) e objetivas (freqüência respiratória, freqüência cardíaca e uso de músculos acessórios) e possíveis complicações (distensão abdominal, necrose facial, retenção de secreções, dificuldade respiratória, náuseas ou vômitos) devem ser monitorizadas (7).
O uso da VNI deve ser considerado como um coadjuvante da terapia farmacológica apropriada.
CONCLUSÃO
A insuficiência cardíaca congestiva prevalece na população brasileira, o que justifica um cuidado especial no tratamento dos pacientes. Nos últimos anos obtivemos redução no número de óbitos por doenças no aparelho circulatório, porém com menor redução na mortalidade por insuficiência cardíaca (1).
A insuficiência cardíaca esquerda pode levar ao edema agudo de pulmão sendo imperativo uma intervenção rápida. Vários autores vêm buscando novos conhecimentos sobre as técnicas mais eficazes para ventilar esses pacientes.
O uso da ventilação não invasiva com pressão positiva para o tratamento de pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada foi, certamente, um dos maiores avanços da ventilação mecânica nas últimas duas décadas. Apesar de o seu uso ser relativamente recente, o grande número de séries de casos, ensaios clínicos randomizados, meta-análises ou revisões sistemáticas, assim como conferências de consenso e diretrizes publicadas até o presente momento, tornaram a aplicação dessa técnica mais “baseada em evidências” do que provavelmente qualquer outra medida de suporte ventilatório (11).
Os benefícios obtidos, porém, no tratamento do edema agudo de pulmão são indiscutíveis, porém seu papel em pacientes cardiopatas exige avaliação adicional. A grande maioria de estudos realizados têm sido descritivos e, apenas alguns, controlados. A maioria dos estudos randomizados no EAP cardiogênico observou melhora da oxigenação, diminuição do trabalho respiratório e redução da necessidade de ventilação mecânica invasiva, levando a VNI a fazer parte do arsenal terapêutico. Com relação aos modos ventilatórios pesquisados, os benefícios encontrados foram: as melhoras da hipoxemia e hipercapnia, aumento do pH e da relação PaO2/FiO2, diminuição da freqüência cardíaca, da freqüência respiratória e do índice de intubação endotraqueal.
A redução dos índices de mortalidade não tem sido bem descrita. Na insuficiência respiratória aguda de origem cardiogênica, ao comparar a terapia de rotina com VNI, alguns autores observaram redução da mortalidade no grupo de VNI. Porém, ao comparar CPAP com BiPAP, não observou-se redução significativa da mortalidade, tendo o grupo do BiPAP uma tendência a índices mais baixos, sendo necessários mais estudos controlados que comprovem essa tendência.
Em alguns estudos observou-se que os pacientes ventilados com dois níveis pressóricos apresentaram uma melhora mais rápida em todos os parâmetros citados, porém houve um maior índice de infarto agudo do miocárdio, sendo necessária uma investigação mais profunda que para a elucidação da sua influência sobre a hemodinâmica e sobre as taxas de infarto.
Pacientes com hipercapnia associada a hipoxemia parecem ser os que mais se beneficiam do uso da VNI com PEEP acrescido de pressão de suporte (PEEP + PS) no tratamento do edema pulmonar cardiogênico. O uso de pressão expiratória de 10 cmH2O parece ser o ponto chave do benefício respiratório/hemodinâmico para pacientes com edema agudo dos pulmões de origem cardíaca, tanto durante o uso do CPAP, quanto na VNI com PEEP + PS (11).
Lembremos que a CPAP não é capaz de aumentar a ventilação alveolar, motivo pelo qual na presença de hipercapnia é dada preferência ao uso da ventilação não-invasiva com dois níveis de pressão (11).
A British Thoracic Society recomenda a utilização da CPAP para pacientes que permanecem em hipóxia apesar do tratamento médico otimizado, reservando o uso da BiPAP para os pacientes que não apresentarem sucesso com a CPAP (13).
Nos episódios de EAP a equipe trabalha com o objetivo de reduzir a sobrecarga cardíaca, diminuir o trabalho respiratório, melhorar a oxigenação e evitar a intubação e suas complicações. Com a VNIPP isso vem se tornando cada vez mais uma constante. As vantagens da VNI em relação à ventilação mecânica invasiva são indiscutíveis. Todavia, é importante uma equipe treinada e competente para lidar com os equipamentos, pois não se deve esquecer que tal procedimento é uma forma de ventilação artificial7 e, como tal, pode levar a repercussões hemodinâmicas especialmente no cardiopata. É importante ser hábil para identificar os pacientes que, possivelmente poderão não responder bem à técnica para que a intubação não seja retardada.
Entretanto, os resultados impressionantes documentados apóiam o uso da VNI, considerando-a uma forma não farmacológica de tratamento do edema agudo de pulmão cardiogênico (e não meramente uma medida de suporte) devendo ser aplicada precocemente e em conjunto com a terapia medicamentosa convencional.
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