A ESCOLA COMO MEDIADORA NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7418274


Ney Mendes de Souza Júnior 
Tainara Braga Lima  
Fabiana Santos Prado 


Resumo: O homem é um ser inacabado no qual vivencia constantemente até o findar da sua  vida o processo de humanização, entretanto, esse processo não acontece de forma inata e  direta, mas sobretudo, de forma social, cultural e histórica, além disso, é mediado por um  sistema de símbolos e signos. Dessa forma, o presente artigo de cunho bibliográfico propõe  uma reflexão acerca da contribuição da Psicologia Histórico-cultural na busca por entender o  processo de tornar-se homem. Em um segundo momento, buscou-se também discutir o papel  da instituição escolar frente ao processo de humanização, sendo essa considerada um  instrumento capaz de produzir em cada indivíduo singular, a humanização produzida pelo  conjunto de homens.  

Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural; Humanização; Escola.  

Abstract: Man is an unfinished being in which he constantly experiences the process of  humanization until the end of his life, however, this process does not happen in an innate and  direct way, but above all, in a social, cultural and historical way, in addition, it is mediated by  a system of symbols and signs. Thus, this bibliographic article proposes a reflection on the  contribution of Historical-Cultural Psychology in the search for understanding the process of  becoming a man. In a second moment, we also sought to discuss the role of the school  institution in the face of the humanization process, which is considered an instrument capable  of producing in each singular individual, the humanization produced by the group of men.  

Keywords: Historical-Cultural Psychology; Humanization; School.  

Introdução  

Segundo o dicionário Aurélio da língua portuguesa (2009), humanizar significa  tornar (-se) humano, dar ou adquirir condição humana, humanizar(-se). É também  definida como tornar benévolo, afável, tratável e ainda fazer adquirir hábitos sociais  polidos, civilizar. Isso implica em dizer que tal processo não acontece de forma inata  e tão pouco dependente apenas de questões biológicas, mas sobretudo, de questões  sociais, culturais, políticas, históricas e educacionais. 

Nesse sentido, esse artigo surge como uma inquietação acerca da temática, e  tem como objetivo discutir como se configura o processo de humanização sob o olhar  da Psicologia Histórico-cultural pois acredita-se que a mesma apresente aportes  teóricos capazes de subsidiar a discussão.  

Visto ainda que, o processo de humanização se consolida em um contexto  histórico e coletivo, abordaremos a contribuição da escola, considerando-a como um  instrumento fundamental e favorecedor para tal processo, para isso, o artigo também  se fundamentará nas ideias de Savini (2003) e Sforni (2015) que elegem a escola  como instituição humanizadora.  

Para a realização do presente estudo, recorreu-se à pesquisa exploratória,  tendo em vista que, proporciona familiaridade com a temática investigada e se  constitui como a primeira etapa de um estudo mais amplo para se obter uma visão  geral acerca de determinados fatos (GIL, 2010).  

Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico por meio de um  processo de seleção e de exclusão no SciELO e Google Acadêmico pelos títulos que  indicam o tema da pesquisa, conforme indicado por Minayo (2002), além de  referências da Psicologia Histórico-cultural e Pedagogia Histórico Crítica.  

Os estudos selecionados incluíram livros, dissertações, teses, artigos  científicos e comunicações em congressos. Foi realizada uma busca pelas  associações das seguintes palavras-chave: Psicologia e educação, Psicologia  Histórico-Cultural e Função social da escola. Os textos selecionados foram  organizados, inicialmente, conforme o ano de publicação, o(os) autor(es), o título e o  tipo de publicação.  

A princípio, as discussões foram organizadas em duas categorias, sendo elas:  Psicologia Histórico-Cultural e o torna-se homem, e o papel da escola frente ao  processo de humanização, para isso, foram identificados 12 estudos. Após a análise  dos títulos e de seus respectivos resumos, de acordo com os critérios de inclusão e  de exclusão, utilizaram-se 6 para nortear a presente discussão.  

PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E O TORNAR-SE HOMEM 

Inúmeras teorias procuram explicar o processo de humanização, porém,  discutiremos aqui, como esse processo se configura sob a luz da teoria Histórico cultural, desenvolvida por Lev Vygotsky com a colaboração de Leontiev (1904-1979) e Luria (1902-1977), no qual foram influenciados pelas ideias de Marx. Para isso,  faremos um recorte e apresentaremos os conceitos centrais da teoria a fim de servir  como base para a discussão aqui apresentada.  

Vygotsky (1995), buscou explicar o processo de humanização para além dos  processos biológicos, ele defende que, é através dos processos sociais que o homem  se constitui homem já que o que a natureza humana lhe oferece não é suficiente para  que possa viver em sociedade. Isso implica em dizer que não é possível perceber  o homem sem considerar o seu eixo histórico-cultural.  

Nessa direção, o processo de humanizar-se é estabelecido a partir da  apropriação daquilo que já foi e continua sendo construído pelas gerações. Sforni e  Galuch (2009) explicam que a natureza do homem é sócio-histórica:  

Na Teoria Histórico-Cultural encontramos elementos que possibilitam  compreender a natureza sócio-histórica do homem, o que significa dizer que ele se constitui nas interações que estabelece com os membros de sua  cultura, com os quais adquire os conhecimentos produzidos pelas gerações precedentes. Em outras palavras, o sujeito nasce social e na relação com os  outros, se individualiza (SFORNI; GALUCH, 2009, p. 80).  

O mesmo se aplica ao psiquismo humano que, ao entrar em contato com os  elementos da cultura mediadas pelas atividades elaboradas pelo homem, evolui de  estruturas primitivas/elementares para estruturas superiores. O resultado dessa  evolução, colabora para o surgimento das funções psicológicas superiores (atenção  voluntária, memória, abstração, comportamento/movimento intencional…) funções  essas que distinguem o homem dos outros animais. Sobre tal aspecto, Leontiev  (1978) destaca que: 

A principal característica do processo de apropriação ou de ‘aquisição’ que  descrevemos é, portanto, criar no homem aptidões novas, funções psíquicas  novas, é nisto que se diferencia do processo de aprendizagem dos animais.  
Enquanto este último é o resultado de uma adaptação individual do  comportamento genérico a condições de existência complexas e mutantes,  a assimilação no homem é um processo de reprodução, nas propriedades  
de indivíduo, das propriedades e aptidões historicamente formadas na espécie humana (LEONTIEV, 1978, p. 288).  

Outro conceito importante para elencar acerca da Psicologia Histórico-cultural,  é o conceito de zona de desenvolvimento real e proximal, conceitos esses que  explicam a relação existente entre aprendizagem e desenvolvimento, visto que a  psicologia histórico cultural defende que a aprendizagem precede o desenvolvimento.  

A zona de desenvolvimento real faz jus ao nome e diz respeito ao  desenvolvimento já internalizado pela criança, ou seja, a capacidade já desenvolvida de realizar tarefas de formas independentes e autônomas. Por outro lado, a zona de  desenvolvimento proximal é definida como sendo:  

[…] a distância entre o nível real de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema sob orientação de um adulto ou em colaboração com parceiros mais capazes (VYGOTSKI, 2009, p. 133)  

Nesse sentido, é na zona de desenvolvimento proximal que se deve intervir  a fim de favorecer o desenvolvimento em termos intelectuais aquilo que ainda não se  encontra bem elaborado pelo sujeito, dessa forma, o sujeito aprende e  consequentemente se desenvolve, tornando-se homem.  

É importante ressaltar também que, a relação do homem com o mundo, não é  uma relação direta, mas estreitamente mediada por um sistema simbólico atribuído  social e culturalmente que servem como pontes para a efetivação do processo de  internalização. Porém, Martins (2013) afirma que o conceito de mediação para  Vygotsky não se resume a um elo entre as coisas, mas ultrapassa a aparente relação  entre estas.  

Para ele, a mediação é interposição que provoca transformações, encerra intencionalidade socialmente construída e promove desenvolvimento, enfim, uma condição externa que, internaliza, potencializa o ato de trabalho, seja ele prático ou teórico (MARTINS, 2013, p. 46).  

Dessa forma, no decorrer da vida, e no processo de humanização, o sujeito se  depara com diversos mediadores no qual a teoria Histórico-cultural separa em dois  grupos: O primeiro grupo é chamado de instrumentos, e dizem respeito aos  mediadores palpáveis e visíveis que servem para regular a ação do homem sobre os  objetos. O segundo grupo são os signos, que dizem respeito ao psiquismo do sujeito  e seu mundo simbólico internalizado a partir da cultura, como é o caso da linguagem,  instrumento de suma importância e que representa um salto significativo no que se  refere ao desenvolvimento da espécie humana.  

É a linguagem, patrimônio social, que possibilita a preservação e a  transmissão do cabedal de conhecimento acumulado pela civilização às outras  gerações no decorrer do tempo (VYGOTSKY, 2001).  

Costa (2006) destaca ainda duas dimensões na mediação: a mediação  semiótica e a mediação pedagógica. De acordo com a autora, essas dimensões são  concomitantes e interdependentes. 

[…] quando feita pelo OUTRO – adultos, professores, colegas mais adiantados, amigos – costumamos chamar de mediação pedagógica.  
Quando feita pelos SIGNOS – dentre os quais o mais importante é a linguagem denominada de mediação semiótica (COSTA, 2006, p. 235).  

Assim, é possível afirmar que muito embora a maior parte do processo de  humanização se constitui de forma nas relações de forma espontânea, a formação do  sujeito não pode ou não deveria limitar-se apenas aos saberes comuns, mas se  fundamentarem a partir de conceitos científicos e sistematizados que, o darão  subsídios para viver em sociedade.  

A partir disso, nos deparamos com o importante papel da escola e seus agentes  no processo de humanização, isso porque sem o trabalho educativo, seria quase  impossível a continuidade do processo de historização do homem quando e  consequentemente, da sociedade.  

A ESCOLA COMO INSTRUMENTO DE HUMANIZAÇÃO  

Visto que o processo de educação não ocorre, necessariamente e unicamente  de forma institucionalizada, surge o conceito de educação escolar, a fim de  caracterizar a escola como sendo um espaço social humanizador com objetivo  explícito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e afetivas dos  alunos, por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades,  procedimentos, atitudes, e valores) que, aliás, deve acontecer de maneira  contextualizada, desenvolvendo nos alunos a capacidade de tornarem-se cidadãos  participativos na sociedade em que vivem.  

De acordo com Saviani (2003) o homem não se constitui como tal  naturalmente, visto que não nasce sabendo pensar, sentir, agir, não nasce, portanto,  sabendo ser homem, e para que haja esse aprendizado o homem precisa aprender,  e isso implica necessariamente, o trabalho educativo. Por isso, podemos afirmar que  a educação é por excelência um meio de humanizar.  

Entretanto, embora trabalho educativo seja um processo antigo que perpassa  gerações, nem sempre a educação foi estabelecida no modelo que conhecemos, ela  passou por transformações, assim como sua função. Mas, somente a partir do século  XVII, interligado ao capitalismo, a escola começa a se caracterizar como instituição,  não para atender uma necessidade natural, mas para fortalecer e garantir o poder da  classe, dessa forma, contra o que deveria ser a real função da escola. 

Assim, nos deparamos com uma pedagogia inacessível para todos, voltada  apenas para mão de obra e mercado de trabalho, enfatizando o caráter adaptativo à  realidade da sociedade capitalista, dando ênfase ao conhecimento construído e não  ao conhecimento apropriado e sistematizado voltado para o desenvolvimento e a  emancipação humana.  

Saviani (2013, p.13) através da pedagogia Histórico-crítica vai contra a esse  fazer pedagógico e defende uma educação que se volta para o processo de humanização do sujeito, “o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada  indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo  conjunto dos homens”.  

Saviani (2014) declara ainda que, a categoria de mediação é central na  pedagogia Histórico-crítica, que concebe a educação com uma atividade mediadora  no interior da prática social global. Para o autor, tanto o ponto de partida quanto o  ponto de chegada da prática educativa são as práticas sociais, uma vez que, na  perspectiva da pedagogia Histórico-crítica, o trabalho educativo é o ato de produzir a  humanidade em cada indivíduo, através do processo de transmissão-assimilação da  cultura. Para tanto, a socialização do saber deve ser uma ação intencional e  sistematizada.  

Isso implica em dizer que a função social da escola não é formar o sujeito para  o mercado de trabalho, mas formar sujeitos capazes de refletir criticamente e romper  com os parâmetros do sistema vigente, sendo capazes de transformá-lo e serem  transformados.  

Em consonância com tal afirmação, a Lei de diretrizes básicas 9394/96, afirma  que a escola deve exercer um papel humanizador e socializador, além de desenvolver  habilidades e competências que possibilitem a construção do conhecimento e de  valores necessários à conquista da cidadania plena.  

A escola, ao tomar para si o objetivo de formar cidadãos capazes de atuar com competência e dignidade na sociedade, buscará eleger, como objeto de ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico, cuja aprendizagem e assimilação são as consideradas essenciais para que os alunos possam exercer seus direitos e deveres (BRASIL, 1997, p. 45).  

Dessa forma, a pedagogia Histórico-crítica e a psicologia Histórico-cultural se  apresentam como sendo uma base forte para embasar o fazer pedagógico  humanizador, uma vez que, ao ter seu foco voltado para a transmissão dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos, favorecem o desenvolvimento das  funções psíquicas superiores nos seres humanos. 

[…] é por meio da educação que o homem se humaniza e a escola como promotora na conquista da emancipação humana, realizando com qualidade, o processo de ensino para a apropriação dos conhecimentos científicos e filosóficos que sejam capazes de educar integralmente o ser humano, ou seja, educar para a cidadania a partir da “assimilação ativa dos conteúdos”  
(VIGOTSKY, 2008, p. 3).  

Sendo assim, se o ensino escolar se configurar a partir de procedimentos  adequados, organizados e sistematizados, este possibilitará aprendizagens  significativas e consequentemente o desenvolvimento de funções psíquicas nos  educandos, o que irá os permitir apropriarem-se dos instrumentos culturais  construídos pela humanidade historicamente, caracterizando a escola como um  instrumento favorecedor frente ao processo de humanização.  

Vale destacar que, ao afirmarmos que a escola deve propiciar ao aluno a  aquisição dos conhecimentos socialmente produzidos, não estamos defendendo o  ensino pautado na transmissão mecânica de conteúdo, mas na transmissão capaz de  humanizar para assim, agir, modificar e ser modificado em sociedade.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Com as discussões apresentadas neste trabalho, considera-se que o processo  de humanização não é processo inato, mas sim, construído através de encontros  cotidianos, sejam eles formais ou informais, planejados ou casuais, a partir dos quais  daremos sentido ao nosso existir.  

Isso permite afirmar que tornar-se homem é um processo que depende  sobretudo, da mediação realizada através do contexto social, cultural, histórico,  político e educacional, sendo este último um forte favorecedor.  

Por isso, faz-se necessário um olhar atento para os processos educacionais,  pois esses devem acontecer de forma sistematizada e intencional para somente  assim, possibilitar a produção da humanidade em cada indivíduo, através do processo  de transmissão e assimilação da cultura. Pois somente assim, serão capazes de  enxergar e modificada a realidade, atingindo assim, um saber crítico sobre si, sobre o  mundo e sobre sua inserção nesse mundo e, finalmente, humanizar-se. 

Referências  

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