BULLYING: O PRECONCEITO RACIAL DENTRO DA ESCOLA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7407007


Leonardo Simões dos Santos1


RESUMO

O bullying na escola tem crescido diariamente, sendo motivo de preocupação de docentes, pais, alunos e demais envolvidos com a educação. É um tema muito relevante e, este artigo mostra de forma minuciosa como ele ocorre no ambiente escolar, bem como as principais formas que se manifesta: fisicamente, verbalmente, sexualmente, de forma racista, entre outras maneiras. A ênfase se dará em relação ao bullying racial como um dos tipos de bullying mais agressivos, pois as crianças e adolescentes negros sofrem com naturalidade o bullying devido a cor da pele, além, da discriminação que já sofrem na sociedade como um todo. O tipo de bullying mais comum é o verbal que envolve apelidos e nomes pejorativos, o que fica demasiadamente configurado no bullying racial, depreciando e ridicularizando ainda mais crianças e adolescentes negros no ambiente escolar. Será apresentada algumas consequências do bullying como: desempenho escolar, consequências psicológicas e evasão escolar. Para a confecção deste artigo utilizou-se da metodologia de cunho bibliográfico, a fim de trazer conceitos e informação sobre o assunto.

Palavras-chave: Bullying racial. Escola. Negros. Discriminação.

INTRODUÇÃO

Este artigo está estruturado em três capítulos com abordagens sobre o bullying na escola, com ênfase no bullying racial, visando apresentar como crianças e adolescentes negros sofrem o racismo na escola, sendo vítimas de bullying por conta do “racismo à brasileira”, racismo “velado”, racismo “estrutural”, etc.

No capítulo 1 – “Concepções do Bullying escolar” será definido o bullying, a fim de que o leitor possa entender o tema a partir de suas concepções etimológicas, as origens do bullying, seus principais teóricos.

No capítulo 2 – “Tipos de bullying” Este capítulo trará como os tipos ou formas de bullying mais comuns, cujo principais são: verbal, físico, material, psicológico, moral, sexual, cyberbullying e o tema deste artigo – bullying racial, entre outros.

No capítulo 3 – “A sociedade e o bullying racial” aborda como a sociedade escolar enxerga o bullying, principalmente o bullying racial que ultrapassa uma questão de violência, atingindo e trazendo consequências irreparáveis a vítima que neste caso são crianças e adolescentes negros. As situações de violência repercutem sobre a aprendizagem dos estudantes que são vítimas de bullying. Por isso, foi tratado três principais consequências: 1) Com relação ao desempenho dos alunos, pois verifica-se que aqueles que sofrem o bullying escolar normalmente tem queda no rendimento; 2) As Consequências Psicológicas e; 3) Evasão escolar.

JUSTIFICATIVA

A ideia deste artigo parte justamente em decorrência ao grande crescimento do bullying nas duas últimas décadas no Brasil. O bullying tem sido um tema de constante preocupação, por parte da sociedade em geral, particularmente, pela comunidade escolar. Sendo assim, visando coibir ou intimidar a violência nas escolas, foi sancionada a Lei 13.185/2015 (JUSBRASIL, 2015) “define o bullying como todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo”, também a Lei 13.663/2018, que diz respeito: “a promoção da cultura da paz e medidas conscientização, prevenção e combate à violência, como o bullying” (BRASIL, 2018).

Outro motivo para a escolha do tema foi motivada pela demanda que eu recebo quase que semanalmente para consultas na clínica psicológica que atuo, crianças e adolescentes, do ensino fundamental, trazidas a sessão por seus pais com as queixas de evasão escolar, queda no rendimento, hiperatividade, etc. Após a investigação que se dava na clínica psicológica, bem como visita a escola que o paciente estudava e sua casa, eu identificava como causa principal para as queixas: “O bullying na escola”, dentre eles o bullying racial que trazia diversas consequências, além da psicológica, como: queda no rendimento escolar, prejuízos no processo de ensino e aprendizagem, problemas psicológicos, evasão escolar, inteligência atrapada, entre outros.

Sobre o tema abordado existem diversos antecedentes que em sua maioria abordam o tema entre estudantes e, quais as consequências causadas pelo bullying, porém, este focará no bullying racial, visando ações dos professores e da escola para mitigar o bullying racial e promover a prevenção.

1 CONCEPÇÕES DE BULLYING ESCOLAR

Neste capítulo será definido o bullying, a fim de que o leitor possa entender o tema a partir de suas concepções etimológicas. Este é um tema muito discutido na sociedade, principalmente no mundo educacional, uma vez que é no ambiente escolar que ocorrem os maiores índices de bullying.

Na cosmovisão de Carneiro (2018) o bullying é um fenômeno tão antigo quanto a própria instituição denominada escola. No entanto, o tema só passou a ser objeto de estudo científico nos anos 70 na Europa.

Dan Olweus foi um dos precursores e catedrático do tema na Noruega, seu país natal, definiu:

A palavra usada na Escandinávia para descrever o bullying é mobbing (na Noruega e Dinamarca) ou mobbning (na Suécia e na Finlândia). A palavra que tem sido usada com diferentes significados e conotações. Sua raiz original inglesa significa que geralmente é um grupo grande e anônimo de pessoas que se dedicam ao assédio (Olweus, 2004, p. 24, tradução nossa).1

Em outra definição de Olweus: “bullying ou vitimização de maneira geral, se dá quando um aluno é intimidado ou vitimizado quando é exposto, repetidamente por longo tempo a ações negativas por parte de um ou mais alunos”.

Olweus espantado pelo suicídio de três crianças entre 10 e 14 anos, em 1982, na Noruega, que estavam relacionados com maus-tratos de colegas no ambiente escolar realizou a pesquisa descrita por Borges (2015):

Foi então que Dan Olweus iniciou o primeiro estudo aprofundado sobre o bullying […] fez uma pesquisa com 84 mil estudantes noruegueses, 1000 pais de alunos e 400 professores e concluiu que 1 em cada 7 alunos estava envolvido com o bullying. Identificou três características especificas que definem o bullying: 1) os comportamentos agressivos são repetidos com a mesma pessoa; 2) há um desiquilibro de poder entre os envolvidos; 3) ausência de motivos que provoquem a agressão (BORGES, 2015).

A pesquisa pioneira de Olweus abriu caminho para outros pesquisadores de diversas partes do mundo, principalmente no Brasil, conforme se verá nas definições abaixo.

Para D´addario (2019, p. 12) o psicólogo norueguês Dan Olweus é o pai do bullying, uma vez que ele vem pesquisando e trabalhando com o problema do assédio nas escolas por mais de quarenta anos. Além disso, também é responsável por cunhar o termo, cujo uso é difundido na atualidade para abranger todos os tipos de violência escolar.

Segundo Olweus:

Nós dizemos que um estudante está sendo intimidado quando outro aluno ou grupo de alunos: diz coisas mesquinhas ou desagradáveis; ele ri dele ou dela; é chamado por nomes irritantes ou que ferem; é completamente ignorado; é excluído de seu grupo de amigos ou é retirado de atividades de propósito; recebe socos, chutes e empurrões ou ameaça; contam mentiras ou boatos falsos sobre ele ou ela; ou recebe bilhetes dolorosos e tenta convencer os outros que não se relacionem com ele ou ela. Essas situações ocorrem com frequência e é difícil que o aluno que está sendo intimidado consiga se defender. O bullying também é considerado a situação em que um estudante está sendo intimidado repetidamente de forma negativa e prejudicial (OLWEUS, 1999 apud D´ADDARIO, 2019, p. 13).

Nas palavras de Torres (2011, p. 09) bullying é um termo proveniente da língua inglesa (bully = valentão) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder.

No livro: “Bullying: Mentes perigosas nas escolas”, Silva (2015) define bullying:

Palavra até pouco tempo atrás era pouco conhecida do grande público. De origem inglesa, é utilizada para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos, quanto de meninas. Entre esses comportamentos, podemos destacar agressões, assédios e ações desrespeitosas realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores. É fundamental explicitar que as atitudes tomadas por um ou mais agressores contra um ou alguns estudantes geralmente não apresentam motivações específicas ou justificáveis. Isso significa dizer, de forma quase natural, os mais fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas. E isso invariavelmente produz, alimenta e até perpetua muita dor e sofrimento nos vitimados (SILVA, 2015).

O problema do bullying e a violência escolar, tomam proporções maiores quando ocorre o que Gomes (2013) chama de retaliação, que são apresentadas em forma de massacre, conforme se vê no quadro abaixo:

Quadro 1: Massacre nas escolas – Cases mundiais

DataLocalOcorrido
17 de janeiro de 1989.Estados UnidosUm rapaz de 24 anos dispara com sua metralhadora durante o intervalo das aulas de uma escola em Stockton (Califórnia), matando cinco meninos e ferindo 30 pessoas antes de se matar.
13 de março de 1996.Grã-BretanhaSeis crianças de 4 a 6 anos e sua professora foram assassinadas em um jardim da infância em Dunblane, por um colecionador de armas de fogo que se suicidou.
01 de abril de 1996.ChinaUm homem mata sete alunos a facadas e fere cinco em duas escolas de Meitian (província Hunan, região Sul).
01 de dezembro de 1997.Estados UnidosUm jovem de 14 anos abre fogo em seu colégio, matando três colegas e ferindo outros cinco, em Panducah (Kentucky).
24 de março de 1998.Estados UnidosDois meninos de 12 anos dispararam contra alunos e professores de uma escola em Jonesboro (Arkansas, Sul), matando quatro meninas e uma professora.
20 de abril de 1999.Estados UnidosDois jovens, de 17 e 18 anos, armados com revólveres e mais 30 bombas artesanais, abrem fogo em seu colégio, o Columbine, em Littleton (Colorado, Oeste), matando 12 alunos e um professor antes de se suicidarem.
28 de abril de 1999.CanadáUm aluno morre e outro é ferido por um menino de 14 anos em um colégio de Taber (Alberta).
08 de junho de 2001.JapãoUm homem mata a punhaladas oito meninos em uma escola em Tóquio.
26 de abril de 2002.Alemanha16 pessoas (dentre elas, 12 eram professores e 3 alunos) foram assassinadas em um colégio em Erfurt, em Thuringe (região leste), por um ex-aluno de 19 anos que, depois, suicidou-se.
26 de novembro de 2002.ChinaUm homem apunhala até a morte quatro meninos e fere outros três em uma escola primária de Huaiji (província de Guangdong, região sul).
28 de setembro de 2004.ArgentinaUm menino de 15 anos mata três alunos e machuca cinco colegas de classe no Colégio Carmen de Patagones (província de Buenos Aires, região Sul), com a arma de seu pai policial.
26 de novembro de 2004.ChinaOito adolescentes morrem e quatro são feridos a bala nos dormitórios de um colégio de Ruzhou (província de Henan, região Central). O agressor, de 21 anos, foi entregue por sua própria mãe depois de uma tentativa frustrada de suicídio.
21 de março de 2005.Estados UnidosCerca de 9 pessoas foram assassinadas e dez feridas a bala em um colégio de Read Lake, uma reserva indígena de Minnesota (região Norte), por um jovem que se suicidou em seguida.
03 de outubro de 2006.Estados UnidosUm homem dispara contra uma escola amish da Pensilvânia (região Nordeste) matando cinco meninas e deixando seis gravemente feridas.
16 de abril de 2007.Estados UnidosUm homem mata 32 pessoas e se suicida no Campus da Universidade de Virginia Tech, em Blacksburg (Virgínia).
07 de novembro de 2007.FinlândiaUm jovem de 18 anos tira a própria vida depois de abrir fogo contra um colégio de Tuusula, norte de Helsinki, matando sete estudantes e a diretora do estabelecimento.
14 de fevereiro de 2008.Estados UnidosUm jovem tira a própria vida depois de disparar no campus da Universidade de Illinois (região Norte), deixando cinco mortos e 15 feridos.
23 de setembro de 2008.FinlândiaUm estudante se suicida depois de protagonizar um massacre no colégio Kauhajoki (região Sul), matando dez pessoas.
07 de abril de 2011.BrasilA data ficou conhecida como o Massacre de Realengo. O ex-estudante Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu a escola municipal Tasso da Silveira, localizada no bairro do Realengo, na cidade do Rio de Janeiro, munido de dois revólveres e disparou contra alunos presentes, matando doze, com idade entre 12 e 14 anos e ferindo outros 12. Após massacre, cometeu suicídio.
Fonte: Gomes, 2013.

Os casos acima não foram os únicos, poderia entrar nesta lista mais uma dezena de casos de massacres ocorridos no mundo que tomaram grandes proporções na mídia, trazendo comoção, tristeza e dor. Retratam de fato, verdadeiros cenários de horror e brutalidade que na maioria das vezes são motivados e realizados por vítimas de bullying. Deixando evidente as consequências catastróficas que o bullying pode causar não só a vítima e o agressor, mas a toda sociedade.

2 TIPOS DE BULLYING

Nesta seção do artigo serão apresentadas as formas ou tipos de bullying mais comum nas escolas, nas palavras de Carneiro (2018): certamente, já fomos vítimas de um bullying em algum momento de nossas vidas. O abuso de poder, a intimidação, a prepotência são algumas das estratégias que o bully adota sua autoridade e manter suas vítimas sob o domínio.

As formas mais comuns de bullying segundo constata Carneiro (2018) são: a) Verbal: Insultar, ofender, falar mal, colocar apelidos pejorativos, zoar, etc.; b) Física e Material: Bater, empurrar, beliscar, derrubar, roubar, extorquir, destruir pertences, etc.; c) Psicológica e Moral: Humilhar, constranger, excluir, discriminar, chantagear, intimidar, difamar e ameaçar; d) Sexual: Abusar, violentar, assediar, insinuar e; e) Virtual ou Cyberbullying: Denigrir a imagem da vítima por meio de ferramentas tecnológicas (CARNEIRO, 2018).

Além dos tipos classificados na lista acima de Carneiro (2018), existe um complemento feito por D´addario (2019, p. 06), este autor também dá ênfase em seu livro: happy slapping, de gênero, dating violence, racial ou étnico.

Happy slapping: ocorre quando a agressão é gravada e distribuída ou exibida repetitivamente. Prejudica o direito de imagem, em alguns casos, nem o agressor é consciente do dano significativo que é causado nestas situações de difusão (D´ADDARIO, 2019, p. 06);

– De gênero: Recai sobre as mulheres por causa de seu gênero. No processo de socialização educacional, continua se repetindo, em alguns casos, o papel do menino forte contra a menina considerada fraca e submissa (D´ADDARIO, 2019, p. 06);

Dating violence: Na etapa educacional surgem, muitas vezes, os primeiros relacionamentos românticos. Este refere-se aos comportamentos violentos nas relações de namoro entre os adolescentes (D´ADDARIO, 2019, p. 06);

– Racial ou étnico: Se concentra nas características raciais da vítima. O foco do ataque está na cor da pele, origem, costumes ou cultura da vítima. Este tipo de assédio pode levar ao surgimento de guetos na escola, uma vez que as crianças atacadas tendem a segregar (D´ADDARIO, 2019, p. 06).

Dentre as formas acima apresentadas, a forma mais visível e frequente normalmente é a física, que no entendimento de Borges (2015), além de trazer marcas ao corpo, agregam as marcas psicológicas:

Não podemos desconsiderar questões relevantes relacionadas ao problema, tais como sequelas físicas e psicológicas decorrentes dessa agressão. Há casos de meninas que, em brigas escolares, tiveram o rosto deformado pela colega, que carregava um estilete na mochila. Não diferente dos outros tipos de bullying, o bullying físico faz com que a vítima tenha problemas de autoaceitação e socialização. No entanto, esse é geralmente o tipo de bullying que provoca cicatrizes psicológicas menos graves para as vítimas, provavelmente pelo destaque e ênfase que recebe logo após agressões, que tornam públicas rapidamente (BORGES, 2015).

É o bullying físico que faz deste tipo de violência o mais evidente nas escolas e por conta das marcas que as vítimas carregam, faz com que os pais, docentes e comunidade escolar tenham um olhar diferenciado ao tema.

São muitos os tipos de violência ou de bullying nas escolas. Conforme Dûpaquier:

Na Europa, especialmente na França, os pesquisadores têm-se dedicado ao estudo das incivilidades no meio escolar. Compreende-se melhor o que são as incivilidades por meio da descrição empírica, referindo-se a seis tipos de violência mais comuns: 1) delitos contra objetos e propriedades (quebra de portas e vidraças, danificações de instalações, etc.); 2) intimidações físicas (empurrões, escarros) e verbais (injúrias, xingamentos e ameaças); 3) descuido com o asseio e áreas coletivas (banheiros, por exemplo); 4) ostentação de símbolos de violência; 5) adoção de atitudes destinadas a provocar medo (poder de armas, postura sexistas); 6) alguns atos ilícitos, como o porte e consumo de drogas (Dûpaquier, 1999 apud Abramovay, 2003, p. 23).

Dalosto (2016) frisa que nos EUA, o bullying tende a apresentar-se de forma mais grave com casos de homicídios coletivos. Nos países da Europa, o bullying tende a se manifestar na forma de segregação social e até da xenofobia. No Brasil, observa-se maior incidência de manifestações com uso de violência com armas.

Vale encerrar essa parte do artigo com as palavras de Wendling (2014, p. 72): o bullying acontece de várias formas, desde agressões verbais a massacres de pessoas. A solução consiste em cultivar uma ética respeitosa, que elimina qualquer agressividade, pois ela vai se infiltrando na cultura e destruindo as relações sociais.

3 A SOCIEDADE E O BULLYING RACIAL

A violência não é um estigma da sociedade contemporânea, é o que diz Almeida (2010, p. 06), ela acompanha o homem desde os tempos imemoriais, a cada tempo, ela se manifesta de formas e circunstancias diferentes. Não há quem não identifique uma ação ou situação violenta, porém conceituar violência é muito difícil visto que a ação geradora ou sentimento relativo a violência pode ter significados múltiplos e diferentes dependentes da cultura, momento e condições que elas ocorrem.

Infelizmente a sociedade brasileira foi formada através de muita violência desde o descobrimento é o que Ribeiro diz em seu livro: O povo brasileiro, – “os iberos, ao contrário, se lançaram à aventura no além-mar, abrindo novos mundos, atiçados pelo fervor mais fanático, pela violência mais desenfreada, em busca de riquezas ou de fazer produzir pela escravaria”. Além disso, a violência era em forma de incesto, através da igreja católica, contra os escravos, ou seja, está no DNA da cultura brasileira.

Conforme Carneiro (2018) o bullying deve ser entendido como um problema social e de saúde pública, sendo que, para a diminuição do bullying escolar, o Estado, assim como a sociedade Civil, deve desenvolver ações de combate a esse fenômeno, observando os critérios de sua característica que envolvem sua prática.

Silva (2011) crítica a sociedade atual, pelo individualismo que se apoderou da cultura moderna. Onde o ter é muito mais valorizado que o ser, com distorções absurdas de valores éticos. Vive-se em tempos velozes, com grandes mudanças em todas as esferas sociais.

O que se retém da fala de Silva (2011) é que este contexto, favorece que a educação se torne ultrapassada, confusa, sem parâmetros ou limites. A criação dos filhos mudou com a era digital, os pais se tornaram deveras permissivos cada vez mais com os filhos. Os filhos por sua vez tendem a se comportar em sociedade de acordo com os modelos domésticos. Muitos deles não se preocupam com as regras sociais, não refletem sobre a necessidade delas no convívio coletivo e, nem sequer se preocupam com as consequências dos seus atos.

Segundo Russo et al. (2011):

A disseminação da violência criminal na sociedade brasileira foi acompanhada de uma mudança das formas de delitos. O fenômeno dos bandidos sociais na realidade agrária migra alguns de seus traços para a sociedade urbana, na qual houve o crescimento da delinquência, em especial: a) crimes contra o patrimônio e de homicídios; b) a emergência da criminalidade organizada, em particular em torno do tráfico internacional de drogas, que modifica o perfil da delinquência urbana, seja pelas ações do crime organizado, em especial o tráfico de drogas e o comércio ilegal de armas, seja pela difusão do uso de armas de fogo, ambos provocando uma maior liberdade nos atos delitivos; c) a explosão de conflitos nas relações interpessoais, que tendem desfechos letais (RUSSO et al., 2011, p. 18).

A escola, principalmente na região urbana, se torna um dos ambientes sociais que a violência fica mais evidente, principalmente por conta do bullying escolar. Russo et al. (2011, p. 16) trabalham essa questão, os fenômenos da violência contra escola e na escola, bem como a violência simbólica do saber escolar. A escola reluta em alcançar um relacionamento capaz de incorporar demandas diferenciadas e distintas da matriz disciplinar oficial, sem o que, porém, dificilmente será reduzida a violência na escola.

A prática do bullying, além de ser diversificada pode ser cometida por qualquer um na sociedade, em qualquer lugar, todo tipo de estabelecimento, varia de idades, de classe social, de raças, relações sociais, etnias, de crença, de sexo e de outros fatores (MOREIRA, 2015, p. 47).

Conforme Stein (2011):

A violência é um mal que afeta toda a sociedade desde os tempos antigos, torna-se necessário analisar o reflexo desta problemática na comunidade escolar. Na sociedade contemporânea observam-se os mais diferenciados modos de disseminação de atos violentos, das mais variadas formas, através dos comportamentos agressivos de crianças e adolescentes (STEIN, 2011, p. 09).

As manifestações acima, apontadas por Stein (2011), infelizmente são influenciadas pela cultura do mundo moderno, que estimula o consumo frenético, além disso, a sociedade moderna, através de meios de comunicação é formadora do comportamento presente: nos filmes, brinquedos, jogos, música, dentre outros, uma das mais expressivas formas de educação e divulgação da violência.

Já Freitas (2004 apud Stein, 2011, p. 10) salienta que a violência se materializa através de elementos que afligem a humanidade de forma personificada, quer subjetivamente ou objetivamente nas variadas classes, produtos, identidades que mobilizam ou constituem a sociedade, gerando efeitos colaterais em nossas instituições escolares, familiares, de trabalho ou cultural. Frente ao processo de racionalização civilizatório a violência segue conjunta, de modo extrapolado, incontrolado. Os valores, a ética e a cidadania são os conceitos valorizados numa sociedade voltada ao progresso, porém com atitudes primitivamente violentas.

Como bem diz Stein (2011, p. 23) na sociedade contemporânea, um dos maiores desafios, é a extinção dos principais elementos que ameaçam a paz social, dentre eles a violência. Particularmente os casos de violência escolar, em crescente dimensão, tornam-se preocupantes para a sociedade.

Não há como analisar os possíveis fatores responsáveis pela prática do bullying, conforme analisa Gomes (2013), as causas de bullying não são explicadas dentro do universo estudantil do qual os alunos participam; seu alcance extrapola este cotidiano escolar e se propaga dentro de todo um contexto social, sofrendo influências tanto escolares como familiares e socioculturais.

O bullying não é desencadeado por uma única ótica, uma vez que todos os envolvidos não se restringem apenas a dois papeis o de vítima e agressor, mas é muito mais abrangente atingindo também componentes da comunidade escolar, ou seja, todos participam: os alunos, os professores, funcionários da escola, colegas, responsáveis pelo ensino e os pais.

Por fim, vale as sábias palavras de Silva (2011): cabe a toda sociedade transmitir às novas gerações mais éticas e responsáveis. Afinal, são esses jovens que estão delineando o que a sociedade será daqui em diante.

3.1 O bullying racial e suas consequências

O bullying e a questão racial é objeto de estudo em várias partes do mundo, conforme Cunha et al. (2018, p. 40) as escolas com maior diversidade e pluralidade professores podem ter maior probabilidade de abordar temas com a promoção da equidade e multiculturalismo do que em contextos escolares mais homogêneos. No caso do bullying étnico-racial o desequilíbrio de poder está associado à operação do racismo.

No Brasil não é diferente, um país miscigenado, é possível encontrar o bullying racial de forma escancarada e até mesmo velada. É um desafio para educação combater este tipo de bullying, no primeiro momento ele surge na escola como forma de brincadeira, com a cor da pele, cabelo, etc., passando para xingamento, insultos pesados, tal prática contribui para reprodução acrítica da discriminação racial no ambiente escolar.

Segundo Cunha et al. (2018):

No Brasil, as relações raciais estão fundadas em um peculiar conceito de raça e forma de racismo, o “racismo à brasileira”, cujas especificidades são significativas para compreender as relações entre os grupos de cor e as desigualdades associadas. Quando falamos de raça e racismo no Brasil, devemos considerar aquelas práticas discriminatórias baseadas não na ascendência dos indivíduos, mas sim em suas características fenotípicas, tais como cor de pele, tipo de cabelo, formato do nariz e lábios (CUNHA et al., 2018).

Infelizmente a luta entre classes e raças no Brasil é uma realidade, não se pode negar, pois existe as particularidades com relação as classes sociais e raças no quesito hierarquização das pessoas. Ainda é real ver indivíduos como negros e indígenas ocuparem posições mais baixas nas organizações, enquanto os brancos em cargos mais elevados. Aí que se dá o “racismo à brasileira” citado acima por Cunha et al. (2018).

Para Abramovay (2002 apud Cunha et al., 2018) a escola pública também funciona como produtora e reprodutora do racismo brasileiro, o que deixa os estudantes negros diante de práticas preconceituosas por parte de colegas, professores ou do próprio currículo, nas diversas formas de violência física e simbólica.

O problema é que a escola pública brasileira é apontada como de má qualidade, tanto em infraestrutura, qualificação de professores e formação de estudantes, considerando ainda que a maior parte dos alunos do ensino público pertence às camadas sociais menos economicamente favorecidos, dificultando a ascensão social e ao invés de promover seu papel de cidadania, acaba reduzindo a exclusão social (CUNHA, et al., 2018).

Conforme Abramovay (2005):

Também se discute como reforço de posturas racistas, a legitimação social de um certo padrão de beleza na sociedade que não contempla a valorização das características físicas da população afro-brasileira. Abordam-se, assim, percepções construídas acerca do cabelo dos jovens afros-descendentes, considerando que esse constituinte identificador de uma raça, historicamente, é assinalado para estigmatizar, mas tem potencialidades de simbologia identitária, sendo resignificado em linguagens de movimentos sociais, como o movimento negro para afirmação de autoestima e beleza (ABRAMOVAY, 2005, p. 204).

Para Monteiro (2005 apud Abramovay, 2005, p. 206), a discriminação racial pode ser entendida como uma conduta, ação ou omissão que separa e enfatiza as diferenças do outro com base na raça. A discriminação deriva o preconceito que é um julgamento prévio e negativo, fundamentado em estereótipos que impedem a reflexão sobre o mundo real.

Fante e Prudente (2020) sinalizam que o racismo e a homofobia oferecem duas grandes vertentes deste tipo de exclusão. O mesmo se pode dizer dos preconceitos de natureza socioeconômica que costuma isolar os mais pobres de todos os grupos, como se aqueles integrassem uma casta de intocáveis.

Esse tipo de isolamento, quase sempre acompanhado por epítetos depreciativos lançados contra excluídos, produz vergonha nas vítimas e lhes faz crer, muito frequentemente, que há algo de errado com elas, e não com seus agressores. Meninas negras, que são marginalizadas na escola pelas colegas brancas, podem experimentar o desejo de serem brancas e terão muita dificuldade de perceber suas próprias tradições culturais como merecedoras de respeito e valorização (FANTE; PRUDENTE, 2020).

Esse processo culminará muitas vezes em confrontos físicos. Por conta de seus valores culturais e de uma insensibilidade compartilhada institucionalmente, professores, e demais membros do corpo escolar podem fazer uma brincadeira que consideram inofensiva, mas no fundo atribuindo aos alunos apelidos estigmatizados.

A pesquisa de Abramovay (2005, p. 208) identificou o seguinte:

– 5%, equivale 60.385 estudantes: afirmaram ter sido rejeitados ou discriminados na escola por causa da cor (ABRAMOVAY, 2005, p. 208);

– Os xingamentos e insultos, na maioria das vezes externam preconceitos e reforçam estigmas que são passados de geração em geração. Os insultos são instrumentos de humilhação utilizados com intuito de demarcar uma separação entre o agressor e a vítima, associando este último a pobreza, à anomia social, à sujeira e a animalidade (ABRAMOVAY, 2005, p. 208);

– Muitos alunos, professores, outros profissionais da educação e adultos da escola observam que há entre alunos uma relação em que a desigualdades raciais são evidenciadas por meio de apelidos que carregam uma conotação pejorativa (ABRAMOVAY, 2005, p. 208);

– Verifica-se que nos discursos dos alunos a manifestação das desigualdades raciais, as meninas e jovens negras são vítimas de discriminação e preconceito, são inclusive preteridas pelos garotos e alvos de gozações e humilhações dos colegas (ABRAMOVAY, 2005, p. 208);

– Infelizmente a discriminação também ocorre por parte de professores com alunos negros, que muitas vezes são percebidas pela ausência de um toque, de um elogio, de uma palavra de estimulo. Há relatos de alunos que sentem a discriminação, através do olhar, o silêncio, a falta de aproximação, o que se evidencia em falas de alunos negros, que infelizmente fazem comparação com os colegas brancos e entendem que são tratados diferentes (ABRAMOVAY, 2005, p. 208);

– Em muitos casos o racismo é percebido dentro da sala de aula e inicia com os professores;

– Tipos de apelidos mais comuns identificados na pesquisa de Abramovay (2005): macaco, crioulo, preta macaca, feijão, torrada queimada, nego, negrão, neguinha, negão safado, negros descarados, toalha de mecânico, torrão de café, chocolate, picolé de asfalto, escrava, Mussum, lacraia, Tia Anastácia, macumbeiros, galinha preta, cabelo duro, cabelinho, Bombril, encardida, suja, nugget, café, preta feia e negra maluca (ABRAMOVAY, 2005, p. 208).

Foram pelo menos 30 palavras que descrevem o quão sério é o problema do racismo no ambiente escolar. Infelizmente determinados apelidos infantilizam, depreciam, ridicularizam os jovens negros no ambiente escolar. Denotam a percepção de inferioridade de um grupo em relação ao outro.

Pode-se dizer que um dos principais pontos da exclusão social, diz respeito a questão racial, que neste presente século é combatido de forma massiva, com protestos, mídias, etc., porém, ainda está arraigado em nossa sociedade colonizada por brancos que escravizava negros e, muitas vezes é praticada de forma velada.

Outro grande problema apontado por Amaro (2015):

Os atos vão se consolidando e criando uma certa identidade desviante, corroborada nas relações sociais que o cercam. Ou seja: comportar-se como “bagunceiro” ou “drogado” cria nos outros uma percepção, expectativa e ação apropriada àquela representação de si. Muito comuns são a aplicação de sanções disciplinares a alunos que têm esse percurso; ou seja, que, ao terem escapado da condição de vítimas de discriminação racial, tornaram-se valentões, não raro praticando o bullying (na verdade devolvendo o bullying de que foram vítimas) […] Quando se recepciona a discriminação com um sentimento de irritação, com clara percepção da injustiça imposta, muitos estudantes negros optam por vestir a roupa enunciada na piada ou ofensa que lhes são dirigidas. Assim, se são chamados de “marginais”, “sujos”, “feios”, “maconheiros” ou “bagunceiros” passam agir dentro desse personagem, como forma de rebeldia, provocação ou reação (AMARO, 2015, p. 66).

O resultado do bullying racial é um grande constrangimento que toma os sentimentos e emoções, normalmente a opção é desistir e afastar-se daquele lugar que lhe trata com desigualdade.

A definição de Qureshi (2013) é precisa sobre o bullying racial que se refere a uma variedade de comportamentos prejudiciais, ambos, físico e psicológico, a zombaria faz com que a pessoa se sinta indesejável, marginalizada, excluída, impotente ou sem valor por causa da sua cor, etnia, cultura, comunidade religiosa, origem nacional ou status nacional.

O autor acima (2013) ainda reforça que as escolas não discutem e até uns anos atrás não abordavam sobre diversidade, também existe um grau de racismo dos professores e por último uma relutância das escolas em combater o racismo. Para mitigar este tipo de bullying, sugere treinamento e aprofundamento dos professores sobre o assunto.

Esse tipo de bullying racista normalmente acontecem nas escolas, por meio de xingamentos e também por meio de redes sociais. Na opinião do autor é quase unanime entre os autores que tratam violência na escola e o bullying abordar sobre o bullying racista, que normalmente abordam sobre os personagens do bullying: agressor, espectadores e vítimas, porém, sobre estes últimos pouco é abordado (QURESHI, 2013).

O bullying racista lamentavelmente não ocorre só no Brasil, conforme dados da pesquisa de Rigby (2002) realizada na Inglaterra constatou: “Em pesquisa realizada com 6000 crianças britânicas, vítimas de bullying, 17,4% dos meninos e 18,1% das meninas no ensino infantil e 12,1% dos meninos e 6,3% das meninas do ensino fundamental relataram que foram xingadas sobre a cor de sua pele. Com isso se constata o racismo, embora em número menor, porém, vai além da cor.”

O bullying racial é muito mais comum do que se imagina, abaixo o subitem abordará as principais consequências que este tipo de violência causa nas vítimas, trazendo impactos no desenvolvimento atual e futuro das vítimas.

3.1.1 CONSEQUÊNCIAS DO BULLYING

O bullying infelizmente impacta no desempenho escolar, geralmente o agressor tem o desempenho baixo, um fracasso escolar e as relações com pares e docentes não são positivas. Porém com relação às vítimas é perceptível uma diminuição no desempenho escolar.

  • Consequências no desempenho escolar:

São várias consequências que o bullying acarretam para vítima, D´addario (2019, p. 26), pontua dificuldade de manter amizade autêntica com outras pessoas, problemas escolares, absenteísmo e também o problema com relação ao desempenho escolar:

As pontuações das vítimas de bullying tendem a baixar, geralmente por causa do déficit de atenção causada pela ansiedade. Também podem baixar suas notas devido ao bullying direto, já que seus perseguidores podem até mesmo roubar o seu trabalho, esconder seus materiais escolares etc. […] Dentre as consequências têm a acadêmica: o bullying pode causar falta de interesse, de motivação e de atenção em aula, de modo que baixará o desempenho da criança ou adolescente. Muitos deles desenvolvem fobia ao ambiente escolar a ponto de abandonar seus estudos assim que possível, independente dos resultados acadêmicos que foram obtidos antes do início do bullying, em síntese: dificuldades escolares até mesmo recusa em frequentar a escola; sentimento de insegurança, solidão e tristeza; introversão, timidez e isolamento social e baixa autoestima e pobre autoimagem (D´ADDARIO, 2019, p. 25).

Fante e Prudente (2020) quando explicam as formas de bullying ao retratar da forma verbal – apelidos, entendem que os apelidados de forma mais cruel são normalmente aqueles que já se situam em posições desvantajosas diante de seus pares. Situação essa que está fortemente correlacionada ao mau desempenho escolar, à baixa frequência e à evasão e que, nos casos mais graves, pode levar ao suicídio.

Assis et al. (2010) salienta que:

Um estudo com adolescentes cariocas aponta que os que se percebem com o pior desempenho na escola têm menos supervisão familiar, pior relacionamento com os pais e professores, contam com menos apoio em seu ambiente, fazem mais uso de álcool e drogas, cometem mais atos de transgressão social, apresentam problemas psicológicos, têm baixa autoestima, são mais insatisfeitos com a vida e são, em maiores proporções, vítimas de violência na família, na escola e na localidade em que residem. O estudante com mais dificuldades na escola comumente, está emaranhado em situações difíceis. A escola e mais ativamente o professor e a direção precisam estar mais atentos para ajuda-lo (ASSIS et al., 2010, p. 191).

Infelizmente esse baixo desempenho tem causas internas e externas a escola, é motivo de inquietação da comunidade escolar, pais e psicólogos.

  • Consequências psicológicas

A Psicologia da Educação aborda todos os tipos de conhecimento comprometido que estão relacionados ao campo da educação escolar. No decorrer do século XX, a área educacional se tornou um campo fértil para Psicologia desenvolver vários fenômenos, dentre eles o bullying, que como se viu em capítulos anteriores os estudos de Olweus desde a década de 1970.

Conforme esclarecem Antunes e Meira (2003, p. 07) a preocupação com o fenômeno psicológico como constitutivo do processo educacional tornou-se gradativamente, fundamental para a teoria e a prática educacionais. Nessa perspectiva, a Psicologia da Educação conquista uma autonomia tal que é possível afirmar o surgimento de um campo de ação específico, o que propiciou, dentre várias modalidades de ação profissional, a emergência da figura do Psicólogo escolar, cuja função seria, inicialmente, resolver os problemas escolares.

Se tornou tão importante os Psicólogos dentro da escola, que segundo Antunes e Meia (2003, p. 07) o Conselho Federal de Psicologia em 1992 publicou que depois da clínica 37,2% e organizacional 29,6%, a área de educação ficava em terceiro com 24,4% dos psicólogos atuando em escolas e atendendo demandas escolares.

Em 2021, após quase 30 anos da publicação do Conselho Federal de Psicologia, o Governo do Estado de São Paulo, anunciou o Programa “Psicólogos na Educação”, programa presente em toda rede estadual, em mais de 5 mil escolas e 645 municípios. O programa visa o atendimento presencial e virtual, cujo objetivo é contribuir com a melhor convivência no ambiente escolar. Na prática, os psicólogos deste projeto apoiam o desenvolvimento de outros projetos do Estado para Educação, bem como, o trabalho pedagógico, competências cognitivas e socioemocionais (GOVSP, 2021).

Segundo Coll et al. (2007):

Tomando como ponto de partida o objetivo do estudo proposto, pode-se identificar os dois grandes blocos de conteúdos dos quais a psicologia da educação trata: de um lado, aqueles relativos aos processos de mudança que ocorrerem nas pessoas como resultado de sua participação em situações e atividades educacionais; por outro, os fatores, as variáveis ou as dimensões das situações educacionais que se relacionam direta ou indiretamente com esses processos de mudança e que contribuem para explicar sua orientação, características e resultados. Quanto aos primeiros, a psicologia da educação ocupa-se fundamentalmente de mudanças vinculadas aos processos de aprendizagem, de desenvolvimento e de socialização […] no que diz respeito ao segundo bloco, o panorama é mais complexo, já que existem diferenças importantes em função do tipo de situações ou atividades educacionais, no caso das situações e das atividades educativas que ocorrem na família (COLL et al., 2007, p. 33).

A Psicologia escolar não se limita apenas as paredes da escola, mas deve transcender e alcançar todos os envolvidos na educação. É importante salientar que os Psicólogos no ambiente escolar, podem e devem identificar os sintomas de anormalidade no ambiente, propor reuniões com os pais, professores e direção da escola, com propósito de sanar quaisquer que sejam as demandas.

Silva (2015) apresenta os seguintes problemas psicológicos:

– Fobia Social (timidez patológica): Sofre de ansiedade excessiva e persistente, com temor exacerbado de se sentir o centro das atenções ou de se estar sendo julgado e avaliado negativamente. Assim, com o decorrer do tempo, tal indivíduo passa a evitar qualquer evento social ou procura esquivar-se deles, o que traz sérios prejuízos em sua vida acadêmica, profissional, social e afetiva (SILVA, 2015, p. 13);

– Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): A ansiedade generalizada é uma sensação de medo e insegurança persistente, que não larga do pé. A pessoa se preocupa com todas as situações ao seu redor, desde a mais delicada e importantes até as mais corriqueiras. Geralmente as pessoas são impacientes, que vivem com pressa, aceleradas, negativas e que têm a impressão constante de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento (SILVA, 2015, p. 14);

– Depressão: Não é apenas uma sensação de tristeza, de fraqueza ou baixo astral. É muito mais do que isso: trata-se de uma doença que afeta o humor, os pensamentos, a saúde e o comportamento. Os sintomas mais característicos são: tristeza persistente, ansiedade ou sensação de vazio, sentimento de culpa, inutilidade e desamparo, insônia ou excesso de sono, perda ou aumento do apetite, fadiga e sensação de desânimo, irritabilidade e inquietação, dificuldades de concentração e de tomar decisões, sentimentos de desesperança ou pessimismo, perda de interesse por atividades que anteriormente despertavam prazer, ideias ou tentativas de suicídio (SILVA, 2015, p. 15);

– Transtorno obsessivo e compulsivo (TOC): Entre os transtornos de ansiedade, o TOC é o mais intrigante para os psiquiatras e psicólogos. Popularmente chamado de mania, o TOC se caracteriza por pensamentos sempre de natureza ruim, intrusivos e recorrentes (obsessões), causando muita ansiedade e sofrimento (SILVA, 2015, p. 16).

No entendimento de Silva (2011) as vítimas de bullying muitas vezes levarão marcas profundas provenientes das agressões para a vida adulta, necessitarão de apoio psiquiátrico e psicológico para superação do problema.

  • Evasão escolar

A evasão escolar não é um assunto novo e as causas são diversas, mas se faz necessário fazer uma correlação da evasão escolar com o bullying. Este é um tema de grande relevância que o ECA em seu art. 56 trouxe o assunto em pauta. Ele estabeleceu como obrigação da escola e de seus dirigentes a notificação ao Conselho Tutelar em casos de maus tratos envolvendo alunos, faltas injustificadas, repetência e evasão escolar, com penalidades e multas para quem descumprir (art. 245).

É importante destacar que o Estatuto anda em conformidade com a Constituição e tiveram essa preocupação de estabelecer direitos e deveres que permitam a responsabilização de todos que estejam envolvidos com a educação da criança e do adolescente (ASSIS et al., 2010, p. 31).

Souza (2020) amplia a importância da criança na escola:

O direito a escola deve ser interpretado à luz das peculiaridades do país e sobretudo da historicidade subjacente ao direito fundamental à escola no Brasil. Em nosso país, em que há assustadoras estatísticas de violência doméstica e trabalho infantil, evasão escolar e disparidades sociais, autorizar genericamente a educação domiciliar amplificará riscos sem qualquer garantia de que estes serão minimizados por um amplo e adequado acompanhamento do sistema de controle do Estado. Não por acaso o direito à educação que na lei maior anterior a 1988 era expressamente autorizado a ser ministrado no lar e na escola (art. 176, EC1/69), na atual lei fundamental foi definido em bases coletivas, como evidenciam os princípios fundamentais estabelecidos no art. 206, a exemplo da igualdade de condições para acesso e permanência na escola (SOUZA, 2020, p. 525).

Essas normativas estão asseguradas na Constituição Federal de 1988, o que se espera é que sejam cumpridas para que todos tenham acesso à educação e possam usufruir da escola saudavelmente.

Entre as consequências do bullying no ambiente escolar, a evasão é uma delas, os autores que foram trabalhados neste artigo afirmam que uma realmente a evasão é um grande problema a ser combatido. Conforme narra Rodriguez (2017):

Com relação aos sentimentos das vítimas de bullying, ansiedade, depressão, ideação suicida, estresse, medo, baixa autoestima, sentimentos de ira e frustração, sentimentos de indefesa, nervosismo, irritabilidade, somatizações, transtornos do sono e dificuldades para concentração que afetam o rendimento escolar e evasão escolar (RODRIGUEZ, 2017, p. 87).

A evasão escolar é literalmente um termômetro que algo não vai bem no ambiente escolar e para isso é necessário que a família e escola caminhem juntos para identificar se não está ocorrendo algo no ambiente escolar. É fundamental que a escola acione os familiares e se preciso o Conselho Tutelar para que de alguma forma o assunto seja tratado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve o objetivo apresentar como o bullying racial é cruel e está arraigado na comunidade escolar, infelizmente no bullying étnico-racial o desequilíbrio de poder está associado à operação do racismo que é um tema tão explorado, porém, ainda objeto de muito estudo e aprendizado.

Coube definir o bullying e expor as formas mais comuns da prática no ambiente escolar, como esse tipo de violência traz consequências como: queda desempenho escolar, problemas psicológicos e evasão escolar de milhares de alunos anualmente.

Verifica-se ainda que o bullying não escolhe classe social, cor, gênero, etc., é um problema antigo e que atinge todos, os relatos aqui trazidos, mostram que nem professores e diretores estão fora das classificações de vítimas, agressões e espectadores.

Com relação aos objetivos elencados no início deste artigo chegou-se ao resultado: o bullying racial é um assunto de extrema importância para a comunidade escolar estudar, trabalhar, a fim de mitigar, pois os prejuízos que ele causa são enormes para todos os envolvidos no contexto escolar, pois a vítima vai ter queda em seu rendimento escolar, complicações no seu processo de ensino e aprendizagem, consequências psicológicas, evasão escolar, dentre outros que foram trabalhados acima. Sabendo disso, se faz necessário um trabalho em conjunto da sociedade, família, escola e Estado, trabalhando para mitigação e prevenção do bullying racial.

Com base nas informações trazidas neste artigo, abre-se um parêntese para que seja pensado sobre um processo de intervenção e melhoria como um todo na educação dos estudantes, para tal, se faz necessário a interação entre escola e família. Infelizmente a falta de compromisso dos familiares com a educação dos filhos; fatores sociais e econômicos, a direção da escola e pouca atuação do Estado, refletem no dia a dia da escola; a desvalorização dos professores enquanto profissionais; a falta de políticas públicas melhores para a educação e combate ao bullying racial.

Por fim, almeja-se que este trabalho contribua significativamente na transformação da educação, bem como daqueles que desejarem saber mais sobre o bullying racial, e assim, trabalharem no combate da violência nas escolas, possibilitando a milhares de crianças e adolescentes negros no Brasil tenham bem-estar num ambiente que foi construído para aprendizado e desenvolvimento através da interação social saudável.

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1 Original: La palabra que se emplea en Escandinavia para denominar o bullying es mobbing (en Noruega y Dinamarca) o mobbning (en Suecia y Finlandia). La palabra que se há utilizado con significados y connotaciones diferentes. Su raiz inglesa original mob implica que se trata generalmente de un grupo grande y anónimo de personas que se dedican al asedio (Olweus, 2004, p. 24).


1 Doutorando em Educação pela Facultad Interamericana de Ciencias Sociales (FICS). Assunção – Paraguai.
E-mail: leo_simoes2001@yahoo.com.br