ETOMOFAUNA VISITANTE EM HANDROANTHUS ALBUS EM ÁREA URBANA DE CRATO -CE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7311537


Rachel Anne Alencar Martins


RESUMO

Realizou-se o estudo da biologia da polinização e da reprodução em Handroanthus albus, com distribuição geográfica da Paraíba até Santa Catarina. Os exemplares selecionados em ruas de Crato, CE, nas quais a espécie ocorre como planta ornamental. Algumas inflorescências dos indivíduos foram isoladas, utilizando-se sacos de filó para os seguintes tratamentos: autopolinização, polinização por gei-tonogamia e xenogamia. Também foram feitas marcações em flores para a observação da polinização natural (controle). A receptividade estigmática, a viabilidade polínica e a presença de osmóforos foram analisadas em laboratório com flores, nos seguintes estágios: botão em pré-antese, final de pré-antese, antese completa e final de antese. A antese plena da flor ocorre durante o dia, geralmente no período vespertino. A análise dos dados revelou que a família Meliponidae apresentou a maior quantidade de visitantes, com pequena quantidade de morfoespécies – apenas três –, porém a família Vespidae, com pouco mais da metade de visitantes do grupo anterior, apresentou 11 morfoespécies. A espécie é autoincompatível e verificou-se a não ocorrência de autopolinização. As taxas de sucesso em polinização por geitonogamia e xenogamia foram de 27,6% e 32%, respectivamente, as quais são consideradas baixas, mas seguem o padrão para a família em estudos anteriores para outras espécies.

Palavras-chave: Floração. Polinização. Reprodução. Bignoniaceae.

INTRODUÇÃO

Regiões tropicais apresentam uma ampla diversidade de angiospermas, a qual se reflete em grande variedade de tipos de flores e, consequentemente, em uma diversidade de visitantes que utilizam recursos florais (1). As relações entre as flores e seus polinizadores são frequentemente interpretadas como resultado das interações, nas quais as estruturas florais são adaptadas para aperfeiçoar o transporte de pólen e mediar a ação dos vetores (2, 3). As relações entre plantas, polinizadores e dispersores são muito importantes na estrutura de comunidades, pois podem influenciar na riqueza, na distribuição espacial e na abundância de espécies (4).Fenologia floral é o estudo de uma das fases ou atividades do ciclo de vida das plantas e de sua ocorrência temporal, ao longo do ano (5), fornecendo informação sobre a disponibilidade de recursos para os animais que dependem das plantas para sua sobrevivência (5-7).A família Bignoniaceae Juss. apresenta, aproximadamente, 120 gêneros, totalizando, em média, cerca de 700 espécies, a maior parte delas na América Tropical, mas, também, na América Temperada, na África Tropical e na África do Sul, em Madagascar, na Ásia, na Polinésia e na Austrália (8).Tendo uma distribuição geográfica da Paraíba até Santa Catarina, Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex DC) Mattos é encontrada, principalmente, na ve-getação secundária de encostas da Floresta Atlântica, contribuindo, portanto, para a regeneração dessas áreas. Sua floração ocorre no período de meados de agosto a novembro, com frutificação entre setembro e outubro (9). Este trabalho teve como objetivo estudar a biologia floral, a polinização e a reprodução de Handroanthus em uma área urbana próxima à Universidade Regional do Cariri. Foram registrados os horários e a frequência das visitas e o modo de expl-rar as flores (10). As observações foram feitas durante todo o tempo de estudo, seguidas de coletas dos exemplares com rede entomológica. Algumas inflorescências dos indivíduos nas áreas de estudo foram isoladas, utilizando-se sacos de filó para os seguintes tratamentos: autopolinização (feita depositando-se pólen das anteras de uma flor sobre seu próprio estigma); polinização por geitonogamia (pólen proveniente de outras flores da mesma planta); e polinização por xenogamia (pólen proveniente de flores de outros indivíduos). Também foram feitas marcações em flores para a observação da eficácia da polinização natural (controle). Foram analisados a quantidade de flores por inflorescência e o horário de antese, bem como o de receptividade estigmática. A viabilidade polínica foi analisada em laboratório, com grãos de pólen retirados de anteras provenientes de flores nos seguintes estágios: botão em pré-antese, botão em final de pré-antese, antese completa e período final de antese. Em seguida, o material foi corado com carmim acético 1,2%, evidenciando-se a viabilidade através da coloração amarelada (10). Aplicou-se o teste de hidróxido de amônio (11) para verificar as estruturas que refletem a radiação ultravioleta (guias de néctar), com flores de vários estágios, desde botão fechado até completamente aberta. A ocorrência de osmóforos nas flores foi determinada por meio de solução de vermelho neutro diluído em água destilada, na proporção de 1 g: 1000 ml (12). A receptividade do estigma foi observada com lupa manual de 10x de aumento, utilizando-se água oxigenada 3% (13).

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi realizado em Crato -CE. Os exemplares selecionados para estudo localizam-se no campus da Universidade Regional do Cariri (URCA), em Crato, e, também, em ruas da mesma cidade, onde a espécie ocorre como planta ornamental. Foram analisados doze exemplares de Handroanthus albus, com o intuito de verificar aspectos da biologia floral, da polinização e da reprodução dessa espécie. O período de estudo foi de julho a novembro de 2021.O comportamento dos visitantes florais foi estudado por observação visual. Foram registrados os horários e a frequência das visitas e o modo de explorar as flores (10). As observações foram feitas durante todo o tempo de estudo, seguidas de coletas dos exemplares com frascos mortíferos. Algumas inflorescências dos indivíduos nas áreas de estudo foram isoladas, utilizando-se sacos de escaline para os seguintes tratamentos: autopolinização (feita depositando-se pólen das anteras de uma flor sobre seu próprio estigma); polinização por geitonogamia (pólen proveniente de outras flores da mesma planta); e polinização por xenogamia (pólen proveniente de flores de outros indivíduos). Também foram feitas marcações em flores para a observação da eficácia da polinização natural (controle). Foram analisados a quantidade de flores por inflorescência e o horário de antese, bem como o de receptividade estigmática. A viabilidade polínica foi analisada em laboratório, com grãos de pólen retirados de anteras provenientes de flores nos seguintes estágios: botão em pré-antese, botão em final de pré-antese, antese completa e período final de antese. Em seguida, o material foi corado com carmim acético 1,2%, evidenciando-se a viabilidade através da coloração amarelada (10). Aplicou-se o teste de hidróxido de amônio (11) para verificar as estruturas que refletem a radiação ultra-violeta (guias de néctar), com flores de vários estágios, desde botão fechado até completamente aberta. A ocorrência de osmóforos nas flores foi determinada por meio de solução de vermelho neutro diluído em água destilada, na proporção de 1 g: 1000 ml (12). A receptividade do estigma foi observada com lupa manual de 10x de aumento, utilizando-se água oxigenada 3% (13).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Handroanthus albus é uma espécie de luz perene, comum na biorregião do araripe, sendo encontrada em ambiente urbano, como ornamental e em pastos, beiras de estradas, beira de rios, bem como nas florestas de altitude dos topos de morro.

Essa espécie é considerada a flor nacional do Brasil, tanto em virtude de sua floração acontecer em. Sua casca é utilizada na medicina popular como adstringente, e ela é também considerada uma espécie sem restrição ao uso em calçadas e em rede aérea de fiação elétrica. Nas ruas de Crato, essa espécie se mostrou extremamente resistente à poluição urbana. Foi verificado que a espécie, quando plantada em área urbana exposta à poluição, tem sua capacidade fotossintética reduzida, e seu conteúdo de cinzas é mais elevado do que quando plantada em áreas menos poluídas. Isso faz dessa espécie uma indicadora de poluição ambiental (15). A quantidade de flores por inflorescência foi verificada escolhendo-se cinco cachos de cada um dos exemplares escolhidos, num total de 15 plantas, sendo que a quantidade maior foi de 11 flores em um cacho e a menor foi três, com média de 6,5 flores por cacho.A antese plena da flor ocorre durante o dia, geral-mente no período vespertino. Entre a pré-antese e a an-tese completa decorrem entre doze e dezesseis horas.Foram coletados 563 insetos, entre os quais predominaram as famílias Meliponidae, Vespidae e Apidae, nessa ordem de frequência. A análise dos dados revelou que a família Meliponidae, apesar da grande quantidade de visitantes, apresentou pequena quantidade de morfoespécies, apenas três, porém a família Vespidae, com pouco mais da metade de visitantes do grupo anterior, apresentou 11 morfo espécies. Isso evidencia, de forma clara, que a interação das Meliponidae como principais visitantes e responsáveis pela polinização da planta, assim como observado por Yamamoto, Kinoshita e Martins (4), que apontam a melitofilia como a principal forma de polinização. Outras famílias de insetos foram coletadas, porém apresentaram baixa frequência, sendo elas: Coccinelidae, Attidae, Formicidae, Cerambicidae, Nynphalidae, Pentatomidae e Cicadelidae. Pela sua baixa frequência, podem ser consideradas como visitantes eventuais. A coleta dos insetos foi realizada entre as 7 horas da manhã e as 7 horas da noite, em sete dias não consecutivos, em função das condições climáticas, buscando-se, assim, determinar o período do dia em que ocorria a maior quantidade de visitas às flores. Evidenciou-se que, em condições de boa luminosidade e com temperatura em torno de 30 °C, há maior frequência de visitantes, ao passo que em dias chuvosos não houve visitas, ou houveram visitas esporádicas. O horário de pico de visitações ocorreu entre as 13 e as 15 horas.

Nas inflorescências de H. albus isoladas para os testes de compatibilidade não se observou a formação de frutos, tanto na autopolinização induzida quanto na autopolinização natural, o que evidencia a autoincompatibilidade, assim como a ausência de autopolinização. Para os testes de polinização por geitonogamia, de um total de 29 botões florais ensacados, surgiram oito frutos, representando uma taxa de sucesso de 27,6%, o que indica a baixa produtividade na polini-zação por esse processo. Para os testes de xenogamia, foram marcados e acompanhados um total de 50 botões florais, que resultaram na formação de 16 frutos, numa taxa de 32% de sucesso na frutificação. A produtividade também é baixa por esse processo, pouco superior à da geitonogamia, o que evidencia que a quantidade de frutos produzidos não difere muito na ocorrência de polinização cruzada. Correia, Pinheiro e Lima (16) relatam resultados similares em Arrabideaconjugata (Vell.) Mart. (fruto/flores 12,5%) e indicam vários fatores, entre os quais o de que as plantas produzem excesso de flores que não resultam em frutos, expresso pela proporção frutos/flores média de 42,1%, sendo ainda mais baixas para as espécies autoincompatíveis (22,1%). Os baixos valores obti-dos também ocorrem em outras Bignoniaceae (17, 18). Algumas hipóteses têm sido levantadas para explicar essa baixa produção de frutos, entre elas a da limitação de nutrientes maternos – aborto seletivo – e a da limitação de polinizadores ou de pólen (19, 20). Em H. chrysotrichus, não parece haver limitação da quantidade de pólen e de polinizadores, uma vez que ocorre intensa visitação às flores. Além do mais, a liberação gradativa dos grãos de pólen permite que eles fiquem disponíveis ao longo da antese. Barros (21), em estudos realizados em Tabebuia aurea (Mans.) Benth. & Hook. e T. ochracea (Cham.) Standl., aponta que a baixa produção de frutos nas polinizações naturais e nas polinizações cruzadas manuais não está relacionada à ausência de polinizado-res, já que as espécies também são intensamente visitadas. Gentry (22) considera que o aborto de frutos ainda pequenos, em Bignoniaceae, seria uma carência nutricional, já que a planta não tem possibilidade de manter toda a produção de frutos. O estigma apresentou-se receptivo até 48 horas após a antese completa da flor, o que coincide com a viabilidade polínica. A viabilidade polínica, em contagem de aproximadamente 500 grãos de pólen por lâmina, em um total de quatro lâminas, foi a seguinte: a) em pré-antese inicial, com botões fechados, menos de 10%; b) em pré-antese, com abertura inicial da flor, em torno de 27%; c) em antese plena, com 87%; e d) pós-antese, com menos de 15% de viabilidade polínica. O teste para verificação de guias de néctar deu resultado negativo, caracterizando a sua ausência em todos os estágios de desenvolvimento da flor, desde botão fechado até sua antese total. Porém, internamente as flores apresentam pelos ramosos em linhas de cor diferentes, ao longo de nervuras na parte superior do tubo da corola, com a parte anterior do tubo suavemente vilosa por dentro, com pelos moderadamente longos, o que pode caracterizar um mecanismo de similaridade às guias de néctar. O teste para localização de osmóforos deu positivo, indicando a presença deles por toda a corola, com maior concentração nas bordas. Os osmóforos são considerados como estruturas do perianto para sín-tese e secreção de substâncias odoríferas (12). As diferentes fragrâncias produzidas pelos osmóforos podem ser discriminadas pelas abelhas, que apresentam acuidade olfatória semelhante à dos humanos, embora possam detectar odores florais mais diluídos (12).

CONCLUSÕES

Handroanthus albus apresenta floração anual entre agosto e novembro, sendo uma espécie muito utilizada na arborização urbana. Possui flores amarelas em inflorescências do tipo tirso, que ocor-rem com a árvore despida de folhas. Não apresenta guias de néctar, porém apresenta pilosidade internamente no tubo da corola, que aparentemente desempenha função de similaridade com tais estruturas. É visitado por várias espécies de insetos, predominando os das famílias Meliponidae, Vespidae e Apidae, nenhum deles especialistas. Oferece, como recurso aos visitantes, o pólen e o néctar, atraindo-os com suave odor adocicado, produzido por osmóforos localizados em toda a extensão de sua corola, com maior concentração nos bordos. Sua reprodução ocorre por geitonogamia ou xenogamia, com baixa produtividade, provavelmente em função da grande queda de flores da planta, não apresentando autopolinização, mas apresentando autoincompatibilidade. A antese é vespertina, durando de doze a dezesseis horas, com pico de floração entre as 12 e as 17 horas. Nesse período, o estigma encontra-se totalmente receptivo, coincidindo com o período de maior viabilidade do pólen.

REFERÊNCIAS

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