A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7295438


Bruna Gabriela Camargos Silva
Gabriella Lucia Camargos Souza


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo demonstrar a possibilidade de indenização moral através da responsabilidade civil nos casos em que se configura o abandono afetivo das crianças e adolescentes pelos seus genitores. Portanto, torna-se necessário o estudo acerca dessa possível reparação, para demonstrar que o afeto tem importante papel no desenvolvimento de crianças e adolescentes, uma vez que para o crescimento e construção dos laços familiares é imprescindível a existência do mesmo no âmbito familiar. Nesse sentido, é preciso destacar que o ordenamento jurídico brasileiro deve garantir esse direito aos menores e tutelar para que não sejam lesados. Ademais, importante analisar do que se trata a responsabilidade civil, o dano moral, bem como os direitos das crianças e dos adolescentes. Ademais, tem como cautela abordar a respeito do abandono afetivo nas jurisprudências e os deveres dos pais em relação aos filhos, finalizando, com as correntes que ponderam o dever de indenizar no caso em que houver abandono afetivo e as posições das doutrinas e dos Tribunais.

Palavras-Chave: Responsabilidade civil. Abandono afetivo. Crianças. Adolescentes. Indenização.

ABSTRACT

This article aims to demonstrate the possibility of moral compensation through civil liability in cases where the affective abandonment of children and adolescents by their parents is configured. Therefore, it is necessary to study this possible repair, to demonstrate that affection plays an important role in the development of children and adolescents, since for the growth and construction of family ties it is essential to have it in the family environment. In this sense, it is necessary to emphasize that the Brazilian legal system must guarantee this right to minors and protect them so that they are not harmed. In addition, it is important to analyze what civil liability, moral damages, as well as the rights of children and adolescents are all about. In addition, it is cautious to approach about affective abandonment in jurisprudence and the duties of parents in relation to their children, ending, with the currents that ponder the duty to indemnify in the case where there is affective abandonment and the positions of doctrines and Courts.

Keywords: Civil liability. Affective abandonment. Children. Teens. Indemnity.

1. INTRODUÇÃO

Em análises recentes realizadas em doutrinas e jurisprudências, mesmo que não haja uma previsão legal, o tema caminha no sentido de reconhecer a possibilidade de reparação de danos morais por abandono afetivo dos pais aos seus filhos.
Sendo assim, esse trabalho propõe uma reflexão acerca da responsabilidade civilaplicada ao direito de família, consubstanciada em analisar os requisitos e possibilidades de configurar indenização em casos de abandono afetivo de menores pelos seus genitores, levando-se em consideração a responsabilidade civil.
Ademais, tem como objetivo específico correlacionar os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente aplicado à possível reparação de danos morais por abandono afetivo, bem como analisar o posicionamento jurisprudencial e legal acerca da possibilidade de indenização por danos morais e de sua aplicação aos casos de abandono afetivo.
Diante do exposto, o tema se mostra relevante uma vez que a questão vem sendo encontrada frequentemente na sociedade atual, assim como os seus impactos são poucos comentados, sendo importante a manifestação do Direito brasileiro. Outrossim, os tribunais já vêm mencionando sobre a possibilidade de reparação dos danos causados aos menores abandonados afetivamente. O problema proposto tem como objetivo aprofundar na possível reparação por danos morais decorrente do abandono afetivo, para que sirva como punição, e cause impactos na sociedade de forma que práticas como estas sejam retiradas no âmbito diário da sociedade.
Vale ressaltar que a presente pesquisa será desenvolvida por meio do método de abordagem dedutivo, a partir de análise das disposições gerais no Direito de Família, Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal. O trabalho será realizado por meio de uma pesquisa bibliográfica em doutrinas civis, artigos científicos especializados, leis secas, entendimentos jurisprudenciais e demais fontes pertinentes ao tema.

2. UMA ANÁLISE CONCEITUAL DE ABANDONO AFETIVO E DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O afeto não se encontra expressamente previsto no texto da Constituição Federal de 1988, mas pode ser encontrado facilmente na base principiológica do ordenamento jurídico brasileiro, a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, é evidente que todos necessitam do mínimo essencial para viver, consequentemente, os filhos menores necessitam de uma assistência especial. Precisam que seus genitores lhes garantam a segurança e amparo para seu desenvolvimento, tanto psicológico, quanto intelectual.
Podemos perceber que com o passar dos anos, as famílias não serem formadas por pais casados ou morando na mesma residência, vem se tornando extremamente corriqueira. Entretanto, essa realidade muitas vezes afeta a vida da criança e do adolescente, pois ao se divorciarem, os genitores tendem a pensar no lado financeiro da criança e no que precisam pagar de pensão para que não sejam condenados por dívida alimentícia, mas se esquecem de que para o desenvolvimento do menor ser eficiente é necessário o afeto, o carinho, a demonstração de amor e confiança para o filho.
O abandono afetivo é mais encontrado nos casos em que os pais eram casados, e após o divórcio, quando já se resolveu a guarda, um dos genitores se ausenta e acaba não cumprindo mais o seu dever como pai ou mãe. Para a autora Valéria Silva Gladino Cardin:

(…) as pessoas têm a liberdade de escolher se querem ou não conceber e, a partir do momento em que ocorrer deverão assumir sua responsabilidade enquanto genitores para que direitos fundamentais como a vida, a saúde, a dignidade da pessoa humana e a filiação sejam respeitados. Ainda que não pratiquem os crimes previstos no Código Penal, no que tange à assistência familiar (arts. 244 a 247) estariam cometendo um ilícito civil, conforme o disposto no art. 186 do Código Civil, no momento em que não garantissem o mínimo, que consiste no cuidado, na alimentação básica, na educação em escola pública e na direção desta personalidade em formação por meio de princípios éticos e morais. (CARDIN, 2017, pp. 50 e 51)

Nesse cenário, é evidente que não se pode obrigar o pai ou a mãe a sentir amor pelos seus filhos. Entretanto, não se pode deixar que os menores, que se encontram em fase de desenvolvimento, sejam prejudicados pelas atitudes de quem deveria cuidar dos mesmos.

Portanto, para que os direitos básicos dos menores sejam garantidos, o ordenamento jurídico brasileiro usa da responsabilidade civil para tutelar esses direitos básicos.

É de suma importância conceituar a responsabilidade civil, pois é a partir de tal entendimento, que se torna possível correlacionar a importância do abandono afetivo para se enquadrar nesse quesito do Código Civil. A responsabilidade civil tem como objetivo determinar em quais condições alguém pode ser responsável pelo dano causado a outro e em que medida está obrigado a repará-lo. Maria Helena Diniz trouxe seu entendimento sobre o assunto de forma transparente:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ, 2007, p. 35)

O artigo 186 do Código Civil Brasileiro menciona que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002). Desse modo, temos que a responsabilidade civil tem como intuito coibir a perpetração de danos à sociedade e às pessoas, seja moral ou patrimonial e assim determinando sanções indenizatórias caso não seja observado tais regras. Ademais, para a configuração da responsabilidade de indenizar aquele que sofreu o dano, é de requisito essencial do Código Civil que haja a conduta, o dano e o nexo de causalidade.

A conduta do agente é baseada na culpa e no dano causado, e é o que gera o dever de reparação. Dessa forma, deve o agente agir com negligência, imprudência ou imperícia ao determinado acontecimento. Cavaliere Filho traz um conceito de conduta em sua doutrina:

“Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão e o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico ou subjetivo” (CAVALIERI, 2008, p. 24)

As ações que venham causar dano, na maioria das vezes são ações que se originam de um fazer, uma conduta, causando certo prejuízo, dano ou uma lesão a alguém. Já nas omissões, temos um não fazer, em que o agente permite que o indivíduo sofra o dano em uma situação que poderia ter sido evitada. Ou seja, a ação ou omissão poderá ser realizada por ato próprio ou de terceiros que esteja sob a guarda do agente, podendo ser até mesmo animais ou coisas que lhe pertençam, respondendo assim pelos seus danos, caso forem causados.

DINIZ (2003, p. 37) leciona:

“E continua sua lição afirmando que o comportamento pode ser comissivo ou omissivo, sendo que a “comissão” vem a ser a prática de um ato que não deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se”

Desse modo, é por meio da ação ou omissão que a conduta humana causa dano a outrem, passível de reparação.

Já o dano é prejuízo a um bem juridicamente protegido, que possa causar um dispêndio de ordem patrimonial ou até mesmo extrapatrimonial. O dano sempre será crucial para haja a responsabilidade civil e a sua devida reparação. O autor Carlos Roberto Gonçalves, é transparente ao discorrer sobre o assunto em sua doutrina:

“O atual Código aperfeiçoou o conceito de ato ilícito ao dizer que o pratica quem ‘violar direito e causar dano a outrem’ (art. 186), substituindo o ‘ou’ (‘violar direito ou causar dano a outrem’) que constava o art. 159 do diploma de 1916. Com efeito, o elemento objetivo da culpa é o dever violado. A responsabilidade é uma reação provocada pela infração de um dever preexistente. No entanto, ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. Se, por exemplo, o motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa nem colide com outro veículo, nenhuma indenização será devida, malgrado a ilicitude de sua conduta.” (GONÇALVES, 2012, p. 67).

Diante da caracterização dos danos que ensejam a reparação, o dano deve atingir o indivíduo no seu interior, como sua moral, seu psicológico, tudo que o sensibiliza mentalmente. Podemos citar como exemplo a inscrição indevida no cadastro de inadimplentes (SPC, SERASA), vejamos que isso fere a moral e causa abalo psíquico no ferido, que por muita das vezes, passa por situações constrangedoras. O dano material é o dano que conseguimos constatar com certa objetividade, sendo dividido em dano emergente, que é o que causa efetivamente diminuição patrimonial na vítima. E os lucros cessantes, que se refere ao prejuízo material que o agente deixa de ganhar. Temos ainda, o dano estético, que é o mais recente reconhecido nas doutrinas e acontece nos casos que necessitar a reparação estética de certo indivíduo, seja alguma cicatriz, ferimentos, entre outros.
A reparação deve ser proporcional ao próprio dano, de forma que não cause enriquecimento ilícito. Ademais, a reparação proveniente de dano moral, a qual decorre de ato ilícito, é uma forma de compensar danos causados e não poderá ser usado como fonte de enriquecimento, devendo sempre obedecer aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observados, o caráter punitivo e reparatório.
De acordo com o artigo 927, parágrafo único do Código Civil:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Concomitantemente o artigo 402 também dispõe a respeito:

“Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente 28 deixou de lucrar”

E ainda, o artigo 182, do mesmo dispositivo:

“Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”

Entretanto, não pode o indivíduo ser responsabilizado civilmente, sem a comprovação do respectivo dano ou provado que este violou direito de outrem, a não ser nos casos que independem de culpa, aqueles previstos em lei.

O nexo causal é um dos pressupostos mais importantes para a caracterização da responsabilidade civil e o dever de indenizar, pois, é dele que se tem a correlação entre a conduta do agente e o dano. Sílvio de Salvo Venosa define nexo de causalidade como:

“O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.” (2003, p. 39)

Portanto, nexo causal é a relação de causa e efeito entre a ação e a omissão do agente causador do dano e o prejuízo sofrido pela vítima. Não sendo possível, portanto, atribuir a alguém a responsabilidade se o resultado danoso não tem de fato nenhuma ligação com seu ato. Este liame é fundamental para o ressarcimento do dano, uma vez que é imprescindível a indenização sem o nexo de causalidade.

Sabe-se que a culpa consiste na negligência, imprudência e imperícia do agente em cometer, ou deixar de cometer alguma conduta. Já o dolo consiste na vontade de realizar certa conduta, ou violar algum direito. Segundo a teoria objetiva, para a comprovação da responsabilidade civil do indivíduo, não é necessário comprovar o dolo nem a culpa do autor; já na teoria subjetiva, é necessária a comprovação de culpa ou dolo do agente, para a comprovação da responsabilidade civil.

Diante do exposto alhures, verifica-se que os casos em que as crianças e os adolescentes forem abandonados por um de seus genitores, sofrendo consequências em seu desenvolvimento em razão de ter sido abandonado afetivamente, verifica-se que é cabível responsabilizar o genitor responsável pelo abandono, para que repare os danos causados ao filho menor.

O desgosto sofrido pelo filho abandonado afetivamente é exorbitante, desse modo, os pais que o abandonaram devem ser obrigados a reparar tal ato a partir do instituto da responsabilidade civil, que visa compensar o espaço vazio causado na criança abandonado. Essa reparação servirá como exemplo de punição para que essa conduta não passe a acontecer sempre na sociedade, e que os demais genitores não cometam o mesmo erro. No mesmo sentido, a autora Valéria Silva Galdino Cardin leciona que:

O cabimento da reparação dos danos morais no âmbito familiar justifica-se pelo fato de que o patrimônio moral e familiar é algo muito precioso e de grande estimação, visto ser construído com carinho, afeto e sentimento em cada minuto da vida e, porque o impacto de uma lesão causada por um membro da família em detrimento de outro tende a ser maior, do que aquele provocado por um estranho, assim, merece amparo pela teoria geral da responsabilidade civil, já que o ordenamento jurídico brasileiro não dispõe de previsão específica. (CARDIN, 2017, p. 51)

Assim sendo, o ordenamento jurídico brasileiro não pode se furtar de resolver essas questões, mesmo que não exista uma legislação expressa em se tratando desta forma de responsabilização. Portanto, considerando que um genitor não cumpra com suas obrigações paternas, ele poderá ser responsabilizado por seus atos.

3. PROJETO DE LEI 3212/15

Tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 3212/15 que transformam o abandono afetivo de filhos em ilícito civil, sendo possível, portanto, de condenação por dano moral, em casos em que um dos genitores deixar de prestar assistência emocional, estando disponível para amar, cuidar e proteger, bem como a convivência.

O projeto determina que o genitor que não for detentor da guarda do menor, deve ser presente em sua vida, uma vez que o afeto pode até ser uma opção, entretanto, o cuidado e a assistência são previstos em lei, como no Código Civil, sob pena de pagar indenização para reparar os danos causados ao menor.

O deputado Alan Rick (PRB-AC), no portal da Câmara dos Deputados, ressalta a importância do projeto, uma vez que os pais estarão mais presentes na vida de seus filhos. Ainda, com suas palavras reitera:

Existem julgamentos do STJ a respeito disso: pais que já foram condenados a pagar indenização moral pelo abandono afetivo de seus filhos. Exatamente este é o propósito da matéria, para que pais e mães reflitam e não abandonem afetivamente seus filhos. (2016, não paginado)

Aymara Borges, Promotora da Vara da Família, também expõe a importância do afeto dos pais em sua relação com os filhos para o desenvolvimento dos mesmos. Nesse cenário, foi criada uma figura jurídica para penalizar civilmente os pais pelo abandono afetivo, em suas palavras ratifica:

“O abandono afetivo é uma construção jurídica que parte da responsabilidade civil, que é aquela que todo aquele que prejudica que causa dano a alguém, tem o dever de indenizar”. (2016, não paginado)

Por fim, a proposta será analisada perante a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em caráter conclusivo.

4. DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE EM FACE AO ABALO PSICOLÓGICO EM RAZÃO DO ABANDONO AFETIVO

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90), é considerado criança a pessoa até doze anos incompletos e adolescente aquela criança com idade entre 12 e 18 anos. A lei traz como prioridade à criança a proteção e socorro em qualquer tipo de necessidade, além disso, garante que nenhuma criança ou adolescente esteja sujeito a passar por casos de discriminação, negligência, exploração, violência, crueldade, opressão, ou até mesmo omissão, dos seus direitos fundamentais.
Vale salientar ainda, que a criança e o adolescente têm direito à segurança de um nascimento e um crescimento seguro, com um desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas. Devem ser comunicados ao Conselho Tutelar da localidade, os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus tratos contra a criança e o adolescente, como forma de garantia de seus direitos.
A criança e o adolescente têm direito à liberdade e a dignidade da pessoa humana, sendo essa liberdade consagrada pelo artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90):

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II – opinião e expressão;

III – crença e culto religioso;

IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;

V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI – participar da vida política, na forma da lei;

VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.

É de suma importância ressaltar a possível situação de família substitutiva. É direito da criança ser ouvida, e ter sua opinião considerada, se maior de 12 anos, a criança terá seu consentimento colhido em audiência e será observado o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade.
Assim sendo, é direito da criança e do adolescente, entre outros, ter opinião e colocação diante a uma determinada situação, poder brincar, praticar esportes, contestar critérios avaliativos e recorrer, quando necessário, a instâncias superiores, ser respeitados pelos seus educadores, participar de entidades estudantis, ter vaga em escola pública mais próxima de onde reside, sigilo em todos os tipos de processos em que for parte, se autor de algum ato infracional, não ser indevidamente conduzido ou transportado, assim como ter uma vida digna e sempre estar amparado para que possam analisar o seu desenvolvimento pessoal.

De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal de 1988:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Concomitantemente, o artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe:

“Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.

Desse modo, os progenitores são figuras essenciais para o crescimento de seus filhos, é na família que estes encontram a base, o amparo, onde aprendem a conviver, a desenvolver, se relacionar socialmente, entre tantos benefícios que uma família presente traz para o crescimento dos filhos. É dever dos pais, contudo, dar à criança um suporte para construir valores e princípios que sejam relevantes para que elas consigam uma boa relação na sociedade.
Em se tratando do processo de aprendizagem escolar da criança, é de suma importância que os pais estejam sempre acompanhando e auxiliando para que se obtenha uma boa formação. Não ajudar o filho, ignorando ou negligenciando, na sua aprendizagem, seria o mesmo que abandoná-lo moralmente. Os pais então devem apoiar e incentivá-los a buscar os estudos como forma de enriquecimento e desenvolvimento, dando-lhes segurança e amparo visando a um futuro repleto de vitórias.

Ademais, é imprescindível que crianças e adolescentes sejam cuidados por seus genitores, uma vez que necessitam de responsáveis para que possam ser auxiliados durante todo o seu desenvolvimento. De acordo com Valéria Silva Galdino Cardin:

Compete aos pais o dever de acompanhar o processo de desenvolvimento da criança até o seu amadurecimento fornecendo-lhe referenciais de conduta e prestando-lhes assistência material e moral à criança e/ou ao adolescente, nos termos do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (CARDIN, 2017, p. 46)

De acordo com Sílvio Neves Baptista, o princípio da afetividade:

“transcende o vínculo da consanguinidade, porque independe da barreira biológica, fazendo surgir parentescos de outra ordem, de caráter socioafetivo, decorrente da vida comum.” (BAPTISTA, 2010, p.43).

Nota-se a partir do exposto, que o afeto se tornou o formador dos laços familiares, em virtude de estar diretamente presente na adoção e nas relações de convivência, o verdadeiro casamento se baseia na relação de afeto e não apenas nas reminiscências cartoriais.
O afeto é excelso pela Carta Magna como valor jurídico, como consequência dos vínculos procedentes de laços afetivos. Nessa alínea, os filhos ganham ainda mais proteção na modificação da ordem constitucional, assim como Carlos Roberto Gonçalves traz em uma de suas lições:

A condição jurídica dos filhos assume também significativo relevo no direito de família. O instituto da filiação sofreu profunda modificação com a nova ordem constitucional, que equiparou, de forma absoluta, em todos os direitos e qualificações, os filhos havidos ou não da relação de casamento, 12 ou por adoção, proibindo qualquer designação discriminatória (CF, art. 227, § 6 o).

A qualificação dos filhos envolve questões de suma importância, ligadas à contestação da paternidade e à investigação da paternidade e da maternidade. (GONÇALVES, 2012, p. 26).

Conclui-se com o exposto, que a partir Constituição Federal de 1988, dos estudos acadêmicos, e dos tribunais brasileiros que o afeto subentendido superou a figura do elemento ou origem da família, e se tornou um valor inerente, fundamental às relações familiares e deve ser considerado como um princípio que se reflete por todo o Direito de Família. Não obstante a sua importância, lamentavelmente, ainda não é essencialmente o elemento para que um determinado grupo de pessoas se nomeiem familiares, não deixando de ser essencial o respeito, a convivência e todos os princípios que regem esse contexto familiar.

A criança/adolescente abandonado pelos pais, ou por um deles, pode sofrer consequências como traumas, desenvolver ansiedade, apresentar problemas no seu comportamento seja ele mental ou social. E muitas vezes, essas consequências são difíceis de serem reparadas, principalmente, quando a criança tenta buscar esse amparo e não encontra. É deplorável pensar na criança que cresce e se desenvolve sem amor e carinho das pessoas que seriam mais importantes na sua vida. A autora Valéria Silva Galdino Cardin traz seus ensinamentos a respeito:

No que se refere ao dano experimentado e o nexo de causalidade, destacasse que essa desídia dos pais em relação aos filhos é apontada como um dos principais fatores a desencadear comportamentos antissociais nas crianças, e está muito associada à história de vida de usuários de álcool e outras drogas, e adolescentes com comportamento infrator, bem como pode causar diversas psiconeuroses e desvios de caráter. (CARDIN, 2017, p. 52)

São inúmeros os conhecimentos a respeito de psicólogos e assistentes sociais que as consequências geradas pelo abandono vão repercutir diretamente em suas futuras relações, ou seja, na vida social adulta; a pessoa não consegue confiar nos outros e carrega o sentimento de que o mundo é um lugar perigoso, inconfiável, desumano e vai se sentir constantemente abandonada.
Os pais são primordiais para o desenvolvimento da personalidade dos filhos, uma vez que controlam seus impulsos e comportamentos, ensinam-lhes o que é certo e o que é errado, impõem-lhes o que deve ser feito em determinadas fases e momentos da vida, com autoridade. Sendo assim, é imprescindível que o pai e a mãe ocupem seus lugares na real condição de pais.
Nessa alínea, dispões Valéria Silva Gladino Cardin:

O suporte psicoafetivo ou a assistência moral envolve, em linhas gerais, a transferência dos pais para os filhos de valores essenciais para que estes possam se relacionar com os demais membros da sociedade, não sendo possível conceber o exercício da parentalidade responsável, sem que necessariamente, os pais forneçam aos filhos esse tipo de subsídio, isso porque a responsabilidade dos pais consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. (CARDIN, 2017, p. 47)

É preciso ratificar que abandonar uma criança pode causar baixo rendimento escolar, mau comportamento, problemas de identidade, depressão, a criança não sabe como tratar o gênero oposto, se compara com outras crianças que possuem a afetividades dos genitores, entre tantas outras consequências mencionadas acima.

5. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR

O Princípio da Solidariedade Familiar busca uma sociedade de âmbito despendido e solidário. Ademais, tem uma familiaridade com a afetividade, ainda que para prestar assistência àqueles que mais se fazem necessários, é preciso ter uma ligação direta, sendo denominado de “mútua assistência”. Os filhos podem pedir pensão para os pais, assim como os pais também podem pedir pensão para os filhos, quando necessário. Assim para o autor Rolf Madaleno:

A solidariedade é o princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário. (MADALENO, 2013, p. 93).

O citado princípio possui eixo nos artigos 226, 227 e 230 da Constituição Federal. Logo, à luz da Carta Magna, o direito a alimentos se baseia no princípio da solidariedade, pelo motivo de possibilitar respeito e consideração entre os sujeitos e suas famílias, conforme expõe Carlos Roberto Gonçalves:

O dever de prestar alimentos funda-se na solidariedade humana e econômica que deve existir entre os membros da família ou parentes. Há um dever legal de mútuo auxílio familiar, transformando em norma, ou mandamento jurídico. Originariamente, não passava de um dever moral, ou uma obrigação ética, que no direito romano se expressava na equidade, ou no officium pietatis, ou na caritas. No entanto, as razões que obrigam a sustentar os parentes e a dar assistência ao cônjuge transcendem as simples justificativas morais ou sentimentais, encontrando sua origem no próprio direito natural. (GONÇALVES, 2005, p. 441)

Desse modo, o princípio exposto tem como índole moral para o sujeito que se sujeita a cooperar, dar o devido amparo e ajuda a quem precisa no âmbito familiar, fazendo com que assim, não ocorra prejuízos.

6. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Princípio basilar de todo ordenamento jurídico, que visa a proteger e buscar o pleno desenvolvimento de todas as formas de família existentes na atualidade, inclusive as famílias ditas unipessoais. Entretanto, todos os casos que não respeitarem a pessoa humana, nesse sentido, devem ser repensados, por não estarem em acordo com a ordem constitucional vigente. De acordo com Maria Berenice Dias

“O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos.” (DIAS, 2011, p. 62).

É a partir do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que as diversas entidades familiares podem desenvolver suas qualidades mais relevantes possibilitando um desenvolvimento social de cada um que ali pertence. Para os autores Sílvio de Salvo Venosa e Carlos Roberto Gonçalves:

A proteção à dignidade da pessoa humana revela-se interesse metaindividual, como garantia do pleno desenvolvimento de cada membro da comunidade, devendo ser já respeitada no seio familiar e daí expandindo-se às demais areais de atuação do indivíduo na sociedade. (VENOSA, 2003, p. 44)

O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227). (GONÇALVES, 2012, p. 27)

Contudo, todos os modelos vistos no Direito de Família, devem ser respeitados e devem ter igual direito à Dignidade, já que toda pessoa tem direito à vida digna, e sem uma família não há que se falar em Dignidade da Pessoa Humana, principal núcleo para o desenvolvimento da personalidade humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo acadêmico teve como objetivo averiguar se há possibilidade de haver responsabilização dos genitores perante os filhos por abandono afetivo. Após uma pesquisa consistente baseada em doutrina e jurisprudência conclui-se que há possibilidade de haver indenização por abandono afetivo.

Todavia, deve-se ficar certificado no caso concreto que se configurados os requisitos necessários da responsabilidade civil e principalmente que existiram danos perante a omissão dos pais, não sendo, portanto, qualquer afastamento familiar capaz de gerar a responsabilização, e devendo ser avaliado o caso concreto em questão.

O caráter da indenização não é apenas pecuniário, mas sim um caráter educativo de punição, e tentativa de reparar os efeitos negativos que ficaram marcados na vida do filho que teve os laços afetivos cortados pelos pais, e que muitas vezes necessita, essas crianças/adolescentes de acompanhamento psicológico para superar o abandono.
A punição vem também como uma forma de conscientização da sociedade de que o abandono é ilícito, e, portanto, sujeita a reparação, conscientizando para que tais casos não continuem se tornando corriqueiros no âmbito social.

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Sílvio Neves. Manual de Direito de Família. 2. Ed. Recife: Bagaço, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

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CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Vol.7. 17°ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: FORENSE, 2008; 3.ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2009; 4. ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2011; 5. Ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 3°ed. São Paulo: Atlas S.A., 2003.


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