OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO: FAKE NEWS NAS REDES SOCIAIS COMO AMEAÇA À DEMOCRACIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7288624


Gabriella Lúcia Camargos Souza1
Maria Eduarda Marques Carvalho Borges2


RESUMO:

A liberdade de expressão configura um direito constitucional de todo cidadão poder expressar suas ideias e pensamentos. Nos dias atuais, entretanto, tal direito vem sendo utilizado como instrumento para divulgação de desinformações e notícias falsas no âmbito das redes sociais. À luz disso, o presente estudo busca questionar quais os limites da liberdade de expressão no cenário eleitoral, tendo por parâmetro as ameaças oferecidas pelas fake news à higidez do Estado Democrático de Direito. Justifica-se a importância deste estudo tendo em consideração o panorama de difusão de notícias falsas no contexto atual, mormente no que diz respeito à sua interferência nas eleições presidenciais brasileiras. A hipótese trabalhada é no sentido de necessária renovação da legislação atual em congruência com políticas públicas de combate às fake news e conscientização da população. Este trabalho utilizou a metodologia dedutiva, com pesquisas realizadas em doutrinas jurídicas, artigos científicos especializados, e pesquisas com dados estatísticos voltadas para a análise mundial e nacional do fenômeno das fake news. 

Palavras-chave: Liberdade de expressão. Fake News. Democracia. Redes sociais.

ABSTRACT: This paper aims to study the phenomenon of fake news and its impacts on the right of freedom of speech, especially during the elections time in Brazil. It is well known that nowadays the right of freedom of speech is been used beyond of its good purpose, mainly due to the manipulation of people regarding some affairs related to politics. This study analyses the concerns related to the Estate of Law and democracy when fake news are used to guide the elections and mislead the behavior of the citizens. The hypotheses that is explored in this paper is that Brazil needs a renovation in its legal system in order to oppose the losses caused by disinformation in social media. It is also necessary new public policies that can create an awareness regarding the harms of false information. The importance of this work relies upon the damages that fake news and disinformation can cause in the society, especially when used to manipulate people’s vote.

Keywords: Freedomof speech. Fake News. Democracy. Social Media.

1 INTRODUÇÃO

Pelo fato de a palavra “liberdade” ser vista e entendida de uma forma tão vasta, muitas vezes as ponderações sobre seus limites passam despercebidas, o que acaba por viabilizar certos desrespeitos a alguns direitos constitucionais. As liberdades amplamente previstas no texto constitucional se vinculam ao Estado Democrático de Direito, contemplando diversos espectros. A liberdade de expressão, enquanto uma das formas mais exercitadas dessa própria liberdade, é pilar essencial de uma sociedade plural e democrática, mas que por vezes pode se encontrar no seio de discussões vinculadas ao seu “mau uso”. 

Atualmente, no âmbito das redes sociais, as notícias chegam às pessoas de uma forma muito acelerada. O contexto é propício para o fomento ao acesso de conteúdo informacional, educativo e, até mesmo, lúdico – com os chamados “memes”, mas também se revela como espaço para difusão de falsas informações. O fenômeno das chamadas “fake news” não é recente, mas ganha cada vez mais espaço quando os usuários passam a considerar a internet como “terra de ninguém”.

Especificamente quando se fala de democracia, a análise da liberdade de expressão em cotejo com as fake news tornou-se grande tema discutido nas últimas eleições. Os limites a serem impostos em tais circunstâncias assumiram tom de urgência, haja vista a forte utilização das fake news como estratégia de campanha eleitoral, o que se mostra como uma instrumentalização do direito à liberdade de expressão para fins temerários.

À luz de tais pressupostos, o presente trabalho tem por objetivo geral discorrer sobre o direito à liberdade de expressão, contextualizando as suas limitações e os prejuízos que seu uso, como ferramenta de propagação de fake news, pode acarretar.

Os objetivos específicos são: analisar o conceito de fake news; compreender a forma de sua utilização no cenário eleitoral e, por fim, estabelecer possibilidades de limitações ao direito de liberdade de expressão como forma de garantia da democracia no contexto eleitoral.

A justificativa do presente estudo reside na urgente análise dos impactos que as informações falsas têm trazido paulatinamente ao cotidiano brasileiro, mormente no que se refere ao contexto das eleições, o que acaba por influenciar e direcionar certos comportamentos dos eleitores. Tendo em consideração que a utilização de tais estratégias é fenômeno em franca expansão (e não apenas em circunstâncias eleitorais), pensar soluções é fundamental para coibir possíveis ameaças à solidez democrática do país.

2 O CONCEITO DE FAKE NEWS E SUA INFLUÊNCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A internet, especialmente quando se pensa no contexto de redes sociais, configura um meio instantâneo de comunicação de grande peso no cotidiano de parcela considerável da população. Os usuários das redes sociais compartilham notícias e informações de modo corriqueiro, sendo o acesso por terceiros realizado de forma imediata. A cadeia de compartilhamento desencadeada a partir disso constrói um contexto de rápida disseminação de informações, o que se dá independentemente da legitimidade de seu conteúdo e fonte.

O locus, portanto, é propício para se veicular todo tipo de informação, a qual pode comportar tantas notícias verdadeiras, com fontes confiáveis a fim de agregar conteúdo à sociedade, quanto notícias falsas, muitas vezes utilizadas de modo a influenciar ou até mesmo alienar os usuários da rede. A esse último fenômeno, dá-se o nome de “fake news”.

“Fake news”, é expressão proveniente do idioma inglês e que significa “notícia falsa”. Segundo prevê o dicionário online de Cambridge, “fake news” são histórias falsas que tem aparência de notícias verdadeiras, espalhadas na internet ou por outro tipo de mídia, geralmente para criar ou influenciar opiniões políticas ou como uma brincadeira.” (tradução nossa) (CAMBRIGDE DICTIONARY, 2022)3.

Em que pese o alto grau de complexidade em torno da construção de uma fake news, o que leva a uma dificuldade em sua identificação, algumas classificações sobre seu teor são possíveis. A jornalista Claire Wardle classifica as fakes news em sete categorias, sendo:

Sátira ou paródia: não possui intenção de causar mal, mas tem potencial de enganar; Falsa conexão: quando imagens, títulos e legendas dão falsas dicas do que realmente é o conteúdo; Conteúdo enganoso: utilização enganosa de uma informação contra um assunto ou uma pessoa; Falso contexto: conteúdo original compartilhado em um contexto falso; Conteúdo impostor: quando afirmações falsas são atribuídas a fontes reais, geralmente pessoas; Conteúdo manipulado: informação verdadeira manipulada para enganar; Conteúdo fabricado: conteúdo completamente falso com o objetivo de gerar desinformação e causar algum mal. (WARDLE, 2017, não paginado).

Pode-se considerar, dentre as sete categorias supracitadas, que três delas são de intuito mais inocente, geralmente compartilhadas sem intenção de prejudicar os alvos das notícias. A sátira, ou paródia, acontece quando o usuário não tem a intenção de causar mal, mas enganam o leitor com o conteúdo publicado. A falsa conexão acontece quando aquele conteúdo não corrobora com a chamada da notícia, enquanto o falso contexto possui um conteúdo verdadeiro, mas é compartilhado entre os demais usuários utilizando de circunstâncias inverídicas.

As outras três categorias vêm acompanhadas de um certo dolo do usuário, que utiliza de suas redes sociais para propositalmente alastrar inverdades, a saber: o conteúdo enganoso, que é aquele que se utiliza de uma mentira para difamar certo alvo ou o conteúdo de uma matéria; o conteúdo impostor, que utiliza o nome de uma pessoa jurídica ou física para propagar informações irreais; e o conteúdo manipulado, que geralmente vem de uma informação verdadeira, mas que de certa forma é manipulada para enganar os usuários.

Independente do número de classificações que se possa dar às fake news, é certo que as situações nas quais os usuários as compartilham se dividem. Embora muitos se valham de tal recurso de má-fé, propagando notícias propositadamente em suas redes sociais para atingir certos públicos e objetivos, é correto dizer que há também aqueles que compartilham as fake news de boa-fé, acreditando estar transmitindo aos seus contatos uma informação verdadeira.

A velocidade do compartilhamento cresce de modo progressivo, fazendo emergir preocupações jurídicas e éticas em relação ao modo como as novas tecnologias são cada vez mais utilizadas. Segundo pesquisas realizadas em 2018 pelo Instituto Ipsos Public Affairs, 62% dos entrevistados no Brasil afirmaram já ter acreditado em alguma notícia falsa, valor relativamente maior ao restante dos vinte e sete países que fizeram parte da pesquisa, onde esse percentual é de apenas 48% (IPSOS MORI SOCIAL RESEARCH INSTITUTE, 2018). 

O contexto de disseminação das fake news pode ser melhor compreendido por meio do relatório elaborado pela Reuters Institute, em 2019. De acordo com o levantamento de dados feito pelo instituto, o aplicativo de mensagens “whatsapp” constitui o segundo mais utilizado para o compartilhamento de notícias, ficando apenas atrás do facebook. Outro dado relevante trazido pela pesquisa é a queda da confiança nas notícias por parte da população, o que revela um aumento do ceticismo em relação às informações veiculadas pelas mídias (REUTERS INSTITUTE, 2019).

No que tange ao período eleitoral, o dano que as fakes news podem causar também goza de levantamentos estatísticos. Consoante destaca o jornalista Raul Galhardi, com base na pesquisa “Thousands of Small, Constant Rallies: A Large-ScaleAnalysisofPartisan WhatsApp Groups”, realizada pela Northwestern University, os sites que mais circularam no whatsapp dos brasileiros durante as eleições de 2018 foram aqueles já conhecidos por espalhar desinformação (GALHARDI. 2019). 

Já no ano de 2022, para o cenário das eleições presidenciais, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, buscou se munir de aparatos que pudessem coibir um novo boom de informações falsas e desinformações, considerando o caráter de irreparabilidade do dado causados pelas fake news, especialmente quando se considera a dificuldade de se ter um direito de resposta com o mesmo alcance e peso que a notícia falsa fora veiculada.

Em 2019, no seminário internacional realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2019, o vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Luiz Viana Queiroz, já havia se pronunciado a respeito das fake news no período eleitoral e o ataque ao Estado Democrático:

Em contextos eleitorais, o impacto da desinformação tende a ser ainda mais nocivo. Assim, não é exagero afirmar que as fakes news constituem uma ameaça à própria democracia, na medida em que podem deturpar os resultados eleitorais. Não se pode admitir que abusos eleitorais interfiram na soberania das urnas. É imprescindível criar mecanismos efetivos para impedir a difusão das fake news durante as eleições. (BRASIL, 2019, p. 11).

À luz do exposto, compreende-se ser necessária a criação de mecanismos que ofereçam suporte ao combate de fake news, sem que este interfira na liberdade de expressão dos indivíduos. Não é excessivo afirmar que as inverdades criadas com intuito de alienar pessoas ou orientá-las a uma determinada ação política são uma ameaça a democracia, uma vez que esta pode alterar gradativamente o resultado final do período eleitoral. Assim, incumbe ao Direito fornecer instrumentos capazes de modular direitos e deveres nos cenários apresentados, buscando a manutenção da higidez democrática e legitimidade das informações às quais a população tem acesso.

3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A liberdade de expressão passou por diversas mudanças e restrições até chegar a um direito fundamental. Inicialmente, em 1889, a Proclamação da República deu fim ao governo de Dom Pedro II que foi marcado por um governo de monarquia, onde o rei ou o monarca exercia a função de chefe do Estado e não havia eleição, e consequentemente o acesso a informações e meios de comunicações era totalmente controlado pelo império. (LIBERDADE, 2021)

Em 1891 foi criada a segunda constituição do Brasil, sendo a primeira no sistema republicano de governo, tendo como um diferencial a modificação da monarquia para a república. (LIBERDADE, 2021)

Posteriormente, em 1934 a liberdade de expressão volta a ser cerceada pelo governo de Getúlio Vargas que derrubou a Constituição de 1891, criando a Carta Constitucional do Estado Novo. A nova carta adotou a censura, como uma forma de barrar o compartilhamento de determinadas informações, afetando assim, a liberdade de expressão. (LIBERDADE, 2021)

O referido período se estendeu até o novo governo do general Eurico Gaspar Dutra, em 1945, que exerceu um governo democrático, e trouxe de volta os direitos individuais dos cidadãos. Esse período foi relativamente curto, pois, em 1964 o Brasil sofreu o Golpe de Estado que marcou o início da ditadura militar e se estendeu até 1988, quando foi derrotada pela construção do Estado democrático de Direito, criado pela nova e atual Constituição da República Federativa do Brasil. (LIBERDADE, 2021)

A liberdade de expressão nada mais é do que um direito do cidadão de manifestar, compartilhar e expor suas ideias, sem receio de censura por parte do Estado ou sociedade, desde que não ofenda os direitos e garantias do outro. Bernardo Gonçalves Fernandes tem o seguinte entendimento quanto à liberdade de expressão:

Nesses termos, para a doutrina dominante, falar em direito de expressão ou de pensamento não é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo lógico-implícito a proteção constitucional não se estende à ação violenta. Nesse sentido, para a corrente majoritária de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos e garantias fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada para manifestação que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao crime etc…) (FERNANDES, 2011, p. 279).

Como mencionando antes, dentre tais garantias previstas no artigo 5° da Constituição Federal de 1988, está a liberdade expressão no sentido político, a qual permite que os candidatos e a população compartilhem seus posicionamentos e ideologias políticas, praticando a democracia.

No entanto, a liberdade de expressão no aspecto eleitoral, vez ou outra, ultrapassa os direitos e garantias, muitas vezes a partir do momento em que se propagam as fake news. Tal fenômeno pode se dar até mesmo a partir de condutas vinculadas aos próprios candidatos e seus partidos políticos, quando do interesse manipular informações pertinentes a suas próprias demandas eleitorais. Como exemplo, tem-se a situação de candidatos compartilhando notícias falsas em perfis de redes sociais, ou por meio de usuários robôs, desenvolvidas por empresas contratadas especificamente para esse fim.

Apesar de a liberdade de expressão se caracterizar como um direito de compartilhar ideias e suas próprias opiniões, seus limites devem ser impostos na medida das exigências do contexto social em que se vive, a fim de evitar o compartilhamento de fake news.

Partindo dessa premissa, o voto em si, nada mais é que um direito a liberdade de expressão no âmbito eleitoral, não somente dos eleitores, como também dos candidatos e partidos políticos, que em momentos como os debates, exercem tal direito. De tal sorte, não se deve admitir que o próprio direito à liberdade de expressão seja exercido com máculas provenientes de um uso malicioso de ferramentas tecnológicas e informacionais.

3.1 Ameaça à democracia: a necessidade de mecanismo jurídico no combate de fake news

Diz-se que uma notícia se torna “viral” quando compartilhada e conhecida por diversos usuários, de forma global. A expressão é utilizada a partir da noção dos efeitos de um vírus, que se espalha rapidamente infectando um número considerável de indivíduos. A notícia que se torna viral é aquela que atinge, portanto, um grande número de pessoas, as quais, de alguma forma, são afetadas por ela.

Na atualidade, é preocupante a interferência das redes sociais na democracia, pois em época eleitoral vem sendo utilizada em sua maioria, para fins de divulgar e alavancar votos em certos candidatos, mais especificamente para difamar a honra e dissimular fake news, interferindo na democracia. No Seminário Internacional de Fake News e Eleições, realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE, a presidente Rosa Weber, mencionou a respeito:

Um dado novo, todavia, fez-se presente nas eleições brasileiras de 2018. Iniciada a disputa eleitoral propriamente dita, no mês de agosto, para além das fake news na propaganda eleitoral relativas a partidos e candidatos, sobre as quais recaíam até então as preocupações desta Casa, fomos surpreendidos por um movimento paralelo de direcionamento maciço de ataques à Justiça Eleitoral, com a divulgação em larga escala de notícias falsas visando ao descrédito da instituição e de seus integrantes, bem como a suspeição do sistema eletrônico brasileiro de votação. (BRASIL, 2019, p. 24)

O Tribunal Superior Eleitoral, como medida para evitar a criação de fake News entre partidos, reconheceu que a desinformação tem um impacto negativo no processo eleitoral, e criou a Resolução nº 23.610/2019, que estabelece aos partidos políticos e candidatos checar a veracidade de informações utilizadas em propagandas eleitorais, antes de divulgá-las nas redes sociais e demais mídias.

Atualmente, os partidos e coligações políticas podem utilizar as redes sociais para realização de campanha eleitoral, onde se encontram o maior número de pessoas reunidas, nem sempre com o mesmo fim, mas na qualidade de leitor, que pode se interessar pelo contexto da matéria, através do título utilizado, sendo nesse contexto que as fakes news se tornam virais.

Gabriel Itagiba (2017, p. 2) define como é realizado esse processo de influência de voto no processo eleitoral: 

O usuário X é contra o partido Y, que está na presidência do País. Diariamente, X expressa sua opinião usando hashtags como #foraY ou #vazaY. Diversos robôs controlando perfis falsos são programados para varrer as redes sociais em busca de usuários que utilizam as hashtags mencionadas. Após a identificação, bots executam o resto de sua programação, enviando mensagens falsas sobre o partido Y para o usuário. O usuário então passa a compartilhar essas informações com seus amigos.

A respeito do tema, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, também conhecida como Lei das Eleições, menciona quanto à propaganda na internet, em seu artigo 57-H:

§ 1o Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (BRASIL, 1997).

A medida foi tomada justamente para garantir que a criação das fake news não seja utilizada por candidatos opostos para atingir o público com intenção de arrecadar votos para si e ameaçar a democracia.

É certo que as fake news são planejadas para se infiltrar nas redes sociais de forma espontânea, para que esse processo se torne mais veloz, as notícias são criadas e replicadas por bots, que aceleram o processo de compartilhamento de específica notícia. 

Bot pode ser definido como um programa de computador fabricado para automatizar procedimentos, geralmente repetitivos, que facilitam a execução de tarefas antes realizadas por aplicativos, sem a necessidade de utilizar a interface de um aplicativo específico (LOUREIRO, 2016).

O cenário demonstra, portanto, a instrumentalização de tecnologias em favor de práticas maliciosas e que maximizam o alcance e potencial lesivo da desinformação. Dá-se maior amplitude a possibilidades de ataque à democracia, bem como à veiculação de conteúdos capazes de atingir a honra e integridade do indivíduo, incidindo-se até mesmo na prática de crimes como calúnia (art. 138, Código Penal), difamação (art.139, Código Penal) e injúria (art. 140, Código Penal).

É importante destacar que estes delitos designam proteção à honra e a reputação do indivíduo, sendo a proteção que o indivíduo possui para ser respeitado por sua intelectualidade e moralidade. Para isso Regis Prado conceitua cada crime capaz de atingir a honra:

A calúnia, consiste em imputar a alguém falsamente a prática de fato definido como crime. Já a difamação, consiste em imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação. Por último, a injúria consiste em injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro. É recorrente na doutrina a conceituação de que a difamação e a calúnia afetam a honra objetiva do indivíduo, enquanto a injúria afeta sua honra subjetiva (REGIS PRADO, 2017).

Na disseminação de fake news, quando estas são utilizadas de forma a ofender a reputação de algum individuo, seja ele pessoa pública, política, ou anônima, há espaço, portanto, para a incidência dos tipos penais acima mencionados, eis que afetam gradativamente a sua reputação perante a sociedade.

A proporção dos danos causados pelos crimes contra a honra praticados no âmbito das redes sociais associados às fakes news estão inteiramente ligados com a proporção e a quantidade de usuários que visualizam as falsas informações veiculadas as imagens do alvo. Portanto, importante mencionar o artigo 141 do Código Penal, especificadamente em seu inciso III, que estabelece o aumento da pena em ¹/³ quando o crime é cometido através de algum meio que facilite a divulgação da informação.

Apesar de o artigo 141, inciso III do Código Penal estabelecer a proteção à honra do indivíduo, o referido dispositivo não menciona a ampliação do uso das redes sociais para atingir a honra e reputação de determinado candidato com motivações políticas e eleitorais. Em verdade, pouco se tem de legislação no que tange aos crimes contra a honra pratica com finalidades eleitorais.

4 LEI 12.965/14 – MARCO CIVIL DA INTERNET E SUA RELAÇÃO COM AS FAKE NEWS NO ÂMBITO DAS REDES SOCIAIS

O Marco Civil da Internet foi regulamentado pela Lei n.º 12.965/14, estabelecendo direitos e garantias quanto ao uso da internet, tanto dos usuários e provedores de serviços, como também os aplicativos, buscando tornar o acesso das redes sociais mais seguro e democrático. A referida Lei possui alguns princípios, e teve como ponto de partida para sua criação, como por exemplo, o artigo 5° da Constituição Federal de 1988.

Deste modo, trouxe de certa forma, ordem à anteriormente chamada “terra de ninguém”, garantindo a liberdade de expressão, a privacidade e a neutralidade, regulamentando o uso da internet para que os usuários não ultrapassassem os limites impostos, ou que sejam responsabilizados quando da ocorrência de tal fato (BRASIL, 2014).

No entanto, sua aplicação no que concerne às fake news é de certa forma dificultosa, levando em consideração o grande número de usuários, que fazem com que as notícias falsas se espalhem rapidamente.

Damásio de Jesus e José Antônio Milagre expressou o seguinte sobre a regulamentação da Lei:

Longe de ser o texto ideal, por outro lado, muito evolui-se em termos de direitos dos usuários da Internet, como neutralidade da rede, privacidade, proteção a dados pessoais, garantia de qualidade da conexão, entre outros.

Trata-se, pois, do mínimo em segurança jurídica que o País necessitava, de modo a evitar decisões contraditórias em casos similares e fomentar o desenvolvimento econômico e a inovação. Um texto feito com base em princípios de Governança de Internet. (JESUS; MILAGRE, 2014, p. 88)

Sendo assim, o Marco Civil da Internet veio com o intuito de melhoria quanto ao uso das redes sociais, garantindo e impondo limites para todos, onde anteriormente não possuía um dispositivo que de fato trabalhasse a real atualidade e principalmente no que se refere ao compartilhamento de notícias falsas, a falta de limitação em se tratando de liberdade de expressão, entre outros.

4.1 Posição do STF quanto a liberdade de expressão como um ataque à democracia

A liberdade de expressão conforme a Constituição Federal deve ser exercida de acordo com o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, fazendo com que não ultrapasse os seus limites e seja assegurada a responsabilização daqueles que excederem o seu direito.

O tema sempre foi muito discutido no Supremo Tribunal Federal – STF, principalmente em épocas de eleições como forma de combate a notícias falsas e a conservação democracia.

O ex-presidente do SFT, ministro Luiz Fux, em uma palestra realizada sobre “Fake News e liberdade de expressão”, no dia 03 de agosto de 2022, destacou que: 

O cidadão precisa ser bem informado para expressar sua escolha no Parlamento. Daí a importância de evitar informações falsas, que não têm fundo de veracidade e atingem de forma frontal a candidatura de outro concorrente, causando danos irreparáveis.

Em se tratando de liberdade de expressão e democracia, o STF teve o seguinte entendimento:

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE IDEIAS. VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE OPINIÕES DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE CRIAÇÃO HUMORISTICA. 1. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. 3. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral. 4. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional. 6. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II e III (na parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo. (ADI 4451, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 01-03-2019 PUBLIC 06-03-2019).

O caso acima se trata de ação direta proposta por uma emissora de rádio e televisão, que impugnou os incisos II e III do artigo 45 da Lei 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições. O referido dispositivo, veda às emissoras de rádio e televisão, o uso de imagem ou vídeo que degradem ou ridicularizem candidato, como também a transmissão da propaganda política e a publicação uma opinião contrária ou a favor ao candidato.

De acordo com a decisão e vários outros posicionamentos do STF, o dispositivo supracitado, é inconstitucional, vez que, viola a liberdade de expressão e afeta a democracia, fazendo com que seja limitada a publicação sobre os partidos durante a campanha eleitoral.

Portanto, o STF defende a liberdade de expressão com base na Constituição Federal, como uma forma de melhor exercer a democracia, impondo limites e penalidades com base nos princípios da razoabilidade.

5 CONCLUSÃO

O questionamento dos limites da liberdade de expressão no âmbito das redes sociais tem sido cada vez mais presente. A agilidade com que se veicula uma informação permite com que os usuários possam utilizar desse mecanismo para divulgar desde as causas mais nobres a causas mais asquerosas.

No entanto, acompanhada disso, essa inovação trouxe consigo as fake news, que objetivam desinformar os usuários através de notícias fantasiosas, engano e até mesmo fraude. À luz de tais eventos, o presente artigo abordou o grande problema que pode ser causado com a infiltração de fake news nas redes sociais, e como isso afeta o Estado Democrático de Direito.

Ao longo do estudo, buscou-se demonstrar a importância da liberdade de expressão e sua caracterização como um direito de manifestar opiniões e compartilhar informações. No entanto, para que haja um exercício legítimo de tal direito, sem sua utilização maliciosa, é necessário impor limites na medida da necessidade do contexto social atual, com o fim de sanar as fakes news e os danos que esta pode vir a provocar.

A criação de mecanismos que possam combater as fakes news, sob o risco de agredir demasiadamente a democracia, é, portanto, urgente, incumbindo-se ao Direito arquitetar medidas de cunho legislativo e administrativo voltadas para a punição daqueles que se valem de tais práticas e, ao mesmo tempo, instrumentos de políticas públicas capazes de levar educação política à população.

REFERÊNCIAS

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3No original: “Fake news are false stories that appear to be news, spread on the internet or using other media, usually created to influence political viewsor as a joke.”.


1, 2Bacharelanda em Direito pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco (FASF)