VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DENTRO DA RELAÇÃO HOMEM E MULHER: UMA ANÁLISE A PARTIR DA LEI DO FEMINICÍDIO

DOMESTIC VIOLENCE WITHIN THE MAN AND WOMAN RELATIONSHIP: AN ANALYSIS FROM THE LAW OF FEMINICIDIO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7255822


Leticia Lira Marques da Silva1
Alverino dos Santos Lopes2
Rikson Ryan de Andrade Demetruk3
Marlon Andrade Batista4
Dulcinéia Bacinello Ramalho5


RESUMO

Um dos fatores mais relevantes na origem da violência doméstica é a crença enraizada de que o abuso, sendo físico ou verbal é aceitável, pois um longo período de tempo, as mulheres carregaram a visualização de fragilidade e inferioridade que lhes fora atribuído pelo patriarcado, com isso, por gerações eram incentivadas a acreditar que o sentido da vida dependia do casamento e do cumprimento dos deveres, então aplicados de servir as vontades e desejos do marido, independentemente da própria opinião e vontade. A violência doméstica pode assumir diversas versões, incluindo as ameaças e/ou agressões físicas, abusos sexuais, comportamentos controladores, intimidações, perseguições continuas, negligência e até privação econômica Contudo, vale ressaltar o fato que não existe somente a Lei Maria da Penha ou a Lei do Feminicídio em proteção a mulher e aos atos cometidos contra a mulher, o desconhecimento e até mesmo a ausência de divulgação dessas outras Leis também interferem na ausência de comunicação do crime.  Em algumas pesquisas acerca do feminicídio, pode se notar que existem três atos/ocorrências constantes que se permitem “caracterizar” o feminicídio, sendo elas: feminicídio doméstico (quando o crime ocorre no ambiente doméstico), feminicídio sexual (quando a morte da vítima decorre de abuso e violência sexual) e/ou feminicídio reprodutivo (quando a morte da mulher decorre da prática irregular do aborto). 

Palavras-chave: Violência Doméstica. Feminicídio. Agressão. Ciclo de Violência.

ABSTRACT:

One of the most relevant factors in the origin of domestic violence is the rooted belief that abuse, whether physical or verbal, is acceptable, because for a long period of time, women carried the visualization of fragility and inferiority attributed to them by the patriarchy, with Therefore, for generations they were encouraged to believe that the meaning of life depended on marriage and the fulfillment of duties, then applied to serve the will and desires of the husband, regardless of their own opinion and will. Domestic violence can take on different versions, including threats and/or physical aggression, sexual abuse, controlling behavior, intimidation, continuous persecution, neglect and even economic deprivation. Femicide Law in protection of women and acts committed against women, ignorance and even the lack of disclosure of these other laws also interfere in the lack of communication of the crime. In some research on femicide, it can be noted that there are three constant acts/occurrences that allow “characterizing” femicide, namely: domestic femicide (when the crime occurs in the domestic environment), sexual femicide (when the victim’s death occurs of sexual abuse and violence) and/or reproductive femicide (when the woman’s death results from the irregular practice of abortion).

Keywords: Domestic violence. Femicide. Aggression. Cycle of Violence.

1. INTRODUÇÃO

A violência é um comportamento intencional por parte de um indivíduo que envolve o uso de força ou outro meio de poder contra outra pessoa, podendo resultar em uma lesão ou coação. No âmbito doméstico, ela pode ser empregada de várias formas, como por exemplo: física, psicológica, moral, dentre outras, com o intuito de causar constrangimento e quase sempre tem como vítima a mulher.

Em que pese a existência de dispositivos legais que visem assegurar os direitos da mulher, como Leis especiais e Delegacias especializadas em violência doméstica, há um baixo índice de denúncias a ocorrências deste tipo. O desconhecimento a respeito dos meios de proteção, somado a presença frequentemente de uma relação de dependência, emocional ou financeira, por parte da vítima com seu agressor, contribuem para o agravamento deste quadro.

Nesse contexto, o presente trabalho cuida em discorrer a respeito da eficácia conferida pela Lei do Feminicídio nos crimes de violência contra a mulher. Para isso iremos evidenciar as formas de agressão que podem ser cometidas, bem como, serão apresentadas possíveis razões ensejadoras da baixa denunciação destes delitos. Ademais será feito um comparativo entre a Lei do Feminicídio com demais legislações do nosso ordenamento jurídico. Por fim, demonstrar-se-á o ciclo de violência, onde será feito um mapeamento dos perfis dos agressores e das vítimas, exibindo dados no tocante a estes crimes.

2. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

A violência doméstica tende a ser um padrão de comportamento que envolve violência ou outro tipo de abuso por parte de uma pessoa contra a outra, dentro do contexto doméstico, seja ele de casamento, união estável, contra crianças ou idosos.

A violência doméstica e familiar contra mulher é todo ato violento praticado dentro do ambiente familiar, que pode ser empregado de diversas maneiras, sendo elas: física, psicológica, sexual, patrimonial e/ou moral. Para Nucci:

“Violência significa, em linhas gerais, qualquer forma de constrangimento ou força, que pode ser física ou moral […]. Portanto, não se fala apenas em violência física, mas sim moral e psicológica que, abalam a vítima não apenas fisicamente, mas diminuem seu ego e abalando o seu íntimo.”6

No viés da Lei Maria da Penha, em seu art. 5, define que a violência doméstica e familiar contra mulher acontece por meio de qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à mulher, independentemente de orientação sexual.

Um dos fatores mais relevantes na origem da violência doméstica é a crença enraizada de que o abuso, sendo físico ou verbal é aceitável, Schraiber D’Oliveira e Couto asseveram que “a violência no domínio das relações familiares muitas vezes deixa de ser entendida como violência pela sociedade, sendo frequentemente invisível e caracterizada como uma situação normal”7, pois por um longo período de tempo, as mulheres carregaram a visualização de fragilidade e inferioridade que lhes fora atribuído pelo patriarcado, com isso, por gerações eram incentivadas a acreditar que o sentido da vida dependia do casamento e do cumprimento dos deveres, então aplicados de servir as vontades e desejos do marido, independentemente da própria opinião e vontade. E quaisquer decisões diversas do que era predeterminado pela sociedade, tinham por consequência a exclusão social.

Vale ressaltar que a violência doméstica não se limita como vítima apenas a mulher, mas também sofre com ela as crianças, idosos e homens, contudo pelo fato de a grande maioria das vítimas serem as mulheres, o principal objetivo é retratar acerca da necessidade de criação de lei específica de proteção a mulher. Portanto, a criação dessa lei de proteção a mulher, surgiu como uma “luz no fim do túnel” para muitas mulheres que lutavam contra a violência.

2.1 TIPOS DE VIOLÊNCIA

A violência doméstica pode assumir diversas versões, incluindo as ameaças e/ou agressões físicas, abusos sexuais, comportamentos controladores, intimidações, perseguições contínuas, negligência e até privação econômica. Além disso, cabe como violência doméstica o ato deliberativo de colocar em perigo, coagir, raptar, invadir a propriedade e assediar a vítima em questão. Além do mais, muitas pessoas acreditam que a violência é caracterizada somente quando há uma agressão física. Contudo no âmbito legislativo, de acordo com a Lei Maria da Penha8, existem cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo elas:

Física: É aquela entendida como qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da mulher. É praticada com uso de força física do agressor, que machuca a vítima de várias maneiras ou ainda com o uso de armas, como por exemplo: bater, chutar, queimar, cortar e/ou mutilar;

Psicológica: É a conduta que causa danos emocional e diminuição da autoestima da mulher, nesse tipo de violência é muito comum a mulher ser proibida de trabalhar, estudar, sair de casa, ou viajar, falar com amigos ou parentes e até mesmo ter preocupações estéticas. Vale ressaltar que algo muito frequente nesse tipo de violência é uma ação chamada gaslighting9, que consiste em distorcer e omitir fatos com o objetivo de deixar a mulher em dúvida sobre a própria sanidade.

Sexual: A violência sexual está baseada na desigualdade entre homens e mulheres. De moto que é caracterizada como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência sexual é “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”;

Patrimonial: Se trada de conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos pertencentes à mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; e

Moral: entende-se por violência moral qualquer conduta que importe em calúnia, quando o agressor ou agressora afirma falsamente que aquela praticou crime que ela não cometeu; difamação, quando o agressor atribui à mulher fatos que maculem a sua reputação, ou injúria, ofende a dignidade da mulher. Podendo também ocorrer pela internet.

De acordo com a estimativa global publicada pela OMS em 2017, uma em cada três mulheres em todo o mundo (especificamente 35%), já foram vítimas de violência física ou sexual durante a sua vida.

2.2 OBJEÇÕES POR PARTE DAS MULHERES PARA COMUNICAR OS CASOS DE VIOLÊNCIA

Existem diversos fatores que impedem a mulher de denunciar seu agressor, dentre eles, existe o fator: dependência emocional (quando acredita que o agressor irá mudar, que foi um escape momentâneo e que a não denunciação seria pelo bem da família) e financeira (quando acredita que não pode se separar e/ou denunciá-lo, pois não teria como sobreviver e se manter financeiramente). 

Segundo Mizuno, Fraid, Cassab “quanto mais frágil, mais desprotegida e sem recursos é a mulher, mais dependente se apresenta do marido”10

Além do mais, o sentimento de posse – de propriedade sobre a mulher, tem sido o principal causador dos atos lesivos. De acordo com Livia Perez (2015):

 “Esse sentimento de posse é sustentado pela cultura influenciando a mídia de forma a romantizar tal posse. Um exemplo claro sobre essa questão, é o assassinato de Eloá Cristina Pereira Pimentel, de 15 anos de idade, ocorrido no ano de 2008 na cidade de Santo André (SP). Inconformado com o término do relacionamento, seu ex-namorado, Lindemberg Fernandes Alves, de 22 anos, a sequestra junto com a amiga, Nayara Rodrigues da Silva, de 15 anos, durante 5 dias. A mídia tratou o caso abrandando o fator criminal do sequestro e dando ênfase ao ocorrido como um desentendimento de casal, havendo a romantização de Lindemberg, que era tratado por alguns programas midiáticos como um rapaz trabalhador e honesto”11.

De modo geral, se identifica os impeditivos por seis principais fatores, sendo eles: medo do agressor, dependência financeira, percepção de que nada acontece com o agressor quando denunciado, preocupação com a criação dos filhos, vergonha de se separar e de admitir que é agredida e, por fim acreditar que seria a última vez. Em destaque a tudo isso é colocado em pauta, quais seriam os motivadores de instabilidade, no índice de denúncias e declarações de agressão, o que se tem cogitado e considerado como principal causador dessa instabilidade é o descrédito na Lei, no sentido de ela não estar atendendo aos anseios de proteção da vítima, ou seja, falta de eficácia das medidas protetivas de urgência.

2.3 MEIOS DE PROTEÇÃO AS MULHERES EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Como tratado anteriormente, os motivadores de instabilidade nas denunciações tem sido a “má fama” quando a ineficácia das medidas protetivas em alguns momentos. Contudo, vale ressaltar o fato que não existe somente a Lei Maria da Penha12 ou a Lei do Feminicídio13 em proteção a mulher e aos atos cometidos contra a mulher, o desconhecimento e até mesmo a ausência de divulgação dessas outras Leis também interferem na ausência de comunicação do crime.

Tão logo, existem outros meios de proteção para as mulheres que sofrem agressões – nos anos 2000 – no Brasil houve um marco crescente na discussão sobre a proteção a vida da mulher. Desde então, foram trabalhadas diversas leis, com o intuito de proteger a mulher, sendo elas:

Lei Maria da Penha: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece medidas de assistência e proteção;

Lei Carolina Dieckmann14:Essa Lei é uma deliberação cuja origem tem ligação direta com uma atriz global15, contudo a mesma teve um impacto extremamente relevante na vida dos cidadãos, uma vez que tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares. Essa Lei recebeu esse nome, pois um hacker16 invadiu o computador pessoal da mencionada atriz, possibilitando assim que tivesse acesso a cerca de 36 fotos pessoais de cunho íntimo e sob ameaça a vítima exigiu cerca de 10 mil reais para não publicar as fotos.

Lei do Minuto Seguinte17: Essa Lei existe desde 2013 e dispõe sobre o atendimento obrigatório, integral e gratuito de pessoas que passaram por violência sexual. Oferece garantias a vítimas de violência sexual, de atendimento hospitalar em rede pública de forma emergencial e integral, visando o controle e tratamento dos agravos físicos e psicológicos advindos dos abusos, bem como direcionamentos aos serviços de assistência social quando necessário.

Lei Joana Maranhão18: Alterou os prazos quanto a prescrição de crimes de abusos sexuais de crianças e adolescentes. A prescrição passou a valer após a vítima completar 18 anos, e o prazo para denúncia aumentou para 20 anos. A denominação dessa lei se aplica pelo acontecimento de que Joanna Maranhão, nadadora e ativista brasileira, participou de alguns jogos olímpicos e era considerada umas das maiores recordistas brasileiras, contudo teve sua trajetória marcada pelo abuso sexual que sofreu quando tinha apenas nove anos, crime esse que havia sido cometido pelo seu treinador; e Lei do Feminicídio19: Prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, ou seja, quando crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. A lei considera o assassinato que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Paralelo a essas criações, foram estabelecidas também redes de apoio e serviços em proteção a mulher, como:

Casas Abrigo: A Casa Abrigo oferta o serviço de acolhimento institucional para mulheres vítimas de violência doméstica, familiar ou nas relações íntimas de afeto com risco de morte, bem como de seus dependentes. Para receber abrigo é necessário o requisito: mulher em situação de violência doméstica e familiar, com risco de morte, podendo estar acompanhada dos dependentes de sexo masculino com até 12 anos de idade (lei 8.069/9020); dependentes do sexo feminino sem limitação de idade; e crianças e adolescentes do sexo feminino em situação de violência doméstica e familiar com risco de morte, somente acompanhadas por responsável legal do sexo feminino. (Serão acolhidas apenas na condição de assinado termo de compromisso e responsabilidade – filhos/filhas e patrimônio).

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs): São unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as quais dever ser pautadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios do Estado Democrático de Direito. Com a promulgação da Lei Maria da Penha, as DEAMs passam a desempenhar novas funções que incluem, por exemplo, a expedição de medidas protetivas de urgência ao juiz no prazo máximo de 48 horas.

Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica: A área da saúde, por meio da Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, tem prestado assistência médica, de enfermagem, psicológica e social às mulheres vítimas de violência sexual, inclusive quanto à interrupção da gravidez prevista em lei nos casos de estupro. 

Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: É uma unidade judicante criada pelo TJDFT21, por meio da Resolução 5 de 20/09/2006, do Conselho Administrativo, para julgar especificamente casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo a Lei nº 11.340/2006, batizada como “Lei Maria da Penha”. Órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. A princípio, os procedimentos iniciais seriam de a mulher violada dirigir-se à delegacia mais próxima para registrarem a ocorrência. O agente policial, depois de cumpridas as exigências do art. 12, remeterá (no prazo de 48 horas) o inquérito ao juízo competente que analisará, em caráter liminar, os pedidos feitos pela agredida. 

Núcleos de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência (Defensorias Públicas estaduais): Oferecem orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos em todos os graus (judicial e extrajudicial), de forma integral e gratuita.

Vale ressaltar, que por consequência da pandemia, ocorreu também um considerável aumento no índice de agressões contra mulher, em atenção a isso, foi estabelecido também formas virtuais de realizar denunciações, como o WEB DENUNCIA22, Delegacia Online, entre outros. Bem como a promoção de patrulhas pelas equipes de segurança pública.

3 ASPECTOS PRINCIPAIS DA LEI 13.104/15 NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

Em 09 de março de 2015, entrou em vigor a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), que versava sobre o assassinato de mulheres por serem mulheres. Essa lei considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.

Ocorre que em consequência a essa nova lei, ocorreram também algumas alterações no Código Penal, estabelecendo o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, também modificou a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), para incluir o feminicídio na lista.

Com isso, o crime de homicídio simples tem pena de seis meses a 20 anos de prisão, e o de feminicídio, um homicídio qualificado, de 12 a 30 anos de prisão. (Fonte: Agência Câmara de Notícias)

Em algumas pesquisas acerca do feminicídio, pode-se notar que existem três atos/ocorrências constantes que se permitem “caracterizar” o feminicídio, sendo elas: feminicídio doméstico (quando o crime ocorre no ambiente doméstico), feminicídio sexual (quando a morte da vítima decorre de abuso e violência sexual) e/ou feminicídio reprodutivo (quando a morte da mulher decorre da prática irregular do aborto). São crimes motivados por ódio ou sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres.

O objetivo da referida Lei é tratar sobre a histórica e critica desigualdade entre os gêneros, que em muitos casos os homens se imaginam donos da mulher e se acham no direito de comandar suas ações diárias, seja ela sua companheira, parente ou qualquer grau que seja de convivência. 

Vale destacar que a Lei Maria da Penha engloba toda e qualquer violência doméstica contra mulher, pois delimita uma conduta baseada exclusivamente no gênero, ou seja, relevante a condição de ser subordinada ao homem. No entanto a edição da Lei n. 13.104/15, demonstrou que o Estado Brasileiro completa o sistema de proteção às mulheres, gerando como categoria de homicídio qualificado.

Sendo assim, para que possa acometer em uma conduta qualificadora de feminicídio é indispensável que o sujeito passivo seja do sexo feminino, e o crime tenha sido as motivações pela sua condição de ser mulher.

Uma pesquisa do Ipea23 mostrou que entre os anos de 2007 e 2011, logo após a sanção da Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, ocorreram no Brasil uma média de um feminicídio a cada uma hora e meia. Outra importante fonte de dados sobre a violência contra as mulheres, o Mapa da Violência24, apontou em sua edição de 2015 que ocorrem 13 feminicídios por dia no Brasil e que a maioria desses crimes é praticada por familiares ou ex-cônjuges da vítima.

Esses dados apresentam apenas os casos extremos, quando a violência resulta na morte da vítima, desconsiderando os casos de estupro, assédio sexual, assédio moral e psicológico e agressões físicas e verbais.

Também pode ser observado que a violência doméstica e sexual cometida contra mulheres está fortemente ligada à educação e que a própria cultura misógina, que muitas vezes coloca a culpa do crime na própria vítima, é um entrave para que as mulheres denunciem os abusos sofridos. Esses fatores combinados resultam, em casos mais graves, no feminicídio. Portanto, leis mais severas, como a Lei 13.104/15, junto à atuação dos agentes públicos de segurança, são necessárias para reduzir a violência contra a mulher no Brasil.

3.1 CLASSIFICAÇÃO COMO CRIME HEDIONDO X EFICÁCIA DA LEI DO FEMINICÍDIO

No dicionário brasileiro, ao pesquisar a palavra HEDIONDO, tem se a seguinte definição: “Hediondo é um adjetivo masculino que significa: feio, imundo, horrível e repugnante. Alguns sinônimos de hediondo são: asqueroso, abominável, bárbaro, cruel, repulsivo, etc.”

No Código Penal brasileiro25, o feminicídio está definido como um crime hediondo, tipificado nos seguintes termos: é o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 

Tem se por hediondo, conforme explicita Rafael Ricardo Xavier “quando as condutas utilizadas apresentam maior reprovabilidade aumentando a sanção a ser aplicada.”26.

As condutas nas quais os motivos transpareçam o requinte de crueldade, perigo comum, que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima, sendo praticados como uma forma de atingir um fim reprovável, são características dos crimes hediondos.

Vale ressaltar, que para tipificar o crime de feminicídio, não basta ser homicídio cometido contra mulher, como muito se deduz, mas é necessário se fazer entender que não é assim que ocorre sua incidência. 

Tão logo, essa qualificadora, como já visto, não é apenas a morte de uma mulher, mas sim, a morte de uma mulher que se vê em situações especificas cuja motivação é esse menosprezo a sua condição de sexo (ainda que para muitos o correto seria gênero) sendo necessário a observância de tais circunstâncias para sua correta aplicação e eficácia naquilo que se propõe a realizar. (TEIXEIRA, 2016)27.

Quanto a eficácia da respectiva lei, se for analisado de acordo com o ponto de vista de alguns doutrinadores, existem muitos conflitos de opinião – considerando que uns discordam na mesma intensidade que outros concordam acerca da eficácia da Lei.

Um dos motivos para se considerar a eficácia da Lei do feminicídio, seria o fato da descaracterização de uma cultura patriarcal de posse e propriedade sobre a mulher. Na qual a mulher era vista como posse do homem que possuía plenos direitos de violar à sua integridade em defesa de sua honra, e dar visibilidade a um problema arraigado e que muitas vezes se encontra escondido no contexto familiar. (GOTINSKI, 2018)28.

Entretanto, existem pensamentos que argumentam o fato que existe uma certa sensação de insegurança quanto a ineficácia da aplicação das medidas tais como deveriam ser, a proteção atribuída à mulher  não  apenas  por  essa  lei,  mas  por  outras  que  se  encontram  relacionadas  a ela, faz com que haja aos poucos uma mudança na mentalidade da sociedade que passa  a  ver  à  mulher  não  mais  como  apenas  uma  vítima  indefesa,  mas  como  um bem tutelado e protegido de forma a desencorajar tais atitudes se mostrando sim um importante passo no combate à violência contra a mulher.(MELLO, 2018)29.

Em contrapartida, há aqueles que digam que a inserção da qualificadora do feminicídio no Código Penal brasileiro não é uma forma eficaz contra à violência da mulher, uma vez que além de reforçar a questão da desigualdade entre os gêneros ainda abre brecha para que violências ainda mais graves venham a ser cometidas contra elas. (ANDRADE, 2005, p.80-81)30.

Além disso, outro pensamento acerca da demonstração de uma possível não eficácia do combate à violência é que ao invés de apenas assegurar as mulheres uma proteção a sua integridade, ela acaba por criar uma situação de insegurança jurídica para o outro lado ao atribuir penas mais gravosas em meio a características de um crime que se mostra quase impossível de ser descaracterizado. (MENDES, 2017, p. 216-217)31.

3.2 MAPEAMENTO DOS PERFIS DAS VITÍMAS E CRIMINOSOS DO FEMINICIDIO

Diante de todos os fatos expostos, se destaca a importância e necessidade de pontuar as características dos agressores e vítimas em potencial. Em um mapeamento realizado pela SEJUSP/MG32, cuja informações foram baseadas na natureza dada ao registro no momento de sua lavratura, o que significa que possíveis alterações nas tipificações dos delitos, realizadas no momento de aceite no PCnet33, não serão captadas pelo banco de dados utilizado para o relatório realizado. Ademais, essas informações permitiram analisar que no aspecto da violência doméstica, tiveram os seguintes índices: 

  • Janeiro/2020: 13.026 casos;
  • Janeiro/2021: 13.675 casos;
  • Janeiro/2022: 11.769 casos;

Quanto aos atos de feminicídio, permitiram analisar a seguinte questão:

  • Janeiro/2020: 24 casos, sendo 18 de forma tentada e 06 de forma consumada;
  • Janeiro/2021: 26 casos, sendo 13 de forma tentada e 13 de forma consumada;
  • Janeiro/2022: 19 casos, sendo 12 de forma tentada e 07 de forma consumada;

O levantamento desses dados, permitiu identificar que no ano de 2021 ocorreu um aumento considerável dos casos de violência doméstica e feminicídio. Vale ressaltar que obtiveram essa informação quanto a seguinte relação Vítima/Autor: Cônjuge/Companheiro; Ex-cônjuge/Ex-Companheiro; Cônjuge; Ex-cônjuge; Filho/Enteado; Irmão; Namorado (a); Relacionamento Extraconjugal; Pais/Responsável Legal; Coabitação/Hospitalidade/Relações Domésticas; Avós/Bisavós/Tataravós; Netos/Bisnetos/Tataranetos.

De acordo com o IMP (Instituto Maria da Penha) existe um ciclo de violência que muitas vezes é vivido entre a vítima e o agressor em sua relação homem e mulher, onde se define em 03 fases, sendo elas:

Fase 01: aumento da tensão – o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Podendo também humilhar a vítima, bem como realizar ameaças e destruir objetos;

Fase 02: ato de violência – a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento, onde toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial; e

Fase 03: arrependimento e comportamento carinhoso – esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação, fazendo com que a mulher se sinta confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. 

De acordo com a psicóloga Maura Secco, coordenadora do Centro de Referência à Mulher Casa Eliane de Grammont, em São Paulo (SP): “Homens agressores identificam e escolhem mulheres mais frágeis emocionalmente, o que dificulta a saída delas de relacionamentos violentos.”

Em muitas pesquisas realizadas, pode se notar que existem perfis de agressores, dentre eles os mais presentes são em primeiro lugar: do homem que é agressivo em várias esferas da vida, não somente no relacionamento com a mulher; e segundo: é o homem perfeito fora de casa, que transmite uma imagem de segurança e honestidade, contudo quando estão sozinhos, tem atitudes agressivas. 

Secco conta que um comportamento comum entre os homens agressores é acusar constantemente a mulher de traição, o que mostra a insegurança deles no relacionamento. “Se ela não quer mais ter relação sexual, ele nem pensa que ela pode não sentir mais prazer por uma pessoa que lhe bate. Ele começa a ligar isso ao fato de que ela está com algum homem fora de casa”, afirma.

Quanto ao perfil da vítima, os dados levantados pelo Nudem34 Fortaleza até novembro de 2019 mostram que o perfil da vítima se assemelha ao dos anos anteriores. São as mulheres com idade entre 36 a 45 anos (35%), pardas (63%), que estudaram até o Ensino Médio (37%), que sofrem todas as formas de violência, seja ela psicológica, física, sexual, patrimonial e moral, e só passaram a denunciar depois de mais de dez anos vivendo em um relacionamento abusivo.

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Câmara dos Deputados realizou um mapeamento acerca da violência doméstica e do feminicídio no ano de 2018, onde expõe o seguinte cenário:

Violência doméstica: uma média de 58% dos crimes de violência doméstica é cometido por companheiros/esposos, enquanto cerca de 42% são cometidos pelos parentes. A idade média das mulheres em que mais são agredidas é de 18 a 59 anos (83,7%). No estado de Rondônia, foi registrado cerca de 542 casos de violência doméstica nesse ano (2018).

Feminicídio: uma média 95,2% dos casos de feminicídio foram causados pelo esposo/companheiro, enquanto cerca de 4,8% foram cometidos por parentes. A idade padrão em que o índice é mais alarmante das vítimas é de 18 anos a 59 anos (90,8%).

No estado de Rondônia, foi registrado cerca de 252 casos de feminicídio nesse ano (2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada através de artigos online e dados estatísticos do mapa da violência contra a mulher e de outras fontes, apresentou indícios que os tais atos estiveram em constante instabilidade desde a vigência das leis de proteção e ainda que tenha as meninas de amparo a mulher.

Ao analisar o porquê as mulheres não denunciam foi notado através de bibliografias, que as mulheres não denunciam por haver uma dependência afetiva e econômica de seu parceiro, por ter medo das possíveis novas agressão, e até mesmo por falta de conhecimento e segurança nos meios de proteção.

Logo, o objetivo é promover um debate no sentido de instigar ao leitor a refletir se a lei fez com que os atos contra a mulher se intensificassem ou a lei proporcionou uma divulgação maior desses casos.

Por fim, ainda que a solução possa parecer distante para todas estas problemáticas que envolvem a relação homem e mulher, a sociedade e a ética é de suma importância a conscientização da sociedade através de campanhas, notícias e leis ainda mais severas para tentar barrar as mortes brutais das mulheres pelo mundo.

REFERÊNCIAS

ABDALA, Vitor. Projeto em estações de trem busca ajudar vítimas de violência doméstica no Rio. Rio de Janeiro, 2015.

ANDRADE, Vera Regina Pereira. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista de Direito Público, n.17, jul.-ago.-set./2007.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília: Presidência da República, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 15 set. 2022.

BRASIL. Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015. Dispõe sobre a Lei do Feminicídio. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em: 23 de jun. de 2022.

BRASIL. Lei Nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe sobre a Lei Carolina Dieckman. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em: 23 jun. 2022.

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6

7

8Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

9“Manipulação”

12 Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

13Lei Nº 13.104, de 9 de março de 2015.

14Lei Nº 12.737, de 30 de novembro de 2012.

15Especialistas em computação que utilizam o alto conhecimento para cometer crimes virtuais.

16Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013.

17Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012

18 Lei Nº 13.104, de 9 de março de 2015.

19Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

22Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

23Instrumento gráfico realizado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, com o intuito de coletar e divulgar dados a respeito dos delitos de violência contra a mulher.

24Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

28MELLO, Adriana Ramos de. Feminicídio:uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2017.

29ANDRADE, Vera Regina Pereira. A soberania patriarcal:o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista de Direito Público, n.17, jul.-ago.-set./2007.

30MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia Feminista. São Paulo: Saraiva, 2014.

31Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais

32Sistema de Informatização e Gerenciamento dos Atos de Polícia Judiciária do Estado de Minas Gerais

33Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Defensoria Pública do Ceará


1, 2, 3, 4Acadêmico de Direito. Artigo apresentado na Faculdade de Educação de Porto Velho/UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho, 2022.

5 Prof. Orientadora Especializada. Professora do curso de Direito