REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7250830
Agda Geovana Cardoso de Mesquita1
Ana Bárbara Evangelista de Sousa2
Bárbara Larissa Veras Botelho da Costa3
Me. Marina Shinzato Camelo4
RESUMO:
Objetivo: Refletir acerca do impacto que a pandemia de COVID-19 provocou na saúde da mulher vítima de violência doméstica. Método: Trata-se de uma revisão da literatura realizada a partir de artigos científicos sobre a área de interesse, nesse estudo, sobre a violência doméstica contra a mulher em tempos de pandemia. Resultados: As ações do enfermeiro frente ao índice de violência contra as mulheres que vão desde o atendimento, a identificação, notificação, e p encaminhamento para que essas mulheres vítimas de violência, a atenção básica no apoio ao paciente no enfrentamento do que está sofrendo. Conclusão: Com o aumento dos casos de violência contra as mulheres, observou-se que os serviços não estavam preparados, é preciso que melhore os recursos em prol dessas mulheres para que possa obter um melhor atendimento com profissionais qualificados.
Palavras-chave: Pandemia; COVID-19; Assistência de enfermagem; Violência contra as mulheres.
ABSTRACT:
Objective: To reflect on the impact that the COVID-19 pandemic has had on the health of women who are victims of domestic violence. Method: This is a literature review based on scientific articles on the area of interest, in this study, on domestic violence against women in times of a pandemic. Results: Nurses’ actions regarding the rate of violence against women range from care, identification, notification, and referral for these women who are victims of violence, to primary care in supporting patients in coping with what they are suffering. Conclusion: With the increase in cases of violence against women, it was observed that the services were not prepared, it is necessary to improve resources in favor of these women so that they can obtain better care with qualified professionals.
Keywords: Pandemic; COVID-19; Nursing care; Violence against women.
1. INTRODUÇÃO
Em 15 de março de 2020 foi anunciada, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia de COVID-19 que tem afetado significativamente a vida da população em geral e se caracteriza como um dos eventos mais graves registrados na contemporaneidade. Na tentativa de minimizar os efeitos nocivos da pandemia, baseada em evidências científicas, a OMS propôs que autoridades nacionais implementem mudanças de hábitos nas populações (SOUSA et al., 2021).
Dentre essas mudanças, a principal foi o isolamento social, vista como estratégia importante para diminuir a velocidade de propagação do vírus e prevenir um colapso no sistema de saúde. Apesar do isolamento ter sido usado como estratégia para conter a propagação do vírus, colocou a parcela mais vulnerável da população, mulheres, idosos e crianças em risco (BRASIL, 2020).
A necessidade de permanecer em casa, obrigando mulheres a permanecerem mais tempo em contato com seu agressor, que muitas vezes é seu próprio parceiro, contribui para o aumento da violência contra a mulher pois torna o lar um ambiente perigoso, configurando-se enquanto espaço de violência física, psicológica, moral, sexual e, em casos mais extremos, feminicídios. Além disso, por não poder sair de casa e manter um convívio social, acaba afastando essas mulheres de outras pessoas de confiança e de lugares que poderiam servir de suporte social e emocional (VASCONCELOS et al., 2021).
Importante ressaltar, que para compreender o significado desse fenômeno na pandemia, é preciso reconhecer a violência como um fenômeno social, reflexo das relações de poder e de desigualdades construídas e naturalizadas, como um fenômeno complexo e multifatorial que afeta pessoas, famílias e comunidades (FORNARI, et al., 2021).
A OMS chama atenção para a violência como um problema de saúde pública. Em situações de pandemia, tais como de COVID-19, os indicadores de países como China, Espanha e Brasil evidenciam que os casos de violência doméstica triplicaram; na França houve um aumento de 30% das denúncias e, no Brasil, estima-se que as denúncias tenham aumentado em até 50%. A Itália, assim como os demais países, também indicou que as denúncias de violência doméstica estão em ascensão (CAMPBELL, 2020).
Nesse contexto, é importante salientar que vários aspectos da vida de uma mulher são afetados quando esta sofre algum tipo de violência, podendo acarretar problemas de cunho fisiopatológico e psicológico. Dessa forma, é imprescindível que profissionais de saúde saibam reconhecer e agir diante dessa situação (FRANCO; LOURENÇO, 2022).
Diante disso, destaca-se a importância do profissional de enfermagem, que atua em uma equipe multiprofissional de saúde, que executa ações de acolhimento às mulheres em situação de violência, identificação, notificação, atendimento e encaminhamento de acordo com os diferentes tipos de violência (FRANCO; LOURENÇO, 2022).
Não obstante, pesquisas apontam fragilidades na capacitação das equipes de enfermagem para atuação em casos de violência contra a mulher, justificadas, sobretudo, pela naturalização e invisibilidade que o fenômeno assume na sociedade (FRANCO; LOURENÇO, 2022).
Diante disso, o presente trabalho busca analisar o impacto que a pandemia de COVID-19 provocou na saúde da mulher vítima de violência doméstica, além de refletir sobre a assistência de enfermagem frente ao atendimento a essa mulher a partir de uma revisão integrativa de literatura.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Conceito de violência
Segundo Hayeck (2009), a complexidade da violência ressaltando-se dá pela importância de compreender que ela pode ter vários sentidos, como: ataque físico, uso da força física ou até mesmo ameaça.
A violência é tida como um problema de saúde pública e pode ser definida como: “Qualquer ação intencional, perpetrada por indivíduo, grupo, instituição, classes ou nações, dirigida a outrem que cause prejuízos, danos físicos, sociais, psicológicos e (ou) espirituais” (MINAYO; SOUZA, 1998).
A resolução WHA 49.25 da Assembleia Mundial da Saúde, ocorrida em 1996, declara a violência como um dos principais problemas de saúde pública. Solicitou-se então à OMS que desenvolvesse uma tipologia que caracteriza os diferentes tipos de violência, bem como os vínculos entre eles.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que há relação clara entre a intenção do indivíduo que apresenta ou se envolve em um comportamento violento e o ato ou a ação praticada. Além disso, a OMS categorizou a violência segundo quem a comete, podendo ser autoinflingida, como o caso da suicídio, interpessoal, como a violência doméstica; e violência coletiva que pode ser social, política ou econômica.
Nesse sentido, a violência é definida como o uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em morte, lesão, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (Krug et al, 2002).
A essa classificação da OMS, Minayo (2006) acrescenta a violência estrutural, que se refere aos processos sociais, políticos e econômicos que reproduzem a fome, a miséria e as desigualdades sociais, de gênero e etnia. A princípio, essa violência ocorre sem a consciência explícita dos sujeitos, perpetua-se nos processos sócio-históricos, naturaliza-se na cultura e gera privilégios e formas de dominação.
Machado; Gonçalves (2003) demonstram em seu livro “Violência e vítimas de crime”, o seguinte:
Considera-se violência doméstica “qualquer ato, conduta ou omissão que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou econômicos, de modo direto ou indireto (por meio de ameaças, enganos, coação ou qualquer outro meio) a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico privado (pessoas – crianças, jovens, mulheres adultas, homens adultos ou idosos – a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo agregado doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital (MACHADO; GONÇALVES, 2003, p.26 ).
A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) define a violência familiar e doméstica como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano patrimonial ou moral”.
A violência física manifesta-se ao ofender a integridade ou saúde corporal da mulher, com o uso de força física por parte do agressor; a psicológica compreende a qualquer conduta que cause danos emocionais ou diminuição da autoestima da mulher; a sexual envolve constranger a mulher a presenciar, manter ou participar de qualquer relação sexual não desejada; a violência patrimonial configura retenção, subtração, destruição parcial ou total de pertences da mulher, sendo estes de qualquer natureza; a violência moral configura-se em qualquer conduta que importe em calúnia, difamação ou injúria da mulher (BRASIL, 2006).
2.2 Isolamento social e a violência doméstica
A pandemia de COVID-19 foi considerada uma grande ameaça para a saúde pública, tendo sido caracterizada como uma pandemia em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde. Uma das principais estratégias recomendadas pelos órgãos de saúde internacionais para reduzir a propagação da doença foi o isolamento social (VIANA, et al., 2021).
O isolamento social, visando a contenção da transmissão comunitária do COVID-19, com o fechamento de escolas, comércio, empresas e demais serviços não essenciais, restringiu as pessoas às suas residências e fez exaltar um problema de saúde pública que já era anterior à pandemia, a violência doméstica contra a mulher. Essa situação provocou um aumento da preocupação com esses casos, como destacado pela Organização das Nações Unidas Mulheres (FORNARI et al., 2021). No Brasil, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), entre os dias 1° e 25 de março de 2020, houve crescimento de 18% no número de denúncias registradas pelos serviços “Disque 100” e “Ligue 180”, mesmo havendo redução dos serviços de atendimento à população nesse período (VIEIRA et al., 2020).
Ainda que essa se mostre como a medida mais segura e eficaz para conter os efeitos da COVID-19, os efeitos negativos são inúmeros e têm afetado não somente a economia e o sistema de saúde, mas também a vida de mulheres que já viviam em situação de violência. Isso porque sem ter um lugar seguro para ir, essas mulheres acabam sendo obrigadas a permanecer mais tempo em seu próprio lar junto de seu agressor (MIRANDA; PREUSS, 2020). Segundo Vieira, et al. (2020), a convivência forçada entre os casais no contexto do isolamento social, o estresse econômico crescente além do medo de adoecer pela COVID-19 são gatilhos para a violência.
Segundo Vieira et al. (2020), durante o isolamento é mais frequente que mulheres sejam vigiadas e impedidas de conversar com seus familiares e amigos, o que facilita com que elas sofram manipulação psicológica. O controle das finanças domésticas também acaba virando motivo de discussão, com a presença do homem em um ambiente que é mais comumente dominado pela mulher. Ainda segundo Vieira et al. (2020) essa perspectiva de perda de poder masculino, em que ele está em um ambiente fora do seu domínio, acaba ferindo a imagem do homem provedor, servindo de gatilho para comportamentos violentos, na tentativa de retomar o modelo de masculinidade definido pelo poder patriarcal (VIEIRA, et al., 2020).
É possível afirmar que a pandemia aumentou a vulnerabilidade das mulheres à violência doméstica, fenômeno historicamente construído e crônico, com sérias consequências físicas, emocionais e sociais para toda a família. (FORNARI, et al., 2021).
2.3 Assistência de enfermagem à mulher vítima de violência doméstica
A assistência de enfermagem é uma precaução que está inserida nas instituições de saúde, amparada pelo conhecimento teórico e vem sendo caracterizada atualmente como uma ferramenta dentro da promoção de saúde, necessitando de um planejamento, que acolhe aquela mulher com cuidado (ZUCHI et al., 2017).
Nesta circunstância, o profissional de enfermagem trabalha com muita atenção, escuta ativa e temos também a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). A SAE é essencial, pois conectada assistência até a realização das ações, propondo intervenções ligadas ao problema assim identificando e acolhendo as mulheres em situações de violência (SANTOS et al., 2019).
O profissional que estiver prestando assistência à vítima carece de enfrentar as dificuldades que aquela mulher impõe no atendimento. Visto que o acolhimento é o primeiro passo para se estabelecer uma conexão de confiança com a mulher vítima de violência doméstica, mostrando uma escuta ativa, sendo empático e o atendimento o mais humanizado possível, assim é de extrema importância acionar a equipe multiprofissional, com o acompanhamento de enfermagem prestado a vítima precisa ser encaminhada para o psicólogo e algum assistente social. Prosseguindo assim com as condutas que possuem dois objetivos, a aplicação da equipe multiprofissional e a prática de acionar outros setores como a central de Atendimento à Mulher-180 O serviço tem como propósito registrar e encaminhar denúncias de violência contra a mulher (SANTOS et al., 2019).
3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Neste estudo foi utilizado o método de revisão integrativa de literatura que segundo Cooper; Hedges (1994) é realizada a busca de evidências científicas sobre a área de interesse, nesse estudo, sobre a violência doméstica contra a mulher em tempos de pandemia em artigos indexados em bases de dados.
Para a criação da questão norteadora foi utilizado o método População (P), Conceito (C) e Contexto (C). A estratégia PCC é uma mnemônica que auxilia a identificar os tópicos-chave: População, Conceito e Contexto (JBI, 2015). Tal estratégia foi adotada para conduzir a questão da pesquisa da revisão integrativa, em que será definida como População as mulheres, como Conceito, a violência doméstica e como Contexto a pandemia de COVID-19 e o isolamento social. Com base nesse método foi criada a questão norteadora: Como a pandemia de COVID-19 impactou a saúde da mulher vítima de violência doméstica?
As buscas se iniciaram em 23 de agosto de 2022 utilizando como estratégia de busca a combinação de descritores escolhidos a partir dos Descritores em Ciência de Saúde (DECS BVS): “Violência contra as mulheres” e “COVID-19” usando o operador booleano “AND”.
Como critérios de inclusão foram escolhidos somente textos disponíveis na íntegra em forma de artigo, nos idiomas: inglês, português e espanhol. O intervalo temporal escolhido para a amostra foram os anos de 2020 e 2022. Após a busca e aplicação dos critérios de inclusão, foi realizada a leitura dos resumos para descartar possíveis fugas no tema.
Com o intuito de responder a pergunta norteadora e os objetivos geral e específicos, as plataformas de busca utilizadas foram Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e Lilacs (Literatura Latino-Americana do Caribe em Ciências de Saúde). Na Lilacs ao buscar por “Violência contra as mulheres” AND COVID-19 foram encontrados 32 artigos, sendo que todos correspondiam aos métodos de inclusão. Após realizada a leitura dos resumos para descartar possíveis fugas a pergunta norteadora restaram 15 artigos, sendo 1 em espanhol e 1 em inglês. Na Scielo ao realizar a mesma busca foram encontrados 15 artigos, todos em língua portuguesa e datados de 2020 a 2022, após leitura do resumo, sobraram apenas 4 que correspondiam ao assunto procurado, sendo que três deles já haviam sido encontrados na Lilacs restando, portanto, apenas 1 artigo da Scielo. O fluxograma (figura 1) foi elaborado para representar como foi realizada a estratégia de busca nas suas diferentes etapas, até culminar nas escolhas finais dos artigos.
A partir da leitura dos artigos foi criado um quadro (quadro 1) para melhor apresentar as informações, contendo autor, ano, tipo de pesquisa, objetivo e resultados. Também para apresentação dos dados foram organizadas as seguintes categorias: 1. Estratégias e possibilidades no combate a violência contra a mulher; e 2. A abordagem profissional na atenção básica e nos serviços hospitalares.
Figura 1: Artigos selecionados
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS
Os artigos selecionados estão apresentados no quadro abaixo, contendo, nesta ordem: autores e ano, tipo de pesquisa, objetivo e resultado. Além de um fluxograma mostrando como foi realizada a escolha dos artigos, contendo os descritores DECS, métodos de exclusão e de inclusão.
Quadro 1: Distribuição dos artigos selecionados.
Citação | Tipo de pesquisa | Objetivo | Resultado |
ALENCAR, J., et al., 2020. | Nota técnica. | Essa nota pretende reunir algumas das principais ações, especificamente as de iniciativa do poder público em âmbito mundial, nacional e estadual, a fim de apoiar gestores públicos na elaboração e implementação de políticas públicas que abordem a violência de gênero durante a pandemia. | Ao final do estudo é possível compreender que a pandemia mostrou a fragilidade das políticas públicas para mulheres no Brasil, país que já foi considerado exemplo no combate à violência contra as mulheres com a criação da Lei Maria da Penha. Expõe que é preciso aumentar o investimento nas principais ações de enfrentamento da violência contra a mulher. |
BARBOSA, J.P.M., et al., 2021 | Estudo de rastreamento. | Relacionar a violência contra as mulheres e o isolamento social durante a pandemia de COVID-19 por meio de aportes teóricos de estudos interseccionais e as contribuições do Movimento Institucionalista. | Apresenta a interseccionalidade entre fatores econômicos, políticos,culturais, físicos, subjetivos e de experiência como também considera questões de raça,orientação sexual, identidade de gênero, dentreoutras. |
CORTES, L.F., et al., 2020. | Ensaio teórico-reflexivo. | Evidenciar os desafios enfrentados na proteção das mulheres em situação de violência durante a pandemia de COVID-19. | Informa que as mulheres estão em situação de vulnerabilidade e encontram dificuldades para formalizar queixa contra os agressores. |
GOMES, M.C.A. e CARVALHO, A.B., 2021. | Análise discursivo-crítica. | Realiza uma análise crítica do contexto sociopolítico e cultural relacionando a violência doméstica e a pandemia de Covid-19 no Brasil, mostrando como o governo brasileiro, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reagiram a esse problema. | Os impactos no contexto da pandemia de COVID-19 atingiram níveis alarmantes tanto nacional como global. A ONU recomenda ações que países do mundopodem realizar de forma a não deixar mulheres mais vulneráveis do que já estão sob efeito do isolamento e distanciamento social. |
MARCOLINO, E.C., et al., 2021. | Pesquisa documental, interpretativa, retrospectiva e com abordagem qualitativa. | Evidencia como o distanciamento social em tempos de COVID-19 influenciou nos casos de violência doméstica | Evidencia pesquisas feitas em diversos anos, trazendo dados de como o distanciamento social influenciou casos de violência doméstica. Os dados comprovaram que o distanciamento social pode aumentar a vulnerabilidade de mulheres, crianças,adolescentes e idosos. |
ODORCIK, B., et al., 2021. | Pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo exploratória. | Apresenta a percepção e abordagem dos profissionais de saúde às vítimas de violência doméstica em Centros de Saúde da Família durante a pandemia de Covid-19. | Os profissionais da saúde são fundamentais na promoção de práticas que identificam e combatem a violência doméstica. O profissional de saúde deve oferecer possibilidades de atendimento em redes de serviços além de fazer a notificação em casos de violência doméstica. |
REIGADA, C.L.L. e SMIRDELE, C.A.S.L., 2021. | Revisão da literatura | Sintetiza orientações sobre pontos importantes na atenção à saúde da mulher durante pandemias na Atenção Básica de Saúde. | A atenção primária tem papel de destaque na atuação contra a violência doméstica, contracepção e outras condições potencialmente graves. |
SANTOS, D.G., et al., 2021. | Estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa. | Expor como as equipes de enfermagem se adaptaram no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica no contexto da pandemia de COVID-19. | Apresentação de estratégias para complementar a assistência de enfermagem às mulheres que sofreram violência durante a pandemia que se agravou pelo isolamento/distanciamento social. |
VASCONCELOS, V.M., VIANA, B.A., FARIAS, I.C., 2021. | Revisão integrativa da literatura. | Investiga os impactos da pandemia COVID-19 nos casos de violência contra a mulher. | Apresenta as políticas públicas em relação ao combate à violência contra a mulher, e informações sobre estratégias para melhorar as intervenções. |
VIEIRA, P.R., GARCIA, L.P., MACIEL, E.L.N., 2020. | Revisão integrativa da literatura. | Busca estabelecer uma relação entre o isolamento social, devido a pandemia de COVID-19, e o aumento de casos de violência contra a mulher. | Compara as relações entre o isolamento social no período da pandemia de COVID-19 e se depara com o aumento da violênciadoméstica contra as mulheres, dentro de um contexto sócio cultural. |
Ao contrário do pressuposto inicial, foram encontrados muitos estudos sobre a temática. Os autores defendem que a pandemia de COVID-19 e o isolamento social impactaram diretamente nos casos de violência contra as mulheres tanto no Brasil como em outros países. Segundo Cortes et al. (2020) o Reino Unido, a Austrália e a França registraram um aumento de 65% nas denúncias de violência contra a mulher, bem como alguns países da América Latina, incluindo o Brasil, registraram que a violência doméstica se intensificou durante a pandemia.
Ainda segundo o estudo de Cortes et al. (2020), baseado em informações da OMS, 30% das mulheres do mundo já vivenciaram situações de violência doméstica, sendo a maioria cometida por seus parceiros íntimos que também são responsáveis por 38% dos feminicídios, onde os estudos apontam o espaço domiciliar como lócus principal para a vivência desse tipo de violência.
Barbosa et al. (2021) e Sousa et al. (2021) trazem que a violência contra as mulheres é um fenômeno que não surgiu com a pandemia e que, segundo a OMS, tem suas causas embasadas em fatores histórico-sociais como a desigualdade econômica, o machismo estrutural, entre outros. Todavia, Barbosa et al. (2021) afirma que o isolamento social, apesar de não ocasionar a violência por si só, pode colocar em evidência as vivências dessas mulheres.
Reigada; Smiderle (2021) apontam o convívio prolongado, as dificuldades financeiras, a interrupção de atividades de trabalho, lazer como possíveis motivos para o aumento da violência doméstica durante a pandemia.
Estratégias e possibilidades no combate à violência contra a mulher
Os estudos analisados, em sua maioria, evidenciam o aumento de registros de casos de violência doméstica contra a mulher durante a pandemia, e muitos deles também mostram estratégias que já estavam sendo utilizadas para o enfrentamento dessa violência, como também possibilidades para solucionar esse cenário.
Segundo Vieira et al. (2020), foi possível perceber que, durante a pandemia, ao mesmo tempo em que os casos de violência contra as mulheres aumentava, era reduzido o acesso a serviços de apoio às vítimas, a partir da política instaurada de interrupção de todos os serviços não essenciais e da recomendação do isolamento social, particularmente nos setores de assistência social, saúde, segurança pública e justiça, os quais são geralmente os primeiros pontos de contato das vítimas com as redes de apoio. A diminuição na oferta dos serviços é seguida da diminuição da procura e pelo medo do contágio das vítimas.
O estudo de Vieira et al. (2020) ainda evidencia algumas estratégias que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) se utilizou para contornar a situação e acolher as denúncias de violência doméstica e familiar. O MMFDH lançou plataformas digitais dos canais de atendimento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos que são o aplicativo Direitos Humanos BR e o site ouvidoria.mdh.gov.br, por meio dos quais é possível que vítimas, familiares ou conhecidos mande fotos, vídeos, áudios e outros tipos de documentos que mostrem situações de violência doméstica e outras violações dos direitos humanos.
Vieira et al. (2020) ressalta ainda que somente o acolhimento das denúncias não é suficiente no combate a esse tipo de violência, trazendo como exemplo a capacitação dos profissionais de saúde para detecção de situações de risco e a ampla divulgação dos serviços oferecidos como outras formas de enfrentamento.
O estudo de Alencar et al. (2020) elenca outras dificuldades, como a abrangência insuficiente de serviços voltados para o assunto o que muitas vezes impede o acesso de mulheres que não residem em grandes centros à políticas públicas, e a falta de implementação de importantes ações de enfrentamento a violência contra a mulher, previstas na Lei Maria da Penha. A Casa da Mulher Brasileira conta com uma equipe multidisciplinar com a Delegacia de Defesa à Mulher, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça e um alojamento para casos com iminência de morte para atender mulheres vítimas de violência doméstica faz parte das ações previstas pela Lei Maria da Penha.
Alencar et al. (2020) ainda sugerem algumas recomendações para ações de enfrentamento à violência contra a mulher durante o isolamento social, a saber: a ampliação do orçamento federal para as políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres, a garantia da continuidade dos serviços de enfrentamento às situações de violência contra as mulheres, como delegacias, juizados e centros de referência, a criação e propagação de campanhas preventivas à violência doméstica e familiar no contexto da pandemia e de orientação às mulheres sobre como agir em casos de violência, a adoção de medidas de proteção ao vínculo trabalhista e de compensação financeira para homens e mulheres com rendimentos afetados, entre outros.
A abordagem profissional na atenção básica e nos serviços hospitalares
De acordo com Santos et al. (2021) é essencial lançar estratégias para ajudar a reduzir os impactos da violência contra as mulheres durante a pandemia. As instituições de saúde necessitam produzir um mapeamento de recursos disponíveis, como abrigos, centros de assistência às vítimas de estupro e serviços de atenção psicossocial. Além disso, é importante induzir novas formas de encaminhamentos na rede de atendimento às mulheres vítimas de violência.
Odorcik et al. (2021) e Santos et al. (2021) estão entre os autores que discutem a abordagem dentro desses serviços de saúde a fim de identificar a violência doméstica contra as mulheres, através de uma pesquisa cujo o intuito é entender como os profissionais estão ou não capacitados para lidar com essas situações recorrentes, esses profissionais conseguem reconhecer os diferentes tipos de violência, porém, é notório o desconhecimento sobre os serviços de acolhimento e as diversas redes assistenciais.
O estudo de Odorcik et al. (2021) ressalta a importância da atenção básica como a porta de entrada dos serviços de saúde como um local que ofereça suporte a essas mulheres que sofrem violência. Estes serviços procuram, de maneira humanizada, por meio de uma escuta ativa, acolher a vítima e conseguem também mostrar algumas redes assistenciais como a Lei Maria da Penha que resguardam os direitos das mulheres através da proteção desses direitos e da punição ao agressor.
Santos et al. (2021) e Odorcik et al. (2021) conseguem associar que os números exorbitantes estão ligados a um problema de saúde pública, e sendo assim reforçam a ideia de que para uma boa promoção de saúde é preciso que os profissionais de saúde estejam capacitados para identificar e notificar esses casos naquela conjuntura.
Santos et al. (2021) afirma que com a pandemia da COVID-19, aconteceram mudanças na assistência de enfermagem à mulher violentada sexualmente. Questões que proporcionam a humanização do cuidado, como por exemplo a restrição do acompanhante, que é de muita importância, a presença de alguém próximo que ofereça apoio e o uso da máscara cirúrgica pelos profissionais mas que foram mudanças necessárias para o controle da pandemia e proteção dos enfermeiros e da comunidade.
Dessa forma, é fundamental pensar e implementar estratégias que contenham o aumento da violência doméstica, mesmo em situações pandêmicas e de isolamento social, como também é necessário explicar o que é a violência contra a mulher, os tipos, como se dá o início do ciclo da violência, os direitos humanos e dar opção de ajuda em órgãos governamentais e os não governamentais. O distanciamento social foi algo urgente que o poder público precisa agilizar para conseguir resolver os problemas das mulheres.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentou três pontos principais: o conceito da violência, a relação entre o isolamento social e a violência doméstica durante a pandemia da COVID-19 e a assistência de enfermagem à mulher vítima de violência doméstica e os atos combativos à situação da violência. Os estudos dessa revisão apresentaram que a pandemia resultou em várias interferências na vida das mulheres vítimas de violência doméstica, como o aumento do contato com o agressor.
No terceiro objetivo o intuito foi buscar compreender o papel prático de ações ou medidas preventivas propostas pelo governo e como podemos inserir a assistência de enfermagem à mulher vítima de violência doméstica.
A violência doméstica contra a mulher continua sendo um grave problema social, potencializado com a ocorrência da pandemia de COVID-19, e mesmo com parâmetros implantados, infelizmente não aconteceram mudanças que reduziram os altos índices de casos.
Existem poucos artigos que estão relacionados à conduta dos profissionais de saúde frente à violência contra a mulher durante a pandemia. Mas, é de suma importância que os profissionais tenham acesso aos estudos disponíveis, aos relatos, às pesquisas de campo dentro da assistência à saúde. É necessário entender que a área da saúde, e de forma especial o enfermeiro, não se limita à realização de procedimentos, mas enfrenta desafios em vários âmbitos da assistência, como a gestão de recursos e como a promoção da autonomia da população diante da precariedade de recursos disponíveis.
Esperamos que os dados abordados neste estudo também possam ajudar os profissionais a compreenderem a importância da vinculação com a paciente, podendo ser um fator decisivo no que tange à abordagem da violência contra a mulher em situações de pandemia e isolamento social.
REFERÊNCIAS
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1, 2, 3Graduandas do Curso de Enfermagem, do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac
4Mestra em Enfermagem da Família pela Universidade de Brasília