CASAMENTO INFANTIL: O PAPEL SOCIAL DO DIREITO NO ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA

CHILD MARRIAGE: THE SOCIAL ROLE OF LAW IN DEALING WITH THE PROBLEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7242225


Karoline Malta Seguins1
Sara Nataly Gomes Silva2
Verônica de Kássia Moreira Pereira3
Luciane Lima Costa e Silva Pinto4


RESUMO

Este presente trabalho faz uma abordagem acerca do casamento infantil e suas problemáticas diante do direito brasileiro. O presente estudo tem como objetivo principal analisar, conscientizar e propor discussões acerca da realidade que é o casamento infantil e o número crescente de casamentos precoces informais por conta das lacunas na lei. A metodologia adotada baseia-se no modelo sócio-jurídico, tendo como base a pesquisa bibliográfica e documental, valendo-se não tão somente do método dedutivo, mas também considerando o material e análise dos dados disponíveis em livros, artigos científicos, relatórios do IBGE, ONU, ONGs, leis, convenções, resoluções e tratados de Direitos Humanos. Por fim, Vale ressaltar que este artigo procura apontar políticas publicas como caminho para combater a problemática do casamento infantil.

Palavras-chave: Criança. Adolescente. Casamento. Direitos humanos.

ABSTRACT

This paper discusses child marriage and its problems under Brazilian law. The main objective of this study is to analyze, raise awareness and propose discussions about the reality that is child marriage and the increasing number of informal early marriages due to gaps in the law. The methodology adopted is based on the social-legal model, with bibliographic and documental research, using not only the deductive method, but also considering the material and analysis data available in books, scientific articles, reports from IBGE, UN, NGOs, laws, conventions, resolutions, and human rights treaties. Finally, it is worth noting that this article seeks to point out public policies as a way to combat the problem of child marriage.

Keywords: Child. Adolescent. Marriage. Human Rights.

1 INTRODUÇÃO

Casamento infantil é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma união formal ou informal antes dos 18 anos de idade. Embora o Brasil figure entre os principais países do mundo em números absolutos de casamentos precoces de crianças e adolescentes mostram-se também totalmente de olhos fechados para essa problemática. 

No cenário do Brasil, o número de casamentos precoces surge como um problema significativo tanto para o governo, quanto para a gestão de políticas públicas devido à necessidade de delimitar a extensão do problema, pois existe uma limitação e uma subestimação de dados acerca do assunto.

Mesmo possuindo leis de proteção à infância, acolhendo tratados de Direitos humanos e até proibindo formalmente os casamentos de indivíduos menores de 16 anos5 (art.1.520 CC alterado pela lei 13.811/2019) nenhum desses instrumentos jurisdicionais tem se mostrado eficiente para eliminar essa questão já tão enraizada no cotidiano brasileiro. Fatores como pobreza, sexualidade e gravidez precoces são os principais argumentos que poderiam ajudar a desvendar tais situações, mas também existem outras questões mais enraizadas como cultura, religião e machismo.

Diante da lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, a problemática deste trabalho consiste em identificar qual é o papel social do direito e o que se tem feito para solucionar o aumento significativo de casamentos precoces no Brasil. Também é preciso considerar a necessidade urgente de proteção dos direitos humanos fundamentais e a adoção de possíveis medidas sancionadoras acerca do assunto.

A metodologia usada para elaborar o presente artigo foi a de análise, que se deram por meio de artigos, revistas acadêmicas e dados de organizações de Direitos Humanos acerca da temática. Utilizou-se também uma abordagem quantitativa e qualitativa para a coleta de dados por meio documental, através de análise de estudos que possuem o mesmo objetivo que é conhecer as bases problemáticas do casamento infantil no Brasil.

2 CASAMENTO CONTEXTO HISTÓRICO

O instituto do casamento pode ser compreendido conforme conceitua6 MARIA HELENA DINIZ “O vínculo jurídico entre o homem e a mulher (em contrário — Res. CNJ n.175/2013) que visa ao auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família”, Já PAULO LÔBO7 diz que “O casamento é um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual o casal constitui família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado”.

O casamento como forma natural de constituição familiar existia antes do surgimento da Igreja Católica, tendo sido preservado pelas mais diversas religiões e pelas legislações civis nas nações pelo mundo. É um instituto inerente ao ser humano e que transcende as regras culturais delimitadas pelo tempo e o espaço, sempre mantendo a sua essência de constituição familiar, possui especial proteção pela constituição federal de 1988 em seu Art. 2268. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Ao longo do tempo sofreu diversas modificações quanto às suas formalidades, objeto e celebração conforme diz Maria de 9Fátima Araújo, em seu artigo Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações.

Da antiguidade à idade média, eram os pais que cuidavam do casamento dos filhos. O casamento não consagrava um relacionamento amoroso. “Era um negócio de família, um contrato que dois indivíduos faziam não para o prazer, mas á conselho de suas famílias e para o bem delas”.

Nesse cenário o casamento surge da simples necessidade de divisão do trabalho entre homem e mulher para sobrevivência da família e perpetuação da espécie, daí surge o berço da nossa problemática já que é um destino natural feminino servir ao marido e aos filhos não haveria problema que ela seja levada a esse destino “mais cedo”. E bem esse cenário não muda de forma tão abrupta em tempos modernos o conceito de mulheres como parte de uma herança familiar e ainda a sua objetificação faz com que o casamento seja o meio mais usado para que esse objeto não perca o seu “valor”.

A recente pandemia de covid 19, em números preliminares agravou o cenário do país sendo uma grave ameaça para que este atinja o 10Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (Promover a igualdade de gênero e empoderar todas as meninas e mulheres) do qual possui como uma das metas a erradicação do casamento infantil até o ano de 2030. Assim surge o questionamento se os meios jurisdicionais têm sido eficientes para que a questão do casamento infantil seja enfrentada.

O Brasil possui em seu regramento nacional a 11lei 13.811, sancionada no ano de 2019, proibindo de forma taxativa a união de indivíduos menores de 16 anos, condicionado para aqueles que possuem idade entre 16 e 18 anos a prévia autorização de ambos os pais ou representantes legais. Contudo, observa-se que o cerne da questão passa longe da formalidade, a gigantesca maioria dos casos de “matrimônios” infantis no país está invisibilizada pela subnotificação e normalidade que é dada à questão falar sobre o casamento ou união de crianças hoje é como narrar uma lenda, existe a falsa crença de que esse é um fato totalmente alheio a nossa cultura e realidade, sendo resultado do total desconhecimento dos números e das consequências dessas violações principalmente para as mulheres afetadas.

A percepção de que a desigualdade de gênero agrava todas as outras formas de exclusão é recente no âmbito da promoção de direitos de crianças e adolescentes. De forma legal, essa questão chega às normativas relativas aos direitos de mulheres somente na 12Plataforma de Beijing (Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher — Pequim, 1995) e, ainda, de maneira discreta. Nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio não havia a compreensão de um recorte geracional e de gênero que possibilitasse a visibilidade das temáticas relacionadas às meninas. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) — agenda a ser implementada até 2030, é composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas — foram elaborados com bases estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) de maneira a completar esse trabalho e responder a novos desafios para os seguintes 15 anos. “casamento infantil: as meninas não podem ser deixadas para trás”.

No nosso país somos levados pela falsa ideia de escolha e pela responsabilização afinal “Que cada um arque com as consequências de suas ações”, porém esse é um cenário irreal, meninas e mulheres são ainda hoje vistas como objetos de desejo e instrumentos para promoção de bem estar masculino. Casamento, filhos e a vida doméstica parece nos ser um destino inescapável e por isso não haveria problemas em encontrar o seu destino mais cedo esta é a realidade dos casamentos precoces.

Durante muito tempo, a minha compreensão foi de que a sociedade brasileira não percebia o casamento infantil, hoje, após anos de estudo, estou convencida de que sim, a sociedade brasileira o percebe, apenas não percebe como um problema. A maneira como a sociedade pensa e conforma as identidades de meninas e mulheres e de meninos e homens é a partir da imposição (muitas vezes pelo uso da força) de normas estereotipadas de gênero, num processo que afeta muito mais as meninas e as mulheres na maioria das sociedades. Dessa maneira, práticas sociais violentas passam a ser naturalizadas, não coibidas e não-judicializadas. A violência sexual continua sendo naturalizada como desejo masculino e culpa feminina e, nesse sentido, também se produz uma naturalização em torno da ideia do casamento, aqui entendida como um elemento natural da vida de mulheres.

2.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 

A constituição Brasileira em seu Art. 227 reconhece os direitos fundamentais, com respeito à prioridade absoluta, efetivados pela família, sociedade e pelo Estado, sendo a base para Estatuto da Criança e Adolescente, com o princípio da proteção integral de crianças e adolescentes faz-se a legislação em proteção ao Estatuto da Criança e Adolescente, porém, o casamento infantil na visão da sociedade uma violação aos direitos humanos que buscam assegurar, no âmbito de problemas como, por exemplo, de evasão escolar, vulnerabilidade socioeconômica, ambientes com violências, entre outros. 

No sentido que a legislação possui o dever da proteção da integridade, para compreender que há a vulnerabilidade, para (JANCZURA, 2012) sob a ótica da assistência social, englobam situações que implicam a iminência de um risco. A importância das legislações que garante o combate a exploração e ao casamento infantil. A Lei 10.406/2010, art. 1.520 não permite, em qualquer caso, o casamento que não possuía a idade núbil, desta forma, o casamento é permitido a partir de 16 anos, com autorização de ambos os pais, no contexto, o trabalho do judiciário e legislativo em proteger as crianças e adolescentes.

Segundo PLAN INTERNACIONAL, 2019, p.9, ‘‘o poder de concessão e decisão frente ao casamento deve ser relativizado, pois muitas vezes o matrimônio é pautado primariamente pelas necessidades e/ou pela falta de oportunidades do que pelo desejo de uma união’’, que desta forma, as consequências do elevado número de casamento infantil no Brasil é econômico, cultural, sendo fragilidades que mesmo com o avanço das leis, não garantem efetivas ações que necessitam. 

O casamento infantil são reflexos do aumento de união sem planejamento, e com indicativo que as mulheres, predominantemente, tornam-se mães, a lei possui a margem para que haja casamento com consentimento familiar a partir dos 16 anos, ocorrência de gravidez, neste sentido, há o reflexo de lacunas na legislação brasileira para união precoce, não atrelado à fiscalização, que, por exemplo, não atinge seu plano potencial. 

Anteriormente à vigência da Lei n° 13.811, de 12 de março de 2019, a questão do casamento infantil seguia a fragilidade que meninas menores que 16 anos poderiam obter a união, com exceções, com isso, a naturalidade do casamento precocemente, que envolve fatores culturais, desigualdades de gênero, vulnerabilidade econômica, entre outros. Desta forma, o estatuto da criança e adolescente atribui atentando a Constituição Federal a missão de cumprir os princípios fundamentais, com os avanços legislativos. Entretanto, pesquisa realizada pelo IBGE indica que de 2017 a 2019, o casamento de meninas menores de 18 anos com homens adultos aumentou em comparativo em base 2.000, desta forma, há a fragilidade jurídica, questionando o conflito ao princípio da proteção integral e lei. Desta forma, serão por meio de questão políticas pública para efetivo cumprimento da lei, sendo, o acesso aos direitos, um dos pontos para o inicio para o número de impacto na diminuição do casamento infantil. 

2.2 AS CONSEQUÊNCIAS DO CASAMENTO INFANTIL 

Como se verifica, as questões econômicas e sociais são fatores preponderantes que levam ao casamento infantil. Por certo, é evidente que a prática se tem notoriedade em países que estão em desenvolvimento, majoritariamente mais nas zonas rurais do que nas zonas urbanas, além disso, o casamento infantil tem consequências não apenas para as crianças, uma vez que o futuro das mesmas fica comprometido, como também para os próprios pais.

Segundo a ONG Girls Not Brides que é uma rede global engajada em acabar com o casamento infantil ou reduzir os danos do mesmo, de acordo com a ONG a cada ano, 15 milhões de meninas se casam antes de completarem 18 anos de idade, o que significam 18 meninas por minuto. Ademais, aponta que mais de 700 milhões de mulheres e mais de 150 milhões de homens já sofrem e ainda sofrem com as consequências do casamento infantil. A Girls not brides destaca que o casamento infantil é uma prática global, que atravessa culturas e fronteiras. E que está presente do Oriente Médio à América Latina, do Sul da Ásia à Europa. 

Em relação às meninas, o casamento infantil as expõe a diversas e constantes violações de seus direitos, como saúde, liberdade e educação. Os familiares geralmente colocam o casamento e a educação sob o mesmo ponto de vista, sendo que a escolha pelo casamento habitualmente acaba sendo preponderante. Consequentemente as mulheres que se casam na infância estão entre as que possuem os menores níveis de escolaridade. Segundo o 13UNICEF “No Malawi, quase dois terços das mulheres sem educação formal eram noivas infantis, em comparação com 5 por cento das mulheres que frequentavam a escola secundária ou níveis mais altos de educação.” 

É inegável que na maioria dos casos as crianças que são esposas ficam submetidas a um extremo grau de pobreza, além de estarem sujeitas à violência doméstica, estupro matrimonial, exploração em trabalho não remunerado, gravidez precoce e isolamento social. Nesse aspecto, a UNICEF relata que “as jovens adolescentes são mais propensas a morrerem devido a complicações na gravidez e no parto do que as mulheres aos 20 anos; seus bebês são mais propensos a nascerem mortos ou morreram no primeiro mês de vida”. 

Em alguns casos, o estresse de gestações em corpos fisicamente imaturos podem gerar fístulas obstétricas, lesões resultadas por um trabalho de parto complicado, demorado, e sem assistência médica adequada. A depender do tamanho e da localização da fístula, poderá haver secreção vaginal com mau cheiro ou fuga de fezes pela vagina, além disso, meninas que sofrem desta condição são muitas vezes condenadas ao 14ostracismo e abandonadas pelas famílias e comunidades.

Levando em consideração termos psicológicos, a privação da adolescência, as relações sexuais forçadas, gravidez prematura e o parto, e a negação de liberdade, ao ocorrem no período de desenvolvimento pessoal e cognitivos da criança fazem com que existam danos emocionais e psicológicos nestas. Estas acabam por sofrer os abusos sem qualquer tipo de acompanhamento ou apoio, estando condicionadas às comunidades que, por sua vez, não consideram o trauma como algo preocupante, mas sim como uma “parte inevitável da vida”. 

Em virtude dos vários problemas psicológicos que ocorrem muitas destas crianças acabam por cometer suicídio, derivado ao sofrimento diário a que são expostas e sem qualquer tipo de apoio familiar. Em caso de viuvez ou abandono por parte do esposo, a criança é discriminada, tornando-se impotente. Uma das grandes consequências do casamento infantil está na questão da saúde. 

Além das questões de poder sobre essas crianças, organizações como o Fundo das Nações Unidas para a Infância – (ONU NEWS, 2019), e a Organização da Sociedade Civil sem fins lucrativos (OSCIP), Childhood Brasil (2020), apontam mais consequências danosas do casamento precoce na vida de crianças e adolescentes, como: serviço doméstico excessivo; exercício de responsabilidades maritais e de cuidados familiares exercidos predominantemente pelas meninas; baixo ou nulo grau de profissionalização; exclusão do mercado de trabalho; atraso ou evasão escolar; restrição da mobilidade e liberdade; propensão a não quebra de ciclos de violências hereditárias.

O fato de as crianças serem obrigadas a ter relações sexuais e gravidez sem que o corpo esteja totalmente desenvolvido, leva ao surgimento de muitas patologias como consequência de tais atos, estando sujeitas a um maior risco de morte, e lesões durante o parto. Contudo, a falta de acompanhamento durante a gravidez e o fato do corpo da criança não estar fisicamente preparado para o parto, têm complicações tanto para a criança como para o feto. Muitas destas complicações ocorrem no decorrer do parto, como também ocorrem após este. 

A mortalidade infantil entre os fetos cujas mães ainda são crianças, é muito maior quando comparado com mãe com uma idade mais avançada. Tal fato está associado essencialmente a uma má nutrição materna, reforçando a constatação de que uma criança não está preparada para a gravidez e para o parto. Muitas das meninas acabam por desenvolver fístulas vesicovaginais, determinando a impossibilidade de uma futura gravidez o que, tendo em conta que são vistas com um papel reprodutivo, acaba por levar ao abandono por parte do marido e ao afastamento da comunidade. Existe também um maior risco na contração de doenças sexualmente transmissíveis, uma vez que os homens.

Salienta-se, ainda, que as crianças noivas estão mais vulneráveis a adquirirem doenças sexualmente transmissíveis e gravidez precoce, tendo em vista que normalmente são incapazes de negociarem sexo seguro com seus parceiros. “No Nepal, por exemplo, mais de um terço das mulheres de 20 a 24 anos que se casaram antes do 15º aniversário tiveram três ou mais filhos em comparação com 1% das mulheres que se casaram como adultas.”

2.3 OS AVANÇOS DA LEI 13.811/2019

No Brasil, a idade legalmente estabelecida para o casamento é a de 18 anos, contudo existem brechas no ordenamento civil a respeito da matéria que permite que tal prática ocorra como a permissão para que indivíduos entre 16 e 18 anos de idade se casem legalmente desde que com autorização dos pais tal autorização está disciplinada no art 1.517 Código civil.

Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.1-2 [Dispositivo correspondente no CC/1916: arts. 183-XII e 185.]

Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631. [Dispositivo correspondente no CC/1916: art. 186-caput.]

Anteriormente ao ano de 2019 existia um dispositivo ainda mais preocupante que permitia com que abusadores casassem com suas vítimas como forma de escapar de possíveis sanções criminais tal dispositivo foi revogado pela lei 13.811 publicada em 13 de março de 2019.

Art. 1º O art. 1.520 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) , passa a vigorar com a seguinte redação: “ Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código.” (NR)

Art. 2º  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A mudança só foi possível através do trabalho de ONGs, e ativista dos direitos humanos e significaram uma importante vitória sobre o tema, mas está longe de solucionar a questão já que a esmagadora maioria dos casos ocorre na informalidade, dificultando tanto uma estimativa de dados quanto o combate efetivo.

2.4 POSSÍVEIS CAMINHOS

A questão do casamento infantil no contexto do Brasil encontra um transtorno amplamente citado em estudos sobre o tema, que é o obstáculo da falta de informações e dado oficial, uma das medidas ser tomada é que haja conscientização acerca dos malefícios ocasionados por essa pratica e dos transtornos causados as meninas, suas famílias e ao pais em termos econômicos e de desenvolvimento. 

Tratar da questão do casamento na infância e adolescência demanda uma abordagem integrada em todos os níveis do governo – federal, estadual e municipal. No Brasil, é fundamental que esses esforços sejam coordenados para alavancar os avanços existentes referentes aos direitos das mulheres, crianças e adolescentes, bem como na educação, saúde e política social.

Uma das medidas apontadas pelo estudo “Ela vai no meu barco” apontam para a necessidade de remodelação da relação de meninas com suas sexualidades “Priorizar uma educação sexual abrangente em ambientes escolares e não-escolares, de uma forma significativa para a vida das menina

As políticas devem, antes de qualquer coisa, apoiar a continuidade da educação das meninas antes, durante e depois do casamento e/ou gravidez. Fatores estruturais que comprometem a importância da educação das meninas devem ser tratados, tais como as condições habitacionais, gravidez e a responsabilidade desproporcional e não remunerada dos cuidados com a prole.

Em suma existe a necessidade de remodelação das relações de homens e mulheres com o casamento e esse é o ponto chave da mudança de perspectiva, um importante exemplo de ações efetivas de líderes para a erradicação de casamentos infantis vem do Malawi, onde uma líder tribal vence não só as próprias expectativas, mas também leva consigo a vida de centenas de meninas sobre sua governança.  As que não estão grávidas ainda correm o risco de contrair DSTs, o que é especialmente alto no Malawi, onde 10% da população vivem com HIV.

15Theresa Kachindamoto, (exterminadora de casamentos) chefe sênior da aldeia de 16Baía do Macaco-malawi assumiu uma postura mais proativa no enfrentamento a questão, pois embora os casamentos sejam formalmente proibidos desde o ano de 2015 o Malawi possuía um índice alarmante de casamentos infanto juvenis. A comunidade possui profundas tradições violentadoras onde noivas-crianças são muitas vezes forçadas a passar por rituais de limpeza, onde são retiradas de suas casas e levadas para campos onde são ensinadas a seduzir e satisfazer seus futuros maridos. Em alguns casos, elas são forçadas a fazer “sexo” com professores. Em outros casos, as meninas voltavam para casa e eram estupradas por “hienas” – pessoas contratadas pelos pais ou futuros maridos para ensiná-las a fazer sexo. Muitas mulheres jovens enfrentam gravidezes perigosas porque são muito jovens para ter filhos. As que não estão grávidas ainda correm o risco de contrair DSTs, o que é especialmente alto no Malawi, onde 10% da população vivem com HIV.

A Constituição 148 do Malawi no capítulo IV, no artigo 22 está disposto que nenhuma pessoa com idade superior a dezoito anos deve ser impedida de contrair matrimônio. Depreende-se assim, que a idade legal para casar é de dezoito anos. Em fevereiro de 2017, o Parlamento alterou a constituição, passando a idade legal de casamento dos quinze anos, com consentimento parental, para os dezoito anos independentemente do género.149 Esta alteração acaba por tornar a Constituição coincidente com o Projeto de Casamento, Divórcio e Relações Familiares 150 aprovado em fevereiro de 2015, no qual a idade mínima para casar é fixada nos dezoito anos.

Theresa Kachindamoto recebeu o 17Prêmio Liderança na Vida Pública na 16ª Cerimônia Anual de Premiação da Parceria Global Vital Voices em Washington, DC, EUA. Inflexível ela é convicta que o sucesso só virá com a educação assim anulou mais de 1.500 casamentos envolvendo crianças e adolescentes e as devolveu à escola segundo dados da ONU Mulheres. seus esforços são fortes,  Kachindamoto envolveu todos os seus subchefes no objetivo precisando demitir 4 deles que se recusaram a implantar a medida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral deste trabalho foi elaborar um estudo abrangente sobre o casamento infantil no contexto brasileiro. Vale ressaltar, que quando se iniciou este trabalho de pesquisa foi possível constatar que na atualidade a grande parte dos casamentos precoces são irregulares e informais, decorrentes de lacunas existentes no ordenamento jurídico. Existe uma limitação e uma subestimação de dados acerca do assunto, já que os dados estabelecidos não levam em consideração a realidade do Brasil, o que corrobora para a constatação de que o Brasil possui números maiores de casamento infantil do que foi levantado.

O primeiro passo do trabalho foi identificar através de estudos e dados, quais as causas e as consequências que um casamento prematuro traz na vida de meninas por todo o Brasil. Buscar entender os fatores e as características que podem ser consideradas relevantes para o crescimento dos números de casamentos precoces. Além disso, é necessário entender e compreender o contexto de vulnerabilidade social em que essas adolescentes estão inseridas.

Em análise acerca da temática, é possível constatar que instrumentos formais não são suficientes para criar obstáculos para o problema, tendo em vista, que o número de casamentos informais só cresce. Desenvolver caminhos para o enfrentamento tanto judicial quanto político e sociais é um caminho, porém não atinge todas as milhares de garotas que vivem nesta situação.

Portanto, de maneira geral, a criação de um debate acerca do assunto é de suma importância para que se crie uma maior consciência coletiva, que traga também visibilidade maior para o assunto.

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5Até pouco tempo, era permitido, excepcionalmente, o casamento de quem ainda não tivesse alcançado a idade núbil, em caso de gravidez (art. 1.520, CC). No entanto, a Lei nº 13.811/2019 alterou a redação do art. 1.520 do CC, não permitindo, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil.

6 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 29ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p.10.

7 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p.12.

8Perspectiva Histórica Do Casamento No Brasil: Do Casamento Canônico Ao Casamento Civil Introduzido Pelo Decreto Nº 181 De 24 De Janeiro De 1890- Juliana Ribeiro Ugolini De Britto

9Araújo, Maria de Fátima Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. “ ao invés de estigmatizante.” indicando também algumas alternativas de abordagem tais como: (a) incentivar os pais a apoiar a gravidez das filhas bem como relações sexuais/namoro saudáveis, em vez de considerar o casamento como uma “solução”, (b) promover o diálogo sobre Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos (SDSR) e escolhas, e (c) envolver planejamento em conjunto com incentivos para a educação das meninas e empoderamento econômico e social. Transformações no contexto econômico familiar e individual permitindo que meninas continuem na escola e não precisem recorrer ao casamento como forma de sobrevivência.

10Alcançar a igualdade de gênero corresponde ao 5° dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) criados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

11Foi sancionada a Lei n° 13.811, que edita o art. 1.520 do Código Civil, com o objetivo de proibir o casamento antes da idade núbil, isto é, 16 anos.

12A IV Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim, em setembro de 1995. Constituem documentos com objetivos estratégicos em doze áreas prioritárias de preocupação relativas às mulheres.
https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/declaracao_beijing.pdf

13O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) foi criado pela ONU para promover os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo.

14Ostracismo significa isolamento ou exclusão. É um termo proveniente da Grécia antiga e era uma forma de punição aplicada aos cidadãos suspeitos de exercerem poder excessivo e restrição à liberdade pública.

15Theresa Kachindamoto é chefe sênior do distrito de Dedza, Malawi, e uma das 300 líderes tribais do país. A líder feminista trabalhou assiduamente para anular casamentos forçados.

16Baía dos Macacos está localizada no sul do Lago Malawi, no continente africano.

17Vital Voices Global Partnership é uma organização não governamental (ONG) que identifica, capacita e empodera as mulheres líderes e empreendedoras sociais.

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1, 2, 3Acadêmicas de Direito. Artigo apresentado à Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho, 2022

4Professora orientadora. Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Rondônia