VOOANDANÇAS EM DESLOCAMENTOS ERRANTES: CARTOGRAFIA DAS ARTES GUARANI MBYA EM DIFFÉRANCE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7226770


Autoria de:

Renata Rosa Weixter1


RESUMO

Este artigo escrito em vooandanças errantes traz conversas, vivências e deslocamentos compostos na criação e na produção das artes em différance dos indígenas Guarani Mbyá da Aldeia Nova Esperança, localizada no Município de Aracruz, Estado do Espírito Santo, com o objetivo de construir um plano de imanência para a criação  do conceito da constituição dessas artes como potência para a resistência e a reexistência indígena mediante realidade de supressão de direitos, vulnerabilidade socioeconômica e macropolíticas de aniquilamento. Destarte, a escrita da pesquisa foi constituída em/com/nas redes de conhecimento na aldeia não residindo somente na constatação da presença de produtos ou artefatos culturais oriundos de representações, modelos discursivos, critérios ou normas ancorados no arcabouço das identidades fixas, mas nos deslocamentos com a criação de táticas, inventividades, bricolagens e nas performatividades dessas práticas cujas tessituras burlam tais referenciais prescritos e preditos. O processo de investigação deu-se pelo Método Cartográfico na composição da geografia dos movimentos errantes e das hecceidades da multiplicidade das artes praticadas em différance por este povo, valorizando os seus conhecimentos tradicionais, a sua organização social, as suas formas de representação de mundo, traduzindo o meio contemporâneo, marcado por fronteiras, negociações e hibridismos. Como esperançar, verbo transitivo direto utilizado aqui de forma a reinventar e a burlar o preceito de resultado, a pesquisa conceitua que as narrativas menores expressas e materializadas nos saberes e fazeres artísticos em différance são potências na produção e na criação das realidades como máquinas de guerra nômade. São tradicionais e ancestrais, mas também contestam a narrativa maior, burlam as regras e os códigos oficiais, quebram protocolos, desvelam o que está encoberto, desnudam a mudez, habitam em linhas moleculares e também escapam por linhas de fuga emergindo pelas gretas e pelas fendas nos/dos/com cotidianos criando formas de reexistências que transmutam resistência.  

Palavras-chave: Artes Guarani Mbyá. Différance. Resistência. Reexistências.  

Desterritorializar, reterritorializar para desterritorializar  

Este artigo traz discussões, considerações e alguns caminhos iniciais ao campo do currículo e da educação sobre as artes da différance produzidas por indígenas Guarani Mbya como potência de reexistência desses povos reterritorializados no município de Aracruz, estado do Espírito Santo, oriundo da pesquisa de Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, cujo título é Vooandanças em deslocamentos errantes: Cartografia das artes Guarani Mbya em différance como potência de resistência e de reexistência indígena. 

A ênfase da pesquisa, não reside na constatação da presença de produtos ou artefatos culturais oriundos de representações, modelos discursivos, critérios ou normas forjados no arcabouço das identidades, dar-se no que compõe à diferença, ou seja, na tática, na invenção, na bricolagem e na performatividade das práticas e da arte de fazer cujas tessituras burlam tais referenciais prescritos e preditos, no entendimento de que o “[…] cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada” (CERTEAU, 1998, p.39). 

Em uma breve narrativa histórica e geográfica, os povos indígenas Guarani no Brasil pertencem ao tronco Tupi e a família linguística Tupi-Guarani e possuem diferenças marcantes que os subdividem em três grupos: os Mbya, Kaiowá e Nhandeva. Os Guarani possuem semelhanças em vários aspectos de sua cultura e organizações sociopolíticas, porém diferenciam-se na linguagem, na prática religiosa e nos modos de realização dos trabalhos nos aldeamentos. 

Atualmente as aldeias estão espalhadas em oitos estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso e recentemente no Pará. Esses aldeamentos ainda mantêm boa parte da língua materna e de seus costumes considerados tradicionais, apresentando, também, hibridismos. 

Existem duas etnias indígenas no Espírito Santo que são compostas pelos povos Tupinikim e Guarani Mbya. Ambos localizados em Aracruz, município localizado no litoral norte do estado com aproximadamente 83 quilômetros de distância da capital Vitória. Os Guarani Mbya saíram do estado do Rio Grande do Sul e chegaram ao município de Aracruz em meados de 1960 após um período de 20 anos de caminhada, chamada por eles de Guata Porã, liderados pela Xamã Tatãxi Ywa Reté. Essa desterritorialização foi forçada devido conflitos com fazendeiros que apropriaram-se das terras indígenas para o plantio de erva-mate no sul do país.  

A diáspora Guarani saindo do sul do Brasil até sua chegada ao Espírito Santo constituiu-se em uma longa desterritorialização em devir-pássaro. Sem roteiro específico ou uma estrada a seguir, a longa caminhada de 40 anos foi motivada pelo sonho de uma tekoha sem males onde o povo Guarani Mbyá foi criando os caminhos, reterritorializando em locais propícios com matas, frutas, águas e animais de forma a conseguirem chegar num pouso final que significaria novos começos, deslocamentos e desterritorializações outros.  

A caminhada Guarani assemelha-se ao conceito de Ritornelo criado por Deleuze e Guattari constituído por deslocamentos em territorialização, desterritorialização e reterritorialização, um agenciamento territorial e também o próprio movimento de passagem, de criação de linhas de fugas à estrada principal com a abertura de trilhas.  

O ritorneloguarani se põe em si mesmo como novo conceito traçado em plano de imanência do movimento infinito de ida e volta retornando para si como uma verdade do pensamento, um movimento que se faz duplo sendo uma dobra de um outro. Nesta pesquisa esse movimento de ida e volta foi em errância nas forças do caos, terrestres e cósmicas como ênfases do ritornelo em fusão à caminhada Guarani Mbyá (DELEUZE; GUATTARI, p. 53, 1992). 

Ora se vai do Caos a um limiar de agenciamento territorial: componentes dimensionais, infraagenciamento. Ora se organiza o agenciamento: componentes dimensionais, intraagenciamento. Ora se sai do agenciamento territorial, em direção a outros agenciamentos, ou ainda há outro lugar: interagenciamento, componente de passagem ou até de fuga. E os três juntos. Forças do caos, forças terrestres, forças cósmicas: tudo isso se afronta e concorre no ritornelo (DELEUZE; GUATTARI. 1997, p. 56). 

Deleuze e Guattari (1997), definem uma ideia de caos como um dos conceitos de ritornelo estético que atua na destruição e na criação ou inversamente. Os autores criam um plano de imanência de multiplicidade pura, que é estabelecida de forma violenta, acometendo uma desterritorialização absoluta. O Caos nesse conceito não significa desorganização, mas intensidades desmedidas em velocidades distintas. As forças do Caos criam ameaças e desafios ao estabelecido, desfalecem o que é consistente e ampliam a infinitude.  

O grande ritornelo de Deleuze e Guattari estabelece também um segundo movimento que é o território, a Terra, o Tekoha. Esse conceito de ritornelo estético está fundamentado no plano de imanência da Terra como uma multiplicidade agenciada pelo território, ou seja, uma desterritorialização relativa. Os territórios abrem-se e fecham-se em suas multiplicidades por meio de uma repetição variada, de uma flexibilidade de seus elementos em constantes reorganizações de seus limites territoriais (DELEUZE, GUATTARI, 1997). 

Os autores também criam um plano de imanência de um terceiro movimento do ritornelo estético: o Cosmos. Esse movimento é exterior e estabelecido na multiplicidade de fora. É o que inspira a criação e para isso nos transporta da segurança territorial para outro lugar ainda desconhecido. É o devir-sensível do artista que expressa o que é externo para além dos agenciamentos territoriais que significa em outros termos transformar as forças ameaçadoras do território em inspiração e entusiasmo. 

O devir-pássaro Guarani Mbyá seguindo as frutas que nascem aqui e acolá compõe uma perspectiva ética por meio da experimentação, uma ética nômade, do deslocamento, do movimento formando um geoética errante. Também vooanda pelos conceitos de ritornelo estético de Deleuze e Guattari (1997) que com o movimento do Caos impõe limites traçando territórios por meio da construção e destruição, com o movimento Terra delimita uma multiplicidade interior de vozes e seus deslocamentos e com o movimento Cosmos nos toma por uma espécie de encantamento em multiplicidade que vem de fora e que intenta expressar em intensidades variadas o não-visível, não-audível e não-pensável. 

A linha de fuga Guarani de um território é estabelecida por novas caminhadas e novos encontros com espaçostempos outros, desterritorializando corpos, sonhos e perspectivas que serão novamente reterritorializados, pois “[…] o grande ritornelo ergue-se à medida que nos afastamos de casa, mesmo que seja para ali voltar, uma vez que ninguém nos reconhecerá mais quando voltarmos” (DELEUZE, G. e GUATTARI, Félix, 1992) 

Durante a caminhada do sul ao sudeste brasileiro até chegarem ao Espírito Santo, os Guarani Mbya reterritorializaram-se em vários estados, desterritorializando sucessivas vezes por conta de maus tratos, preconceito da sociedade, tentativas de conversão religiosa e tentativas de forçálos ao trabalho análogo à escravidão nas fazendas.  

Em 1975, após 15 anos da chegada dos Guarani ao Espírito Santo, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) reconheceu oficialmente a presença de indígenas no estado. Reconhecendo as duas etnias: Guarani e Tupinikim. 

A partir da instalação da empresa Aracruz Celulose S/A, em 1967, iniciou-se uma forte luta dos povos indígenas Tupinikim e dos Guarani pela posse da terra. Houve ações violentas por parte de posseiros estimulados pelos donos da empresa que alegavam a forte aculturação dos indígenas presentes naquelas terras e, como base no argumento da ausência de identidade étnica, afirmavam que os indígenas não tinham o direito de posse sobre o território. Os conflitos fundiários com a empresa, hoje administrada pela Fibria Celulose, permaneceram por cerca de 40 anos. Conflitos de outras ordens e contornos persistem nos tempos atuais. 

Com a demarcação de 4.490 hectares, em 1983, os Guarani Mbya se estabeleceram ao sul do território indígena Tupinikim em Caieiras Velhas. Somente em 2007 houve a homologação de cerca de 11.000 hectares para os povos indígenas de Aracruz, porém o território requerido por esses povos é de aproximadamente 40.000 hectares. 

Os povos Guarani Mbya de Aracruz vivem em cinco aldeias, a citá-las: Tekoa Porã (Boa Esperança) que foi a primeira aldeia fundada pela líder espiritual Tatatxĩ Ywa Rete. A segunda aldeia a ser fundada foi MBoapy Pindo (Três Palmeiras). A terceira aldeia foi a Piraqueaçu e a quarta Olho D´agua. Recentemente, em 2016, foi fundada a quinta aldeia chamada Ka’agwy Porã (Mata Bonita ou Nova Esperança). O lócus principal da pesquisa foi a nova aldeia pela desterritorialização diaspórica (DELEUZE e GUATTARI, 1997) protagonizada por cerca de cinquenta famílias que afastaram-se das demais aldeias na afirmação dessa necessidade por conflitos culturais e também devido necessidade da recuperação ambiental do território anteriormente ocupado pela plantação de eucaliptos da empresa Aracruz Celulose. A população Guarani nas aldeias referidas está em torno de 550 indígenas. Com base no exposto, 

O território pode se desterritorializar, isto é, abrir-se, engajar-se em linhas de fuga e até sair do seu curso e se destruir. A espécie humana está mergulhada num imenso movimento de desterritorialização, no sentido de que seus territórios ‘originais’ se desfazem ininterruptamente com a divisão social do trabalho, com a ação dos deuses universais que ultrapassam os quadros da tribo e da etnia, com os sistemas maquínicos que a levam a atravessar cada vez mais rapidamente, as estratificações materiais e mentais (GUATTARI e ROLNIK, p. 323, 1996). 

O entrelugar ocupado pelas famílias formadoras da nova aldeia reterritorializada em outro espaçotempo destaca-se como o movimento de deslocamento e de reconfiguração das subjetividades no surgimento de novos signos, singulares ou coletivos, e de novas ideias sobre a sociedade. Mover-se em fronteiras, reconfigurando-as significa para Bhabha (1998) que 

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com ‘o novo’ que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retorna o passado como causa social ou precedente estético; ele renova o passado, refigurando-o como um ‘entre-lugar’ con- tingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O ‘passado-presente’ torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver (BHABHA, p. 27, 1998). 

Sobre este movimento de migração, Hall (2018) nos adverte de que devemos resistir à tentação de essencializar as comunidades étnicas, haja vista 

As marcas da diáspora, da ‘hibridização’ e da différance em sua própria constituição. Sua integração vertical e suas tradições de origem coexiste como vínculos laterais estabelecidos com outras ‘comunidades’ de interesse, de prática e aspiração, reais ou simbólicos. Os membros individuais, principalmente as gerações mais jovens, são atraídos por forças contraditórias. Muitos ‘estabelecem’ seus próprios acordos ou os negociam dentro e fora de suas comunidades (HALL, 2018, p. 92). 

Para Werá Djekupê, líder da aldeia Ka’agwy Porã (Nova Esperança), e presidente da Associação Indígena Guarani Boapy Pindó, a mudança, a reterritorialização e a adaptação aos novos tempos é necessária 

Devido condição precária dos recursos naturais, fomos obrigados a mudar drasticamente nossos costumes e modo de viver. Muitos de nós perderam suas crenças, contudo, tentamos adequar nossa cultura e nosso modo de viver nos tempos atuais para não deixar de existirmos, mas persistimos nas nossas crenças, artes, filosofias e ciências tradicionais de forma geral (conversação)2

Os Guarani Mbya lutam até hoje pela demarcação de terras e consideram o solo que pisam, um tekoha, o espaçotempo onde são o que são, onde se movem e onde existem, entretanto há a percepção que vivem em espaçostempos outros, sendo dessa forma impossível pensar a sua cultura em seus termos iniciais e originais na visão representativa oficial oriunda do processo de colonização, buscando formas de reexistência adaptando-se às novas tecnologias e aos novos saberes e fazeres artísticos e culturais que estabelecem uma composição entre a tradição, a inventividade e os hibridismos.  

Homi Bhabha (1998) explica que hibridismo “[…] não é simplesmente apropriação ou adaptação […]” (BHABHA, 1998, p. 14), mas uma revisão dos sistemas de referências da cultura de uma dada comunidade. Reafirmando o conceito como 

Um processo através do qual se demanda das culturas uma revisão de seus próprios sistemas de referência, normas e valores, pelo distanciamento de suas regras habituais ou ‘inerentes’ de transformação. Ambivalência e antagonismo acompanham cada ato de tradução cultural, pois o negociar com a ‘diferença do outro’ revela uma insuficiência radical de nossos próprios sistemas de significado e significação (BHABHA, 1998, p. 14 – 15). 

Bhabha (1998) considera hibridismo cultural como “[…] uma diferença ‘interior’, um sujeito que habita a borda de uma realidade intervalar […]” (BHABHA, 1998, p.35). Destarte, nessa concepção, o hibridismo cultural destaca os antagonismos e conflitos culturais entre colonizado e colonizador, formando um interstício, espaçotempo outro constituído de novas referências, significados e valores. No processo de hibridismo o caráter fronteiriço não é uma divisão, contudo é o espaço onde os antigos lados se encontram e se reinventam. 

O hibridismo cultural ao qual o Guarani Mbya é atravessado é marcado, não raras vezes, pelo silêncio das narrativas do seu cotidiano, na supremacia dos relatos de memórias fragmentadas do passado transmitidas pela tradição oral. Tal fato configura-se como uma tentativa de afirmação de uma identidade para si, haja vista, a condição de figura intervalar com vários mundos que o habita que causam certa estranheza e o sentimento de que não pertence a nenhum desses mundos provocando a necessidade de reafirmação de uma existência identitária por meio das histórias do passado.  

Das muitas grandes narrativas, a referente ao “descobrimento” do Brasil é amplamente reproduzida nas escolas brasileiras cujo ato heroico é comemorado com honrarias no dia 22 de abril. Tal alusão ao descobrimento se remetida à etimologia da palavra descobrir como ato de revelar algo até então desconhecido, desconsidera que nestes territórios viviam pessoas antes da chegada das embarcações portuguesas, pessoas exoticamente caracterizadas como indígenas, ou seja, nativos ou aborígenes. Para Homi Bhabha, “[…] as grandes narrativas conectivas… dirigem os mecanismos de reprodução social, mas não fornecem, em si próprios, uma estrutura fundamental para aqueles modos de identificação cultural […]” (BHABHA, 1998, p 25), ou seja, o reconhecimento que as grandes narrativas tradicionais outorga é uma forma parcial de identificação, pois “[…] ao reencenar o passado, este introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis na invenção da tradição […]” (BHABHA, 1998, p 21). 

3 

Eu estudei, hoje tenho meu diploma de professor, eu tirei carteira de trabalho, já trabalhei como motorista de ambulância, trabalhei contratado pela prefeitura com carteira assinada e hoje eu não aceito que alguém fale perto de mim que o índio é preguiçoso e vagabundo… tem que mudar alguma coisa na literatura, nos currículos das escolas… de que o Português que descobriu o Brasil… tem que falar a verdade para que o povo brasileiro pare de discriminar o índio, discriminar o negro… 

Esses são trechos de uma conversa com o Werá D’Jekupê constantes no vídeo narrativo acima. Várias questões são abordadas sobre as metanarrativas que esmagam micronarrativas e produzem efeitos nocivos ancorados em pré-conceitos pejorativos e na discriminação a essas vozes menores. A questão central nessa conversa é o preconceito arraigado de que o indígena é preguiçoso e por conta disso, há enorme dificuldade para o indígena conseguir uma colocação profissional no mercado de trabalho. 

Os indígenas brasileiros na condição de escravizados pelos portugueses, resistiram fortemente ao trabalho imposto, em sua maioria não aceitaram subjugar-se ao colonizador e, por esse motivo, foram considerados pelos seus algozes como insolentes e preguiçosos. Esses adjetivos pejorativos às populações indígenas foi parar nos anais da história e seu eco persiste até hoje na relação de toda sociedade com esses povos interferindo diretamente no reconhecimento dos seus processos identitários e na constituição de uma cidadania plena causando danos imensuráveis, dentre um deles a enorme dificuldade de conseguir um emprego no mercado formal de trabalho.  

Para o indígena Guarani e coordenador do Observatório dos Direitos Indígenas do CentroOeste, Wilson Matos da Silva, a origem do preconceito está ligada à história do Brasil e a uma política de extrema proteção ao indígena. 

Nas escolas, as crianças aprendem que o índio foi substituído pelo negro na escravidão porque ele era preguiçoso. Existe uma imagem central negativa, de acusação, sobre o indígena quando somos tratados como incapaz. Somos vistos como “bugres”, infiel e traiçoeiro, deficiente-incapaz, violento-desordeiro e preguiçoso-vagabundo. Continuamos vivendo marginalizados, excluídos e abandonados4.   

Conforme o Instituto Ethos5, as 500 maiores empresas para se trabalhar no Brasil, nos quadros de Conselho Administrativo e Executivo, não possuem nenhum representante da populações indígenas. Existe 0,1% de indígenas representados nos cargos de Gerência e Supervisão, entretanto o maior índice de inserção está na faixa de jovens aprendizes, com 0,4%. Em resumo, os indígenas representam 1% dos trabalhadores alocados nas maiores corporações do país.  

Comparando com os números de indígenas ingressantes nas universidades, houve grande crescimento em um aumento de 52,5% no ano de 2016, em comparação ao ano anterior, especialmente por conta das políticas públicas das cotas que tem vagas reservadas especificamente para os indígenas. Entretanto, mesmo com esse significativo aumento de indígenas nas Universidades, esse quadro é desproporcional quando comparado ao acesso ao mercado de trabalho, ou seja, acessar processos educativos formais superiores não tem significado o acesso aos melhores cargos. Não raras vezes, quando indígenas conseguem acessar o mercado de trabalho são para vagas de subempregos e com péssima remuneração.  

Conforme narra Wera D’jekupê, trabalhar de carteira assinada não significa apenas uma colocação no mercado de trabalho. Mesmo reconhecendo a importância disso, a questão vai além da obtenção de emprego e de direitos trabalhistas, significa romper o estigma social que paira sobre a população indígena, reelaborar esses preconceitos em conceitos condizentes com as diferenças que compõem os processos de subjetivação de cada população e das populações indígenas, especialmente.  

Mas a quem interessa outras e diferentes narrativas? Se o uso da linguagem amplifica a capacidade de colaboração, histórias determinam e influenciam o comportamento social. A habilidade narrativa determina quem tem voz e a tensão entre grupos em disputa pela narrativa é tão antiga quanto a própria linguagem. Identificar essas narrativas e a quem servem talvez seja um caminho para delimitar quem nos fala e inferir o que nos isola ou ajuda a colaborar. 

Como é possível perceber, não existe narrador isento. Por mais cuidadoso que seja, cada um carrega seu conjunto de valores e é perpassado pelos julgamentos e assunções que vêm com a cultura de sua comunidade. Mesmo que não tenha mensagem específica, o contador de histórias sempre parte uma visão de mundo que, em maior ou menor intensidade, sempre é atravessada por mundos outros. 

Sobre a educação indígena, a Constituição brasileira (1988), a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996), o Parecer 14 de 1999, a Resolução 03 do Conselho Nacional de Educação (1999) e o Plano Nacional de Educação (2001), são consonantes na abordagem de que os povos indígenas têm direito às escolas bilíngues, diferenciadas e interculturais. Essas escolas localizadas nos aldeamentos teriam seus currículos, metodologias e didáticas voltadas para o reconhecimento da multietnicidade, multiplicidade de saberes e fazeres desses povos. Essas, sem dúvida, foram grandes conquistas das populações indígenas que conseguiram romper, no que abarca a política pública, com o modelo de integração e homogeneização curricular/metodológica proveniente da macropolítica escolar colonialista que lhes era imposto desde a implantação das primeiras escolas jesuítas no Brasil que visavam a evangelização e também a subordinação dos indígenas ao trabalho nas vilas ou nas fazendas. 

Nascimento e Urquiza (2010), em suas pesquisas nos aldeamentos indígenas Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul caracterizam similaridade entre os currículos praticados nas escolas com o conceito de sistema aberto, cunhado por Deleuze e Guattari (2011), e afirmam que 

Não seria muito ousado dizer, a partir de nossas observações e acompanhamento de mais de duas décadas da educação indígena, que entre avanços e recuos, ambigüidades e ambivalências as escolas indígenas Guarani e Kaiowá parecem se aproximar do que Deleuze e Guattari chamam de ‘sistema aberto’: Sistema aberto é um conjunto de conceitos que se relacionam às circunstâncias e não às essências, não estão prontos, pois é preciso inventá-los criando novos conceitos e experimentando, a partir de uma necessidade. Não são generalidades, mas singularidades que reagem sobre os fluxos de pensamento (NASCIMENTO; URQUIZA, 2010, p. 128). 

A prática curricular observada nas escolas e nos espaçostempos outros constituídos em redes de conhecimento dos aldeamentos Guarani Mbya também aproximam-se de um sistema aberto evidenciando um contínuo jogo de forças, relações de conflitos entre tradução, ou seja, hibridismo e a tradição, desconstruindo subalternidades e ressignificando as vozes dos entrelugares crepusculares em uma autonomia epistêmica em constante negociação cultural entre o fortalecimento da identidade étnica e da différance híbrida. 

Com base no exposto até aqui, o campo problemático deste trabalho permeia múltiplas questões: Diante da impossibilidade de uma tipologia cultural original com a conotação essencialista da pureza inicial, quais inventividades e novas formas de existência indígena têm sido criadas para a caracterização desses povos como indígenas no sentido do direito à terra e de subsídios para permanência nela? Quais saberes e fazeres artísticos são realizados a partir das questões/especificidades apresentadas pela mística indígena? Que processos de dominação/subjetivação ainda são vivenciados pelos indígenas praticantes das aldeias diante de imposições de natureza cultural, religiosa, política, econômica e social? Quais invenções e criações artísticas compõem as redes curriculares das escolas das aldeias espaçostempos outros constituídos como redes de conhecimento? Quais adaptações têm sido realizadas para a garantia de reexistência de processos culturais da aldeia? Quais são as negociações, inventividades e os enfrentamentos, nas práticas cotidianas, para a criação e a expressão artística e cultural? 

Com indagações e incertezas, o entrelaço das próximas linhas será constituído pelo desejo e pelo objetivo de analisar a potência das práticas e das artes de fazer (CERTEAU, 1994) em uma epifania cotidiana na composição de currículos em redes de conhecimento nas tribos indígenas Guarani Mbya localizadas no município de Aracruz, estado do Espírito Santo, cuja différance cultural possa vir a compor como uma das principais práticas de reexistência desses povos. 

A mística Guarani Mbya 

No processo contínuo, imprevisível e inventivo de revisão de seu sistema referencial, os indígenas Guarani Mbya mais velhos relutam em deixar esmaecer a base ancestral da espiritualidade, considerando-a como a que carrega o sentido da manutenção da vida terrena orientada por Nhanderú e divindades da natureza. É possível antever, desta forma, que a relação e o conhecimento entre o humano, a divindade e a natureza são temas, convergentes e divergentes, geradores de conflitos e consensos, que marcam o cotidiano e as novas formas de existência desses povos por meio da arte. 

A pajelança Guarani Mbya considera os deuses como imanentes, são criadores e são a própria substância da criação, são a própria natureza. Essa concepção indígena sobre o divino como o natural muito assemelha-se com o conceito Espinosista sobre Deus. No livro Ética (2016), o filósofo holandês Benedictus Spinoza conceitua Deus como aquilo que existe por si só, e por mais nada é determinado a existir, e todo o mundo, ou tudo aquilo que existe, existe em Deus e é parte essencial de Deus, ou seja, Deus é tudo e tudo é Deus ao mesmo tempo. Destarte, temos à clássica afirmação de Espinosa do Deus Sive Natura7, que em outras palavras corresponde à ideia da totalidade de Deus como única substância existente. 

A mística Guarani Mbya tem centralidade na forma no relacionamento com a natureza, considerando-a divina não de forma transcendental, mas em imanência, não há uma disjunção entre o humano, os animais, as plantas e a natureza, esses formam um conjunto indissociável. 

Os Guarani Mbya ao caçarem, por exemplo, pedem licença aos donos da mata e agradecem ao animal abatido por fornecer sua carne como alimento. Entender a ética e a mística Guarani Mbya é fundamental para conhecer uma faceta cultural ancestral que está intimamente imbricada à criação artística desses povos e Espinosa (2016) contribui de forma significativa para esse entendimento com a conjunção Deus sive Natura sive Vita. 

Deleuze e Guattari (2011), tratam dessa conjunção e conexão ao falar de rizoma e utilizam como exemplificação as palavras de Carlos Castañeda, antropólogo que estudou o cacto Peiote e outras plantas psicoativas, chamadas de plantas de poder, utilizadas para a expansão da percepção habitual de xamãs e pajés no México e nos Estados Unidos: 

Primeiro, caminhe até a tua primeira planta e lá observe atentamente como escoa a água de torrente a partir deste ponto. A chuva deve ter transportado os grãos para longe. Siga as valas que água escavou, e assim conhecerá a direção do escoamento. Busque então a planta que, nesta direção, encontra-se o mais afastado da tua. Todas aquelas que crescem entre estas duas são para ti. Mais tarde, quando estas últimas derem por sua vez grãos, tu poderás, seguindo o curso das águas, a partir de cada uma destas plantas, aumentar teu território (CASTAÑEDA, 1972, p. 160). 

A espiritualidade, o panteísmo e a mística Guarani Mbyá como imanentes e suas implicações nas diversas formas artísticas de manifestação e expressão de suas culturas como princípios norteadores de suas práticas e modos de fazer, permanecer e reexistir constituem-se fios condutores deste trabalho.  

À guisa de exemplificação, os arcos produzidos pelos indígenas, mesmo que não sejam costumeiramente usados para a caça e sim para a comercialização como produto artístico, são, não raras vezes, pintados com grafismos similares ao de uma cobra como forma de respeitar o animal representado e de adquirir sua força e sua coragem durante a caça. Há a crença de que o animal potencializa a destreza, a rapidez e a cautela para o portador do arco. Os grafismos pintados nos rostos e corpos, nas casas e nos objetos artísticos tem significados diferentes marcados pela memória e pela mística, prevalecendo o gráfico “X” em uma ligação direta com o Cruzeiro do Sul, constelação utilizada como guia durante a migração e desterritorialização desses povos para uma terra sem males. Essa procura pela terra sem males persiste em um permanente estado de transição e desterritorialização. Os Guarani Mbya vivem em uma zona crepuscular entendido aqui como espaçotempo outro, de movimento. 

A palavra crepúsculo vem do latim crepusculum e faz referência a transição entre o dia para a noite, pôr-do-sol, e da noite para o dia, orto ou alvorecer. É o espaçotempo de interstício em que não é dia e também não é noite. Crepúsculo é fronteira marcada pelo movimento de transição, transformação e passagem. E os Guarani Mbyá desterritorializados e reterritorializados para desterritorializar novamente habitam o interstício, o entrelugar do crepúsculo, não habitam o dia e nem a noite, estão entre um e o outro em uma constante transição, um “[…] oeste rizomático, com seus índios sem ascendência, seu limite sempre fugidio, suas fronteiras movediças e deslocadas” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 40). 

Como é possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização não fossem relativos, não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros? A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se reterritorializa sobre esta imagem. A vespa se desterritorializa, no entanto, devindo ela mesma uma peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela reterritorializa a orquídea, transportando o pólem. A vespa e a orquídea fazem rizoma em sua heterogeneidade (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 26). 

Acervo da pesquisadora

Nas imagens é possível notar o grafismo “X” traçado por retas concorrentes seguidas por linhas paralelas. Também nota-se que as linhas paralelas formam o grafismo “<” no rosto de Werá Djekupe, líder da aldeia Guarani Mbya Nova Esperança, observando também que a junção pelos vértices dos ângulos fazem emergir novamente o grafismo “X”. Assim como os grafismos, as músicas, danças, comidas e produção artesanal de peças de barro, madeira e outros materiais possuem a mística imanente à natureza como princípio norteador. 

Différance artística como reexistência 

No crepúsculo Guarani, o sol parte e ficamos entretidos ao redor da fogueira na aldeia, passamos a uma dimensão em que é tênue a fronteira entre o real e o imaginário, o território dos mitos, dos cantos com flautas aos pios de pássaros. E, como é da natureza do que é fundamental, histórias são simples. Todas têm começo e meio, mas será que tem um fim? Ou são continuadas de outras formas e jeitos por outros narradores, personagens e protagonistas em espaçostempos outros

Narrativas em sua menoridade cujo Menor no sentido deleuze-guattariano constitui-se na prática discursiva que está à margem do rol ideológico e representativo da metanarrativa e da língua majoritariamente discursada. Narrativa menor que assume o papel de sua marginalidade residindo no interior do submundo das práticas discursivas hegemônicas. Que aventura-se como estrangeira em sua própria língua, deixando escapar sotaques, produzindo efeitos de estranhamentos, criando subversões da realidade, desterritorializando-se e encontrando “[…] seu próprio ponto de subdesenvolvimento, seu próprio patoá, seu próprio terceiro mundo, seu próprio deserto” (DELEUZE, GUATTARI, 2014, p. 39).  Deleuze e Guattari (2014) invertem o sentido do conceito menor em Kafka: por uma literatura menor, considerando a literatura menor como o discurso de uma minoria diante de um discurso maior, majoritário e hegemônico, ou seja, não diminui o seu valor discursivo, enaltece-o.  

As narrativas menores são potências na produção e na reinvenção das realidades. Contestam a narrativa maior, burlam as regras e os códigos oficiais, quebram protocolos, desvelam o que está encoberto, desnudam a mudez, escapam por linhas de fugas e emergem pelas gretas e pelas fendas nos/dos/com os cotidianos. 

Na caminhada com os Guarani Mbya é possível perceber que a arte é inventada como uma estratégia de disfarce que reside na aparência estética afim de apresentar a identidade indígena pré-concebida nas metanarrativas e reafirmá-la com o objetivo de comercializar os produtos culturais mantendo, dessa forma, a sobrevivência e a sustentabilidade financeira da aldeia e também com o objetivo de dar cumprimento às políticas de demarcação de terras forjadas no conceito de identidade.  

Entretanto as artes essencializadas e produzidas para os fins citados acima e apresentadas aos turistas, aos juruás, aos políticos não refletem às artes produzidas para o uso da própria comunidade indígena. A música tocada para o turista difere-se da entoada no seio da comunidade, assim como as peças artesanais, danças e os grafismos revelam-se distintos em sua estética, forma e conteúdo. Assim a arte popularizada pelos próprios indígenas age como disfarce com a reprodução de uma identidade forjada pela visão do colonizador sobre o colonizado.  

Há também grande contexto de criação de arte da différance com a forte presença da bricolagem e hibridismo artísticos especialmente evidenciada nos elementos da arte urbana do Hip Hop composta pelo grafitti, o MC, o DJ e o Break. O pentecostalismo também tem sido evidenciado por meio das artes Guarani Mbya, especialmente representado pela música Gospel. Para além dessas, a produção audiovisual também desponta no rol da diferência no campo da arte. 

As linhas de deslocamentos compostas na Différance fazem alusão ao conceito cunhado por Jacques Derrida que em La différance in Marges de la Philosophie (2003) apresenta a desconstrução da palavra Différance na seguinte polissemia: différer ou diferir para o não idêntico; diferencia ao planejar o erro gráfico de cunhar o conceito com a letra “a” no lugar da letra “e” sendo que essa diferencia só pode ser notada na escrita e não na pronúncia da palavra différance; différer no sentido de adiar; diferencia como deslocamento entre o significante e o significado em ressignificando os significados já estagnados. Sendo esse último conceito uma das apostas teórica, política, metodológica e estética desta pesquisa. 

Narrativas menores da différance, da não identidade fixa, não buscam unidades originárias ou puras, deslocam-se rompendo com os conceitos de significado e referencial, destarte compõemse em jogo das diferenças nos deslocamentos espaçotemporais em relação à alteridade. 

Entende-se aqui que tanto a reprodução quanto a criação da arte Guarani Mbya revelam-se como máquina de guerra nômade, conceito esse entendido no sentido deleuze-guattariano em que contrário aos liames da interioridade e da identidade estabelecidos pela máquina-Estado, a máquina de guerra nômade busca singularidades culturais em suas relações de exterioridade e não em propriedades intrínsecas, a exterioridade imanente da máquina de guerra constitui-se como a pura différance.  

As artes da différance constituem-se como forma de reexistência dos Guarani Mbya, ora pela tática da reprodução do disfarce ora pela criação gerada pelos atravessamentos e por agenciamentos que compõem o devir-indígena em processo de subjetivação. 

Os Guarani reexistem, por exemplo, quando deslocam o fazer e o tocar do pau de chuva em uma nova invenção que não apenas populariza os saberes tradicionais desse instrumento ritualístico, mas também o transporta para uma dimensão contemporânea como uma máquina de guerra nômade de se fazer presente em uma das principais galerias do Estado do Espírito Santo e com recursos de editais públicos do Governo do Estado. 

A Galeria Homero Massena, localizada no Centro de Vitória-ES, exibiu a instalação coletiva Tempo Chuva Porã, de Lucas Oggioni Cypriano e Marcelo Wera Djekupe, com Maynõ Cunha da Silva, Genilson Kwaray, Elione Rocha Costa, Rosimara Carvalho Marinho e Maycom Magnavita de Moraes. A exposição foi contemplada no edital de artes visuais da Secretaria de Estado da Cultura (SECULT – ES), com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (FUNCULTURA – ES).  

A instalação ao mesmo tempo experimental e sensorial aconteceu no bom encontro da arte eletrônica com as artes Guarani Mbyá da Aldeia Nova Esperança, Ka’agwy Porã, mesclando a música eletrônica e o som dos paus de chuvas, produzindo a différance em ambos por meio dos sons e ritmos resultantes das variadas combinações das rotações de cada instrumento potencializando a imersão do público visitante em diferentes sensações, sentimentos e emoções.  

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Ao visitar a exposição foi possível cartografar o movimento dos paus de chuva em multiplicidades de temporalidades e intensidades sendo impulsionados por dispositivos eletrônicos. Cada pau de chuva em sua singularidade de construção em material e tamanho em junção com os distintos movimentos de velocidade do dispositivo produziam diferentes sons em composição com a música eletrônica tocada no ambiente. 

Acervo da pesquisadora.

Tempo Chuva Porã é uma instalação experimental e sensorial que acontece no encontro da arte eletrônica com a arte e a cultura indígenas, provocando um deslocamento no visitante que é atravessado pelos sons da tradição e pelos sons da música eletrônica contemporânea. Ao caminhar pela Galeria Homero Massena, no Centro de Vitória, foi possível sentir as variadas combinações de sons das rotações de cada instrumento em uma imersão nos signos da arte.  

Essas artes a-significadas, ou seja, reinventadas e criadas a partir da tradição expressa na oralidade são praticadas utilizando de novos elementos constantes nas temporalidades outras ou nos diferentes processos identitários dos seus praticantes.   

A produção do pau de chuva, Ywyrá Piriri, conforme apresentado em um vídeo produzido pelo Coletivo Reikwaapa – Saberes Guarani para o Projeto Tempo Chuva Porã que também teve recursos captados por editais culturais da Secretaria de Estado da Cultura, é ensinada pelo Cacique Werá D’Jekupê que se utiliza de várias ferramentas que provocam um deslocamento dessa produção, reinventando-a.  

Então antigamente, pessoal, os parentes indígenas antes de ter o maquinário usavam a ponta da faquinha para fazer medições, eles marcavam o ponto onde eles iam furar. Então, depois eles apontavam o bambuzinho, né? A ponta do bambuzinho e depois aonde eles marcavam eles iam lá e batiam assim… um trabalho em tanto, mas a arte é assim.  

Werá D’Jekupê 

O vídeo mostra o processo de fabricação do Ywyrã Piriri com a utilização de serra e de lixadeira elétrica ao mesmo tempo que relata a forma como esse instrumento artístico era produzido antigamente. Mesmo mostrando a prática antiga de fabricação, a finalização do instrumento foi feita com maquinários e a perfuração do tronco do Embaúba, árvore com o tronco oco, foi feita com outra ferramenta perfurante de forma a tornar mais rápida e prática a construção do pau de chuva. O tradicional é sempre marcado por hibridismos e deslocamentos que o reinventam e o traduzem de novas formas. A produção de forma mais rápida, possibilitou a fabricação de um quantitativo maior desse instrumento que foi utilizado para compor a exposição Tempo Chuva Porã na Galeria de Arte Homero Massena, exposição anteriormente cartografada nessa pesquisa.  

O deslocamento dessas práticas em différance não expropria dessas tradições os seus valores culturais, o efeito é exatamente o contrário, esse deslocamento permite que essas artes alcancem maior visibilidade em espaçostempos outros para além das redes de conhecimento estabelecidas no interior da aldeia e com elas, os indígenas praticantes também alcançam maior visibilidade para seus modos de existência, suas lutas, seus direitos.  

Essas práticas artísticas mantém o elo com a mística, com o sagrado e o tradicional hibridizado, pois são a própria substância de tudo, são imanência, e também apresentam linhas de fuga, de subversão, de novas traduções, reinvenções e criações por meio dos fluxos e linhas que possibilitam o novo, apresentam o desejo como criação, pois sem desejo não há pensamento em singularidade. Essas singularidades expressas nas artes que burlam a visão de homogeneização identitária são o que compõem os elementos de resistência e de reexistências dos Guarani Mbya da Aldeia Nova Esperança. 

Para Foucault (2002), o poder e o controle não estão e nem são exercidos apenas nas organizações estatais ou em grandes corporações, ou seja, em macroestruturas, mas ele atua também na esfera micro. A microfísica é uma análise dessas relações de forças, onde a intervenção do poder se dá ao nível do corpo, dos afetos, da forma potente ou impotente que saímos de cada relação, ou seja, “[…] o poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares […]” (FOUCAUT, 2002, p. 103). Destarte, este trabalho sinaliza a potência do lugar de poder, da voz e das relações tecidas em redes das micropolíticas apresentadas por meio da arte praticada no saber-fazer com/nos cotidianos dos Guarani Mbya com ênfase na Différance como reexistência ao estado de coisas já anunciado e ao que ainda está por vir com a fragilização das políticas de demarcação de terras indígenas e a criminalização dos movimentos sociais étnicos. 

Reexistência que faz-se urgente perante um plano de um novo governo instituído pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, eleito para exercer o mandato no período de 2019 a 2022 cujo primeiro decreto foi o desmantelamento da FUNAI nos ministério da Agricultura com a ministra Tereza Cristina e no ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos com a ministra Damares Alves que determina claramente a integração dos indígenas brasileiros à sociedade, no sentido de que não precisam de demarcação de terras. Reexistência ao “Dia do Fogo” coloquialmente instituído na fala do Presidente da República que incitou fazendeiros e posseiros a atearem fogo na floresta amazônica e matas brasileiras localizadas em reservas indígenas, situação vivenciada também no Espírito Santo. Reexistência mediante o próprio terror e medo após o assassinato do cacique Emrya Wajãpi ocorrido no dia 23 de julho no Amapá. Reexistências…  

Michel de Certeau (1998), nos inspira a pensar o saber-fazer como um saber que é produzido sem ser sabido, ou seja, os produtores da arte do saber, os artistas praticantes, não tem consciência do que aquilo que produzem representa epistemologicamente. Certeau supõe que 

À maneira dos povos indígenas, os usuários ‘façam uma bricolagem’ com e na economia cultural dominante, usando inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas próprias regras. Desta atividade de formigas é mister descobrir os procedimentos, as bases, os efeitos, as possibilidades (CERTEAU, 1998, p. 40). 

No intermezzo, no meio, não há um fim 

As culturas indígenas estão estreitamente imbricadas às políticas de demarcação e posse de terras que são, não raras vezes, forjadas nos conceitos de tradição, identidade fixas e pertencimento, não abrindo espaço para a diferença e a multiplicidade étnica e cultural. Entretanto a arte tem se apresentado como linha de fuga e como burla ao sistema imposto, reinventando-se como reexistência dos povos Guarani Mbyá.  

A reexistência que dar-se, especialmente, nas práticas da arte da diferência. Dar-se por meio dos saberes, modos, fazeres artísticos, fazendo ecoar na taba os sons, cores, gestos, movimentos e sabores sensório-motores e óticos-sonoros, como uma das formas de garantia de que a busca pela compreensão dos Guarani Mbya, seus interstícios, hibridismos, diferenças e novos rumos não fique reduzida aos interesses do mercado, alheios aos valores humanos mais caros como a fraternidade, a equidade de direitos e a justiça social. Nesse processo, as temáticas da arte e da cultura transformam-se nos fios coloridos cuja tessitura realizada ao sabor e ao fluxo cotidiano proporcionam uma trama muito bonita e alegre adornada de pensamento, ação, resistência e criação.  

Para Deleuze e Guattari (1992) a arte é resistência, pois só “[…] a arte resiste à morte, à servidão, à infâmia, à vergonha […]” (DELEUZE, GUATTARI, 1992), mas essa oposição não é termo a termo, não se dá no mesmo plano, não quer instaurar um novo estado, é máquina de guerra nômade; ela desvia e inventa novas formas; a arte “[…] luta com o caos, mas para torná-lo sensível” (DELEUZE, 1992). Resistência da arte é criação, é o movimento insistente de reexistir. Reexistência é acreditar no mundo, é criar mundos. É o devir-sensível na criação, reinvenção e ressignificação do mundo.  

Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaçostempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos […]. É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle (DELEUZE, p. 218, 1992). 

A resistência é potência da criação artística, não há imitação, não há critérios pré-estabelecidos, regras e modelos padronizados, a resistência como potência da arte não é arborescente, não tem raiz, é rizoma cujas linhas se cruzam em agenciamentos infinitos e múltiplos. Parafraseando Nietzsche, na criação artística há o desejo de potência (DELEUZE, PARNET, 1998) 

Totalmente diferentes são as funções criadoras, usos não conformes do tipo rizoma e não mais árvore, que procedem por interseções, cruzamentos de linhas, pontos de encontro no meio: não há sujeito, mas agenciamentos coletivos de enunciação; não há especificidades, mas populações, música-escritura-ciências-audiovisual, com suas substituições, seus ecos, suas interferências de trabalho. O que um músico faz em um lugar servirá para um escritor em outra parte, um erudito faz domínios bem diferentes se moverem, um pintor tem sobressaltos com uma percussão: não são encontros entre domínios, pois cada domínio já é feito, em si mesmo, de tais encontros. Só há intermezzo, intermezzi, como focos de criação (DELEUZE, PARNET, 1998, p. 23). 

A pesquisa cartografou narrativas menores Guarani Mbya como potências na produção e na reinvenção de suas realidades de forma a também contestarem a narrativa maior na quebra de protocolos, na burla de algumas regras e alguns códigos oficiais, no descortinamento de conceitos e no desnudamento da mudez a escaparem por linhas de fugas e emergirem pelas gretas e pelas fendas nos/dos/com cotidianos.  

Em minha vivência-corpo em devir-pássaro como passarinho em escuta e com os sentidos aguçados às experiências dos voos e das frutas, cartografei nessa pesquisa alguns modos, saberes e fazeres artísticos nos cotidianos da Aldeia Guarani Nova Esperança, não focando nos conceitos das unidades originárias ou puras, mas deslocando e rompendo com os conceitos de significado e referencial, visando o que compõem a différance em relação à alteridade.  

A pesquisa enfatizou sua atuação, portanto, nos acontecimentos em sua potência de diferença, na tática, na invenção, na bricolagem e na performatividade das práticas e da arte de fazer cujas tessituras burlam referenciais prescritos e preditos que reforçam as representações e os modelos ancorados no arcabouço da fixidez das identidades. 

A produção de processos de identificação com différance artística Guarani Mbyá compõe-se como máquina de guerra nômade em que contrário aos liames da interioridade e da identidade estabelecidos pela máquina-Estado, busca singularidades unívocas em suas relações de exterioridade e não em propriedades intrínsecas. Uma máquina de guerra nômade que produz resistência à macropolítica do esmagamento das singularidades, enquanto luta e reexiste por uma mudança de concepção pautada na diferença dos corpos indígenas, seus jeitos, modos, saberes e fazeres que culminam em identidades híbridas, que se deslocam na différance.  

Não há ponto final ou conclusivo em um rizoma, somente linhas. “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo (DELEUZE, 2011, p. 48). Nas linhas que suscitam a possibilidade de resistência e de reexistência ao projeto de poder que visa o total esmagamento das microfísicas e das micropolíticas, especialmente, as tecidas nas aldeias indígenas.  

Mais que a equidade de direitos, o indígenas da Aldeia Guarani Mbyá Nova Esperança buscam o direito à diferença e à multiplicidade que compõem as suas subjetividades e singularidades sempre em constante transformação que encontra nas práticas cotidianas um terreno fértil para o cultivo/cultura das relações tecidas em redes, cujos tentáculos inventam e reinventam os currículos que se deslocam em errância, ou seja, escapam às celas das identidades culturais préestabelecidas e fixas, aventuram-se às descobertas, às experimentações, aos acontecimentos em devir. Carlos Eduardo Ferraço reitera que “[…] as redes tecidas e compartilhadas pelos sujeitos no cotidiano… apontam para ações coletivas que são realizadas com o fim de se buscar saídas para os problemas enfrentados. Não há imobilismo. Há resistência” (FERRAÇO, 2007). 

Esta pesquisa também se constitui como um rio que corre entre as rochas, seu curso muda, transborda para outros campos em linhas rizomáticas, desterritorializa e reterritorializa, é política, é estética é reexistência… 

Reexistência perante um plano de governo instituído para cometer atrocidades, cujo primeiro decreto foi o desmantelamento da Funai nos ministérios da Agricultura com a ministra Tereza Cristina e no Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos com a ministra Damares Alves que determina claramente a integração dos indígenas brasileiros à sociedade, no sentido de que não precisam de demarcação de terras. 

Reexistência ao “Dia do Fogo” coloquialmente instituído na fala do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro que incitou fazendeiros e posseiros a atearem fogo na floresta amazônica e matas brasileiras localizadas em reservas indígenas, situação vivenciada também no Espírito Santo.  

Reexistência mediante o próprio terror e medo após o aumento significativo de indígenas assassinados em todo o Brasil.  

Reexistências aos efeitos da pandemia, que além das mortes, provocaram também devastadoras dificuldades socioeconômicas.   

Reexistências ao preconceito por ser indígena e ao preconceito por ser indígena sem as características étnicas/estéticas consideradas originárias dos indígenas.  

Reexistências…  

Reexistência que acontece, especialmente, nas práticas da diferença. Acontece por meio dos saberes, modos, fazeres artísticos, fazendo ecoar na taba os sons, cores, gestos, movimentos e sabores, como uma das formas de garantir que a busca pelo mapeamento do crepúsculo Guarani, seus interstícios, hibridismos, diferenças e novos rumos não fique reduzida aos interesses do mercado, alheios aos valores humanos mais caros como a fraternidade, a equidade de direitos e a justiça social.  

Nesse processo, as temáticas da arte e da cultura transformam-se nos fios coloridos cuja tessitura realizada ao sabor e ao fluxo cotidiano, pode vir a proporcionar uma trama muito bonita e alegre adornada de pensamento, ação, resistência e criação. Ao chegarmos nessas linhas derradeiras do “por enquanto” já em voandanças outras, ávidas pelas próximas linhas que poderão vir a serem escritas após a defesa desta tese, a incerteza de sua prontidão sempre volta a assombrar. E isso é ótimo! Sinal de que estou, estamos, no caminho crepuscular… errante. 

REFERÊNCIAS 

BHABHA, H. K. O local da cultura. [Tradução de Myriam Ávila, Eliane Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves] 4ª reimpressão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. 

CASTAÑEDA, Carlos. L’Herb du diable et la apetite fumée. [Tradução francesa de Marc Kahn]. Paris: Soleil Noir, 1972. 

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. [Tradução de Ephraim Ferreira Alves] 3ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. 

DELEUZE, G.  Lógica do Sentido. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1998.  

DELEUZE, Gilles. Conversações. [Tradução Peter Pál Pelbart]. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. 

____________. Cinema: A Imagem-movimento. [Tradução de Stella Senra]. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983. 

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? [Tradução de Bento Prado Jr. E Alberto Alonso Muñoz]. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. 

_____________. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 5. [Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa]. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.  

____________. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Vol. 1. [Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa] São Paulo: Editora 34, 2011. 

____________.  Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia – volume 04. São Paulo: Ed. 34, 1997. 

____________. O que é um dispositivo? Acesso em 08 de fevereiro de 2018 em http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/art14.pdf  

____________. Kafka: Por uma literatura menor. 1ª Edição. [Tradução: Cíntia Vieira da Silva]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. 

DERRIDA, J. La différance in Marges de la Philosophie. Paris: Les Editions de Minuit; Collection «Critique», 2003. 

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Pesquisa com o cotidiano. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 28, nº 98, p. 73 -95, jan/abril 2007. Acesso em 23 de abril de 2018 em https://www.cedes.unicamp.br/ 

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. [Organização e Tradução de Roberto Machado]. Rio de Janeiro: Editora Graal, 2002. 

GUATTARI, E; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996. 

HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. [Tradução de Adelaide La Guardia Rezende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Álvares, Francisco Rüdiger, Sayonara Amaral] 2ª edição, 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. 

SPINOZA, B.  1.632 – 1.677. Ética. [Tradução e notas de Thomaz Tadeu]. 3ª edição (Bilíngue: latim/português); 2ª Reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. 


Conversação com o líder da Aldeia Guarani Nova Esperança, Wera Djekupê [julho de 2018]

3 Para visualizar o vídeo pelo Código QR basta instalar o Aplicativo leitor de QR Code no play Store do celular.

4https://www.campograndenews.com.br/cidades/preconceito-ainda-condena-indios-ao-limbo-domercado-de-trabalho

5https://www.ethos.org.br/

6 Para visualizar o vídeo pelo Código QR basta instalar o Aplicativo leitor de QR Code no play Store do celular.

7 Deus ou natureza.

9Vídeo narrativo da Exposição Tempo Chuva Porã


1Doutoranda em Educação PPGE/CE/UFES; Linha de Pesquisa: Docência, Currículo e Processos Culturais; Núcleo de Pesquisa e Extensão em Currículo, Cultura e Cotidiano