REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7195891
Autoras:
Julia Cursino de Oliveira Baranov1
Marina Pandolphi Brolio2
RESUMO
Os ácaros Demodex cati, Demodex gatoi causam a demodicose felina; considerada uma doença dermatológica rara. O Demodex cati causa lesões alopécicas não pruriginosas, eventualmente generalizadas, e pode estar associado a doenças imunodepressoras como a FIV e FeLV. Os gatos infectados pelo Demodex gatoi apresentam lesões pruriginosas semelhantes a dermatopatias alérgicas ou psicogênicas. O presente trabalho apresenta uma revisão bibliográfica sobre demodicose felina e apresenta um relato de caso embasado com os principais aspectos epidemiológicos da doença. O paciente era felino SRD, fêmea de aproximadamente um ano de idade e peso 2,1kg, com histórico de resgate proveniente de uma colônia de gatos em Manaus/AM. Apresentava mucosas normocoradas, normotérmico e escore corporal magro. Além disso, durante o exame físico foram observados prurido e alopecia nas regiões de pescoço, cabeça e flancos, com lesões que possuíam crostas eritematosas. O hemograma indicou eosinofilia, sugerindo presença de parasitas e/ou alérgenos, e os testes rápidos para FIV e FELV foram negativos. O raspado de pele indicou a presença do ácaro Demodex cati e bactérias do tipo cocos. Foi realizado tratamento dermatológico a base de clorexidina (0,5%) e cetoconazol (2%) durante 4 semanas e um acaricida de ação sistêmica a base de fluralaner e moxidectina de 112,5 mg (Bravecto Plus®), em apresentação de pipeta para aplicação tópica (transdérmico), no dorso do animal, com ação por 12 semanas. Após 20 dias da aplicação do acaricida de uso tópico a paciente foi reavaliada; constatou-se significativa melhora nos sinais de prurido e diminuição da área de alopecia, apresentando resultado terapêutico satisfatório.
Palavras-chave: Demodicose felina. Demodex cati. Sarna. Fluralaner. Moxidectina.
ABSTRACT
Demodex cati, Demodex gatoi mites cause a feline demodicosis; considered a rare dermatological disease. Demodex cati causes non-pruritic, eventually generalized, alopecic deficiencies and may be associated with immunosuppressive diseases such as FIV and FeLV. Cats infected with Demodex gatoi have pruritic lesions similar to allergic or psychogenic skin diseases. The present work presents a literature review on feline demodicosis and a case report based on the main epidemiological aspects of the disease. The patient was a feline SRD, female approximately one year old and weighing 2.1kg, with a history of rescue from a cat colony in Manaus/AM. She had normocolored mucous membranes, normothermic and lean body score. In addition, during the physical examination, pruritus and alopecia were observed in the regions of the neck, head and flanks, with needs that had erythematous crusts. The hemogram indicated eosinophilia, suggesting the presence of parasites and/or allergens, and the rapid tests for FIV and FELV were negative. The skin scraping indicated the presence of the Demodex cati mite and cocci-like bacteria. Dermatological treatment based on chlorhexidine (0.5%) and ketoconazole (2%) was performed for 4 weeks and a systemic action acaricide based on fluralaner and moxidectin of 112.5 mg (Bravecto Plus®), in a pipette presentation for topical application (transdermal), on the animal’s back, with action for 12 weeks. After 20 days of application of the topical acaricide, the patient was reassessed; a significant improvement in the symptoms of pruritus and an increase in the area of alopecia.
Keywords: Feline demodicosis. Demodex cati. Scabies. Fluralaner. Moxidectin.
1. INTRODUÇÃO
A demodicose é uma importante doença parasitária da pele que afeta uma variedade de mamíferos. Nos gatos, apresenta prevalência aproximada de quatro casos a cada 10.000 animais, e é considerada rara (BIZIKOVA, 2014).
A pele é um órgão com muitas funções. Sua importância no corpo é evidenciada pelo fato de ser um dos órgãos mais significativos. Sua função principal é atuar como uma barreira contra influências externas. Isso ajuda a evitar perda de eletrólitos, água e macromoléculas; age como proteção mecânica contra danos químicos, físicos e microbiológicos, entre outras (MILLER et al., 2013).
Cães e gatos costumam contrair doenças de pele de ectoparasitas; como as acaríases, observadas com frequência em animais de estimação (HNILICA; MEDLEAU, 2012; MILLER et al., 2013).
O termo demodicose refere-se a uma doença inflamatória parasitária da pele em cães e gatos causada pela proliferação anormal de ácaros Demodex, que são considerados parte da fauna de pele saudável; e é uma doença clínica mais facilmente identificada em cães do que em gatos (BIRCHARD; SHERDING, 1998).
Existem algumas espécies de ácaros que podem causar demodicose felina. Embora seja incomum, a demodicose felina é significativa porque pode indicar uma condição médica interna grave; quando causada por Demodex cati geralmente indica alguma condição de natureza imunossupressora (MUELLER et al., 2020).
Este artigo apresenta uma abordagem clínica, diagnóstica, terapêutica e epidemiológica da demodicose felina; através do relato de um caso clínico de paciente com resultado de raspado cutâneo de pele positivo para Demodex cati.
2. DEMODICOSE FELINA
Atualmente, são relatadas na literatura duas espécies de ácaros causadores da demodicose felina: Demodex cati (D. cati), Demodex gatoi (D. gatoi). Há ainda, uma terceira espécie nomeada extraoficialmente como Demodex felis (SASTRE et al., 2016; OLIVEIRA; PEREIRA; TAVELA, 2020). Acredita-se que os ácaros D. cati sejam simbiontes da pele felina e habitam os folículos pilosos (Figura 1) (MUELLER et al., 2020).
Figura 1. Imagem microscópica do Demodex cati
Supõe-se que a transmissão fisiológica dos ácaros ocorra durante a amamentação da mãe para o filhote, semelhante ao que ocorre com o Demodex canis. A proliferação de ácaros na unidade pilossebácea leva ao desenvolvimento de sintomas clínicos, embora a patogênese da demodicose em D. cati não seja clara, pode estar relacionada a doença sistêmica primária, imunossupressão ou imunossupressão medicamentosa (HORNE, 2020).
As doenças de base que podem levar à demodicose secundária são diabetes mellitus, leucemia, imunodeficiência viral felina e infecção por Mycoplasma haemofelis, hiperadrenocorticismo, lúpus sistêmicos, infecção crônica do trato respiratório superior, carcinoma espinocelular in situ e toxoplasmose (MUELLER et al., 2020).
Morfologicamente, D. cati é semelhante a D. canis, porém mais fino e mais comprido. Os ácaros machos têm 181,7µm de comprimento, com variação de 17,9µm, enquanto as fêmeas possuem 219µm com um alcance de 27,4µm (MUELLER et al., 2020).
O D. gatoi está relacionado ao desenvolvimento de dermatites pruriginosas originadas no estrato córneo que causam sintomas semelhantes a uma reação alérgica, diferente do D. cati que é um ácaro comensal da pele. Muitos desses animais infectados, possuem poucos ácaros, sem sintomas perceptíveis. Consequentemente, acredita-se que animais de estimação sintomáticos tenham uma reação de hipersensibilidade aos antígenos do ácaro, e não por causa da carga parasitária real (SAARI et al., 2009).
Os sintomas clínicos da demodicose felina dependem do ácaro envolvido. O D. cati causa sintomas semelhantes ao D. canis, incluindo alopecia, descamação, pápulas, comedões espontâneos e crostas, eritema, hiperpigmentação e liquenificação. A morfologia das lesões pode ser focal, com lesões localizadas principalmente na cabeça, orelhas, pálpebras e pescoço (MUELLER et al., 2020).
Diferente do D. cati, a infecção por D. gatoi geralmente não está associada a uma doença sistêmica ou à imunodepressão, acometendo também animais saudáveis (BEALE, 2012). Embora a demodicose felina não afete especificamente uma certa idade ou sexo, os gatos siameses e birmaneses normalmente tem maior predisposição a desenvolver a doença provocada pelo D. cati (BEALE, 2012a; MUELLER et al., 2020).
D. gatoi é comumente encontrado no sul dos EUA e na Europa. Os ácaros podem se espalhar facilmente entre animais infectados e não infectados. Isso ocorre porque tanto os felinos portadores sintomáticos quanto os assintomáticos podem transmitir a doença. Além disso, os animais que frequentemente vagueiam ao ar livre também podem ser mais suscetíveis à doença (SAARI et al., 2009).
3. RELATO DE CASO
No presente relato de caso foi atendido um paciente felino SRD, fêmea de aproximadamente um ano de idade e peso 2,1kg. Animal com histórico de resgate a cerca de um mês da data da consulta médica inicial, proveniente de uma colônia de gatos em um bairro periférico da cidade de Manaus, Amazonas; no ato da primeira avaliação a queixa principal era prurido e queda acentuada de pelos, desde o dia do resgate.
A anamnese foi baseada apenas nos últimos 30 dias e no exame clínico que foi realizado no consultório. A paciente apresentou mucosas normocoradas, temperatura corpórea 38,4ºC e escore corporal magro. Responsável relatou fezes pastosas e presença de gases. Além disso, durante o exame físico foram observados prurido e alopecia nas regiões de pescoço, cabeça e flancos. As lesões possuíam crostas eritematosas (Figura 2 A e B).
Figura 2: A: Observa-se Alopécia com crostas eritematosas e Figura B: Observa-se região de pescoço com alopecia.
Durante a primeira consulta do animal foi realizado um hemograma que indicou eosinofilia, sugerindo presença de parasitas e/ou alérgenos. Foram também realizados testes rápidos para FIV e FELV, com resultado negativo para ambas as doenças. Assim, em função do histórico do paciente, foi prescrito um protocolo de vermifugação com composto vermicida a base de fembendazol (200mg), praziquantel (50 mg) e pirantel (144 mg) durante 3 dias seguidos e após 15 dias foi administrada uma dose de reforço. Além disso foi utilizado o probiótico para cães e gatos do laboratório Vetnil® durante 14 dias consecutivos, com a finalidade de recompor a microbiota intestinal devido ao histórico de fezes pastosas.
Foi feito o raspado cutâneo profundo para confirmar a suspeita de agentes infecciosos na pele. Após 48 horas da realização do exame o resultado indicou a presença do ácaro Demodex cati e bactérias do tipo cocos. A partir do resultado obtido foi prescrito tratamento dermatológico com banhos terapêuticos semanais, xampu veterinário a base de clorexidina (0,5%) e cetoconazol (2%), durante 4 semanas.
Para o controle da demodicose foi prescrito um acaricida de ação sistêmica a base de fluralaner e moxidectina de 112,5 mg (Bravecto Plus®), em apresentação de pipeta para aplicação tópica – transdérmica, no dorso do animal, com ação por 12 semanas.
A partir do vigésimo dia da aplicação foi possível observar melhora do quadro geral do paciente, com remissão do prurido. Após os 3 meses iniciais de tratamento o protocolo terapêutico foi alterado; desta forma o paciente passou a ser tratado com outro produto acaricida também de ação sistema e aplicação tópica, cuja fórmula era composta por imidacloprida e moxidectina (Advocate Gatos®); a cada 30 dias; durante três meses consecutivos. A mudança no protocolo ocorreu por solicitação da tutora, em função do valor dos produtos, onde a mesma considerou a relação de custo/benefício para o tratamento longo prazo do paciente. Mesmo com a troca de produtos o princípio ativo moxidectina foi mantido, visto que é o principal acaricida para controle do D. Cati.
Seis meses após a primeira consulta o paciente foi reavaliado, sem nenhuma manifestação clínica de dermatopatia; confirmando a eficácia do protocolo terapêutico instituído para tratamento e controle da demodicose felina.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A demodicose felina apesar de ser considerada uma dermatopatia parasitária rara, deve sempre ser considerada como diagnóstico diferencial em gatos com histórico de alopecia espontânea e suspeita de imunossupressão.
O ácaro D. cati é considerado um residente normal da pele felina, e a patogênese da demodicose é desconhecida. É comum que o aumento da reprodução de ácaros possa acompanhar danos na pele e está frequentemente associado a um estado imunossupressor.
Geralmente, os felinos são animais mais refratários a medicações de uso oral, e muitos tratamentos podem ser prejudicados pela dificuldade dos tutores em medicar corretamente seus gatos; desta forma, as apresentações de uso tópico, com aplicação e absorção do medicamento por via transdérmica têm sido cada vez mais empregadas para tratar estes animais.
Por fim, conforme esperado, a moxidectina demonstrou-se altamente eficaz no tratamento da demodicose felina do paciente retratado no presente trabalho.
REFERÊNCIAS
BEALE, K. Feline Demodicosis – a consideration in the itchy or overgrooming cat. Journal of Feline Medicine and Surgery, v. 14, n. 3, p. 219-213, 2012b. Demodex cati. Disponível em: https://www.vetlexicon.com/treat/felis/bug/demodex-cati.
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GONDIM, A. L. C. L. Demodicose felina: Revisão. PubVet, v.13, n.9, a416, p.1-8, 2019.
HORNE, K. Demodicose Felina. In: HORNE, K. Dermatologia de pequenos animais para técnicos e enfermeiros: John Wiley & Sons, Inc., p. 159-164. 2020.
MUELLER, R. S. Treatment protocols for demodicosis: an evidence-based review. Veterinary Dermatology. v.15, n.2, p.75-89, 2004.
MUELLER, R. S.; ROSENKRANTZ, W.; BENSIGNOR, E.; KARAS-TECZA, J.; PATERSON, T.; SIHPSTONE, M.A. Diagnosis and treatment of demodicosis in dogs and cats. Veterinary Dermatology, v. 31, n. 1, p. 4-29, 2020.
OLIVEIRA, M. A.; PEREIRA, M. L.; TAVELA, A. O. Demodicose felina em Santa Catarina, Brasil. Rev. bras. ciênc. Vet. v.27, n.3, p. 120-123, 2020.
SAARI, A.S.; JUUTI, K.H.; PALOJARVI, J.H.; VÄISÄNEN, K. M.; RAJANIEMI, R. L.; SAIJONMAA-KOULUMIES, L. E. Demodex gatoi-associated contagious pruritic dermatosis in cats–a report from six households in Finland. Acta Vet Scandinavia, v. 51, n.1, p. 1-8, 2009.
SASTRE, N.; FRANCINO, O.; CURTI, J. N.; ARMENTA, T. C.; FRASER, D. L.; KELLY, R. M.; HUNT, E.; SILBERMAYR, K.; ZEWE, C.; SÁNCHEZ, A.; FERRER, L. Detection, Prevalence and Phylogenetic Relationships of Demodex spp and further Skin Prostigmata Mites (Acari, Arachnida) in Wild and Domestic Mammals. PLoS One, v.11, n.11, e0165765, 2016.
1Aluna de graduação no Centro Universitário Fametro
2Docente no Centro Universitário Fametro