EVOLUÇÃO DA CRIMINOLOGIA: PREVENÇÃO PRIMÁRIA COMO ARMA NO COMBATE AO CRIME

EVOLUTION OF CRIMINOLOGY: PRIMARY PREVENTION AS A WEAPON IN FIGHTING CRIME

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7190500


Autoria de:

Johnnys da Silva e Silva1
Emanoel Lourenço do Nascimento2


RESUMO 

O artigo trata da evolução da criminologia enquanto ciência, desde a fase antropológica, com os estudos de Cesare Lombroso, onde se atribuía aspectos biológicos como causa principal da criminalidade. Posteriormente é registrado a fase sociológica, na qual se fez a observação das sociedades como um todo de maneira direta. A metodologia utilizada foi através da pesquisa bibliográfica por meio de análise doutrinária e jurisprudencial. Ressalta-se que os estudiosos descobriram através de pesquisas e passaram a apontar as causas diversas da genética que são relacionadas como responsáveis pelo chamado fenômeno criminal. O grande empecilho é o préjulgamento e discriminação das pessoas que tem menos acesso à educação. Por fim, faz-se no presente artigo uma grande reflexão a respeito da importância da educação sendo de forma primária e mais assertiva no combate ao crime contra a sociedade brasileira. 

Palavras-chave: Prevenção. Criminologia. Educação. 

ABSTRACT 

The article deals with the evolution of criminology as a science, since the anthropological phase, with the studies of Cesare Lombroso, where biological aspects were attributed as the main cause of crime. Subsequently, the sociological phase is recorded, in which societies as a whole were directly observed. The methodology used was through bibliographic research through doctrinal and jurisprudential analysis. It is noteworthy that scholars discovered through research and began to point out the different causes of genetics that are related as responsible for the socalled criminal phenomenon. The big obstacle is the pre-judgment and discrimination of people who have less access to education. Finally, in this article, a great reflection is made about the importance of education being primarily and more assertive in the fight against crime against Brazilian society. 

Keywords: Prevention. Criminology. Education.

1. INTRODUÇÃO 

Instaurada a criminologia enquanto ciência, vários estudiosos passaram a se debruçar sobre as causas da criminalidade. Seria oriunda da genética? Seria o crime formado pelo meio social? Seria o crime ocasionado por doenças mentais? Por demônios? Por uma escolha com uso do livre arbítrio? 

Todos esses questionamentos foram catalogados, por diversos pensadores que buscaram compreender o fenômeno do crime, da mente do criminoso e seu modus operandi

Com o avançar dos estudos, sobretudo no campo da sociologia, uma classificação quanto a prevenção do crime surgiu. Primeiro temos a prevenção primária, que consiste em atividades estatais que buscam proporcionar o seu povo, acesso à educação, saúde, emprego, como modo de assegurar uma sociedade mais pacífica.  

A prevenção secundária é descrita na doutrina como atuação do Estado em localidades com alta taxa de criminalidade, os chamados “hot spots”, pontos em que a atuação policial se dá de forma rigorosa. Já a prevenção terciária, é aquela na qual o Estado busca reintegrar o criminoso em sociedade, proporcionando ao preso estudo, palestras, e atividades que alimentem uma mente voltada para uma profissão que não seja o crime. 

Aqui reside o seguinte problema: até que ponto o Estado brasileiro se atenta para a prevenção primária? Seria esta menosprezada? O Estado proporciona boas escolas, com condições adequadas de estudo? 

Ao longo do artigo, está descrito a história e evolução da criminologia enquanto ciência, e importantes lições trazidas registradas para auxiliar governos no combate ao crime, sobretudo no campo da prevenção primária. 

O objetivo é proporcionar uma visão do combate ao crime na origem, com uma atuação estatal sem a necessidade de guardas fortemente armados, algemas, grades, muralhas com cerca elétrica, cães farejadores, etc.  

Trata-se de pesquisa qualitativa baseada em revisão bibliográfica de doutrinas jurídicas, de pesquisa quantitativa, e decisões judiciais. O estudo é embasado em obras clássicas do período iluminista, que descreviam e combatiam os horrores das prisões medievais. 

O estudo traz a visão da criminologia científica, desde Cesare Lombroso, com a obra “o homem delinquente”, passando pela análise da escola positiva até a criminologia moderna, capitaneada pelas teorias do consenso e do conflito. 

Posteriormente, há uma rápida conceituação das três principais formas de prevenção ao crime conceituadas pela doutrina, das quais se dá ênfase neste trabalho, a prevenção primária como arma de combate a criminalidade, e se ressalta a importância de se garantir o direito fundamental à educação.  

1. ONDE NASCE O CRIME? 

Notável o esforço do médico italiano Cesare Lombroso ao buscar a origem do crime. Considerado como um dos fundadores da criminologia científica, Lombroso viajou por todo continente europeu, coletando dados, realizando uma verdadeira pesquisa de campo. Seus estudos consistiam em medir estatura dos criminosos, largura dos crânios e demais características físicas.  

Daí surgiu a ideia de que o crime é um fenômeno que surge de fatores biológicos, pois o criminoso nasce programado geneticamente para praticar crimes. Existe a argumentação de que há um determinismo biológico.  

Lombroso falou sobre a fisionomia, cabelos, íris, estrabismo, orelha, nariz, dentes, partes genitais, anomalias físicas, infantilidade. Para exemplificar, vejamos um trecho da obra traduzida em português por Maristela Tomasini e Oscar Antônio Garcia (2001). 

Os homicidas habituais têm o olhar vidrado, frio, imóvel, algumas vezes sanguíneo e injetado o nariz, frequentemente aquilino ou adunco como o das aves de rapina, sempre volumoso; os maxilares são robustos; as orelhas, longas os zigomas largos; os cabelos crespos são abundantes e escuros. Com frequência, a barba é escassa, os dentes caninos muito desenvolvidos os lábios, finos; Muitas vezes há nistagmo e contrações de um lado do rosto que mostram saliência dos dentes caninos com um sinal de ameaça. 

 Percebe-se que o foco é na fisionomia dos criminosos observados, não há aprofundamento a respeito da história de cada pessoa, das condições sociais, da criação em família, etc. O estudo se restringia ao crime que haviam praticado e suas respectivas características físicas.  

A doutrina registra, que Lombroso classificou os criminosos da seguinte forma: a) Criminoso nato; b) Louco; c) de ocasião; d) por paixão. 

1.1. ESCOLAS SOCIOLÓGICAS 

Já no século XX, surgem diversas teorias para explicar a origem do crime. Destaca-se as escolas de Chicago, com viés sociológico. São soluções sugeridas pela Escola de Chicago para prevenir a criminalidade: Projetos ecológicos, melhorias no aspecto visual das cidades, criação de programas comunitários, mudanças efetivas nas condições econômicas e sociais das crianças, reconstrução da “solidariedade social” por meio do fortalecimento das forças construtivas da solidariedade (igrejas, escolas, associações de bairros), apoio estatal para redução e diminuição da pobreza e desemprego. 

1.1.1. Teoria ecológica 

Estudo da ecologia humana, é a relação do ser humano com o meio em que ele vive. Tem como expoentes Park e Burgess quem em 1925 publicaram a obra a cidade, onde demonstram o estudo da organização das cidades, na qual a cidade está organizada em bairros e distritos, zonas de maneira formal. Além da organização formal, existe a organização social, que independe da formal. 

A cidade, do ponto de vista deste artigo, é algo mais do que uma aglomeração de homens individuais e de conveniências sociais, árvores, edifícios, luzes elétricas, bondes e telefones, etc .; algo mais, também, do que uma mera constelação de instituições e dispositivos administrativos – tribunais, hospitais, escolas, polícia e civis funcionários de vários tipos. A cidade é, sim, um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições, e das atitudes organizadas e sentimentos que são inerentes a esses costumes e são transmitidos com esta tradição. A cidade não é, em outras palavras, apenas um físico mecanismo e uma construção artificial. Está envolvido na vital processos das pessoas que o compõem; é um produto da natureza, e particularmente da natureza humana. (PARK, 1925, p. 1, tradução nossa). 

Burgess formulou a teoria dos círculos concêntricos. Nas zonas de transição do centro para a periferia existe maior criminalidade. A escola de Chicago tem como objeto central a análise das cidades e a sua contribuição para o fenômeno da criminalidade. Foi criada a partir do século XX por membros da Universidade de Chicago, tendo como precursor Robert Park. O contexto social era de grande desenvolvimento econômico e industrial nos Estados Unidos. Milhares de migrantes e imigrantes habitavam as periferias em condições precárias de estrutura (como falta de higiene, segurança e iluminação pública). 

A fim de atender e lidar com os problemas que têm sido criado pelas rápidas mudanças da vida moderna, novas organizações e agências surgiram. As agências sociais mais antigas, o igreja, escola e tribunais, nem sempre foram capazes de enfrentar os problemas que as novas condições de vida criaram. O escola a igreja, e os tribunais desceram até nós com seus objetivos: nd métodos definidos sob a influência de uma tradição mais antiga. Novas agências foram necessárias para atender às novas condições. Entre essas novas agências estão os tribunais juvenis, associações de proteção juvenil, associações de pais e professores, escoteiros, jovens,. Assentamentos de associações cristãs masculinas, clubes de meninos de vanous tipos, e eu presumo, playgrounds e associações de playground. Essas agências assumiram, em certa medida, o trabalho que nem a casa, o bairro, nem a outra comunidade mais antiga instituições puderam atuar de forma adequada. (PARK, 1925, p. 109, tradução nossa). 

Na mesma toada das escolas sociológicas, a teoria ecológica trouxe uma visão importante a respeito do que hoje é chamado de controle informal e sua importância no combate a criminalidade. Controle informal é aquele exercido pela comunidade, pela vizinhança, igrejas, família, escolas, professores, diferente do controle formal exercido pela Polícia, estado acusação e estado-juiz. 

1.1.2. Teoria da associação diferencial  

Traz a ideia de que o meio faz o criminoso. Por exemplo, um político honesto que começa a trabalhar com corruptos ou ainda, o exemplo do menor que faz amizade com traficantes. A tendência é de que o meio na qual o indivíduo se insere o contamina. 

Baseada no pensamento de Edwin Sutherland (1883-1950), trabalha o pensamento segundo o qual o crime não consiste apenas em uma inadaptação de pessoas pertencentes as classes menos favorecidas. Defende que comportamento humano tem origem social, e o homem, ao aprender a conduta desviada, associa-se com referência nela. Aprende a criminalidade desde os meios e métodos até os respectivos resultados e vantagens. 

Sobre o assunto, Ana Luiza Ferro (2008). 

Sutherland constrói sua teoria com alicerce em alguns pilares, princípios que dizem respeito ao processo pelo qual uma determinada pessoa mergulha no comportamento criminoso: a) o comportamento criminoso é aprendido, o que implica a dedução de que este não é herdado e de que a pessoa não treinada no crime não inventa tal comportamento, da mesma maneira que o indivíduo sem treinamento em Mecânica não cria invenções mecânicas; b) o comportamento em questão é aprendido em interação com outras pessoas, em um processo de comunicação, que é, em muitos aspectos, verbal, o que não exclui a gestual; c) a principal parte da aprendizagem do comportamento criminoso se verifica no interior de grupos pessoais privados, significando, em termos negativos, o papel relativamente desimportante desempenhado pelas agências impessoais de comunicação, do tipo dos filmes e jornais, na gênese do comportamento criminoso […] g) as associações diferenciais podem variar em frequência, duração, prioridade e intensidade, o que quer dizer que as associações com o comportamento criminoso e igualmente aquelas com o comportamento anticriminoso sofrem variações nesses aspectos. 

O crime aprendido mediante a comunicação com outras pessoas. Importante lembrar, que E. Sutherland, no final da década de 30, cunhou a expressão white-collor crime. A teoria também explica a ideia dos crimes de colarinho branco. 

1.1.3. Teoria da anomia  

A teoria tem como expoentes Émile Durkeim e Robert King Merton. Para o primeiro, a anomia é a ausência de normas sociais de referência, o que acarreta fragilidade social (baixa coesão social). O crime, para Durkheim, é um fenômeno natural e normal de toda estrutura social.  

Só é considerado preocupante quando ultrapassar certos níveis. Segundo o autor, o delito fere a consciência coletiva. A pena, neste sentido, não é utilizada para punir, e sim para recuperar a consciência coletiva ferida (a pena tem efeito nas pessoas honestas, não criminosas). O aumento da criminalidade está relacionado ao descrédito social para com as leis. Para a Teoria da Anomia, o crime é definido como um fenômeno normal e previsível na sociedade. Durkheim aduzia que a ausência de crime significa uma sociedade subdesenvolvida. 

Para Merton, a anomia é proveniente do descompasso entre metas e objetivos culturais (metas de uma sociedade como um todo, como sucesso pessoal, profissional, patrimônio, etc). E os meios disponíveis (desemprego, baixo salário e condições pessoais dos cidadãos). Assim, se o indivíduo não atinge “o sonho do sucesso” (metas culturais) com os meios disponíveis, ocorre a anomia. Segundo a doutrina, este desajuste propicia o surgimento de condutas que vão desde a indiferença perante as metas culturais até a tentativa de chegar às metas mediante meios diversos daqueles socialmente prescritos. 

A teoria remete a ideia de que uma sociedade sem leis, ou em uma sociedade que ignora as leis, existe uma anomia. Robert King Merton, inspirado em Emile Durkhein (obra Suicídio, frança), formulou a estrutura da teoria da anomia. 

Merton […] entendia que na sociedade existem valores dominantes. Existe metas culturais e meios institucionalizados. Metas culturais se traduzem em obtenção de patrimônio como casa, carros, lazer, riqueza e os meios institucionalizados são instrumentos legais para alcançar as metas culturais. Meios institucionalizados são o trabalho, o estudo, investimento dentre outros. Para Merton, determinado comportamento pode ser considerado criminoso por violar o consciente coletivo (valores da sociedade). 

Desse modo, tende à anomia o modelo de sociedade em que se dá uma importância excepcionalmente grande a objetivos específicos sem a devida importância proporcional dos procedimentos institucionais. Conforme Merton (2002, p. 212-213), o vício decorreria das pressões sobre os fins, em que as condutas de muitos indivíduos seriam limitadas só por considerações de natureza técnica. Nessa situação, a única pergunta importante seria a seguinte: “qual o procedimento disponível mais eficaz para atingir o valor culturalmente aprovado?”. Uma eficácia, enfatize-se, de ordem técnica, e não ética. (REGO, 2019 p. 212). 

O crime é qualquer comportamento capaz de violar o consciente coletivo; e a pena passa a ser instrumento de defesa do consciente coletivo e preservação da sociedade. Consciente coletivo é a estrutura social responsável por definir os fins e metas culturais dominantes, bem como quais os meios institucionalizados considerados legítimos. 

1.1.4. Labelling approach 

Surgiu na década de 60 nos EUA. Tem como expoentes Howard Becker (outsiders), Erving Goffman e Edwin Lemert. Tenta apontar que o sistema penal estigmatiza e rotula o criminoso. Afirmam que o sistema criminal, trabalha com preconceitos em determinadas camadas da sociedade. A teoria se difundiu em movimentos estudantis, políticos, raciais e feministas. 

O grau em que um ato será tratado como desviante depende também de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele. Regras tendem a ser aplicadas mais a algumas pessoas que a outras. Estudos da delinquência juvenil deixam isso muito claro. Meninos de áreas de classe média, quando detidos, não chegam tão longe no processo legal como os meninos de bairros miseráveis. O menino de classe média tem menos probabilidade, quando apanhado pela polícia, de ser levada à delegacia, de ser autuado; e é extremamente improvável que seja condenado e sentenciado (BECKER, 1960).  

A teoria do labelling approach contempla o crime como mero subproduto do controle social. A prisão e o contato com os outros presos constituem condição favorável para a criação de mais criminosos. Ou seja, a criminalidade é incentivada pelo próprio controle formal. Uma vez considerado criminoso, o indivíduo recebe do Estado e da sociedade um rótulo, uma etiqueta e para sempre será considerado infrator. A reação social dada à desviação primária (primeiro crime cometido) é fundamental para que ocorra a desviação secundária (reincidência). 

Se tomarmos como objeto de nossa atenção o comportamento que vem a ser rotulado de desviante, devemos reconhecer que não podemos saber se um dado ato será categorizado como desviante até que a reação dos outros tenha ocorrido. Desvio não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele. (BECKER, 1960). 

Como visto, o fenômeno crime é muito complexo, abrangendo o grau de repúdio social, e a forma como se dá o rótulo do desvio praticado. Fica expresso que na sociedade, se faz um juízo de valor a respeito de quem é autor, qual o fato desviante, sendo que socialmente, crimes cometidos por ricos, geralmente passam despercebidos. Continua sendo um desafio a punição dos chamados crimes de colarinho branco, sobre o assunto interessante citar o voto do Ministro 

Luiz Fux, na ação penal 470, conhecida no Brasil como mensalão: 

O desafio na seara dos crimes do colarinho branco é alcançar a plena efetividade da tutela penal dos bens jurídicos não individuais. Tendo em conta que se trata de delitos cometidos sem violência, incruentos, não atraem para si a mesma repulsa social dos crimes do colarinho azul. 

Na mesma linha de E. Sutherland, o Ministro mostra a dificuldade de buscar a punição para os crimes praticados por detentores do poder político e econômico, considerando que seus crimes não são alvos da mesma repulsa social, clamor e indignação, dos denominados crimes violentos (homicídio, latrocínio, sequestro e outros) que acabam chocando a sociedade. Registre-se que crimes de colarinho azul, são aqueles crimes cometidos por operários pobres, que no tempo da revolução industrial usavam o típico traje do colarinho azul. 

2. PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA 

Entende-se por prevenção delitiva o conjunto de ações que visam evitar a ocorrência do delito (Nestor Sampaio Penteado Filho, p. 137, 2012). Trata-se na verdade de um pacto constitucional, conforme caput do artigo 5º da Constituição Federal, é assegurada a todos os brasileiros do direito à segurança. 

No Estado Democrático de Direito em que vivemos, a prevenção criminal é integrante da “agenda federativa”, passando por todos os setores do Poder Público, e não apenas pela Segurança Pública e pelo Judiciário. Ademais, no modelo federativo brasileiro a União, os Estados, o Distrito Federal e sobretudo os Municípios devem agir conjuntamente, visando a redução criminal (art. 144, caput, da Constituição Federal). (SAMPAIO, 2012 p. 53). 

A ideia de prevenção transcende o ideal de reduzir o número de crimes, trata-se na verdade de uma cláusula do que alguns pensadores denominaram contrato social ou pacto social, na qual o indivíduo entrega parcela de sua liberdade em prol de algo mais valioso, que é a sua própria segurança. 

A noção de prevenção delitiva não é algo novo, suportando inúmeras transformações com o passar dos tempos em função da influência recebida de várias correntes do pensamento jusfilosófico. Para que possa alcançar esse verdadeiro objetivo do Estado de Direito, que é a prevenção de atos nocivos e consequentemente a manutenção da paz e harmonia sociais, mostra-se irrefutável a necessidade de dois tipos de medidas: a primeira delas atingindo indiretamente o delito e a segunda, diretamente. Em regra, as medidas indiretas visam as causas do crime, sem atingi-lo de imediato. O crime só seria alcançado porque, cessada a causa, cessam os efeitos (sublata causa tolitur efectus). Trata-se de excelente ação profilática, que demanda um campo de atuação intenso e extenso, buscando todas as causas possíveis da criminalidade, próximas ou remotas, genéricas ou específicas. (SAMPAIO, 2012 p. 53). 

Prevenção primária é a prevenção genuína, voltada para toda a população (geral). É a mais eficiente. É demorada, com altos custos. Os programas de prevenção primária se orientam para as causas (raízes) do conflito criminal, para neutralizar este antes que o problema se manifeste. 

Existe um permanente conflito entre as medidas de prevenção primária e a cúpula das administrações públicas, que exigem resultados rápidos de controle da criminalidade. A prevenção primária ataca a raiz do conflito (educação, emprego, moradia, segurança etc.); aqui desponta a inelutável necessidade de se implementar de forma célere, os direitos sociais progressiva e universalmente. A prevenção primária liga-se à garantia de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo. 

Ataca a raiz do conflito (educação, emprego, moradia, segurança etc.); aqui desponta a inelutável necessidade de o Estado, de forma célere, implantar os direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo a fatores exógenos a etiologia delitiva; a prevenção primária liga-se à garantia de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo. (SAMPAIO, 2012 p. 52). 

A prevenção secundária atua nos locais onde os índices de criminalidade são mais avançados. Aqui a ação é mais concentrada, com foco em áreas de maior violência (em especial comunidades carentes dominadas pelo tráfico). Orienta-se de forma seletiva a concretos e particulares setores da sociedade: grupos e subgrupos que exibam maior risco de padecer ou protagonizar o problema criminal.  

Opera a curto e médio prazo. É caracterizada por uma ação policial fortemente polarizada pelos interesses de uma prevenção geral. São exemplos de prevenção secundária: programas de prevenção policial, controle dos meios de comunicação, ordenação urbana e utilização do desenho arquitetônico como instrumento de autoproteção (bairros localizados em terrenos mais baixos).  

Destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de maneira seletiva, ligando-se à ação policial, programas de apoio, controle das comunicações, etc.  

Destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de maneira seletiva, ligandose à ação policial, programas de apoio, controle das comunicações etc. (SAMPAIO, 2012 p. 53). 

Prevenção terciária são programas que possuem apenas um destinatário: população carcerária. Aqui o objetivo é evitar a reincidência. Atuam muito tardiamente no problema criminal e possuem, salvo raras exceções, elevados níveis de ineficácia. Possuem um grande inimigo que é o conjunto informal de regras existentes no universo prisional, tanto por parte da população carcerária, quanto da Administração Penitenciária – regras não escritas, orais, altamente punitivas, desproporcionais e injustas, que buscam criar no detento um estado permanente de angústia e sofrimento.  

A prevenção é totalmente voltada ao preso, visando a sua recuperação e prevenção da reincidência. A prevenção terciária é apontada como prova do fracasso do Estado na prevenção primária e secundária. 

3. PREVENÇÃO PRIMÁRIA COMO ARMA NO COMBATE AO CRIME 

Como se vê, das pesquisas e estudos na história da criminologia, o crime tem como origem a ausência do Estado quando deixa de proporcionar a prevenção primária. Há vozes, que expressam o desconhecimento e desvalorização da criminologia, dando mais importância para outras ciências. Nesse sentido Henrique Hoffman e Eduardo Fontes (2018). 

A criminologia não parece, à primeira vista, tão relevante quanto o estudo do Direito Penal ou do Direito Processual Penal, ou mesmo da política criminal. Às vezes, tem-se a impressão de que, dentro das denominadas ciências criminais, a criminologia foi deixada de lado, enquanto se deu muita importância às outras ciências, que se desenvolveram e ganharam mais status na comunidade jurídica. 

O autor, afirma que é muito comum na sociedade, discussões sobre a criminalidade, desprovidas de qualquer leitura prévia a respeito da criminologia. Atualmente, todos comentam sobre futebol e violência, existindo milhares de técnicos desse esporte, e, na mesma proporção, criminólogos (ZAFFARONI, 2013).  

Isso é muito ruim, pois premissas equivocadas acabam surgindo, como por exemplo, o conhecido direito penal simbólico, que são medidas adotadas pelo Estado para acalmar os ânimos da sociedade, ou pelo menos, trazer uma falsa sensação de que algo está sendo feito no combate ao crime.  

Como exemplo, temos a lei de crimes hediondos, citada por doutrinadores como a lei penal mais simbólica existente no ordenamento jurídico. Um exemplo concreto, foi a inserção do tipo penal de posse ou porte ilegal de armas de fogo de uso proibido previsto no art. 16, da Lei 10.826 de 2003 (Estatuto do Desarmamento). É de conhecimento de todos a existência de estados paralelos que atuam por meio de organizações criminosas, sobretudo com a finalidade de praticar condutas tipificadas na lei de drogas. 

Também é de conhecimento geral, constantes trocas de tiros entre criminosos de facções rivais ou entre forças policiais e traficantes. O legislador, atento ao crescente número de mortos por bala perdida e a preocupação da sociedade com a ausência de pacificação social tão desejada, inseriu o referido na lei de crimes hediondos. 

Ora, um criminoso armado com uma arma de fogo de uso proibido, pouco se importa se na letra da lei a sua conduta é hedionda ou não, na verdade, a lei é simbólica, pois não tem o condão de inibir o criminoso a usar armas de uso permitido, reduzindo o seu poder bélico. Logo, tais medidas legislativas não produzem uma eficácia concreta no combate à criminalidade. 

[…] política criminal não significa criar novas leis e novos crimes com novas penas, não são planos de ação como exército nas ruas, intervenção da polícia federal, plantão da polícia no morro, mas sim medidas eficazes de combate ao crime, a partir de programas de ação nas ruas e de intervenção nos órgãos da justiça criminal que não estejam funcionando adequadamente. Mais uma vez, esquecendo a obviedade da falta de interesse dos nossos políticos e administradores públicos em prevenir ou combater a criminalidade, sugerimos a seguir mudanças necessárias. Legislação penal não deveria ser criada a partir da comoção social. O caminho correto seria primeiro, buscar critérios científicos para a produção legislativa, segundo, observar sua provável eficácia social a partir de testes com grupos de controle, terceiro, disseminar seu conteúdo e ao mesmo tempo lobby para sua aprovação, e por último, publicação e entrada em vigor. Leis penais são escritas e aprovadas pelos nossos parlamentares de um dia para o outro como se fossem fazer milagres, sem se ter o mínimo conhecimento sobre sua aplicação prática. (BIRGOL, 2007). 

O importante na verdade, é a promoção de políticas públicas que levem educação, esporte, e lazer para as localidades mais carentes, isso é uma arma poderosa no combate ao crime. Utilizar a prevenção primária, fornecendo uma à base intelectual às crianças, adolescentes e jovens, e a melhor forma de prevenção da criminalidade violenta. Sobre o assunto: 

Dentre os fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, encontramos expresso no art. 1°, inciso III da Constituição Federal a dignidade da pessoa humana. O não exercício da Democracia, a desigualdade e o não acesso aos direitos fundamentais ou direitos humanos, tais como saúde, educação, alimentação, habitação, trabalho, certamente são os principais fatores que dão origem ao fenômeno da violência. (BIRGOL, 2007). 

Quando o Estado olha apenas para a prevenção secundária e terciária, apenas prova a sua falência da sua obrigação de assegurar direitos fundamentais como a educação, dentre outros assegurados pelo art. 5 da Constituição Federal. Não se diz aqui, que o Estado deve abandonar as outras formas de prevenção. Registre-se que tudo deve ser feito de forma coordenada, de modo que a prevenção primária, é uma forma de colher um futuro melhor em um país assolado pela criminalidade violenta.  

Segundo a criminologia moderna, a violência não é somente um problema da polícia e os esforços no seu combate não devem ser direcionados somente ao infrator. Falar sobre combate à criminalidade é falar principalmente sobre prevenção. A melhor forma de se combater ou diminuir a criminalidade é alcançando o crime em suas causas, suas raízes, não suas consequências. […] a moderna criminologia aceita a possibilidade de diminuir a delinquência através de diversas outras formas que não exclusivamente o delinquente, destacando as formas de prevenção primária, secundária e terciária. A prevenção primária ressalta a educação, a habitação, o trabalho, a inserção do homem no meio social, a qualidade de vida, como elementos essenciais para a prevenção do crime, elementos estes que operam sempre a longo e médio prazo e se dirigem a todos os cidadãos. São estratégias de política econômica, social e cultural, cujo objetivo primário seria oferecer qualidade de vida ao cidadão, e último seria dotar o cidadão de capacidade social para superar eventuais conflitos de forma produtiva. (BIRGOL, 2007). 

Nessa toada, importante ressaltar que é imprescindível a implementação de políticas públicas de forma científica, calcada em estudos sobre criminologia, de modo que os trabalhos sejam conduzidos de forma técnica, desprovidos de interesses políticos desprovidos de razão científica.  

Legislação adequada também é medida necessária para que políticas de prevenção, primeiramente, sejam permanentes e duradouras e não medidas tomadas de forma diferente de governo a governo, de quatro em quatro anos. Política criminal é formulada de forma científica e progressiva, com a colaboração da teoria e da pesquisa com a prática, com a aliança entre sociólogos, juristas, parlamentares e administradores públicos, e não de acordo com a boa vontade e o humor de cada um que esteja no poder. (BIRGOL, 2007). 

Ocorre, que no cenário brasileiro, o que se vê no dia a dia parlamentar, no âmbito do poder executivo e judiciário, é um olhar repressivo. Em um artigo escrito por Rafaelle Lopes Souza e Marina Aparecida Pimenta da Cruz Correa, citando Rolim (2009). 

[…] há um paradigma hegemônico em Segurança Pública no Brasil onde se podem elencar alguns aspectos: 1. Maximização da hipótese repressiva, onde se pensa que para erradicar o crime e a violência é são necessárias mais prisões; leis penais mais duras e polícia mais repressiva; 2. Há ainda a ideia de que a prevenção está centrada na promessa dissuasiva do direito penal, pois se imagina que se faz prevenção após o cometimento do crime, como também há a ideia de que acabando com a impunidade, o crime também acabaria, ou ainda há opiniões de que a punição massiva erradicaria o crime; 3. Seletividade social na persecução criminal, ou seja, há segmentos da sociedade que são objetos de perseguição criminal, como os homens, pobres, negros e etc; 4. Encarceramento massivo, nunca na história do Brasil de se prendeu tanto. Nesse sentido, a cada ano a população carcerária aumenta gradativamente; 5. Atividade policial como atividade orientada para ocorrência. 

O encarceramento tomou proporções alarmantes e desumanas no Brasil. Percebe-se que o encarceramento em massa não é a melhor estratégia do combate ao crime. Desde os antigos estudiosos citados acima, tem-se a noção de que o cárcere por vezes é um curso de especialização do crime. 

A população carcerária no Brasil já passa de 622 mil presos e o sistema prisional convive com um déficit de 250 mil vagas, de acordo com o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, que é referente ao ano de 2014. Se o crescimento da população carcerária mantiver o ritmo, o Brasil pode superar a marca de 1 milhão de detentos em 2022. (VÂNIA, 2018). 

3.1. PREVENÇÃO AO CRIME EM ÂMBITO INTERNACIONAL  

A Organização das Nações Unidas – ONU, elaborou um projeto onde faz sugestão de boas práticas, e seleciona modelos de prevenção ao crime que são exemplos em vários locais do mundo. Um caso citado, é a reforma da justiça juvenil e prevenção da delinquência no Egito, que enfrenta graves problemas sobre o tema. 

Para combater a criminalidade o projeto tem buscado: 

a) Criação de um Conselho da Juventude ligado, institucionalmente, ao Ministério da Justiça, com a responsabilidade de coletar, analisar e monitorar informações e dados sobre delinquência juvenil e menores em situação de risco; b) Melhoria da qualidade dos serviços prestados por meio de programas especiais de treinamento para assistentes sociais, oficiais da polícia juvenil e outros profissionais judiciários que trabalham com menores (advogados, promotores e juízes. 

Conforme dados da ONU, no ano de 2004, a África do Sul possuía um dos índices mais altos do mundo, no tocante à violência doméstica, razão pela qual o governo local passou a intensificar o combate a criminalidade doméstica e familiar, com centro de apoio às vítimas, e programas de prevenção e reabilitação, no intuito de conscientizar e educar. 

3.2. CUSTO DE UM DETENTO X CUSTO DE UM ESTUDANTE  

Uma reflexão de muita relevância, é comparar qual o gasto de dinheiro público para manter um jovem na escola, e qual o gasto com o encarceramento.  

Em média, um detento custa R$ 2,4 mil por mês (R$ 28,8 mil por ano), enquanto um estudante de ensino médio custa atualmente R$ 2,2 mil por ano. Em 2013, um estudo do departamento de Economia, Administração e Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que para cada investimento de 1% em educação, 0,1% do índice de criminalidade era reduzido. Há uma relação direta entre educação e criminalidade, como apontou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com o mapa da violência traçado pelo Ipea em 2014, 50% dos homicídios aconteceram em 71 dos 5.570 municípios e a metade deles nos 10% dos bairros mais pobres das cidades, carentes de políticas públicas. O levantamento do instituto aponta que há uma tendência segundo a qual, para cada 1% a mais de jovens nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa municipal de assassinatos. (VÂNIA, 2018). 

Os números apontam uma relação direta com o baixo nível de escolaridade como características em comum entre os presidiários. Ou seja, se lá no passado, estudiosos apontavam a genética como causa da criminalidade, hoje podemos afirmar que a ausência do Estado na educação é um dos fatores que favorecem a criminalidade, e torna o Estado cúmplice pela sua omissão, que culmina o seu fracasso com um péssimo sistema carcerário. 

O nível de escolaridade da maioria dos detentos no Brasil é fundamental incompleto. Tal estatística reforça a tese de que investir em políticas públicas que evitem que a criança entre no mundo do crime é o único caminho para enfrentarmos a criminalidade crescente. Programas desenvolvidos em Pernambuco, Pacto pela vida, e Espírito Santo, Estado Presente, mostram que adotar essa via é apenas uma questão de prioridade. Segundo Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação, estudos apontam que só o fato de o jovem estar matriculado já reduz a criminalidade, e, se a Educação for de qualidade, que garanta sua aprendizagem, aí então, ele tem a oportunidade de superar as barreiras da desigualdade. (VÂNIA, 2018). 

Em 1982, antes da Constituição Federal de 1988, o antropólogo Darcy Ribeiro disse “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. Em um evento de 2016, a Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Carmem Lúcia, declarou que no Brasil um preso custa 13 (treze) vezes mais do que um estudante. 

Um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil por ano. Alguma coisa está errada na nossa Pátria amada. […] Darcy Ribeiro fez em 1982 uma conferência dizendo que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás […] 

De todo o exposto, o que se vê é um trágico caminho na qual percorreram os gestores da Administração Pública no Brasil, privilegiando medidas paliativas, o encarceramento em massa, sem auscultar o conhecimento científico sobre o assunto. O resultado é o caos e desordem, insegurança pública, facções criminosas comandando os presídios, rebeliões, vilania e barbáries dentro dos cárceres.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 O artigo traçou o progresso da criminologia enquanto ciência, desde a sua fase inicial de Cesare Lombroso, onde o foco da causa do crime se dava na genética do indivíduo. Os estudos empíricos eram restritos aos aspectos biológicos do criminoso, razão pela qual Lombroso catalogou as características físicas dos criminosos, em paralelo aos crimes que pela qual estavam presos.  

Os estudos atribuíam uma prevenção ao crime calcada no atavismo, ou seja, se determinados criminosos presos por crimes patrimoniais possuem uma característica em comum (barba, cabelo, cor dos olhos, orelhas, etc), então a sociedade deveria ter uma atenção redobrada para aqueles não encarcerados que possuíssem tais características físicas, pois poderiam a qualquer momento delinquir.  

Com o passar dos anos, surgiu um novo olhar para a criminologia, onde passou-se a estudar as sociedades. A partir da sociologia abandona-se os questionamentos que associam a causa do crime com a aparência física das pessoas, surgindo os questionamentos a respeito da organização das sociedades. 

A partir da observação das sociedades (ecologia criminal), observou-se que o fenômeno criminal era recorrente em determinadas áreas, carentes de controle social, sem apoio de igrejas, escolas, com famílias desestruturadas, pobreza, e desemprego assombrando a camada mais afetada pela criminalidade.  

Ainda com a observação, notou-se que as camadas mais ricas eram menos suscetíveis a persecução penal, diferentemente do grupo mais pobre, que sempre eram conduzidos para delegacia, respondiam ao processo e num procedimento de etiquetamento levadas ao cárcere com o rótulo de criminoso.  

Dos estudos surge a ideia de prevenção primária, secundária e terciária, sendo que a prevenção primária é fundamental no combate à criminalidade. O Estado deve proporcionar ao seu povo educação, saúde, cultura, lazer, alimentação, emprego, segurança, evitando assim a proliferação da criminalidade. Pensar somente na prevenção terciária, é pensar somente no fracasso do Estado. 

O menosprezo a prevenção primária, deixa o Estado fadado ao fracasso no combate a criminalidade, já que quando o Estado deixa de assegurar os direitos fundamentais do seu povo, surge o caos, e portanto, o crime inevitavelmente passa a ser uma situação corriqueira na sociedade. 

Portanto, é preciso que autoridades públicas olhem com mais atenção para a proteção primária, na formação psicológica de jovens e crianças, com o objetivo de formar uma mentalidade de combate a corrupção e a criminalidade violenta, de modo que no futuro, haja redução do encarceramento por crimes violentos, e a formação de novas gerações comprometidas com boas práticas.  

Importante notar que as políticas públicas devem ser conduzidas com seriedade. Ademais, conforme exposto neste artigo, é de suma importância o combate aos crimes contra a Administração Pública, sobretudo aqueles que retiram verbas da saúde e educação, considerando que além de matar vidas em hospitais, tais criminosos matam o sonho de milhares de crianças de ter uma profissão e uma formação técnica.  

A criminalidade praticada por funcionários de alto escalão, quando é acobertada por uma persecução penal conivente, e uma legislação frouxa, acaba refletindo na prevenção primária da criminalidade violenta, pois o recurso público que deveria ser injetado em escolas, professores, e estudantes, acaba sendo subtraído para satisfação do luxo de políticos que na maioria das vezes se safam do cárcere, tendo privilégios ao seu dispor.  

No tocante ao investimento estatal em escolas, vale relembrar a máxima levantada por Darcy Ribeiro no século passado, pois ainda há tempo para corrigir as distorções práticas no passado, passando o Estado a privilegiar a o sistema de educação, fornecendo tecnologias e boas instalações para seus jovens, para colher um futuro prospero e menos violento. 

A educação muda o destino de um povo. Se queremos um futuro sem latrocínios sendo praticados de noite e de dia, sem jovens reféns da filosofia de facções criminosas, deve-se impor um sistema de educação que retire a juventude da vilania existente no crime, para então chegarmos ao ponto de esvaziar o número de encarcerados por crimes violentos.  

O foco em educação vale para todos, não só os jovens abandonados pelo Estado, mas também para os adultos, que por vezes, tendo boa formação acadêmica, cometem crimes como violência doméstica contra a mulher, crianças, idosos e outros. Assim como no exemplo da África do Sul, é importante massificar campanhas de conscientização, a fim de reduzir os números de violência doméstica.  

A prevenção primária é a melhor arma de combate ao crime, custa um certo tempo, mas é muito mais eficaz do que fuzis, pistolas ou revólver. Um povo com leitura, empoderado com o conhecimento é um povo menos suscetível à ignorância, é um povo que tende para a prosperidade, e não para a barbárie.  

REFERÊNCIAS 

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1Acadêmico de Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho (UNIRON)

2Prof. Orientador Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos em Docência no Ensino Superior e MBA em Planejamento Estratégico no Setor Público