A ESSENCIALIDADE DO TELETRABALHO EM TEMPOS DE PANDEMIA: SEUS DESAFIOS E OS DIREITOS TRABALHISTAS EM VOGA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7190323


Autoria:

Gabrielly Natali Favalessa1
Deise Lucia da Silva Silvino Virgolino2


RESUMO: Em análise aos inúmeros desafios postos a humanidade em um período de absoluta desestruturação da vida cotidiana comum, o teletrabalho em tempos de pandemia tornou-se um tema de inegável relevância, face seu impacto financeiro e emocional na vida das famílias do mundo todo. Nesse sentido, este trabalho trata justamente das avaliações das legislações trabalhistas, sua modernização e adequação a um período de muito conturbado e, nesta conjuntura, o trabalho exercido pelo legislativo a fim de não deixar a cargo do ativismo judicial a manutenção dos direitos trabalhistas. 

PALAVRAS-CHAVE: Pandemia. Teletrabalho. Direitos. Trabalhistas. Inclusão. 

ABSTRACT: analysis of jobs in a period of daily life of absolute disruption, teleworking in times of a pandemic has become an undeniable emotional theme, facing its financial impact and the lives of families around the world. In this sense, I work precisely on the estimates of the estimates of the legislation, its moderation and deal with labor legislation of a lot of labor and, at this juncture, the work to be defined by the legislature in order not to activate the maintenance of the rights of judicial activism. 

KEYWORDS: Pandemic; telework; rights; workers; Inclusion. 

1. INTRODUÇÃO 

Mesmo que clichê, em um mundo globalizado, a internet tem sido vetor articulador de outros diversos meios da ordem econômica constitucional e como tal, tem sido indispensável às atividades cotidianas, para manutenção de vínculos empregatícios e atividade laboral. 

Sob tal perspectiva, pode-se dizer que hoje, uma pequena empresa, com poucos funcionários, mas que tenham internet, podem comportar-se como uma multinacional em vista da possibilidade de intervir nos mais diversos locais e gerir outras inúmeras formas de atividades financeiras diversas. 

Face a essas possibilidades, a criatividade é o limite para quem quer e busca empreender ou até mesmo expandir seu comércio já consolidado. É fato que as oportunidades se tornaram cada vez mais disponíveis, com a disseminação quase que imediata de informações por todo o globo, a inserção da internet na sociedade é algo inegável. 

O Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, mais conhecido como a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, trouxe inegavelmente uma enxurrada de direitos e garantias aos trabalhadores em geral, talvez sendo uma das legislações que mais se necessita manutenção para atualização legislativa em razão dos avanços socioculturais. 

Entretanto, por mais revolucionária que tenha sido, a CLT não foi pensada para se adequar às situações as quais foram vivenciadas a partir do ano de 2020 e, até hoje, seguimos com diversos receios em razão da pandemia da COVID-19. Em 1943 as dificuldades dos trabalhadores e empregadores eram outras e foram, em sua maioria, sanadas com o advento da lei trabalhista. 

Ato contínuo, observando as normativas e como vigoravam até o início do ano de 2020, é evidente que a regulamentação do teletrabalho era posta como pauta de menor complexidade e menor interesse dos legisladores, ainda que já se pudesse encontrar doutrinadores e outros diversos estudiosos alertando para a significância da discussão acerca do tema, que será muito melhor discutido no decorrer deste. 

Nesse sentido é que este trabalho foi pensado, estudado e elaborado, primando em buscar argumentações do que poderia ter sido feito, de forma prévia à pandemia da COVID19, para resguardar os direitos dos trabalhadores e como o legislativo foi falho em lidar com os ditames deste período abismal da história da humanidade moderna. 

2. O TELETRABALHO COMO FORMA DE VIABILIZAR A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL NO CENÁRIO PANDÊMICO PÓSMODERNO 

A ordem econômica constitucional, trazida pela inteligência do art. 170 da CRFB de 1988, trata em seu inciso VIII sobre o “ Busca do Pleno Emprego”, sendo esta, uma das essencialidades para se estruturar economicamente um país, a força de trabalho é a força motriz do desenvolvimento econômico de qualquer nação. 

Em relação ao trabalho, este foi em muitos momentos da história uma ferramenta de manipulação da massa e inexistindo direitos trabalhistas, ficava a cargo do empregador e do empregado os termos deste contrato de cedência da força e do tempo do trabalhador, a remuneração era algo completamente incompatível com o que fora exercido em tempo. 

Nessa perspectiva, os princípios constitucionais que vinculam os agentes do Direito Trabalhista, não se dissociam dos outros setores da ordem econômica constitucional. Enquanto estudava a ética protestante, Max Weber, jurista, economista e intelectual alemão, observou que o trabalho é uma das formas mais nobres e dignas presentes nos moldes sociais, para tanto, proferiu o seguinte pensamento “o trabalho dignifica o homem” e é nesta perspectiva, respeitando a força, esforço e tempo de trabalho de cada um que se fundou a ordem econômica constitucional. 

Tal ordem constitucional, traz o conjunto de leis e normas, que regulamentam todos aqueles que concernem os agentes atuantes da economia. Tem por ideal a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, oportunizando a existência dignificada a todos e prezando pela justiça social. 

Sendo assim, é imperioso destacar e pontuar algumas nuances da história, até que cheguemos ao teletrabalho propriamente dito. 

2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS DO TELETRABALHO 

A ideia de um trabalho à distância de um posto físico de atividade laboral comum, não é uma ideia tão recente, mesmo que empregada de forma mais evidente durante o período pandêmico que se iniciou no ano de 2020. 

Penn, J. Edgard Thompson, proprietário da Pennsylvania Railroad, uma empresa voltada à construção de estradas de ferro, no ano de 1857 Thompson buscou uma forma de poder acompanhar o desenvolvimento das construções das estradas de ferro que sua empresa gerenciava. 

Nesse sentido, pelas limitações de sua época, restou como alternativa se utilizar de sua criatividade para, por meio do telégrafo que pertencia à sua empresa, gerenciar as divisões de obrigações e conseguir remotamente, acompanhar as obras das estradas de ferro. Sendo esse, talvez, o primeiro grande registro histórico de uma atividade laboral realizada à distância. 

As buscas por transcender a distância e mesmo assim manter a eficiência das atividades pretendidas é quase algo intrínseco ao ser humano, historicamente, se analisa que os mais influentes e mais importantes homens e mulheres da história só chegaram a tal patamar, a medida em que eram conhecidos nos lugares mais distantes possíveis.  

Tal perspectiva de que a distância entre a influência e o influenciador é o que define a grandeza de alguém ou de suas atividades e que isso é parte do ser humano se traduz nas palavras do sociólogo e filósofo francês Pierre Bourdieu que diz “Os circuitos de consagração social serão tanto mais eficazes, quanto maior a distância social do objeto consagrado”.  Sendo assim, é inegável que há eventos históricos que primam pela execução de alguma atividade laboral à distância e que, quanto mais distante e mais eficiente for, maior o prestígio que se tinha a quem o exercia. 

 Com o teletrabalho não é diferente, quando se executa uma atividade laboral com eficiência, ainda que em local diverso ao que seria comum, é algo notório e tido como uma evolução não mais para o futuro, mas que já está sendo vivida. 

 Em vista de tais considerações, vale ressaltar que não muito tempo atrás, mais especificamente no ano de 2018, a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT trouxe dados impressionantes quanto a implementação do teletrabalho. Foi constatado que no ano 45% das empresas já possuíam o teletrabalho, em algum nível, implementado em suas atividades e outras 15% estudavam a implementação de tal modalidade.  Entretanto, a história não oportunizou às empresas muito tempo para se adequarem, no ano de 2020, com a instalação das condições pandêmicas mundiais, foram todos obrigados a se adaptarem a realizarem atividades cotidianas, que demandariam locomoção e certa logística, que fossem realizadas de suas casas. 

 Nesse ínterim, o teletrabalho tornou-se parte essencial para viabilizar a ordem econômica constitucional, haja vista, a necessidade de manutenção de empregos e das atividades industriais e produtivas em geral que couberam nas modalidades de Home Office

2.2. TELETRABALHO

“Vivemos em tempos líquidos”, quando Zygmunt Bauman observa a sociedade deste século XXI, entende que as relações palpáveis, diárias, diga-se até, concretas, vem sendo submergidas para então dar lugar às relações rápidas, instantâneas e sem demora. Essa nova modalidade de relações interpessoais se reflete, também, na economia, política e por tanto, o ambiente de trabalho tem se tornado “líquido” 

A história das relações de trabalho sempre foi conturbada desde os princípios da humanidade, sendo o passado de suma importância para que se possa entender os erros e então propagar melhorias para os futuros trabalhadores, para que se evite o retrocesso das leis trabalhistas.  

Como dito anteriormente, o ano de 2020 deu-se atordoado perante uma pandemia que de forma vertiginosa, assolou o mundo inteiro gerando problemas em todos os aspectos, incluindo, portanto, o âmbito trabalhista. As empresas e o governo buscaram reinventar-se em questão de meses para que os meios de trabalho não ficassem em completa inércia e assim gerassem mais problemas, até mesmo ligados diretamente com a economia.  

A COVID-19 abalou as estruturas da sociedade, modificando não apenas as relações interpessoais, mas também as relações trabalhistas, que de forma célere apresentou mudanças para se adaptar às novas formas de trabalho. Entretanto, o teletrabalho não é exclusividade do ano de 2020, além disso, há uma modalidade de trabalho muito semelhante e que se faz necessário a distinção para melhor compreensão de como ocorrem as mudanças no meio de labor.  

E, como será melhor tratado no decorrer do trabalho, os conceitos de trabalho remoto são existentes nas legislações mundiais, doutrinas, jurisprudências e na própria literatura, sendo assim e como esperado, há imprecisões e conflitos nos conceitos de tal atividade. Grande parte da inconsistência de definição universal, surge pelo fato de tal atividade poder ser realizada em espaço sem especificidade, gerido por um contrato de modalidades diversas, com frequências diversas, cuja a única e indispensável característica, residente necessariamente que a atividade produtiva seja executada fora do ambiente da empresa, se utilizando das mais diversas tecnologias para tanto. 

Portanto, resta clara a complexidade de se conceituar uma categoria polissêmica e plurissemiótica, em razão das várias situações diversas as quais se cruzam. Gunther e Busnardo (2016) trazem a perspectiva do teletrabalho como a conexão do trabalhador à sua atividade laboral por meio da internet e de um computador, tendo a distância, com ponto característico da modalidade de trabalho. 

Nesta linha de pensamento, torna-se indiscutível se ter como reflexo a própria sociedade, pois, utilizando meios tecnológicos para atividades produtivas que também são utilizados como comunicação social, tendo por exemplo os desktops, notebooks, tablets, smartphones, bem como as próprias plataformas digitais e redes sociais, como WhatsApp, Facebook, Skype (bem menos utilizado) e e-mails

Observando tais apontamentos, fica evidente que essa modalidade de emprego consiste basicamente na construção de um paradigma de produção, em um sistema econômico organizado na flexibilidade, vinculado à tecnologia informacional, não podendo se confundir com a tecnologia. 

Nesse sentido, a muito se observava o tratamento do teletrabalho pela doutrina, como dispôs HOLZMANN: 

Trabalho em domicílio consiste em atividades de produção de bens e mercadorias no espaço doméstico, com objetivo de obtenção de renda. Pode ser realizado na modalidade por conta e comercializado diretamente junto aos consumidores. Ou realizado sob contratação “constituindo parte de um produto mais complexo ou mesmo um produto final”, caracterizando-se como “atividade subordinada a determinações externas quanto à especificidade da mercadoria, quantidades, prazos de entrega e remuneração”. (HOLZMANN, 2006, p. 324) 

Ainda que sob uma perspectiva relativamente antiga, já havia se observado o quão inovador poderia ser a atividade laboral em âmbito doméstico. A premissa trazida pelo avanço da tecnologia, tem sido justamente as possibilidades, as inovações e as adaptações, é incrível o que se pode fazer com apenas criatividade e internet. Sendo assim, buscando regulamento algo que ainda era intangível e sob uma visão inexperiente das situações, o Acordo-Quadro Europeu definiu no ano de 2002 o que se tinha por exemplo de teletrabalho à época: 

[…]utilizando tecnologias de informação no âmbito de um contrato ou vínculo empregatício, no qual o trabalho que também poderia ser realizado nas dependências da empresa é realizado fora dessas instalações regularmente 

Tal definição foi de suma importância para demonstrar à época que não se tratava de uma informalidade, pelo contrário, quando mais se tinha flexibilidade do ambiente, mais compromisso necessitaria do trabalhador, para que face a formalidade de um contrato de trabalho, pudesse demonstrar sua essencialidade, ainda que fora do âmbito comum de atividade laboral. 

Vale ressaltar ainda, que tal Acordo-Quadro Europeu apresentava especificamente a modalidade de trabalho interpretada, nomeando como teletrabalhadores todo aquele que, possuindo contrato de trabalho formal, executava atividade produtiva fora do ambiente da empresa, diferindo dos funcionários de call centers e, também, condicionando a contratação para teletrabalho desde o início das formalidades ou os optantes pela modalidade de trabalho remoto mesmo já sendo funcionário da respectiva empresa. 

Entretanto, como já demonstrado neste tópico, a diversidade das modalidades e a complexidade de definição do teletrabalho é bem ampla e, talvez em razão da época, tal acordo não trouxe a visão da existência de outras diversas modalidade de contratação oportunizada pela inserção e democratização do teletrabalho e que foram realizadas diversas alterações neste acordo durante o século XXI, justamente para se adequar às modernizações e diversidades de contratação. 

Nesse mesmo sentido, um trabalho desenvolvido pelo Escritório Internacional do Trabalho e Departamento de Atividades Setoriais, da OIT (2016), a complexidade de harmonizar uma definição para o teletrabalho deve-se à característica de diversidade de modulações na forma de contratação, visto que antigamente tinha-se por situação una a atividade laboral da residência do trabalhador, ou seja, um trabalho doméstico e se utilizando de meios eletrônicos. 

Contudo, tal trabalho desenvolvido pelo Escritório Internacional do Trabalho e Departamento de Atividades Setoriais, da OIT (2016) entendeu atualmente o seguinte: 

“englobava formas mais complexas que abrangiam uma ampla variedade de regimes flexíveis com diferentes combinações de locais de trabalho: na sede, nas instalações dos clientes, nos centros satélites ou em casa”.  

Sendo assim, pelo exposto neste tópico, observa-se evidentemente que o teletrabalho é pretérito à pandemia, visto que já fora regulamentado em outros diversos países, visto inclusive como um trabalho emergente ou mesmo uma modalidade de trabalho emergente resultado de uma inserção e democratização do acesso à internet em todo mundo. 

2.3. TELETRABALHO E SEUS DESAFIOS NA PANDEMIA 

Naturalmente, houve um aumento em massa de teletrabalho durante a pandemia, e assim, por se tratar de um tema muito novo, houve diversas dificuldades e desafios a serem enfrentados por todos os lados, sendo empresas, trabalhadores e até mesmo os familiares. Afetou principalmente, aqueles que perderam seus empregos e, até mesmo, a renda familiar.  

Para os trabalhadores formais, foi promulgada a MP n° 936/2020, que autorizou aos empregadores alteração de salário e a jornada de trabalho no período da pandemia, além disso, houve a possibilidade de negociações coletivas e suspensão de contrato de trabalho. Enquanto isso, outra parcela dos trabalhadores enfrentavam as dificuldades de transferir seus trabalhos para o âmbito doméstico, com outros tipos de dificuldades. 

O teletrabalho poderia ser uma dificuldade antes mesmo dos tempos de pandemia, pois após a reforma trabalhista, quem trabalha no regime do caso em tela, não possui direito de realizar horas extras, por não existir meios que possam realizar o controle da jornada de trabalho. Consequentemente, abre-se uma brecha na legislação, onde autoriza que o empregador realize um aumento drástico na quantidade de trabalho repassado ao empregado, podendo assim ultrapassar as 8h diárias de trabalho e nem ao menos fazer jus a horas extras. 

Entendendo que há um aumento significativo, pode ser notado outro tema recente que também foi ignorado perante as mudanças no meio de trabalho, sendo a saúde física e mental, afinal, com o aumento da intensidade do trabalho, deve-se levar em conta também que se trata de uma situação de isolamento social. Fazendo com que o trabalho passasse a ultrapassar limites que antes eram pré-estabelecidos, confundindo e misturando o convívio familiar com o espaço de trabalho, diminuindo assim os espaços para descanso e a reabilitação mental e física. 

O principal lesado sempre será o trabalhador, que pode vir a sofrer de depressão e outras doenças, por perda de apetite, sono, alterações de humor, podendo gerar diversas doenças mentais que devem ser combatidas. Certamente as empresas ainda buscam descobrir as melhores medidas para distribuir as tarefas para que se evite as sobrecargas de metas e serviços, e esses fatos devem ser levados com a relevância necessária, visto que cada vez mais as empresas vão buscar adotar esse regime de trabalho como principal. 

2.4. MODERNIZAÇÃO DAS LEGISLAÇÕES TRABALHISTAS 

Quando observada a evolução das legislações trabalhistas no Brasil, nota-se um grande reflexo das legislações já consolidadas em outras partes do mundo. No que tange ao teletrabalho é importante mencionar outras nomenclaturas dadas à mesma atividade, comumente se atribui nomes como trabalho remoto e home office, embora não seja uma modalidade nova, como já mencionado neste trabalho, essa modalidade de atividade laboral tem se expandido e para tanto, há a necessidade de a legislação acompanhar as inovações. 

Como parte da globalização, a atividade produtiva longe da normalidade dos escritórios e campos de venda é resultado inevitável, transformando radicalmente a organização do trabalho, as atividades de produção, relações sociais e políticas no mundo. Sendo uma realidade para milhões no mundo todo, o trabalho remoto tornou-se necessário e fora disseminado com maior ênfase durante o período pandêmico. Nesse sentido, no Brasil, o termo home office ganhou as mídias e foi inserido no linguajar popular, por muitas vezes o trabalhador exercer sua atividade na sua própria residência, resultando num termo lógico (home = casa; office = escritório). 

 E como dito, para tanto, esse modelo não foi desenvolvido nacionalmente, sendo reflexo de atividades já realizadas em outros países do globo e em consonância a isso, se observa que na prática nem tudo são benesses. A atividade laboral longe do ambiente comum de trabalho e, sendo este ambiente a casa o trabalhador, os riscos de se confundir o escritório e a casa, o tempo de trabalho e o tempo de descanso, quando se trabalha e quando se está fora de sua atividade laboral são riscos já visto em países que inseriram esse modelo de emprego. 

O teletrabalho surgiu na legislação brasileira pela Lei 12.551 de 2011 que alterou a redação do caput do art. 6° da CLT e inseriu o parágrafo único, abordando a ideia de que o local da prestação de serviços é irrelevante para que possa ser configurado o vínculo empregatício, entretanto, a reforma trabalhista regulamentou de forma mais ampla, estabelecendo um conceito legal para o teletrabalho, através do artigo 75-B da CLT.  

A outra modalidade, se trata do home office, que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro somente com a reforma trabalhista com a Lei 13.467 de 2017. Ambas muito semelhantes, no entanto, o conceito prático na execução das atividades torna-se primordial quando se aplica tal visão ao caso concreto, como muito comum no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que parecidos, suas peculiaridades definem a forma como serão vistos e tratados no caso de algum litígio. 

Nesse viés, vale conceituar as duas modalidades, a fim de entender e adequar o pensamento tratado neste trabalho. O teletrabalho, tratado no artigo 75-B da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467 de 2017, dispõe o a necessidade de a atividade laboral ocorrer fora do local comum de atividade laboral, podendo ser realizado em qualquer lugar do mundo e, caso seja consenso entre empregador e empregado, a qualquer hora. 

Já o home office necessita ser realizado da própria residência do do empregado, podendo ainda comparecer presencialmente in loco na empresa a qual se encontra empregado e executar atividades que sejam necessárias e específicas, não havendo risco de desqualificar a modalidade empregatícia aplicada. 

2.5. MEDIDA PROVISÓRIA N° 1.108/22 E SUAS POLÊMICAS 

 Em 25 de março de 2022, foi publicada a Medida Provisória n° 1.108/22 e que posteriormente foi aprovada pelo Senado Federal, em 03 de agosto de 2022, transformando a 

MP no Projeto de Lei 21/2022 que ainda se encontra em discussão. Entretanto, enquanto medida provisória, as polêmicas sobre suas peculiaridades não foram possíveis de serem ignoradas, tanto pela mídia quanto pelas bancadas opositoras ao atual Presidente da República.  Nesse sentido, a MP regulamenta e altera as regras para o auxílio-alimentação quando pagos ao empregado na modalidade de teletrabalho, na própria MP ela traz as mesmas definições de teletrabalho já expostas no decorrer deste artigo, ou seja, a execução da atividade laboral fora das dependências comuns da empresa, não obrigando a modalidade ser homeoffice (necessariamente na casa do empregado), mas também, não excluindo a possibilidade. 

 Destaca ainda que mesmo que em modalidade híbrida, não poderá ser caracterizada como trabalho externo, posto que suas diferenças essenciais não sugerem a confusão entre ambas. Sendo assim, as regras principais são a dispensa do empregador de controlar as horas trabalhadas em contratações que são por produção ou tarefas; uma das polêmicas surge em razão, também, da presença do empregado nas dependências da empresa de forma habitual, ainda que para exercer atividades específicas e para tanto, não descaracteriza o trabalho remoto.  Entretanto, pelo entendimento de algumas doutrinas, tal tratamento sugere perda de benefícios do trabalho em ambiente comum da empresa, porém, mantém os mesmos encargos do trabalhador comum. A modalidade de trabalho remoto podendo ser estendida aos estagiários e aprendizes, o que é uma inovação, posto que ainda que já seja realizada a um bom tempo tal extensão aos referidos cargos, estas extensões ocorriam de forma “clandestina”, haja vista ausência de regulamentação. 

 Outra inovação trazida à modalidade de trabalho em discussão, é a sujeição do empregado que exerça atividade laboral fora do país às legislações trabalhistas nacionais, salvo comum acordo ou legislação específica, em respeito ao princípio da especialidade.  

 Por fim, a maior polêmica e a principal finalidade da MP, o auxílio-alimentação, foi determinado pelo texto normativo que tal auxílio será destinado única e exclusivamente ao pagamento de refeições em restaurantes ou de gênero alimentício adquirido em comércio. Sendo assim, limitando bastante a forma com que o cidadão utilizará seu próprio recurso, ainda que este tenha uma finalidade construída, sabe-se que há necessidades que vão além da alimentação e que poderiam ser adimplidas com a oportunidade de uso diverso. 

 Não obstante, a MP ainda restringe acordos entre as empresas que fará o pagamento do auxílio e outras empresas que comercializam tickets de alimentação, posto que inabilita a possibilidade de descontos nas contratações destes fornecedores, como melhor explica o texto do Agência Senado: 

A MP 1.108/2022 determina que o auxílio alimentação seja destinado exclusivamente ao pagamento de refeição em restaurantes ou de gêneros alimentícios comprados no comércio. 

A medida também proíbe as empresas de receber descontos na contratação de fornecedoras de tíquetes de alimentação. Hoje, alguns empregadores têm um abatimento no processo de contratação. 

O governo afirma que o custo do desconto é, posteriormente, transferido aos restaurantes e supermercados, por meio de tarifas mais altas, e destes aos trabalhadores. 

Fonte: Agência Senado 

Face a tais considerações e apontamentos, vê-se que as polêmicas hão de existir e caberá à melhor interpretação do Senado e da Câmara dos Deputados a avaliação do que se adequa à realidade da população sujeita a esta modalidade de trabalho, oportunizando, também, voz às centrais sindicais. 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 A Ordem Econômica Constitucional, foi vista por alguns como um cerceamento da liberdade para quem dominava alguns setores majoritários da economia, como madeireiros, latifundiários e grandes varejistas. Entretanto, o cumprimento do artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil na verdade trouxe o melhor exercício da cidadania, da garantia de direitos internacionais, como a própria dignidade da pessoa humana. 

 O teletrabalho, como forma de viabilizar a ordem econômica constitucional, foi instituído no Brasil, majoritariamente, durante o período da pandemia da COVID-19. Visto que em razão da necessidade de continuidade do exercício de atividades laborais cotidianas, as quais possibilitaram essa modalidade de trabalho, fez-se necessária a adaptação sociocultural da população para a manutenção das empresas, empregos e até mesmo, da saúde mental das pessoas. 

 A princípio, em razão da escassez de regulamentação que se existia no país até a instauração da pandemia, a legislação que melhor tratava do assunto era e ainda é, a CLT, a partir da reforma trabalhista de 2017 que trouxe a modalidade do teletrabalho em seu artigo 75B e somadas ainda com as considerações de distinção quanto a outras modalidades de vínculo empregatício. 

 Entretanto, ainda que moderna, a legislação deixa a desejar quanto à efetiva proteção do trabalho remoto e seus limites legais, posto que, como será melhor exposto, há um risco ao trabalhador pelas lacunas legislativas, podendo desequilibrar a relação contratual de trabalho em desvantagem ao empregado. 

 É indissociável à história da luta de classes ao confronto de interesses, sendo até o próprio nome sugestivo, posto que até o surgimento da primeira legislação trabalhista que defendia o trabalhador, a revolução industrial massacrou a população mais pobre. Mas, ainda que a história conte de várias formas como foi esse período sem o amparo legal de legislações mais humanizadas como a própria CLT, hoje tem-se uma melhor visão de como a sociedade deve se organizar quanto ao empregador, trabalhador e a modalidade de trabalho. 

 Nesse sentido, fazendo um salto nos passos largos em que a tecnologia caminha, das primeiras revoluções industriais até 1857, quando Penn, J. Edgard Thompson, instituiu uma modalidade de acompanhamento à distância nas construções de suas ferrovias, as modalidades de trabalho saíram da majoritária caça, plantio e manufatura para grandes cidades industriais, tendo como a primeiro país a hospedar tais marcos históricos, a Inglaterra. 

 E em vista das necessidades pontuais, que seria humanamente impossível Thompson acompanhar a evolução da construção das ferrovias construídas por sua empresa, face a distância entre elas, percebemos a primeira e tímida presença do trabalho à distância, em vista de ser possível a atividade laboral a qual era a finalidade do usuário e tal atividade ocorrer fora do ambiente que se tinha a expectativa de ser o comum, evidentemente foi realizada de forma precária e arcaica, mas ainda sim atingiu sua finalidade. 

 Ato contínuo, a história não se esqueceu deste marco de Thompson, pelo contrário, tal oportunidade se tornou tão bem vista que os avanços socioculturais mostram hoje o quão incrível é pensar que a tantos anos atrás já se via um modelo tão moderno iniciando seus passos para o que se tem por teletrabalho. 

 É inegável que tal modalidade ainda carece do devido reconhecimento e de algumas regulamentações que equilibrem os papéis do empregador e do empregado. As legislações, pareceres e normativas que se encontram publicadas desde o início da primeira década deste milênio, trazem a priori uma desvantagem ao trabalhador e uma enorme lucratividade para o empregador. 

 Como tratado, a primeiro momento o teletrabalho é uma excelente oportunidade, em razão da não necessidade de deslocamento do emprego ao ambiente comum de trabalho, podendo ser realizado em qualquer lugar do globo e não descaracterizando as formalidades de um contrato de trabalho e etc.  

 Entretanto quando se analisa pontualmente as características desta modalidade, observa-se que por vezes se confunde o ambiente de trabalho, as horas de trabalho e a disponibilidade do empregado ao seu ambiente residencial, às horas de descanso e o acúmulo de obrigações que sobrecarregam o empregado e que por vezes, também, este empregado tem de trabalhar horas a mais de sua carga horária normal em face das atribuições que lhe são postas. 

 Quando a legislação dispensa a hora extra para o empregado em modalidade de teletrabalho, como é o caso da CLT por exemplo, abre uma enorme fissura na legislação que, a priori, deveria preservar o empregado  de abusos e garantir o equilíbrio do contrato de trabalho, posto que em razão das considerações acima, há um risco de sobrecarregar o empregado com demandas exorbitantes, sendo essa uma das maiores e mais desafiadoras regras a serem melhor equilibradas, não tendo, ainda, uma forma de resguardar o empregado de seus possíveis riscos. 

Vale ressaltar ainda, que a reforma trabalhista de 2017 trouxe, além do já citado, a definição de um termo “abrasileirado”, o qual seja o HomeOffice, caracterizando-o e regulamentando sua forma de atividade, em razão de considerar a modalidade a ser executada exclusivamente na residência do emprego, mesmo que seja uma condição que possa ser submetida aos métodos do teletrabalho, elas não se confundem e abrem margem para diversas oportunidades de trabalho. 

Ao final, foi tratada da mais recente normativa, a Medida Provisória n° 1.108/22 que trouxe uma nova regulamentação para o teletrabalho e com resquícios da visão desta modalidade empregatícia em período pandêmico, a qual instituiu uma forma mais restrita ao pagamento de auxílio-alimentação ao trabalhador, como dito, mesmo que seja a finalidade do auxílio, oportunizar ao trabalhador o tratamento pessoa às suas finanças é a muito tempo cerceado pelas legislações mais diversas, sendo até contraditório tal restrição a um governo atual que se propõe com uma política liberal-conservadora. 

Por fim, o estudo tratado neste trabalho traz a vertente mais diversa possível, não ponderando a nenhum lado doutrinário, posto que o equilíbrio das relações de trabalho melhor se adequa aos reflexos de países desenvolvidos ou emergentes em melhor situação socioeconômica que o Brasil. Sendo assim, é indiscutível a essencialidade do teletrabalho nos dias de hoje, mas sua necessidade nos tempos de pandemia foi salvadora para inúmeros empregadores, empregados e para a manutenção do mercado de consumo em geral, cabendo agora, em um momento mais sólido dessa modalidade de trabalho, a melhor saída para uma regulamentação que diminua as possibilidades de vantagem excessivamente onerosas a quaisquer dos lados. 

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1Acadêmica de Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON

2Prof. Orientadora, pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior, Direito Público/Constitucional e Administrativo e Gestão em Direito dos Serviços Sociais Autônomos