REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7158675
Autores:
Larissa Ricardo de Oliveira1;
Hannah Marina Krampe¹;
Debora Cristine Levandoskin¹;
Isabela Belem de Moura¹;
Wagner Andrade de Oliveira¹;
Caroline Yonaha¹;
Carina Bortoletto¹;
Ademar Francisco Fagundes Meznerovvicz¹;
Larissa Rossato Oliveira¹
Rodrigo Antônio Martins de Souza¹.
RESUMO
A miopatia de captura (MC) ocorre após intenso esforço físico e estresse. O tratamento é desafiador e extremamente difícil para os médicos veterinários devido à gravidade de evoluções das lesões. O objetivo do resumo foi descrever o atendimento, tratamento e diagnóstico clínico de MC em um veado-catingueiro que foi atendido no Serviço de Atendimento a Animais Selvagens (SAAS) e Centro de Apoio a Fauna Silvestre (CAFS), encaminhado pelo Instituto Água e Terra (IAT), com suspeita de ataque por cães e consequente acometimento pela síndrome.
Palavras-chave: síndrome; fauna; veado-catingueiro.
1. INTRODUÇÃO
Os cervídeos constituem um dos grupos de mamíferos mais diversos, contendo mais de 60 espécies no mundo, sendo que no Brasil são encontradas oito delas (DUARTE et al., 2012). Planos de conservação elaborados pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes) em 2010, indicaram que uma das espécies de cervídeos com maior equilíbrio populacional era o veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), que ocorre em todos os biomas brasileiros, exceto na Amazônia. Essa espécie vem mostrando uma ampliação em relação à sua área de ocorrência devido sua alta plasticidade ecológica, adaptando-se a ambientes modificados, relacionado à elevada interferência antrópica no seu habitat (CUBAS et al., 2014). Mazama gouazoubira é um ruminante de pequeno porte, com uma dieta contendo ampla variedade de vegetações, rica em gramíneas, leguminosas, frutas e flores (DUARTE,1997).
A capacidade de adaptação da espécie em ambientes antropizados e sua ampla dieta faz com que ela se enquadre na categoria LC (Least Concern – pouco preocupante) pela IUNC – Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (BLACK-DECIMA, et al., 2016). Uma característica fundamental de cervídeos é possuir alguns sentidos muito desenvolvidos: olfato, audição e visão são muito sensíveis, fazendo com que tendam a sofrer lesões físicas devido ao estresse (DUARTE, 2001). Essa condição sugere que esses animais são propensos às enfermidades como a miopatia, pois o estresse agudo muitas vezes gera atividade muscular intensa, causando acidose metabólica pelo acúmulo de ácido lático, possíveis traumas físicos e outras alterações, capazes de levar o animal a óbito (CATÃO-DIAS., et al, 2010).
2. OBJETIVO
Este resumo tem como objetivo relatar os acontecimentos decorrentes do atendimento de um cervídeo, no Serviço de Atendimento a Animais Selvagens (SAAS) , da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
3. METODOLOGIA
Foi atendido no dia 10 de setembro de 2021, um Mazama gouazoubira, juvenil, macho, no Serviço de Atendimento a Animais Selvagens (SAAS) da Universidade Estadual Centro-Oeste. O mesmo foi entregue pelo Instituto Água e Terra (IAT) em uma caixa de madeira própria para transporte, e aparentemente havia sofrido ataques por um cão na região do Salto do São Francisco, Paraná. A inspeção visual do animal foi realizada, o qual se encontrava em decúbito esternal e pouco responsivo a estímulos externos. Para a retirada do animal da caixa de transporte e redução do estresse da contenção física, foi realizada indução anestésica, por via inalatória, do isofluorano por oxigênio puro (100%) no volume de aproximadamente 2 litros/minuto no rostro do animal utilizando vaporizador universal do aparelho Vet plus, marca BRASMED. Assim, foi possível iniciar o exame físico e tratamento clínico mais indicado para miopatia de captura, no qual constatou-se que o espécime apresentava lesões cutâneas leves no corpo, chifre e olhos arroxeados e edemaciados. Foi utilizado tramadol 5 mg/kg para analgesia, via intramuscular; estabelecido via intravenosa, com cateter 22G na veia safena medial, para instituir a fluidoterapia com solução fisiológica, bicarbonato de sódio e glicose. Além disso, foi utilizado o anti-inflamatório flunexim meglumine 2 mg/kg, e antibióticoterapia com penicilina 25 mg/kg, ambos pela via intramuscular. Devido ao fato de o animal ter permanecido sem intubação orotraqueal, foi realizada a administração de cetamina e xilazina, nas doses de 10 mg/kg e 0,6 mg/kg, respectivamente. Após a ocorrência desses procedimentos, o animal foi colocado em recinto calmo, silencioso e confortável para observação. Animal foi a óbito durante a madrugada. A necrópsia do espécime foi realizada no dia 23 de setembro de 2021 que confirmou miopatia de captura, como opistótono e rigidez muscular, processo associado a altos níveis de estresse pós-captura, ou durante o manejo e transporte.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O animal apresentou lesões traumáticas mínimas, as quais não causariam o óbito por si só. Considerando o histórico do animal (trauma e possível fuga) juntamente com os sinais clínicos, e a situação de urgência que não permitiu a realização de exames complementares, a principal suspeita foi miopatia de captura, e a partir dela o animal foi tratado. A miopatia de captura (MC) ou rabdomiólise por esforço é uma síndrome de caráter metabólico muscular (SÁNCHEZ-SERMIENTO et al., 2015) causada pelo intenso e prolongado esforço físico, comumente causando dor, ataxia ou paresia dos membros (ALVES 2015), incoordenação, oligúria (ACCO et al., 1999; ORSINI e BONDAN, 2014), necrose multifocal (BATISTA et al., 2008), acidose metabólica, acúmulo de ácido lático e óbito (CUBAS et al., 2014). Durante a fuga de um predador, a captura ou a contenção física, o animal pode perceber estímulos estressores somáticos e comportamentais (FOWLER, 1986), e em situações extremas de estresse, o animal pode apresentar a já citada síndrome.
Os sinais clínicos da MC ocorrem pela interrupção abrupta do movimento, causando aumento da perfusão, diminuição da pressão sanguínea no local, estagnação do sangue em capilares (SPRAKER, 1993), compressão mecânica do plexo vascular e dificuldade na expulsão do calor e subprodutos da glicogenólise (como o ácido láctico) (CUBAS et al., 2014). Além disso, ocorre a saída de conteúdo intracelular, como a enzima creatina-quinase, a mioglobina (nefrotóxica), o cálcio e o potássio (fibrilação ventricular e insuficiência cardíaca aguda) (CUBAS et al., 2014).
O diagnóstico adequado da miopatia de captura deve levar em consideração a correta interpretação dos sinais clínicos (dor, incoordenação, urina escura e outros já citados), exames laboratoriais (avaliação das enzimas séricas aspartato amino transferase, creatina fosfoquinase e desidrogenase láctica) (CUBAS et al., 2014) e diferenciação das demais rabdomiólises. O prognóstico dos animais relacionados a miopatia de captura configura-se de reservado a ruim, sendo que o tratamento raramente é efetivo (CUBAS et al., 2014), o qual normalmente ocorre tratando-se da hipoperfusão tecidual, suplementação vitamínica (CUBAS et al., 2014), administração de glicose e controle da temperatura do animal.
5. CONCLUSÃO
O prognóstico era considerado reservado desde a chegada do animal e, apesar de seguidos todos os protocolos terapêuticos e tratamentos de suporte mais indicados para a doença na tentativa de reversão do quadro, a remissão da MC é difícil mesmo com o tratamento adequado, e o diagnóstico clínico, muitas vezes considerado insuficiente, foi devidamente confirmado no exame necroscópico.
REFERÊNCIAS
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1Universidade Estadual do Centro-Oeste – hannah.marina@live.com; debslevandoski@gmail.com; sabelabelembtu@hotmail.com; larissaroliv@gmail.com; wag_98andrade@hotmail.com; carollyonaha@gmail.com; carinabortoletto42@gmail.com; rodrigo.unicentro@gmail.com