REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7102606
Autores:
1Alexandro Aparecido Pereira,
2Daniel de Sousa Resende,
3Laura Gabriela de Faria.
1Graduando no curso de Direito da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco (FASF), policial penal. E-mail: alexandropereira370@gmail.com.
2Graduando no curso de Direito da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco (FASF), vigilante patrimonial. E-mail: danielsousaresende@gmail.com.
3Graduanda no curso de Direito da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco (FASF), auxiliar de serviços administrativos na prefeitura de Dores do Indaiá. Email: lauragabriela5@gmail.com
INTRODUÇÃO
É certo que a constitucionalização do Direito Civil trouxe uma nova “roupagem” ao antigo pátrio poder.
Se antes o homem detinha um poder exclusivo sobre a figura dos filhos e da esposa, devendo ser respeitadas as suas ordens para a vida da família, hoje, sob a égide do Código Civil de 2002, interpretado sob o manto da Constituição Federal de 1988, há a imperiosa necessidade em se observar a dignidade de todos os membros da entidade familiar, e quanto aos filhos deve ser observado seu melhor interesse.
Embora não se possa olvidar que o melhor interesse da criança e do adolescente deve ser observado independente da relação entre os genitores, quando o casal se separa que se faz necessário ter mais cautela quanto às consequências que advirão aos filhos menores, pois do desenlace da relação matrimonial exsurge a necessidade de definir a guarda dos filhos melhores, devendo-se, também, dar a merecida atenção à guarda dos filhos de pais que nunca tiveram uma relação formal, convivendo conjuntamente.
Sob o advento do Código Civil de 1916, a culpa era fator determinante quanto à definição da guarda, de modo que eram observadas as peculiaridades matrimoniais e não o que melhor conviesse aos filhos.
Já superada essa concepção com o advento da lei, surgiu uma obrigatoriedade de instituir a guarda compartilhada, entretanto, essa pode ser afastada pelo consenso dos genitores ou no caso em que um deles declara que não a deseja.
Observa-se, ainda, que a doutrina e a jurisprudência ainda apontam outros casos em que não seria aconselhável instituir esse tipo de guarda.
O objeto deste estudo encontra guarida na definição da guarda unilateral, e na necessidade de maturidade do ex-casal para que o genitor que não detém a guarda em seu favor não tenha cortado o seu laço afetivo com a criança e/ou adolescente.
Sabe-se que existem casos em que o genitor que não detém a guarda deixa de visitar os filhos, seja por puro desinteresse ou como forma de punir o ex-cônjuge pelas peculiaridades vivenciadas na relação.
Neste contexto, o presente estudo tem como questão a ser resolvida a seguinte: nos casos em que a modalidade de guarda seja a unilateral, é possível instituir penalidades para o genitor que não cumpre com seu poder/dever de visitas?
Como hipótese para o questionamento, a partir do conhecimento até o momento adquirido, tem-se o seguinte: embora o amor seja um sentimento a ser empregado espontaneamente e que deva decorrer naturalmente entre pais e filhos, não podendo, portando, ser exigido, o dever de cuidado e supervisão decorre do poder familiar e seu descumprimento pode levar à aplicação de punições pecuniárias, a depender da análise do caso concreto.
Justifica-se a importância deste estudo ao se considerar que, independentemente das peculiaridades da relação entre os genitores, é dever de ambos os pais preservarem os laços com a prole, o que não ocorre, muitas vezes, devido à imaturidade dos genitores e seu desejo de causar sofrimento ao ex-cônjuge, sendo necessário estabelecer quais medidas podem ser tomadas no caso concreto.
Como objetivo geral, a presente pesquisa se propõe a analisar as medidas cabíveis no caso do descumprimento do dever de visitas pelos pais.
Como objetivos gerais, se propõe a analisar a evolução do poder familiar com o advento da Constituição Federal de 1988, o melhor interesse da criança e do adolescente e a possibilidade da responsabilização civil por abandono afetivo.
1 A NOVA “ROUPAGEM” DO PODER FAMILIAR E A OBRIGAÇÃO DE ATENDER AO MELHOR INTERESSE DO MENOR
O poder familiar já assumiu feições diversas no ordenamento jurídico brasileiro.
Pode-se afirmar que “A origem do poder familiar está na razão natural de os filhos necessitarem da proteção e dos cuidados de seus pais, com absoluta dependência com o seu nascimento.” (MADALENO, 2022, p. 788)
É relativamente recente a determinação de que os filhos menores são detentores de direito. Sob a égide do Código Civil de 1916 e, principalmente, antes do advento da Constituição Federal de 1988, as crianças e os adolescentes eram vistos como meros incapazes, cujos genitores conduziriam a vida e as vontades da maneira que melhor entendessem, mesmo que estivessem considerando seus interesses particulares.
É neste cenário que muitos filhos eram abandonados pela figura paterna, que sequer cumpria com seu dever alimentar, quanto menos se importava em visitar ou expressar afeto para com a prole.
Nesse momento histórico, como lembra Madaleno (2020) o exercício das visitas era tida como mera prerrogativa do genitor, não se considerando o prejuízo que decorria do abandono afetivo paterno
O autor considera que este cenário ainda existe, tendo sido e continuando a ser responsável pela:
Geração de um sem-número de abandonos morais e afetivos de pais que veem nas visitas apenas uma faculdade, não se constituindo o seu exercício em um inolvidável direito do filho, de compartilhar o sadio e profícuo contato com seus ascendentes. (MADALENO, 2020, p. 667)
Não se pode olvidar que a valorização da dignidade humana no seio familiar elevou o afeto à condição de validade das relações entre pais e filhos, sendo, pois, de demasiada importância que os genitores não apenas assumam a obrigação de educar e sustentar os filhos, mas também de expressar-lhes amor e cuidado.
É esse o entendimento de Madaleno (2022):
É dever dos pais ter os filhos sob a sua companhia e guarda, pois eles dependem da presença, vigília, proteção e contínua orientação dos genitores, porque exsurge dessa diuturna convivência a natural troca de experiências, sentimentos, informações e, sobremodo, a partilha de afeto. (MADALENO, 2022, p. 793).
Assim sendo, o poder familiar não se ocupa tão somente de obrigações materiais, tais quais garantir a alimentação e o acesso à educação, mas também quantos aos interesses afetivos dos menores.
Em que pese seja impossível evitar que o desenlace matrimonial dos pais traga consequências à prole, doutrina e jurisprudência são assentes no sentido de que os genitores devem observar o melhor interesse dos menores quando da decisão de separação.
Sob a égide do Código Civil de 1916, a vontade dos genitores e as peculiaridades que levavam à separação eram fatores que influenciavam na atribuição da guarda, que era definida sem considerar qualquer manifestação de vontade dos filhos.
A culpa pelo fim do casamento era utilizada como critério para definir a guarda em favor deste ou daquele genitor, apartada de uma análise afetiva ou de capacidade de observar as necessidades da criança e do adolescente.
Na atualidade, a interpretação considera não somente as peculiaridades que envolvem os genitores, como ex-cônjuges, mas busca preservar a relação do filho com cada um dos pais, de forma que a separação não obste o afeto entre o genitor e o filho, independente do motivo que tenha levado ao desenlace do casal.
Assim, é necessário destacar que os pais devem levantar esforços para que a convivência com ambos não seja interrompida em razão da decisão de interromper a comunhão conjugal.
Prova da importância atribuída à convivência entre pais e filhos se depreende da dicção do parágrafo 2º, do artigo 1584 do Código Civil de 2022, que dispõe o seguinte:
Art. 1584
[…]
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor
Da referida disposição legal, depreende-se que a guarda compartilhada seria obrigatória, apenas podendo ser afastada em razão das peculiaridades do caso concreto, isso porque essa é a modalidade mais apta a garantir a manutenção dos laços afetivos entre pais e filhos. Nesse sentido, também a jurisprudência dispõe:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. OBRIGATORIEDADE. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA ALTERNADA. DISTINÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. RESIDÊNCIA DOS GENITORES EM CIDADES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. 1- Recurso especial interposto em 22/7/2019 e concluso ao gabinete em 14/3/2021. 2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a fixação da guarda compartilhada é obrigatória no sistema jurídico brasileiro; b) o fato de os genitores possuírem domicílio em cidades distintas representa óbice à fixação da guarda compartilhada; e c) a guarda compartilhada deve ser fixada mesmo quando inexistente acordo entre os genitores. 3- O termo “será” contido no § 2º do art. 1.584 não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção relativa de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. 4- Apenas duas condições podem impedir a aplicação obrigatória da guarda compartilhada, a saber: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; e b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar. 5- Os únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada são a suspensão ou a perda do poder familiar, situações que evidenciam a absoluta inaptidão para o exercício da guarda e que exigem, pela relevância da posição jurídica atingida, prévia decretação judicial. 6- A guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada e não demanda custódia física conjunta, tampouco tempo de convívio igualitário dos filhos com os pais, sendo certo, ademais, que, dada sua flexibilidade, esta modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação concreta, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada. 7- É admissível a fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos. 8- Recurso especial provido.(REsp n. 1.878.041/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/5/2021, DJe de 31/5/2021.)
Não se olvida que a convivência com ambos os genitores é necessária para o bom desenvolvimento psicológico e emocional das crianças e adolescentes, e é essa a razão pela qual há um incentivo de ordem maior à determinação de que as famílias adotem a guarda compartilhada como forma de manter os laços afetivos
Quanto ao afastamento da guarda compartilhada em caso de não desejar um dos genitores exercê-la, demonstra que o legislador preocupou-se não somente em assegurar a convivência do menor com seus pais a qualquer custo, mas também de preservar a qualidade das relações familiares
Aliás, destaca-se o fato de que a proteção ao menor, resguardando-se o melhor interesse da criança e do interesse, deve salvaguardar a convivência familiar saudável instituída de amor e não uma relação puramente biológica forçada, o que pode, inclusive, trazer inúmeros prejuízos à criança e ao adolescente
Flávio Tartuce (2022) cita como exemplo da aplicação do princípio da dignidade humana às relações familiares, a tese do abandono afetivo, sob a guarida da qual os tribunais pátrios, em mais de uma ocasião, condenaram genitores a pagarem indenizações aos filhos como forma de “compensar” pelo abandono perpetrado.
Nesse mesmo sentido, Flávio Tartuce (2022) entende que, para ser possível a concreção dessa modalidade de guarda, é necessária certa harmonia entre os cônjuges, uma convivência pacífica mínima, pois, caso contrário, será totalmente inviável a sua efetivação, inclusive pela existência de prejuízos à formação do filho, pelo clima de guerra existente entre os genitores
Necessário consignar que existem controvérsias no que tange à possibilidade ou não da condenação à reparação civil no caso do abandono afetivo, contudo, na visão do autor, a violação do dever de cuidado para com o filho pode gerar um ato ilícito se provado o dano à integridade psíquica
Também se faz necessário destacar que a Lei 13.058/2014 incluiu o § 5.º ao artigo 1.583, do Código Civil de 2002, o qual dispõe que “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”.
Nesse sentido, Madaleno (2022) entende que:
Estando os pais separados, nem por conta deste fato pode o ascendente não guardião se descurar do seu dever de participar efetivamente da vida afetiva e sentimental de seu filho, pois mesmo nas circunstâncias de desordem familiar o genitor não guardião segue como titular de um direito a uma adequada comunicação com sua prole e o direito de supervisionar sua educação, e ocorrendo de os pais se omitirem deste fundamental ditame da consciência e da natureza, mesmo pudesse o genitor ausente estar ofertando estrutura moral em visitas espaçadas, ainda assim implicará assumir a responsabilidade por irreparáveis efeitos negativos porventura surgidos na vida dos filhos. (MADALENO, 2022, p. 793)
Logo, é imperioso destacar que a convivência com ambos os genitores, embora não deva ser mantida a qualquer custo, é necessidade de primeira ordem para o desenvolvimento dos filhos menores.
2 ABANDONO AFETIVO
Com a evolução das normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, observa-se a tendência e relevância em se preservar a família e promover a convivência entre pais e filhos, entretanto, observa-se que é costumeiro na sociedade que um dos pais se ausente, não mantendo contato com a prole, sendo esta parte omissa no que tange sua parte no dever familiar de promover a assistência psicológica e emocional que o filho precisa. Dias (2016) afirma que é necessária a presença de ambos os genitores na criação dos filhos, observando que, inclusive, passou-se a falar no termo “paternidade responsável”, onde o pai não tem apenas o direito de visitar a criança, mas também a obrigação de conviver com esta.
Madaleno (2022) observa que tem recentemente sido fonte de diversas demandas judiciais casos que envolvem o abandono afetivo por um dos pais, onde um dos genitores deixa de interagir e conviver com o filho, sendo esta situação mais comumentemente observada nas situações em que os pais são separados e nas famílias monoparentais, em que um dos genitores opta por simplesmente abandonar o filho, não se importando com o bem-estar deste e nem exercendo o dever de cuidado, gerando no filho um sentimento de rejeição.
Conforme explicado acima, é interessante destacar que o abandono afetivo pode ser configurado, também, como a omissão de um dos genitores em relação à prole, não convivendo ou se atentando ao bem-estar deste e nem a questões relacionadas à sua saúde, educação ou segurança. As referidas atitudes tendem a provocar no filho a sensação de abandono e podem provocar, inclusive, transtornos psíquicos neste, prejudicando o convívio social.
Conforme Tartuce (2021), a temática referente ao abandono afetivo é questão controversa no direito de família contemporâneo, pois se trata inegavelmente de assunto que se ampara na dignidade da pessoa humana, devendo o pai estar presente em todas as fases da vida do filho, devendo prestar, inclusive, assistência à sua educação, sendo que a ausência da figura paterna na vida do filho pode se tornar um ato ilícito, entretanto, faz a ressalva de que seria um erro atribuir a obrigação do pai conviver com o filho, não devendo se impor o amor e afeto, pois, caso contrário, geraria uma monetarização do afeto como forma de se evitar uma reparação civil.
Pode-se, então, dizer que a presença de ambos os pais na vida do filho é imprescindível. Neste contexto, fica claro que se faz necessário que haja consenso e harmonia no que tange à participação do genitor, que não se encontre domiciliado na mesma residência da prole, na convivência com este. O mais preocupante, contudo, é constatar que, embora a responsabilidade civil do pai que não se faz presente é medida cabível para garantir a convivência deste com o filho, não deve ser vista como a melhor solução, haja vista que a convivência e o amor não devem ser algo a se impor. Não é exagero afirmar que ao se utilizar de medidas para obrigar a participação paterna na vida do filho, essas medidas incorram em resultados não satisfatórios e que provoquem o mesmo resultado da ausência física do pai na vida do filho, pois mesmo que este se encontre presente fisicamente, não estaria presente emocionalmente para proporcionar todo o amparo de que o filho necessita.
Ora, em tese, o que se deve buscar é a convivência espontânea entre pais e filhos, pois, caso contrário, a criança ou o adolescente serão os mais prejudicados na situação. Não se trata de impor a presença física e sim de incentivá-la, embora, lamentavelmente, observa-se que, por exemplo, muitos pais apenas participam da vida dos filhos como meros figurantes, em que nada proporcionam à prole além de sua presença física.
A Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) apresenta a seguinte redação:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (BRASIL, 1990)
Observa-se que o próprio ordenamento jurídico se preocupou em esclarecer que é obrigação de ambos os pais prestar a assistência necessária aos filhos. Os genitores ou os responsáveis possuem direitos e deveres iguais, sendo incumbido a estes o direito de transmitir suas crenças e culturas aos filhos, participando efetivamente da vida destes, conforme estabelecido nesta Lei.
No mesmo sentido, Maria Berenice Dias (2016) observa que:
Claro que o relacionamento mantido sob pena de prejuízo financeiro não é a forma mais satisfatória de estabelecer um vínculo afetivo. Ainda assim, mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que o sentimento de abandono. Ora, se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram para nascer, imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação. (DIAS, 2016, p. 880)
Pode-se dizer que a convivência e o relacionamento entre pais e filhos que suceda sob a pena de incorrer em um ato ilícito que gere prejuízo financeiro não é a forma mais vantajosa para que se estabeleça um vínculo amoroso entre pai e filho. O mais preocupante, contudo, é constatar que mesmo que o genitor só visite o filho para se evitar um possível prejuízo material, pode ser a forma mais satisfatória para se evitar um sentimento de abandono no filho. Assim, preocupa o fato de que muitas vezes se faz necessária a atuação da justiça para garantir a participação de ambos os pais separados na vida do filho, isso porque àquele que se afasta não consegue arcar com seus deveres e não tem uma real preocupação com o filho, que vem a ser a vítima de toda a situação.
Deve-se priorizar o bem-estar do menor, devendo os pais e todos aqueles que tem relação com eles zelarem para que cresçam e possam desenvolver sua personalidade de forma completa e, neste sentido, Madaleno (2022) observa que:
Por isso que ao menor abalo à sua integridade física, psicológica ou financeira, a ameaça precisa ser pronta e prioritariamente neutralizada, e essa proteção depende da atividade dos adultos e de seus responsáveis diretos, pais, tutores e representantes, para que os menores cresçam sem temores, sem percalços e conquistem no devido tempo seus próprios mecanismos de defesa e de sobrevivência, e desse modo possam gerar paulatinamente a sua independência, em conformidade com os seus níveis de autodeterminação, que vão mudando de acordo com o avanço de sua idade, e assim desenvolver sua personalidade, adquirir confiança, autoestima, e se colocar a salvo das sequelas causadas pela insensibilidade dos adultos. (MADALENO, 2022, p. 95)
Conforme verificado por Dias (2016), o dever de visita dependia da benevolência da vontade do genitor que decidia quando e se iria visitar o filho, porém, não se deve atribuir apenas ao genitor que não é domiciliado na casa do filho a responsabilidade pela não convivência com o filho, sendo que muitas vezes é o guardião quem dificulta a convivência entre ambos. Assim, reveste-se de particular importância o fato de que pode ser imputado a ambos os pais a responsabilidade pelo abandono afetivo.
Ao se analisar concretamente o caso, deve-se fazer prevalecer o bem-estar do menor. Como nos assegura Gonçalves (2022):
O interesse do filho, portanto, em matéria de visita, “é de ordem pública, e deve ser soberanamente apreciado pelo juiz levando-se em consideração três ordens de fatores: o interesse da criança, primordialmente; as condições efetivas dos pais, secundariamente, e, finalmente, o ambiente no qual se encontra inserida a criança. O interesse maior do filho justifica toda e qualquer modificação ou supressão do direito sempre que as circunstâncias o exigirem” (GONÇALVES, 2022, p. 290)
Fica evidente, diante desse quadro, que o abandono afetivo é situação recorrente no país e que cada caso deve ser analisado de forma minuciosa concretamente para se poder estabelecer as condições que melhor atendam ao bem-estar do filho. Espera-se, dessa forma, encontrar uma solução que não envolva a imposição de obrigação da convivência familiar entre genitor e prole, visando evitar um resultado que seja mais danoso ao menor.
Conclui-se, pois, que a melhor forma de se evitar o abandono afetivo é que haja um entendimento pacífico entre os pais de forma a estabelecer as melhores condições para que o genitor não domiciliado na residência do filho possa participar da vida do filho de forma eficaz e satisfatória, preservando o bem-estar da prole.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL DIREITO DE VISITA
A responsabilidade civil aplicada ao direito das famílias é assunto complexo e que apresenta diversas controvérsias, uma vez que não se trata apenas de analisar o caso concreto do ponto de vista jurídico, devendo-se considerar também a moral, e o juiz, ao ponderar os interesses no caso em questão, não pode aplicar uma indenização apenas pelo desaparecimento da afeição (DIAS, 2016).
Como bem nos assegura Tartuce (2021), quando o pai que não possui a guarda se ausenta da vida do filho ou não cumpre os seus deveres como pai, está conduta se caracteriza em crime de abandono afetivo e pode ser a causa de perda do poder familiar, entretanto, mesmo diante de tal perda, os pais ainda têm a obrigação de sustentar os filhos, devendo fornecer alimentos, pois, caso contrário, o genitor que não cumpre com seus deveres seria beneficiado com o desencargo em pagar alimentos e este encargo recairia inteiramente sobre o guardião do filho.
Conforme o exposto acima, é interessante, aliás, reafirmar sobre a importância que a presença de ambos os pais tem na vida dos filhos e como a ausência da presença destes pode gerar diversos encargos, mas há um fato que se sobrepõe a estas questões, que é aquele que se trata da responsabilidade civil, pois se sabe que o pai que não cumpre com seus deveres para o bem-estar do filho pode vir a ser destituído de seu poder familiar, e para que possa ser possível a aplicação de prestação negativa ao genitor ausente, o juiz deve analisar minuciosamente o caso concreto.
Conforme verificado por Dias (2016), o abandono afetivo trata-se inegavelmente de assunto recorrente em pauta nos tribunais brasileiros e que há uma tendência da jurisprudência em se admitir que há responsabilidade civil do genitor por abandono afetivo, uma vez que há o descumprimento do dever do pai em conviver com o filho, o que gera uma obrigação indenizatória, e reveste-se de particular importância destacar que a omissão do genitor em pagar alimentos de forma imotivada, configura o delito de abandono material.
Em decisão pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, um pai foi condenado a pagar 30 mil reais em indenização a sua filha, devido ao fato deste ter rompido relações com a filha que tinha 6 anos à época dos fatos, o que veio a gerar consequências psicológicas e problemas de saúde em decorrência do abandono, conforme confirmado por laudo pericial. (STJ, 2022)
Conforme explicado acima, é inegável que a ausência de um dos genitores na vida dos filhos pode gerar danos psicológicos e afetar de forma permanente a vida destes e, em razão desta ausência e o nexo com o dano causado, àquele que abandonou deve ser responsabilizado pela sua conduta dolosa.
Deve-se, ainda, destacar que, embora os genitores não tenham mais vínculo, o que deve prevalecer é o vínculo entre pais e filhos, devendo ambos os pais se comprometerem a garantir o bem-estar dos filhos, além de haver comprometimento para que ambos possam conviver pacificamente com a prole. Sobre o caso, a Ministra Nancy Andrighi afirmou: “O recorrido ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho” (STJ, 2022)
É inegável o sofrimento que os filhos enfrentam diante da ausência dos genitores em sua vida, e a Ministra ainda completa: “Sublinhe-se que sequer se trata de hipótese de dano presumido, mas, ao revés, de dano psicológico concreto e realmente experimentado pela recorrente, que, exclusivamente em razão das ações e omissões do recorrido, desenvolveu um trauma psíquico, inclusive com repercussões físicas, que evidentemente modificou a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida” (STJ, 2022)
Diante disso, destaca-se que muitas vezes a ausência da figura de um dos pais no desenvolvimento da vida dos filhos gera danos que podem ser permanentes e, neste sentido, Maria Berenice Dias (2016) se manifesta da seguinte forma:
O dano à dignidade humana do filho em estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas, principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova configuração familiar. (DIAS, 2016, p. 880-881).
Assim sendo, reveste-se de particular importância as decisões judiciais que abordam o referido tema, nas quais são responsabilizados materialmente os pais que abandonam os filhos, não devendo se admitir impunidades, além de ficar claro que ao se observar as referidas decisões neste sentido, os genitores, ao se inclinarem em abandonar os filhos, possam repensar esta irresponsável conduta.
Observa-se, ainda, decisão do TJRS:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO DO GENITOR. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. Embora exista o dever jurídico de cuidado, que compreende os deveres de ambos os pais relativos ao sustento, guarda e educação dos filhos, nos exatos termos do art. 1.566, IV, do Código Civil, não há o dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que não há falar, em regra, em indenização pelo abandono estritamente afetivo. Nesse contexto, a indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo assume um caráter excepcionalíssimo, devendo estar claramente demonstrados e conectados entre si todos os elementos da responsabilidade civil, previstos no art. 186 do Código Civil, para que reste configurada a obrigação de indenizar. Na hipótese nos autos, em que pese o abandono afetivo por parte do genitor demandado, não há prova de que do abandono afetivo tenha decorrido lesão emocional ou psíquica à parte autora, com repercussão negativa em seu desenvolvimento ou bem-estar, de modo que a manutenção da improcedência do pedido no ponto é medida que se impõe. Precedentes do STJ e do TJRS. Apelação desprovida. (TJRS – AC: 50000038120168215001, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 19/04/2022. Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: DJe 19/04/2022)
A ausência do genitor na vida do filho deveria ser, por si só, justificativa para haver a responsabilidade civil daquele que abandona o filho diante das sequelas que pode vir a causar na vida deste, que é o maior prejudicado pela conduta daquele que o abandona. Entretanto, conforme observado acima, a responsabilidade civil por abandono afetivo tem caráter excepcional e é normalmente aplicada quando há lesão emocional e psicológica ao filho devidamente comprovadas, além de ter de haver o nexo entre a conduta do genitor e o dano causado. Assim sendo, Madaleno (2022) se posiciona da seguinte forma:
Contudo, exatamente a carência afetiva, tão essencial na formação do caráter e do espírito do infante, justifica a reparação pelo irrecuperável agravo moral que a falta consciente deste suporte psicológico causa ao rebento, sendo muito comum escutar o argumento de não ser possível forçar a convivência e o desenvolvimento do amor, que deve ser espontâneo e nunca compulsório, como justificativa para a negativa da reparação civil pelo abandono afetivo. (MADALENO, 2022, p. 444)
Pode-se dizer que, apesar de decisões no sentido de que o abandono afetivo por si só não deve gerar a responsabilidade civil, devendo haver o nexo causal com sequelas causadas aos filhos, fica claro que o abandono afetivo do genitor deveria gerar dano material ao pai que abandona, haja vista que esse se torna omisso por sua própria e espontânea vontade, não cumprindo seu dever familiar. Sendo assim, essa conduta irresponsável do genitor deveria gerar uma obrigação negativa para poder dissuadir que tais situações ocorram em situações semelhantes.
Ainda assim, observa-se que há uma tendência na doutrina e jurisprudência em se admitir que os pais que abandonam os filhos sejam responsabilizados, e tal inclinação pode vir a se tornar regra a ser adotada nos tribunais brasileiros, independente de dolo ou culpa.
CONCLUSÃO
Em um mundo ideal, sem dúvida os pais, ainda que separados, conviveriam de forma harmônica para evitar prejuízos aos filhos advindos da relação.
Embora qualquer filho possa sentir-se abalado diante da situação de guerra que passam a viver muitos casais após a separação, é aos filhos menores, ainda sujeitos ao poder familiar, que recaem as maiores consequências, principalmente psicológicas da situação fática.
Ainda que sob o sistema jurídico constitucionalizado a guarda compartilhada seja taxada como modalidade obrigatória a ser instituída quando do desenlace matrimonial dos genitores, por ser a mais benéfica aos interesses do menor, em razão da falta de vivência entre ex-cônjuges, muitas vezes é instituída a guarda unilateral.
É nesse sentido que Madaleno (2020, p. 786) dispõe que “existindo sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os divorciandos, não há como encontrar lugar para uma pretensão judicial de guarda compartilhada”
Para o autor, a instituição de uma guarda compartilhada quando não há uma convivência minimamente harmoniosa entre os genitores, ao contrário de atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, poderia colocá-los em meio à situações puramente conflituosas, cuja hostilidade seria fator apto a comprometer a estrutura emocional do menor.
Contudo, como demonstrado ao longo deste estudo, a instituição da guarda unilateral em favor de um dos genitores ainda traz problemas diversos, entre os quais se encontra o abandono efetivo.
No sistema jurídico brasileiro são comuns demandas judiciais que envolvem o abandono afetivo, sendo extremamente comum que aquele genitor que não ficou com a guarda se afaste dos filhos, deixando de dar auxílio material e, principalmente, de conviver com os menores. Isso se dá, de forma principal, em razão do ressentimento que advém da separação do casal, que não consegue deixar de lado suas mágoas em prol da felicidade dos filhos.
Contudo, é necessário lembrar que sob o manto do Direito Civil constitucionalizado a convivência com os filhos, independente da relação que mantenham os genitores, é medida que se impõe, uma vez que é necessária a convivência com os pais para seu completo desenvolvimento, físico e psíquico, e, nesse contexto, as visitas não se consideram mero direito do genitor, mas verdadeira obrigação.
Considerando o contexto apresentado, este estudo teve como ponto central investigar a possibilidade de se adotar penalidades para aquele genitor que incorre em abandono efetivo, não exercendo seu poder/dever de visitar os filhos.
Levantou-se, como hipótese, a tese de que embora o amor seja um sentimento a ser empregado espontaneamente, o dever de cuidado e supervisão decorre do poder familiar e a falta de seu cumprimento pode ser penalizada judicialmente, a depender do caso concreto.
Quanto a essa questão, conclui-se que há divergências doutrinárias, pois, embora seja certo que a ausência da figura de um dos pais na vida dos filhos gere danos que podem ser permanentes, forçar que o genitor visite o filho sob pena de penalidades pecuniárias só fará com que esse genitor apareça simplesmente para evitar o prejuízo, não se preocupando com o bem-estar do menor.
Contudo, da análise jurisprudencial foi possível constatar que os tribunais pátios têm, de modo geral, adotado um meio-termo, aplicando a responsabilidade civil por abandono afetivo em caráter excepcional, quando demonstrada que a ausência do genitor na vida do menor tem causado lesão emocional e psicológica.
Assim sendo, pode-se afirmar que a hipótese levantada quando da elaboração deste estudo se confirmou, isso, pois, embora não seja a regra que se admita a imposição de penalidades ao genitor que incorre em abandono afetivo, pode ser aplicado caso seja demonstrado que da ausência está efetivamente gerando danos psíquicos ao filho.
Embora não se possa, como visto, admitir sem uma análise mais aprofundada que se imponham penalidades pelo abandono afetivo, é necessário salientar que o genitor está obrigado a prestar auxílio material, cuja abstenção gera penalidades tais quais a prisão civil e a execução de dívida alimentar.
REFERÊNCIAS
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