MANEJO COMPORTAMENTAL DO PACIENTE INFANTIL QUE SOFREU MAUS TRATOS

Autores
Ana Clara Fernandes
Carla Soares Lavall
Fernando Calixto
Keila Correia das Neves
Alunas do Curso de Fisioterapia da União Educacional do Planalto Central
Gilson de Assis Pinheiro
Professor de Psicologia Geral da Faculdade de Fisioterapia da União Educacional do Planalto Central.
Introdução
O tema, maus tratos à infância, alvo de estudos por inúmeros pesquisadores, é também objeto de estudo da clínica Fisioterápica. Temos observado que dia após dia, um contingente cada vez maior de menores que sofreram agressões tem sido atendido a nível clínico ambulatorial/ hospitalar.
Os agressores, em geral, são pessoas do convívio diário da criança, notadamente pai, mãe, padrasto, madrasta, pessoas estas que conduzem a criança para o atendimento clínico-fisioterápico. As razões geralmente citadas por estes agressores para cometerem atos agressivos são por motivos disciplinares, educacionais (Rodriguez & Sutherland,1999, Socolar e colaboradores, 1999) diante do fato de não conseguirem conter seu impulso diante da conduta infantil.
O termo violência física, em questão, apresenta o significado de ir além de um tapa e alcança graus mais acentuados, com marcas corporais (Ximenes, 1995, Waldman e colaboradores,1999) e adentra aspectos jurídicos, emocionais, antropológicos, sociológicos e médicos
. A mídia, os dados de atendimento em emergências de hospitais, as delegacias da Infância e Juventude têm registrado casos de fraturas ósseas, traumatismos cranianos, queimaduras, abandono, dentre outros. Agressões não apenas físicas, mas também psicológicas e sexuais. Estas agressões registradas principalmente após 1974, começou a se noticiar casos de SIBE- síndrome do bebê espancado (com tapas, socos, pontapés, dentadas, queimaduras…).
Quando o profissional se depara com este paciente (bebê e crianças) sua ação transcende o “deja ju” profissional e passa a ser co-responsável na luta que vise proporcionar melhor qualidade de vida ao paciente com o qual se defronta e não um silenciador diante da tortura de seu paciente.
Quando diante do paciente percebe-se que este se apresenta apático, triste, receoso, temeroso, observador, envergonhado, silencioso, podendo apresentar-se agressivo, irritável ou chorar com facilidade. Algumas vezes pode apresentar-se com retardo pondero-estatural e/ou deficiência nutricional. Quanto ao bebê, este não anda, não fala, apenas esboça comportamento de choro diante de toques, pessoas e cenas.(Knapp,1998).
Ao coletar dados da anamnese, o ofensor pode demonstrar temperamento violento, respostas inadequadas acerca da gravidade do estado da criança( exageradas ou até mesmo hostis ou reticentes), evita olhar ou tocar na criança e mostra-se confuso ao discutir o tratamento da criança.
O Fisioterapeuta apresenta uma relação de proximidade física com o paciente e pode suspeitar a existência de maus tratos quando identifica presença de equimoses múltiplas em várias partes do corpo, hematomas, lesões e/ou deformações cicatriciais nas orelhas, contusões, lacerações, queimaduras, história hospitalar de TCE (traumatismo crânio-encefálico) ou de trauma abdominal, dentre outros.
Além das características do estado anímico da criança, pode-se perceber na anamnese uma demora dos pais em procurar ajuda profissional e ocorrendo incongruência entre a história relatada pelos pais e a da criança.
Prevalência de crianças que sofreram maus tratos no Distrito Federal
Foi realizada uma pesquisa dentro do contexto do Distrito Federal com o objetivo de identificar quantitativamente aspectos da violência infantil. Os dados foram obtidos junto ao SOS Criança e SAMI Distrito Federal no ano de 1999.
Nos primeiros 9 meses de 1999, o SOS Criança computou inúmeras denúncias e deste conjunto pode-se observar que:

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Observando as áreas onde ocorreram em todas as cidades satélites do Distrito Federal( em maior número nas cidades satélites de Ceilândia e Samambaia).

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Ocorrem maus tratos em ambos os sexos, principalmente com crianças com idade inferior a 12 anos, sendo estas mais frágeis e com menor possibilidade de se defender.

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Deste grupo de crianças que sofreram estas agressões, apenas 97 casos (em 1997) foram encaminhadas ao Hospital Materno Infantil embora com aumento progressivo ver gráfico abaixo) de atendimento clínico ambulatorial hospitalar

\"\"Tem aumentado consideravelmente o número de casos de crianças que sofreram maus tratos nos Hospitais, principalmente a violência física.

Interferências no comportamento clínico
a- aspectos jurídicos, sociológicos, éticos
Percebe-se a confluência de inúmeros aspectos, sendo necessário o conhecer aspectos legais da situação (estatuto do menor).
b- aspectos da topografia comportamental
Um ponto importante é o stress, memória e emoção e suas relações com o desenvolvimento cognitivo-emocional-motor e o estabelecimento de respostas adaptativas, disfuncionais ou psicopatológicas. Deve-se perceber o desenvolvimento infantil diante de estímulos afetivos em relação às experiências traumáticas vividas e ao relembrar questões traumáticas (Pollak, Cicchetti & Klorman, 1998). Evidências indicam relação entre maltratos sofridos pelas crianças com distúrbio de stress pós-traumático proporcionando alterações psicobiológicas(alterações a nível de neurotransmissores e sua relação com stress pós-traumático em se enfocando a base biológica do comportamento) e sintomas como esquiva, hipervigilância, ruminação de pensamentos negativistas, distúrbios psiquiátricos como o Distúrbio de Ansiedade Generalizada, quadros de depressão (De Bellis e colaboradores, 1999a, De Bellis e colaboradores,1999b, Yamamoto e colaboradores,1999).
É importante destacar a agressão que sofrem os pacientes portadores de necessidades especiais, um grupo específico que apresenta dificuldade de denunciar as agressões sofridas(Sullivan & Knutson,1998)
Proporcionar melhor qualidade de vida é lutar pela construção de um mundo melhor, é construir alternativas de um projeto de vida pessoal mais humano e justo. O tratamento clínico perpassa pelo lidar com a dor do existir( diante das condições sociais) de excluídos da sociedade, onde a criança não é objeto de tortura, nem o profissional aquele que possibilitará a reabilitação física para novas agressões, e muito menos aquele que se exime das responsabilidades para com a pessoa do paciente.
O Código de Ética( resolução COFFITO 10 de 3 de julho de 1978) engloba esta relação paciente- profissional analisando a responsabilidade profissional( capítulos I e II), bem como seus deveres ao enfocar o homem como o centro da postura profissional( “respeito à vida humana desde a concepção à morte, jamais cooperando em ato que voluntariamente se atende contra ela, ou que coloque em risco a integridade física ou psíquica do ser humano”, o comportamento ético.
É difícil a construção de um setting terapêutico, no entanto, durante a interação paciente-profissional, o manejo clínico (este começa a se estabelecer desde o primeiro contato ou anamnese) faz-se necessária a inserção de uma prática dialética alicerçada em bases humanísticas, resgatando a auto-estima da criança, com respeito, atenção, carinho, amor, sendo a figura do profissional diferenciada da figura de agressor ou conivente com ela.
Em muitas oportunidades percebe-se que a formação profissional tem sido de excelente qualidade técnica, no entanto há necessidade de enfocar além deste tecnicismo e adentrar o macrocosmo onde a interferência de fenômenos sociais adentram as clínicas de fisioterapia, as emergências dos hospitais, as UTIs e diante do criança que sofreu agressão urge que o profissional embasado em bases ético-humanísticas, com conhecimentos legais respeitando-a e possibilitando dentro de sua função como profissional a reabilitação do paciente em seu sentido mais amplo.
Referências bibliográficas
1-De Bellis,M.D., Baum,A.S., Birmaher,M.S., Eccard,C.H., Boring,A.M., Jenkins,F.J. & Ryan,N.D. Developmental traumatology Part I:Biological stress systems. Biological psychiatry 45: (10)1259-1270,1999.
2-De Bellis,M. D., Keshavan, M.S.., Clark,D.B., Casey,B.J., Gied,J.N., Boring,A. M. Frustaci,K &.Ryan,N.D. Developmental traumatology part II: Brain development Biological psychiatry 45(10)1271-1284, 1999
3-Código de ética profissional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional- Resolução COFFITO 10 de 3 de julho de 1978.
4-Knapp, J.F. The impact of childre witnessing violence Ped. Clin North America 45(2) 355-362, 1998
5-Pollack,S, Cichetti,D & Klorman,R Stress,memory and emotion: developmental considerations from th study of child maltreatment Development and psychopathotology 10(4)811-828, 1998.
6-Rodriguez,C.M. & Sutherland,D. Predictors of parent´s physical disciplinary practices Child abuse & Neglect 23: (7) 651-657,1999
7-Socolar,R.R.S., Winsor,J., Hunter,W.M., Catellier,D. & Kotch,j.B. Maternal disciplinary practices in na at-risk population. Archives of pediatrics & Adolescent medicine 153: (9)927-934,1999
8-Sullivan, P.M. & Knutson, J.F. Maltreatment and behavioral characteristics of yough who are deaf and hard-of-hearing Sexuality and Disability 16(4) 295-319, 1998
9-Waldman, H.B, Sweldloff,M, Perlman,S.P- A “dirty secret’: the abuse of children with disabilities J. Dent Child 66(3) 197-202, 1999
10-Ximenes,D. A Violência física contra criança na família: uma abordagem sociológica Textos graduados 1(0) 37-48, 1995
11-Yamamoto,M., Iwata,N., Tomoda,A., Tanaka,S., Fujimaki,K & Kimatura,T Child emotional and physical maltretment and adolescent psychopathology: a community study in Japan J. Community Psychology 27: ( 4)377-391,1999