A USUCAPIÃO DAS PROPRIEDADES URBANA E RURAL E A NOVA POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO EM CARTÓRIO IMOBILIÁRIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6606862


Autores:
Carlos Henrique Dos Prazeres
Maria Caroline Garcia Chaves

RESUMO

O presente trabalho possui como atributo o estudo da possibilidade de a usucapião ser realizada em Cartório Imobiliário, em cidade onde se localiza o imóvel a usucapir. A usucapião, uma forma originária de aquisição de propriedade imóvel, trata-se de um instituto em que uma pessoa que não seja a efetiva a proprietária da área a usucapir, esteja por certo lapso temporal no imóvel, desempenhando todas as funções sociais da propriedade que determina a Constituição Federal, enquanto o efetivo proprietário deixa o imóvel abandonado. Para que um imóvel seja adquirido mediante a usucapião deve-se avaliar cada caso em concreto, visando adequar cada situação às modalidades previstas no ordenamento jurídico brasileiro, como a ordinária e extraordinária, devendo ser comprovado todos os requisitos exigidos. O possuidor, que se satisfaça de todas as exigências determinadas em lei, poderá ingressar com uma demanda judicial, visando adquirir de fato a propriedade, que percorrerá todo um trâmite processual com a supervisão de um magistrado. Ocorre que, diante da superlotação do Poder Judiciário, e do caráter de fé pública exercida pelos Cartórios Extrajudiciais, a cada dia que se passa mais novas situações do cotidiano que poderiam ser resolvidas de forma extraprocessual, estão sendo regulamentadas, para que evite ainda mais o sobrecarregar do Judiciário. Diante disso, o Código de Processo Civil de 2.015 criou a nova possibilidade de a usucapião ser realizada diretamente em Cartório Imobiliário, desde que satisfaça todos os requisitos exigidos no artigo 216-A da Lei nº 6.015/73, que deve ser fidedignamente respeitados sob pena de não lograr êxito em sua pretensão.

Palavras-chaves: Usucapião. Cartório Imobiliário. Inovação.

ABSTRACT

The present work has as attribute the study of the possibility of the usucapião being realized in Notary Real Estate, in city where the property is located to usucapir. Usucapião, a form of acquisition of immovable property, is an institute in which a person other than the actual owner of the area to usucapir, is by some time lapse in the property, performing all the social functions of the property that determines the Federal Constitution, while the actual owner leaves the property abandoned. In order for a property to be acquired through usucapião, each case must be evaluated in concrete, aiming to adapt each situation to the modalities provided for in the Brazilian legal system, such as ordinary and extraordinary, and all requisites must be proven. The possessor, who satisfies all the requirements determined by law, may file a lawsuit seeking to acquire property, which will cover a procedural process with the supervision of a magistrate. As a result of the overcrowding of the Judiciary, and of the public faith character exercised by the Extrajudicial Offices, each day more new situations of daily life that could be solved in an extra-procedural way are being regulated, so as to avoid further overburden of the judiciary. In view of this, the Code of Civil Procedure of 2,015 created the new possibility for usucapião to be carried out directly in the Real Estate Office, provided that it meets all the requirements of article 216-A of Law No. 6.015/73, which must be reliably respected under penalty of not succeeding in their claim.

Keywords: Usucapião. Real Estate Office. Innovation.

1 INTRODUÇÃO

Neste projeto de pesquisa monográfica será devidamente esclarecido sob a nova possibilidade de se realizar a aquisição de uma propriedade imobiliária, mediante a usucapião, diretamente em Cartório Imobiliário, em cidade onde se localiza a propriedade, não necessitando o possuidor ou possuidores ingressarem de forma obrigatória, com uma ação judicial.

Primeiramente, serão realizadas breves considerações gerais sob a usucapião, que se trata de uma forma de aquisição imobiliária, adentrando em suas características, os requisitos que devem ser devidamente respeitados e analisados no caso em concreto, para que haja o deferimento do requerimento, seja em uma demanda judicial ou extraprocessual.

Serão demonstradas as características pertinentes à usucapião, como a obrigatoriedade de que o possuidor agir com ânimo de dono, cuidando do imóvel como se fosse de sua propriedade, além de uma posse tranquila, pacífica, contínua, duradoura e ainda por um certo lapso temporal, que vai depender de cada modalidade de usucapião que estará verificando.

Isto porque há várias espécies de usucapião, cada qual com um certo lapso temporal a ser respeitado, que será exortado para melhor compreensão, além ainda de mencionar em quais situações deverá o possuidor ter uma posse com justo título e de boa-fé, haja vista não serem requisitos obrigatórios para todas as usucapiões.

Com o intuito de entendimento pormenorizado, serão esclarecidas de forma exemplar, todas as espécies de usucapião previstas no ordenamento jurídico brasileiro, para até mesmo se distinguir todas elas e evitar quaisquer dúvidas a respeito.

Por derradeiro, consignará sob a nova possibilidade de realização da usucapião diretamente em Cartório Imobiliário, com fulcro no artigo 216-A da Lei nº 6.015/73, devidamente incluído pelo novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2.015.

2 ASPECTOS GERAIS SOBRE A USUCAPIÃO

A usucapião trata-se de uma forma originária de aquisição de propriedade imóvel ou móvel. Todavia, ao primeiro que cabe ao estudo e análise para uma fidedigna compreensão jurídica.

Preconizam os incisos XXII e XXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)

XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

A Carta Magna Brasileira garante o direito de propriedade a todos os cidadãos brasileiros, bem como estrangeiros residentes no país, não havendo tal distinção.

Ocorre que certas pessoas abandonam seus lares, não cuidando de sua propriedade, demonstrando indiferença em relação ao seu patrimônio, situação punida pela legislação por meio da possibilidade de usucapião, tendo em vista que o proprietário deve fazer com que a sua propriedade atenda a uma função social.

Enquanto uns possui vários imóveis, outros já moram debaixo de viadutos e pontes, não havendo qualquer propriedade para se abrigar.

A própria Constituição Federal de 1.988, pelo dispositivo legal supramencionado, determina que a propriedade, apesar de ser um direito garantido a todo cidadão que reside no Brasil, deve atender a uma função social, tornando-se produtiva e funcionando como moradia para outras pessoas.

Talvez seja por isso que brasileiros ricos que possuem vários imóveis começaram a locar para outros que não possuem residências, realizando o pagamento de uma contraprestação em dinheiro, nos moldes regulados em contrato locatício, nos termos da Lei nº 8.245/91.

Suponha-se que uma pessoa possua cem imóveis como sua propriedade. Uma delas ele reside e todas as outras encontram-se fechadas. Não pode simplesmente o proprietário resolver fechar as portas das noventa e nove casas, assim ficando até a sua morte.

As propriedades, neste caso, não estão possuindo qualquer utilidade e função social em prol da coletividade, infringindo claramente as disposições contidas na Constituição Federal.

Proprietários que abandonam, deixando as propriedades abandonadas, poderão fazer com que pessoas que não possuem qualquer imóvel adentrem ao loteamento para que possam utilizá-la como morada, mesmo sem autorização do proprietário.

Claro que este possui o direito de reivindicar o seu direito de propriedade em ação judicial, mediante uma Ação Possessória ou mesmo Reivindicatória, visando expulsar todos os ocupantes clandestinos.

Porém, pode ocorrer também, o que é comum que pessoas estranhas ao proprietário do imóvel, que adentrem ao loteamento, fiquem por anos sem que haja qualquer reivindicação.

Em tal hipótese, a legislação cível concede o direito de usucapião aos novos possuidores, transferindo a propriedade aos seus nomes, desde que haja pedido judicial, mediante acompanhamento de um advogado.

Todavia, impende salientar que, atualmente, não se apresenta imprescindível a propositura de ação judicial, podendo ser solucionada a questão diretamente em Cartório Imobiliário da cidade, que restará consignado detalhadamente em último capítulo.

Flávio Tartuce em sua obra doutrinária “Direito Civil – Direito das Coisas”, sobreo usucapião, obtempera:

Ao discorrer sobre a usucapião, Caio Mário da Silva Pereira remonta a notória distinção entre a prescrição extintiva (tratada na Parte Geral do Código Civil)) e a prescrição aquisitiva (referenciada na Parte Especial, entre as formas de aquisição da propriedade), apesar de não lhe agradar, cientificamente, essa divisão. Logo em seguida, o doutrinador conceitua a usucapião como sendo “a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei”. Lembra o jurista, ainda, que a expressão vem do latim, usucapião, significando tomar pelo uso, adquirir pelo uso. (TARTUCE, 2017, p. 115).

Ainda, complementa:

Desse modo, a usucapião constitui uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada, permitindo a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica: a aquisição originaria da propriedade. Pode-se afirmar que a usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se pode mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião. (TARTUCE, 2017, p. 115).

Portanto, a usucapião trata-se de uma forma de aquisição de propriedade imobiliária, mesmo que não haja qualquer pagamento pelo imóvel adquirido.
Todavia, deve-se avaliar o caso em concreto, pois há situações em que o imóvel somente é ocupado por terceiro mediante permissão do proprietário, como nos casos de locação e comodato, por exemplo. Em tais casos, mesmo que a pessoa fique por anos e anos, não poderá de forma alguma usucapir tal propriedade, pois o dono sempre deu e está dando função social à sua propriedade, como a sua moradia para habitação a terceiros, em troca de uma contraprestação em dinheiro mensal.

Há discussões referentes ao imóvel que se situa em condomínio, isto é, que se encontra em local que faz a moradia de diversas pessoas, havendo, portanto, áreas comuns de uso.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Usucapião – Condomínio. 1. Pode o condômino usucapir, desde que exerça posse própria sobre o imóvel, posse exclusiva. Caso, porém, em que o condomínio exercia a posse em nome dos demais condôminos. Improcedência da ação (Código Civil, arts. 487 e 640). 2. Espécie em que não se aplica o art. 1.772, §2º, do CC. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 10.978/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, j. 25.05.1993, DJ 09.08.1993, p. 15.228).

Posteriormente, o mesmo Colendo Superior proferiu um julgamento concedendo a usucapião de área comum dos condôminos, senão vejamos:

Condomínio – Área comum – Prescrição – Boa-fé – Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o status quo. Aplicação do princípio da boa-fé (supressio). Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 214.680/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 10.08.1999, DJ 16.11.1999, p. 214).

Tal discussão relativa aos condomínios é de notória importância, haja vista que quando se trata de imóvel localizado em área condominial, não há somente a propriedade em si mesmo e sim área de uso comum de todos os moradores.

Em locais de uso comum, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que é possível a usucapião sob tais, desde que não seja usada pelo restante dos moradores da localidade e não haja qualquer discordância na aquisição em relação ao possuidor.

Tartuce esclarece:

Maria Helena Diniz sintetiza muito bem a polêmica a respeito da possibilidade de usucapião no condomínio. Diz a doutrinadora:
“Entendem a doutrina e a jurisprudência que é impossível a aquisição por usucapião contra os outros condôminos, enquanto subsistir o estado de indivisão, pois não pode haver usucapião de área incerta. Para que se torne possível a um condômino usucapir contra os demais, necessário seria de sua parte um comportamento de proprietário exclusivo, ou a inversão de sua posse, abrangendo o todo e não apenas uma parte, ou seja, o condômino para pretender a usucapião deverá ter sobre o todo posse exclusiva, cessando o estado de comunhão”. (DINIZ, Maria Helena. Curso…, 2007, v. 4, p. 159). (TARTUCE, 2017, p. 116).

Ademais:

Em relação à usucapião em favor de um herdeiro contra o outro, o raciocínio deve ser o mesmo. Isso porque a herança é um bem imóvel e indivisível antes da partilha, o que decorre do princípio saisine, havendo um condomínio entre os herdeiros até o momento da divisão. (TARTUCE, 2017, p. 116).

Aduz o mencionado autor em relação ao tema da área condominial que deve ser observado quando há a morte de determinada pessoa e sobrevém bens a partilhar em favor dos herdeiros.

Isto porque, até o momento da realização efetiva da partilha, todos os herdeiros são proprietários da coisa comum, somente havendo uma propriedade individual posteriormente à partilha dos bens.

Tal análise não necessita ser feita se há apenas um herdeiro, haja vista que todos os bens que possuía o “de cujus”, se não houver testamentos, ficará somente para o seu único herdeiro, não havendo terras condominiais.

Para que haja, portanto, a aquisição da propriedade mediante usucapião, se faz necessário avaliar a posse dos ocupantes, dos terceiros, para que se possa deduzir pelo instituto em análise, tendo várias características para avaliação que serão esclarecidas.

2.1 A Posse “Ad Usucapionem” ou Usucapível

Flávio Tartuce elucida:

(…) Como exaustivamente demonstrado, a posse ad usucapionem deve ter como conteúdo a intenção psíquica do usucapiente de se transformar em dono da coisa. Entra em cena o conceito de posse de Savigny, que tem como conteúdo o corpus (domínio fático) e o animus domini (intenção de dono). Essa intenção de dono não está presente, pelo menos em regra, em casos envolvendo vigência de contratos, como nas hipóteses de locação, comodato e depósito. (TARTUCE, 2017, p. 116).

Uma das características para que possa o juiz reconhecer a usucapião é que o terceiro, possuidor do imóvel, tenha a intenção de ser dono da coisa, não ocorrendo nos casos de contratos de locação e comodato.
Isto porque, em um contrato de locação, o possuidor da propriedade imobiliária, no caso o locatório, paga mensalmente ao locador, para residir na localidade, mas não intenção de ser dono da coisa. Pode claro até ter intenção de ter sua casa própria, mas não aquela em que está alugando.

Carlos Roberto Gonçalves esclarece:

A posse (possessio) é fundamental para a configuração da prescrição aquisitiva. Não é qualquer espécie de posse, entretanto, que pode conduzir à usucapião. Exige a lei que se revista de certas características. A posse ad interdicta, justa, dá direito à proteção possessória, mas não gera a usucapião. (GONÇALVES, 2018, p. 139).

Para uma fidedigna compreensão fática, vejamos julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ação reivindicatória – Alegação defensiva de usucapião – Testemunhas contraditadas a que se deu a valoração adequada – Comodato caracterizado- Legatário que sempre residiu no loca, até sua morte – Cessão graciosa de um imóvel nos fundos da casa em que residia – Ausência do ‘animus domini’ pelo ocupante da edícula – Indenização devida a partir do trânsito em julgado – Razoabilidade jurídica – Recurso parcialmente provido”. (TJSP, Apelação com Revisao 135.688-4, São Paulo, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Nivaldo Balzano, 17.03.2003). Todavia, é possível a alteração na causa da posse (interversiopossessionis), admitindo-se a usucapião em casos excepcionais. Ilustre- se com a hipótese em que um locatário esta no imóvel há cerca de trinta anos, não pagando os aluguéis há cerca de vinte anos, tendo o locador desaparecido. Anote- se que a jurisprudência nacional tem reconhecido a usucapião em casos semelhantes (por todos: TJSP, Apelação com Revisão 337.693.4/9, Acórdão 3455115, São Paulo, Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 27.01.2009, DJESP 20.02.2009).

Deve o terceiro possuidor da propriedade, ao ingressar em um imóvel, demonstrar a fiel intenção de ser dono daquele bem, para que possa o juiz, logo na primeira análise, verificar a sua real intenção para uma eventual concessão de usucapião.

2.2 A Posse Mansa e Pacífica

A posse para caracterização da usucapião deve ser pacífica, não havendo qualquer intervenção, manifestação ou oposição do proprietário do imóvel, isto porque se houver, a posse deixa de ser mansa para ser resistida, não podendo futuramente o magistrado conceder a usucapião em tal caso.
Gonçalves exorta:

O segundo requisito da posse ad usucapionem é que seja mansa e pacífica, isto é, exercida sem oposição. Se o possuidor não é molestado, durante todo o tempo estabelecido na lei, por quem tenha legítimo interesse, ou seja, pelo proprietário, diz-se que a sua posse é mansa e pacífica. Requer-se a “ausência de contestação à posse, não para significar que ninguém possa ter dúvida sobre a conditio do possuidor, ou ninguém possa pô-la em dúvida, mas para assentar que a contestação a que se alude é a de quem tenha legítimo interesse, ou seja, da parte do proprietário contra quem se visa a usucapir.

Todavia, se este tomou alguma providência na área judicial, visando a quebrar a continuidade da posse, descaracterizada fica a ad usucapionem. Providências extrajudiciais não significam, verdadeiramente, oposição. (GONÇALVES, 2018, p. 139).

Pode-se pensar no caso em que um inquilino que reside dez anos da residência de “X”, pagando mensalmente pelo aluguel, não havendo qualquer manifestação do proprietário para retirada do imóvel, havendo, portanto, uma posse mansa e pacífica.

Porém, em tal caso, há um contrato locatício regulado pela Lei nº 8.245/95, não havendo em tal situação a posse com ânimo de dono, requisito essencial para concessão da usucapião.

2.3 A Posse Contínua, Duradoura e Lapso Temporal Determinado

A legislação brasileira, para cada espécie de usucapião, determina o tempo em que deverá o possuidor fixar sua residência no local, para que possa ingressar com uma demanda judicial de usucapião.
Para Flávio Tartuce:

(…) a posse somente possibilita a usucapião se for sem intervalos, ou seja, se não houver interrupção. Contudo, como exceção a ser estudada, o art. 1.243 do CC/2002, admite a soma de posses sucessivas ou accessiopossessionis. Quanto à duração, há prazos estabelecidos em lei, de acordo com a correspondente modalidade de usucapião. (TARTUCE, 2017, p. 116-117).

A posse de forma alguma pode ser interrompida por terceiros ou, principalmente, pelo proprietário do imóvel, pois deve ser contínua, por todo o período fixado na legislação, sob pena de frustração na ação de usucapião.
Gonçalves obtempera:

Como terceiro requisito, deve a posse ser contínua, isto é, sem interrupção. O possuidor não pode possuir a coisa a intervalos, intermitentemente. É necessário que a tenha conservado durante todo o tempo e até o ajuizamento da ação de usucapião. O fato de mudar-se para outro local não significa, necessariamente, abandono da posse, se continuou comportando-se como dono em relação à coisa. (GONÇALVES, 2018, p. 140).

No que toca ao tempo de posse, em regra, a pessoa que ingressou no imóvel, que possui por óbvio a posse, que deverá ingressar em juízo, visando à transferência da propriedade pela usucapião, uma das formas de aquisição imobiliária.

Todavia, o artigo 1.243 do Código Civil traz uma exceção, in verbis:
“Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.”

Pelo dispositivo legal supramencionado, o legislador estabelece que poderá haver uma reunião de posses em uma mesma propriedade, podendo o sucessor continuar na posse do imóvel do seu antecessor, somando o tempo de ambos para a aquisição imobiliária, desde que não retire da posse as qualidades de pacífica e mansa.

2.4 A Posse Justa

A posse será justa quando houver ausência de violência, clandestinidade ou de precariedade, pois se tais situações ocorrerem no exercício da posse passará a se tornar resistida, não sendo mais pacífica e nem mansa, já descaracterizando, também, o requisito anterior.

2.5 A Posse de Boa-Fé e Justo Título

Os requisitos mencionados neste item não se aplicam a todos os casos de usucapião, pois há situações em que a boa-fé e o justo título são dispensados, tendo, por consequência, que possuir o imóvel por um tempo mais prolongado.
Preconiza o artigo 1.242 do Código Civil:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

No caso de uma usucapião ordinária, prevista na legislação, deve o possuidor, além do cumprimento de outros requisitos, ter a posse de boa-fé e com justo título, para que possa de fato conseguir êxito na aquisição imobiliária mediante usucapião.

Impende salientar que a soma das posses consagradas no artigo 1.243 do Código Civil não se aplica às usucapiões especiais urbanas e rurais por encontrarem previsão específica na Constituição Federal de 1.988 e no Estatuto da Cidade, conforme denota-se do enunciado nº 317 na IV Jornada de Direito do CJF:

A accessio possessionis, de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente.

Gonçalves afirma:

Diz-se de boa-fé (fides) a posse se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa. (…)
(…)
A boa-fé costuma ser atrelada ao justo título, embora se trate de realidade jurídica autônoma. Acham-se ambos intimamente irmanados, sendo o título o ato exterior que justifica a posse e motiva a boa-fé. Esta é a integração ética do justo título e reside na convicção de que o fenômeno jurídico gerou a transferência da propriedade. (GONÇÇALVES, 2018, p. 143).

Na soma de posses, impende salientar que o ônus da prova, por óbvio, é de quem alega com fulcro no artigo 373-I do Código de Processo Civil/2.015, senão vejamos julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Apelação cível – Usucapião ordinário – Ausência de requisito da temporalidade indispensável à prescrição aquisitiva – Soma de posse – Ônus dos autores – Art. 333, I, do CPC. No caso concreto, ainda que some-se a posse anterior à posse exercida pelos autores no momento da propositura da demanda, esta não atinge o lapso temporal indispensável à usucapião. Assim, embora as partes venham exercendo a posse de boa-fé, mansa e pacífica, com animus domini, falta-lhes o lapso temporal indispensável à prescrição aquisitiva. (TJRS, Processo 70015858889, Data: 23.08.2006, Órgão jugador: Vigésima Câmara Cível, Juiz relator Glênio José WassersteinHekan, Origem: Comarca de Rosário do Sul).

Frisa-se ainda por oportuno que se deve aplicar à usucapião os artigos 197 a 202 do Código Civil concernentes à prescrição, tendo em vista que as situações ali previstas são aplicáveis ao instituto da usucapião, por ser este uma modalidade de prescrição denominada aquisitiva, sendo que a parte geral do Código comentado aplica-se fidedignamente às disposições e regras de ordem especial.

3 AS ESPÉCIES DA USUCAPIÃO

O ordenamento jurídico brasileiro, através do Código Civil bem como da Constituição Federal de 1.988, faz a previsão de algumas espécies, formas de usucapião, apresentando cada uma das modalidades requisitos peculiares, merecendo análise no presente momento.

3.1 Da Usucapião Ordinária

Estatui o artigo 1.242 do Código Civil:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Pela redação do dispositivo legal mencionado pode-se perceber que há duas divisões da usucapião ordinária, sendo a primeira a comum ou também chamada por regular, devidamente prevista no caput do art. 1.242 do CC, cujos requisitos, são os já consagrados no capítulo anterior, tratando de posse mansa, pacífica, pelo prazo de dez anos, justo título e, ainda, a boa-fé.
Tartuce exorta:

Relativamente à menção ao justo título, é fundamental a citaçã do Enunciado n. 86 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, prevendo que a expressão abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro. Em outras palavras, deve ser considerado justo título para a usucapião ordinária o instrumento particular de compromisso de compra e venda, independentemente do seu registro ou não no Cartório de Registro de Imóveis. (TARTUCE, 2017, p. 118).

O Superior Tribunal de Justiça realiza o mesmo entendimento do disposto acima pelo ilustre doutrinador:

Civil e processual – Ação reivindicatória – Alegação de usucapião – Instrumento particular de compromisso de compra e venda – Justo título – Súmula 84-STJ – Posse – Soma – Período necessário à prescrição aquisitiva atingido. I. Ainda que não passível de registro, a jurisprudência do STJ reconhece como justo título hábil a demonstrar a posse o instrumento particular de compromisso de compra e venda. Aplicação da orientação preconizada na Súmula 84. II. Se somadas as posses da vendedora com a dos adquirentes e atuais possuidores é atingido lapso superior ao necessário à prescrição aquisitiva do imóvel, improcede a ação reivindicatória do proprietário ajuizada tardiamente. III. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 171.204/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 26.06.2003, DJ 01.03.2004, p. 186).

Além da usucapião ordinária regular ou comum, há a ordinária por posse-trabalho, assim denominada pelos doutrinadores, que encontra previsão no parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil, que nada mais é aquela em que o possuidor paga pelo imóvel, em espécie, pela aquisição do bem, registrando tal compra e venda em Cartório Imobiliário, mas esta vem a ser cancelada posteriormente.

Havendo o cancelamento, se o possuidor comprovar que ficou empossado do bem pelo prazo de cinco anos, além de estabelecer na localidade investimentos de interesse social e econômico, exercendo a fidedigna função social da propriedade, o juiz concederá a usucapião ordinária posse-trabalho.

Flávio Tartuce esclarece uma falha no dispositivo, também devidamente destacada por outros estudiosos do direito, sendo:

O dispositivo material, sem dúvidas, apresenta um sério problema. Isso porque traz um requisito ao lado da posse-trabalho, qual seja, a existência de um documento hábil que foi registrado e cancelado posteriormente, caso de um compromisso de compra e venda. Tal requisito gera o que se convencionou denominar como usucapião tabular, especialmente entre os juristas da área de registros públicos. Pela literalidade da norma, parece que tal elemento é realmente imprescindível. Entretanto, pensamos o contrário, pois a posse-trabalho é que deve ser tida como elemento fundamental para a caracterização dessa forma de usucapião ordinária, fazendo com que o prazo caia pela metade. (TARTUCE, 2017, p. 119).

Pelo entendimento de Tartuce, o documento hábil para comprovação de registro e cancelamento em Cartório Imobiliário é dispensável e não imprescindível como faz parecer pela leitura do parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil Brasileiro, tendo em vista ser um documento secundário, acessório, que acompanha o principal, não desaparecendo o direito do possuidor de conquistar o imóvel por tal situação, mesmo em ausência de tal documento.

3.2 Da Usucapião Extraordinária

Reza o artigo 1.238 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuidor como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boafé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Realizando um comparativo entre a usucapião extraordinária com a ordinária, denota-se que na primeira não tem necessidade do possuidor comprovar a posse justa e de boa-fé para concretizar o direito à usucapião, modo de aquisição imobiliária, até mesmo pelo fato de o tempo de posse ser superior à ordinária, sendo de quinze anos, em regra, podendo ser diminuído para dez anos.

A posse de boa-fé e justa já é presumida pela própria legislação, não necessitando que o possuidor comprove nos autos, bem como em Cartório Imobiliário, conforme restará consignado no derradeiro capítulo.

Pela redação do dispositivo supramencionado, denota-se que o tempo de posse será de quinze anos, cabendo ao possuidor comprovar os requisitos, as características comuns da usucapião, para conseguir êxito no feito a ser ajuizado ou processado mediante Cartório Imobiliário.

O prazo de quinze anos reduzir-se-á para dez se o possuidor comprovar que utilizou da moradia para realizar atividade de cunho produtivo, em compasso com a função social da propriedade que exige a Constituição Federal de 1.988.

3.3 Da Usucapião Constitucional, Agrária ou Especial Rural Pro Labore

Elucida o artigo 1.239 do Código Civil:

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Nesta espécie de usucapião, além da previsão no Código Civil Brasileiro, ainda consagra o artigo 191 da Constituição Federal de 1.988, senão vejamos:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

E ainda o artigo 1º da Lei nº 6.969/81:

Art. 1º. Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houve tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis.
Parágrafo único. Prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação específica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares.

Primeiramente, no que concerne ao primeiro requisito, quando à extensão territorial, os dispositivos legais supramencionados, previstos no Código Civil Brasileiro como a Constituição Federal de 1.988 estabelecem que a zona rural não poderá ultrapassar cinquenta hectares, sendo que já no artigo 1º da Lei nº 6.969/81 fixa em área não superior a vinte e cinco hectares.

Apesar da divergência, deve-se entender como parâmetro o estabelecido no Código Civil Brasileiro por ser norma mais nova e ainda pela CF/1.988 em função da hierarquia das leis, sendo que ambas vigeram após a Lei nº 6.969/81, sendo Carta Magna, devendo ser respeitada, toda a sua determinação.

Portanto, o artigo 1º da Lei nº 6.969/81 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1.988, tendo como área legal, portanto, para conquista da usucapião rural, área não superior a cinquenta hectares.

Posteriormente, o segundo requisito para configuração de conquista da usucapião rural será a posse por cinco anos ininterruptos, isto é, não havendo qualquer interrupção por parte do proprietário, tendo o possuidor a intenção de ser o fiel dono da zona rural.

Ainda, deverá o possuidor fazer com que a zona rural seja produtiva, cultivando ali sua fonte de trabalho e subsistência, dando a fiel função social da propriedade, que determina a Constituição Federal de 1.988.

E, por fim, o possuidor da zona rural, para conquistar a propriedade para seu nome, não pode ter qualquer outro imóvel, seja urbano ou mesmo rural, pois dai já estaria tentando enriquecer ilicitamente nas custas de terceiro.
Flávio Tartuce esclarece:

Não há qualquer previsão quanto ao justo título e à boa-fé, pois tais elementos se presumem de forma absoluta (presunção iureet de iure) pela destinação que foi dada ao imóvel, atendendo à sua função social.
Além desses requisitos gerais, cumpre destacar que o art. 3º da Lei 6.969/1981 proíbe que a usucapião especial rural ocorra nas seguintes áreas:

– Áreas indispensáveis à segurança nacional.
– Terras habitadas por silvícolas.
– Áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente. (TARTUCE, 2017, p. 120).

Portanto, para que se verifique caracterizado a usucapião especial rural, também conhecida como “pro labore”, se faz necessário o preenchimento dos requisitos determinados na legislação, pelos dispositivos já supra elencados, principalmente no que toca à área mencionada de, no máximo, cinquenta hectares.

Se uma família, sabendo de um abandono de uma gleba de terras de oitenta e cinco hectares, passa a conviver em tal área, cultivando ali naquela localidade, toda a sua fonte de sustento e sobrevivência, dando fiel função social à propriedade, mesmo que ultrapasse cinco anos de ocupação em tal local, não conquistará a usucapião pela fora mencionada (especial rural), haja vista ultrapassar cinquenta hectares.

A dimensão deve claramente ser respeitada pelo magistrado bem como pelo Cartório Imobiliário que promover a usucapião, sob pena de ofensa ao artigo 191 da Constituição Federal de 1.988 e o Código Civil Brasileiro.

3.4 Da Usucapião Constitucional ou Especial Urbana – Pro Misero

Estatui o artigo 1.240 do Código Civil:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquentametros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou àmulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Outrossim, encontra previsão no artigo 183 da Constituição Federal de 1.988, in verbis:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2º. Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. §3º. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Ademais, preconiza o artigo 9º da Lei nº 10.257/2001:

Art. 9º. Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos independentemente do estado civil.
§2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito,posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Tal forma de aquisição de propriedade através da usucapião urbana é bem parecida com a rural, todavia, se distingue pelo fato de tratar-se de imóvel urbano, isto é, situado em cidade e não em zona rural.

A diferença consiste nos requisitos relativos à área a usucapir, tendo em vista que enquanto no rural, a área não poderá ultrapassar cinquenta hectares, na usucapião urbana poderá o imóvel ser de até duzentos e cinquenta metros quadrados.

Impende salientar que o possuidor que conquistar a propriedade por tal forma não poderá ser beneficiado novamente no futuro, em outro imóvel que venha a ocupar pela expressa proibição em um dos dispositivos acima mencionados.
Tartuce complementa o entendimento:

Por fim, de acordo com o §3º do art. 9º da Lei 10.257/2001, para os efeitos dessa modalidade de usucapião, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Eis aqui o tratamento específico da accessiopossessionis para a usucapião especial urbana, como antes mencionado, não se aplicando, portanto, a regra geral prevista no art. 1.243 do CC/2002. Fica claro, pela literalidade da norma, que a soma das posses para a usucapião especial urbana somente pode ser mortis causa e não inter vivos, como é na regra geral. (TARTUCE, 2017, p. 122).

A soma das posses do sucessor ao antecessor, neste caso, somente ocorrerá se houver a morte do possuidor direto, passando aos herdeiros o direito real de continuação na posse, não podendo de forma alguma ser convencionado inter vivos.

Fato inovador que ocorrera em usucapião urbana foi a Lei nº 12.424/2011 ter acrescentado ao Código Civil uma nova forma de aquisição, aplicada ao homem e a mulher casados, bem como conviventes em união estável e, ainda, claro, pelo entendimento dos Tribunais Superiores, aos membros integrantes do mesmo sexo.

Determina o artigo 1.240-A do Código Civil:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. §2º. Vetado.

Tal situação ocorrerá quando há um casamento entre duas pessoas ou conviventes em união estável, sejam casais heterossexuais ou homossexuais, em que um deles simplesmente abandone o lar em que vivem, não querendo, portanto, dar continuidade a relação.

Em função do abandono do lar conjugal pelo outro, o cônjuge ou companheiro que permanecer na residência cumprirá a função social da propriedade, conforme determina a Constituição Federal, razão pela qual a lei concede ao que permanecer no lar conjugal a possibilidade de propor uma ação judicial para aquisição da parcela da propriedade então pertencente ao que deixou a residência familiar, mediante a competente ação de usucapião.

Aquele também que for beneficiado uma vez não terá tal direito reconhecido em outra situação, podendo ocorrer somente uma vez esta modalidade de usucapião.

Para que não haja o cômputo do prazo basta ao cônjuge ou companheiro que abandonou o lar notificar o outro da sua intenção de partilhar o bem, sendo pelo correio com aviso de recebimento, para que consiga comprovar que de fato enviou tal documento.

Outrossim, poderá ainda ingressar com uma demanda judicial, possessória ou reivindicatória, requerendo as medidas possessórias cautelatórias pertinentes, visando com que não haja o transcurso do prazo de dois anos, para não perder a propriedade, no que toca à sua meação.

Ficou estabelecido no Enunciado nº 499 da V Jornada de Direito Civil do CJF:

A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e dever de sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.

Ressalta-se que não pode um cônjuge ou companheiro utilizar-se de violência ou ameaça para que o outro saia do imóvel, visando justamente conquistar o direito de usucapião por abandono de lar.

Ocorrendo violência ou ameaça, não há abandono de lar pelo companheiro, mas sim uma imposição pela atitude da outra pessoa, não preenchendo o requisito para concessão.

O prazo de dois danos fixado no artigo 1.240-A do Código Civil deve ser contado a partir do início da vigência da lei, senão vejamos alguns arestos para melhor compreensão:

Usucapião. Ação de usucapião familiar. Autora separada de fato que pretende usucapir a parte do imóvel que pertencente ao ex-cônjuge. Artigo 1240-A do Código Civil, inserido pela Lei nº 12.424/2011. Inaplicabilidade. Prazo de 2 anos necessário para aquisição na modalidade de ‘usucapião familiar’ que deve ser contado da data da vigência da lei (16.06.2011). Ação distribuída em 25.08.2011. Lapso temporal não transcorrido. Sentença de indeferimento da inicial mantida. Recurso desprovido. (TJSP, Apelação 00406656920118260100, 3ª Câmara Cível, Rel. Alexandre Marcondes, j. 25.02.2014).
Direito de família. Divórcio litigioso. Apelação. Usucapião familiar. Artigo 1.240- A do Código Civil. Aplicação retroativa. Impossibilidade. Recurso desprovido. O artigo 1.240-A do Código Civil não possui aplicação retroativa, porque comprometeria a estabilidade das relações jurídicas. (TJMG, Apelação Cível 1.0702.11.079218Carlos Moreira Diniz, j. 11.07.2013, DJEMG 16.07.2013).

Apelação cível. Divórcio. Justiça gratuita. (…) Usucapião de bem familiar. Exegese do art. 1.240-A do Código Civil, incluído pela Lei n. 12.424, de 2011. Contagem do prazo de dois anos anterior à vigência da Lei. Impossibilidade. (…). 2 O termo inicial da contagem do prazo de dois anos para aplicação da usucapião por abandono familiar e patrimonial do imóvel comum é a data do início da vigência da Lei que instituiu essa nova modalidade de aquisição dominial. (…). (TJSC, Apelação Cível 2013.008829-3, Itajaí, 2ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. José Trindade dos Santos, j. 31.05.2013, DJSC 07.06.2013, p. 191).

Tal forma de usucapião é inovadora e merece análise detalhada do órgão jurisdicional, haja vista que faz com um dos companheiros ou cônjuge perca seu direito de meação, pela usucapião de sua quota-parte no bem imóvel.

3.5 Da Usucapião Indígena

Preceitua o artigo 33 da Lei n° 6.001/73:

Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

O Estatuto do Índio, instituído pela Lei n° 6.001/73, tendo em vista a permissão legal para as pessoas comuns adquirirem a propriedade pela usucapião, nada mais do que justo de que os índios, que tratam de pessoas que vivam em zona rural, em tribos, também façam adquirir da mesma forma.

Denota-se pelo dispositivo legal supramencionado que os requisitos para configuração da usucapião indígena são de caráter facilitador, eis que somente estabelece três elementos para adquirir mediante a usucapião.

O primeiro deles trata-se da limitação do domínio da terra, que deve necessariamente possuir até cinquenta hectares, não podendo de forma alguma, ser usucapida alguma gleba de terras com área superior à mencionada.

Ademais, além do limite territorial da terra, se faz necessário que o indígena esteja na posse do bem por dez anos consecutivos, ressaltando, portanto, que não poderá tal posse ser alternada.

Ainda, como requisito final, que o indígena ocupe a terra como possuidor, tendo-a como própria, fazendo dar êxito na função social da propriedade, assim como determinada a Constituição Federal, conforme já consignado.

Impende salientar que o parágrafo único do artigo 33 da lei mencionada ao início do presente subtópico, ressalta algumas situações de terras que não poderão ser usucapidas, como aquelas de domínio da União tendo em vista que os bens públicos não podem ser objetos de usucapião conforme artigo 102 do Código Civil Brasileiro.

3.6 Da Usucapião Coletiva Urbana

Dispõe o artigo 10 da Lei n° 10.247/01:

Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. §2º. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideias diferenciadas. §4°. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§5º. As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

O presente caso de usucapião, já trata de uma coletividade de pessoas desejarem adquirir uma propriedade em que esteja na posse, sem oposição por cinco anos.

Não trata de possuidor individual assim como é nas demais hipóteses, tratando aqui de uma coletividade de indivíduos, que todos, portanto, sejam possuidores, tratando o imóvel como de suas propriedades fossem.

Um fator bastante peculiar e que merece consideração é a situação de como se trata de uma coletividade de pessoas e não um indivíduo apenas, a área territorial do terreno no total deverá dividir pelo juiz, não podendo ser superior a cinquenta metros quadrados para cada possuidor.

Não limita o dispositivo legal a área total do terreno haja vista que deverá o magistrado, ao avaliar o caso em concreto, pegar o total da área e dividir pelo número de possuidores existentes na propriedade, para se souber quanto daria de quota-parte para cada um.

Sendo uma área inferior a cinquenta metros quadrados, poderá ser deferido, desde que cumpridos os demais requisitos, haja vista que todos os elementos contidos no dispositivo legal deverão ser preenchidos, por serem cumulativos e não alternativos.

O tempo de posse deverá ser de cinco nos ininterruptos, não necessitando ser da mesma pessoa, podendo haver a sucessão da posse, transferindo de uma pessoa para outra.

Por se tratar de um imóvel apenas para propriedade de várias pessoas, a área territorial será considerada para a legislação brasileiro como um condomínio, sendo a propriedade indivisível, haja vista que cada indivíduo será dono de uma quota-parte, mas que não poderá haver repartição física do bem, diante da sua consideração como um todo.

Os possuidores, portanto, que estiverem na posse de um bem e que não sejam provocados pelo real proprietário, pelo prazo de cinco anos, poderão ingressar com uma ação judicial visando à aquisição efetiva, jurídica do bem, pela usucapião coletiva urbana com fulcro no artigo 10 do Estatuto da Cidade – Lei n° 10.247/01.

A ação, que tramitará no juízo no local onde o imóvel estiver localizado, será avaliada pelo magistrado, colhendo todas as provas que entender pertinentes, para se averiguar o preenchimento de todos os requisitos elencados no dispositivo legal supramencionado, declarará em sentença a propriedade em favor de todos os possuidores, determinando que se oficie o Cartório de Registro de Imóveis para averbação da decisão prolatada, para que produza os devidos efeitos em favor de terceiros.

4 A USUCAPIÃO IMOBILIÁRIA ADMINISTRATIVA

Ao lecionar sobre usucapião, Flávio Tartuce em sua obra doutrinária “Direito Civil – Direito das Coisas” estatui:

Desse modo, a usucapião constitui uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), peã posse prolongada, permitindo a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica: a aquisição originária da propriedade (RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado…, 2006, p. 169- 172). Pode-se afirmar que a usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se pode mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião. (TARTUCE, 2017, p. 115).

Antes da vigência do Novo Código de Processo Civil, a usucapião, na forma originária de aquisição de propriedade imóvel, se fazia apenas em via judicial, cabendo ao possuidor do bem ingressar com uma demanda jurisdicional, visando conquistar a posse jurídica, passando a ser proprietário do almejado bem.

Porém, com o advento da Lei nº 13.105/2.015, houve uma mudança drástica quanto à usucapião imobiliária, preconizando em seu artigo 1.071, in verbis: “O capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A.”

A Lei nº 6.015/73 é a lei consagradora dos Registros Públicos do País, tendo os cartórios extrajudiciais que observar os regramentos estabelecidos na mesma, sendo que o novo Código de Processo Civil acrescentou o artigo 216-A, senão vejamos:

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I – ata notarial lavrado pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Percebe-se que o novo Código de Processo Civil trouxe a possibilidade da usucapião imobiliária tramitar em Cartório de Registro de Imóveis na cidade em que for localizado o mesmo, não necessitando que o possuidor do bem ingresse em juízo para realizar tal aquisição originária de propriedade, desde, por óbvio, preenchidos os requisitos legais para tanto, já supra elencados.

Apesar de parecer que a lei nº 13.105/2.015, no que tange à possibilidade da usucapião tramitar extrajudicialmente, ser uma forma benéfica, deve-se tomar muita cautela sob tal pensamento.

Entretanto, cumpre ressaltar que o procedimento extrajudicial apresenta algumas peculiaridades, que serão analisadas na sequência.

Primeiramente, insta consignar que no caput do artigo 216-A da Lei nº 6.015/73

veio constar a extrema necessidade e imprescindibilidade da presença de advogado durante o trâmite extrajudicial, podendo-se questionar se as pessoas de baixa renda, que não possuem condições de arcar com advogado particular, poderiam usar tal forma concebida pelo novo Código de Processo Civil.

Apesar das pessoas necessitadas poderem procurar a Defensoria Pública, visando utilizar os trabalhos dos defensores públicos, não existe àquela em todas as comarcas brasileiras, o que impediria as pessoas necessitadas de utilizarem tal forma.

Outrossim, pessoas desprovidas de rendimento financeiro, consideradas pobres no sentido legal do termo com fulcro na lei nº 1.060/50 c/c artigos 98 a 102 do Novo Código de Processo Civil, não poderão fazer uso da Assistência Judiciária Gratuita nos Cartórios Extrajudiciais, pois somente se aplica aos processos judiciais, mostrando, mais uma vez, que as pessoas de baixa renda não vieram a ser contempladas com tal mudança.

Ainda, no inciso I do artigo 216-A faz constar como requisito primordial: “ata notarial lavrado pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;”

O tabelião do Cartório Imobiliário, após análise dos documentos apresentados, não constatando a posse de fato do bem imóvel pelo usucapiente, terá que solicitar ao mesmo, novos documentos, os quais por vezes, não os possuem, fazendo requerer a oitiva de testemunhas para a devida comprovação.

Ainda, poderá fazer com que o usucapiente perca tempo tentando solucionar o caso extrajudicialmente, tendo em vista que não havendo possibilidade de demonstração da posse por meio de testemunhas, o tabelionato remeterá os autos ao órgão jurisdicional para processamento da ação judicial de usucapião, que obedecerá as regras do procedimento do Código de Processo Civil, o que já poderia ter feito desde o princípio.

Diante do grande abarrotamento de processos judiciais, cada vez mais o legislador tenta inovar questões jurídicas a serem resolvidas diretamente em Cartório Extrajudicial, que apesar de não integrar o Poder Judiciário, todos os seus atos possuem fé pública por estrita determinação legislativa.

Conforme já mencionado, os Cartórios de todo o País devem obedecer às diretrizes normativas da Lei nº 6.015/73, em que já possuem caráter de solucionar diversas questões jurídicas, que, em tempos remotos, somente se resolveriam por uma demanda jurisdicional.

A usucapião, uma das formas de aquisição de propriedade imóvel, pela nova regra trazida pelo novo Código de Processo Civil, acrescentou à lei supramencionada, o artigo 216-A, possibilitando a ocorrência de usucapião em cartório de registro de imóveis, da comarca onde se situe o bem imóvel, não necessitando ingressar diretamente com uma demanda judicial.

Apesar de tal possibilidade, fora ressaltado no tópico retro, os problemas que surgem com a inovação, o que deve ser estritamente criticado pelos estudiosos do direito, bem como aos fieis aplicadores das legislações nacionais.

Uma grande solução às problemáticas apresentadas seria ao legislador, diante da inovação, retificar alguns pontos consagrados no artigo 216-A da Lei nº 6.015/73, para que possa de fato conseguir uma plena eficácia no desenvolvimento da usucapião administrativa ou extrajudicial.

Primeiramente, deveria o legislador na modificação retirar a obrigatoriedade das partes estarem acompanhadas de advogado, haja vista que em determinadas regiões inexistem Defensorias Públicas, sendo que pessoas pobres no sentido legal do termo, serão prejudicadas pela ausência de possibilidade de ingresso com tal modalidade extrajudicial por não terem condições financeiras de arcar com os honorários advocatícios de um causídico particular.

Ainda, o legislador deverá passar a consagrar no dispositivo em comento, a hipótese de necessidade de regulamentação de oitiva de testemunhas, se porventura, as partes não conseguirem demonstrar de fato a posse jurídica pelo tempo necessário mediante as documentações exigidas no artigo já mencionado.

Muitas vezes nos casos concretos de usucapião, a posse se comprova pelas testemunhas que de fato presenciaram o lapso temporal em que os possuidores se encontram na residência, o que não faz tal previsão no artigo 216-A da lei cartorária, havendo uma falha legislativa, ou um mero esquecimento.

Se, porventura, o legislador não retificar o artigo supramencionado, poderão os tabelionatos, por costume, passar a estabelecer internamente, formas de exigir e regulamentar certas situações para alcançar o que pretendia o legislador, isto é, amenizar as demandas judiciais no que tange à usucapião.

Aos casos em que possuidores necessitem de comprovação da posse jurídica mediante a oitiva de testemunhas, poderão colher os tabelionatos dos cartórios brasileiros uma fiel declaração das pessoas testemunhantes, assinando-se ao final pelo declarante, tudo com a estrita fé pública, sob pena de sofrerem penalidades administrativas e criminais.

Ademais, para solucionar a questão da imprescindibilidade de advogado, apesar de no artigo 133 da Constituição Federal de 1.988 determinar que o procurador é essencial para o desempenho da Justiça, os cartórios poderão realizar tal dispensa por não ser órgão integrante do Poder Judiciário, podendo, uma vez comprovando não haver condições financeiras o possuidor e, na localidade onde não haja Defensoria Pública, aceitar o requerimento de aquisição imobiliária por usucapião, sem a presença de advogado.

Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra doutrinária “Instituições de Direito Civil – Direitos Reais”, exorta:

O Código de Processo Civil de 2.015, por sua vez, extinguiu o rito especial da ação de usucapião e consagrou a possibilidade da usucapião administrativa em seu art. 1.071, que acresce o art. 216-A à Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).
De acordo com a nova sistemática, ampliou-se o espectro do procedimento extrajudicial da usucapião que, agora, passa a abarcar todo e qualquer pedido em que haja consenso entre o possuidor e demais interessados (confrontantes, proprietário, titulares de direitos reais sobre o imóvel, entre outros). (PEREIRA, 2017, p. 156).

Ainda, sob o procedimento de realização da usucapião de forma administrativa, o ilustre doutrinador já mencionado, esclarece:

Segundo o CPC/2015, o requerente, munido da documentação constante no art. 216A, I a IV, levará seu pedido ao registrador de imóveis da situação do bem. Comprovada a posse sobre a coisa, sua duração, continuidade, qualidade, inexistência de litígio e demais requisitos legais, a usucapião será registrada em cartório (art. 216-A, §§2º, 3º, 4º e 6º). Trata-se de procedimento mais célere que aquele processado em juízo.
Inexistindo a comprovação da aquiescência dos titulares de direitos reais sobre imóveis e demais interessados, estes serão notificados pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar o seu consentimento expresso em quinze dias. Após tal prazo, eventual silêncio será interpretado como discordância (art. 216-A, §2º), hipótese em que o registrador remeterá os autos ao juízo da situação do imóvel.
Do mesmo modo, em caso de impugnação expressa apresentada por qualquer um dos interessados, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (art. 216-A, §10). (PEREIRA, 2017, p. 156).

Apesar do novo Código de Processo Civil acrescentar à lei dos registros públicos (Lei nº 6.015/73), o artigo 216-A, criando uma nova possibilidade de se conseguir efetivar a usucapião, de uma propriedade imobiliária, não se trata de uma obrigatoriedade que se perfaça via cartorária e sim uma faculdade.
Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira:

Frise-se que a rejeição do pedido na via extrajudicial não impede o ajuizamento da ação de usucapião (art. 216-A, §9º), que também poderá ocorrer por opção do possuidor, eis que a usucapião administrativa constitui mera faculdade, a se desenvolver sob o rito comum do Código. (PEREIRA, 2017, p. 156).

Para que o possuidor consiga a usucapião imobiliária, se faz necessário possuir uma série de documentos comprobatórios para se demonstrar fidedignamente a posse jurídica do imóvel.

O Código de Processo Civil de 2.015, diante da superlotação de demandas judiciais no Poder Judiciário, inovou quanto à usucapião, criando a possibilidade em forma administrativa, fazendo com que o possuidor, uma vez em posse de documentos exigidos no artigo 216-A da Lei nº 6.015/73, se dirija diretamente no Cartório Extrajudicial da comarca onde se situa o imóvel, para que possa dar início ao procedimento cartorário, enfatizando o legislador a prática, cada vez mais frequente, de “desjudicialização”, como instrumento para atender ao princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII da CF), pois quanto mais procedimentos administrativos, menos ações judiciais, desafogando de maneira relevante a atuação do Poder Judiciário.

Trata-se, conforme já mencionado alhures, de uma forma facultativa, o que não impede com que o possuidor ingresse diretamente na via judicial, porém, devendo aguardar todo o trâmite processual, com uma vasta demora.

5 CONCLUSÃO

A usucapião é uma forma de aquisição da propriedade imóvel, ocorrendo quando um possuidor, se apossando do bem que se encontra abandonado nos termos da lei, passa a dar uma devida função à tal propriedade conforme exige o inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988.

Um bem imóvel não deve servir apenas por existir, cabendo possuir alguma finalidade social, como habitação para de determinado morador. Se, porventura, o proprietário for dono de vários imóveis, poderá, a título de exemplo, alugar seu bem para terceiro, nos estritos termos da lei de locação – Lei nº 8,245/91.

O possuidor, adentrando a um imóvel abandonado e exercendo a sua devida função social, cumprindo determinados requisitos exigidos pelo Código Civil e Constituição Federal para cada modalidade, poderá ingressar com uma demanda judicial de ação de usucapião para que se seja decretada uma decisão por um magistrado, visando constituí-lo como novo proprietário do bem imóvel.

Não trata de suposições e sim realidade que a lei permite conforme se denota dos artigos 1.238 e seguintes do Código Civil e ainda artigos 183 e 191, ambos da Constituição Federal de 1.988.

Todavia, para que seja deferido tal modo de aquisição imobiliária, deverá o possuidor comprovar alguns requisitos determinados por lei, como a comprovação da posse por certo lapso temporal, posse mansa e pacífica, além de possuir um justo título e de boafé, tudo a depender de qual modalidade de usucapião que visa enquadrar.

Apesar de ser comum o ingresso de uma ação judicial para se ver deferido a transferência de propriedade, do antigo proprietário para o possuidor do bem imóvel, o novo Código de Processo Civil incluiu o artigo 216-A à Lei nº 6.015/73, passando a oportunizar com que as usucapiões poderão ser requeridas e concedidas diretamente em Cartório Imobiliário, perante um tabelião, em cidade onde se encontra localizado o bem imóvel, desde que cumpridas as determinações contidas no dispositivo legal mencionado.

Referida concessão, sem necessitar de que proponha uma ação judicial para resolver o impasse, se viu necessária diante da superlotação de demandas judiciais ao Poder Judiciário, muitas vezes podendo ser resolvidas de forma extraprocessual.

Apesar de todos os aplausos que possa merecer o artigo 216-A da Lei nº 6.015/73, o dispositivo legal ainda é falho e dificultoso de aplicação por algumas circunstâncias específicas, como a imposição de presença de advogado no ato, mesmo sabendo-se que não são todos os brasileiros que possuem condições de arcar com um patrono particular e ainda, que nem todas as cidades possuem Defensorias Públicas, não abarcando, portanto, os pobres, no sentido legal do termo em exegese aos artigos 98 a 102 do Código de Processo Civil c/c Lei nº 1.060/50.

Uma grande solução às problemáticas surgidas com o artigo 216-A da Lei nº 6.015/73, seria ao legislador, diante da inovação, retificar alguns pontos consagrados no dispositivo legal em comento, para que possa de fato conseguir uma plena eficácia no desenvolvimento da usucapião administrativa ou extrajudicial.

Primeiramente, deveria o legislador na modificação retirar a obrigatoriedade das partes estarem acompanhadas de advogado, haja vista que em determinadas regiões inexistem Defensorias Públicas, sendo que pessoas pobres no sentido legal do termo, serão prejudicadas pela ausência de possibilidade de ingresso com tal modalidade extrajudicial por não terem condições financeiras de arcar com os honorários advocatícios de um causídico particular.

Ainda, o legislador deverá passar a consagrar no dispositivo supramencionado, a hipótese de necessidade de regulamentação de oitiva de testemunhas, se porventura, as partes não conseguirem demonstrar de fato a posse jurídica pelo tempo necessário mediante as documentações exigidas na lei.

Muitas vezes nos casos concretos de usucapião, a posse se comprova pelas testemunhas que de fato presenciaram o lapso temporal em que os possuidores se encontram na residência, o que não faz tal previsão no artigo 216-A da lei cartorária, havendo uma falha legislativa, ou um mero esquecimento.

Se, porventura, o legislador não retificar o artigo supramencionado, poderão os tabelionatos, por costume, passar a estabelecer internamente, formas de exigir e regulamentar certas situações para alcançar o que pretendia o legislador, isto é, amenizar as demandas judiciais no que tange à usucapião.

Aos casos em que possuidores necessitem de comprovação da posse jurídica mediante a oitiva de testemunhas, poderão colher os tabelionatos dos cartórios brasileiros uma fiel declaração das pessoas testemunhantes, assinando-se ao final pelo declarante, tudo com a estrita fé pública, sob pena de sofrerem penalidades administrativas e criminais.

REFERÊNCIAS

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