AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS FISIOTERAPEUTAS SOBRE INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Autores
Dara Fernandes Siqueira1,
Rayssa Mikelle Vitor Romualdo2,
Dominique Babini Albuquerque Cavalcanti3.

1,2Acadêmicas do 10° período do Curso de Fisioterapia da UNINASSAU Paulista.
3Fisioterapeuta. Mestre em Educação (USP).
Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente (UFPE).
Docente do Curso de Fisioterapia da UNINASSAU Paulista.


RESUMO

Introdução: A Incontinência Urinária (IU) pode ocorrer nos três primeiros meses após o Acidente Vascular Encefálico (AVE), como resultado da contração involuntária do músculo detrusor da bexiga ou relaxamento involuntário do esfíncter uretral. A IU implica em múltiplos comprometimentos para os pacientes com AVE, prejudicando o bem-estar físico, psicológico e sexual, limitando a autonomia e a autoestima, além de contribuir para depressão e isolamento social. Objetivo: Avaliar o conhecimento dos profissionais fisioterapeutas sobre IU em pacientes com diagnóstico de AVE analisando a autopercepção dos profissionais sobre a habilidade de identificar, caracterizar e tratar esse perfil de pacientes. Métodos:Esta pesquisa é um estudo transversal, quantitativo e descritivo, realizado no estado de Pernambuco com profissionais de Fisioterapia, maiores de 18 anos, de ambos os sexos e cadastrados no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Região 1. A divulgação do estudo e captação dos participantes foi realizada por meio de redes sociais, sendo fornecido um linkda plataforma GoogleFormscom um formulário contendo 22 questões a ser preenchido de forma online e autoaplicável, que ficou disponível por um período de três meses. Os dados do formulário foram digitalizados em planilhas do MicrosoftWorld e Excel, para apresentar a análise descritiva dos dados, foram utilizadas tabelas e figuras. Resultados: Verificou-se que 94% dos fisioterapeutas referiram já ter identificado presença de IU em pacientes com AVE atendidos por eles; 72% afirmaram que encaminhariam o paciente para um profissional fisioterapeuta especialista na área de uroginecologia para tratar a IU; e 94% responderam que julgavam que outro profissional poderia dar um melhor atendimento ao paciente, uma vez que ele possui conhecimento, recursos e equipamentos para tratá-lo. Conclusão: Faz-se necessário maior investimento dos órgãos competentes educacionais e de saúde para ampliação de discussões acerca do ensino de graduação na área, debates sobre recomendações para desenvolvimento de conhecimentos e habilidades para atendimento ao público em questão.

Palavras-chave:Acidente Vascular Encefálico, Incontinência Urinária, Fisioterapia.

ABSTRACT

Introduction:Urinary Incontinence (UI) can occur in the first three months after a stroke, as a result of involuntary contraction of the bladder detrusor muscle or involuntary relaxation of the urethral sphincter. UI implies multiple impairments for stroke patients, impairing physical, psychological and sexual well-being, limiting autonomy and self-esteem, in addition to contributing to depression and social isolation. Objective: The study aimed to assess the knowledge of physical therapists about UI in patients diagnosed with stroke, analyzing the self-perception of professionals about the ability to identify, characterize and treat this profile of patients. Methods: This research is a cross-sectional, quantitative and descriptive study, carried out in the state of Pernambuco with Physiotherapy professionals, over 18 years of age, of both genders and registered in the Regional Council of Physiotherapy and Occupational Therapy of Region 1. Dissemination of the study and capture of the participants was carried out through social networks, with a link to the Google Forms platform being provided with a form containing 22 questions to be completed online and self-administered, which was available for a period of three months. The form data were digitized in Microsoft Word and Excel spreadsheets, to present the descriptive analysis of the data, tables and figures were used. Results: It was found that 94% of physical therapists reported having already identified the presence of UI in patients with stroke treated by them; 72% stated that they would refer the patient to a physiotherapist specialized in the field of urogynecology to treat the UI; and 94% answered that they thought that another professional could provide better care to the patient, since he/she has the knowledge, resources and equipment to treat him. Conclusion:Greater investment is needed by the competent educational and health bodies to expand discussions about undergraduate education in the area, debates on recommendations for the development of knowledge and skills to serve the public in question.

Key-words:Stroke; Urinary Incontinence; Physical Therapy Modalities

  1. INTRODUÇÃO

Segundo a Sociedade Internacional de Continência (ICS), a Incontinência Urinária (IU) pode ser definida como a queixa de qualquer perda involuntária de urina. A IU implica em comprometimentos na vida dos indivíduos acometidos, prejudicando o bem-estar pessoal, físico, psicológico e sexual, limitando a autonomia do indivíduo, diminuindo a autoestima, podendo ocasionar a depressão e o isolamento social1,2.

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é ocasionado por falta do fluxo sanguíneo no cérebro, com duração maior que 24 horas, resultando na morte de células cerebrais. É classificado em dois tipos: Hemorrágico, quando ocorre rompimentos de vasos sanguíneos; e, Isquêmico, causado por algum bloqueio que interrompe o fluxo sanguíneo3.

Pacientes pós AVE podem apresentar diversos comprometimentos neurológicos e físicos, como déficit cognitivo e mental, instabilidade de tronco, alteração de propriocepção, alterações sensitivas, dificuldades para andar e manter-se em equilíbrio, diminuição da força muscular, entre outros4,5.

A IU pode ocorrer nos três primeiros meses após o AVE, é considerada um problema de saúde pública, de acordo com a ICS e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso se dá pelo elevado índice de cirurgias realizadas para o tratamento da IU, quando deveria ser realizado de primeira instância o tratamento conservador com a Fisioterapia Pélvica (FP), visto que o tratamento conservador é mais barato e menos invasivo. A inversão de opção de tratamentos está relacionada com a falta de conhecimento por parte dos profissionais de saúde e também a escassa disponibilidade dos serviços públicos em oferecer a FP como tratamento para a IU6,7.

A importância do conhecimento e do preparo do fisioterapeuta sobre essas duas áreas é de suma importância para que ocorra um tratamento de forma segura e eficaz. Saber realizar uma avaliação com todos os itens necessários é a chave para um tratamento completo que irá abordar todas as necessidades daquele paciente, para assim promover uma melhor qualidade de vida ao paciente7.

Este estudo tem como objetivos: avaliar o conhecimento dos fisioterapeutas sobre a Incontinência Urinária em pacientes com diagnóstico de AVE, analisando a autopercepção dos profissionais sobre a habilidade de identificar, caracterizar tratar esse perfil de pacientes.

  1. MÉTODOS

Esta pesquisa se caracterizou como um estudo transversal, quantitativo e descritivo, realizado no estado de Pernambuco com profissionais de Fisioterapia cadastrados no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Região Um (CREFITTO 1). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Mauricio de Nassau de Recife com número de CAAE: 47450721.5.0000.5193. O mesmo atendeu todas as exigências da resolução 466/12 sobre ética, risco e benefícios.

Inicialmente, foi requisitado ao Conselho Regional (CREFITTO 1) o quantitativo de profissionais fisioterapeutas com registro ativo. A coleta de dados foi realizada através da criação de um formulário contendo vinte e duas questões desenvolvidas pelas autoras.

A divulgação do estudo e captação dos participantes foi realizada de forma online, por meio de redes sociais sendo fornecido um link da plataforma Google Forms contendo um formulário autoaplicável a ser preenchido pelo profissional, o qual ficou disponível por um período de três meses (agosto, setembro e outubro). Antes de responder ao formulário, os participantes assinaram eletronicamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando em participar da pesquisa.

Os critérios de inclusão foram: ser fisioterapeuta graduado, conter registro ativo e regularizado no CREFITTO da primeira região e ter idade igual ou superior a 18 anos. Nos critérios de exclusão considerou-se ter menos de dois anos de graduação em fisioterapia.

O formulário sobre a Avaliação do Conhecimento do Profissional Fisioterapeuta sobre IU em Pacientes com Diagnóstico de AVE foi previamente testado com três profissionais fisioterapeutas em um estudo piloto, com intuito de verificar possíveis dificuldades de compreensão sobre as questões.

O referido formulário é composto por questões objetivas e dissertativas, sendo essas, a descrição do e-mail e número do conselho. As questões objetivas tratam do perfil do profissional, formação profissional do participante, aspectos do AVE, IU e decisões de condutas a serem tomadas pelo profissional em relação aos pacientes com o diagnóstico.

Para o desfecho referente ao quantitativo de profissionais que se sentem capazes de atuar no tratamento da IU em pacientes com diagnóstico de AVE, foram desenvolvidas duas questões: o profissional se considerar apto em atuar no tratamento de pacientes com sequelas do AVE e, se o profissional se considera apto para atuar no tratamento da IU. Ambas as perguntas tinham as opções de respostas sim, não e não se aplica.

Sobre a conduta escolhida pelo fisioterapeuta após realizar uma anamnese detalhada do paciente, as alternativas foram descritas da seguinte maneira: i) se o profissional preferia tratar apenas as complicações motoras ocasionadas pelo AVE sem tratar a IU; ii) opção de encaminhar o paciente para um profissional especialista em IU; iii) se o profissional realizaria o tratamento tanto para IU quanto para o AVE; e por fim, a opção de não se aplica como resposta.

Também se questionou em qual momento o fisioterapeuta optaria por encaminhar seu paciente para outro profissional, tendo como as alternativas de resposta as seguintes: i) julgar não ter conhecimento suficiente para trata-lo; ii) não obter recursos e equipamentos para atendê-lo; iii) julgar que outro profissional dará um melhor atendimento visto que possui conhecimento, recursos e equipamentos para o atendimento; e por fim, se nenhuma das alternativas se aplicava.

Por fim, os dados do formulário foram digitalizados em planilhas do Microsoft Excelversão 2007. A análise estatística foi realizada por meio do IBM SPSS Statistics Softwareversão22.0,com as variáveis sendo expressas em número de casos e frequência. Para apresentar a análise descritiva dos dados, foram utilizadas tabelas e figuras

  1. RESULTADOS

Após o período de divulgação através das mídias sociais do questionário contento 22 perguntas sobre “avaliação do conhecimento dos profissionais fisioterapeutas sobre incontinência urinária em pacientes com diagnóstico de Acidente Vascular Encefálico” dezoito pessoas aceitaram participar da pesquisa.

Na Tabela 1, está apresentada a caracterização pessoal e de formação profissional dos Fisioterapeutas da amostra. Analisando o perfil dos participantes, observou-se que 61% são mulheres, entre idade de 30 a 39 anos e que se consideraram de cor branca. Quanto ao perfil profissional, 44% tinham entre 2 e 5 anos de tempo de formação, 72% se formou em Instituição de Ensino Superior Privada, 39% referiram especialização nas áreas de Fisioterapia Neurofuncional e Fisioterapia Respiratória, sendo possível a marcação de mais de um item na última resposta. Ainda considerando a formação profissional dos participantes, 94% referiram atuar em suas áreas de especialização. Além disso, 56% atuam a domicílio e 50% em hospital.

Tabela 1. Caracterização pessoal e de formação profissional dos Fisioterapeutas da amostra.

CaracterísticasAmostra N (%)
Sexo
Feminino11 (61,0)
Masculino7 (39,0)
Faixa etária
18-29 anos6 (33,0)
30-39 anos11 (61,0)
40-50 anos1 (6,0)
Raça
Branca11 (61,0)
Parda7 (39,0)
Estado Civil
Solteiro
Casado
Divorciado
9 (39,0)
7 (50,0)
2 (11,0)
Tempo de formação profissional
2 a 5 anos
6 a 10 anos
11 a 20 anos
8 (44,0)
5 (28,0)
5 (28,0)
Tipo de instituição de formação
Privada
Pública
13 (72,0)
5 (28,0)
Área de especialização
Acupuntura
Fisioterapia Dermatofuncional
Fisioterapia Neurofuncional
Fisioterapia Respiratória
Fisioterapia Traumato-Ortopédica
Osteopatia/Quiropraxia
Fisioterapia na Saúde da Mulher
5 (28,0)
1 (6,0)
7 (39,0)
7 (39,0)
2 (11,0)
1 (6,0)
1 (6,0)
Atua na área de especialização?
Sim
Não
17 (94,0)
1 (6,0)
Ambiente de trabalho
Domicílio
Clínica/Centro de reabilitação público
Clínica/Centro de reabilitação particular
Hospital
Ambulatório
10 (56,0)
2 (11,0)
6 (33,0)
9 (50,0)
1 (6,0)
N, número de casos; %, percentual.

A caracterização dos conhecimentos sobre o AVE e perfil de pacientes atendidos pelos profissionais Fisioterapeutas da amostra está apresentada na Tabela 2. Todos os fisioterapeutas respondentes afirmaram “considerar-se apto para tratar de pacientes pós AVE”. Sobre a forma de ensino oferecida pela graduação em relação ao tratamento básico para as consequências relacionadas ao AVE, 89% afirmaram terem obtido ensino teórico e prático suficiente.

Dos profissionais entrevistados, 61% procuraram por capacitações além da graduação e 100% afirmaram terem atendidos pacientes pós AVE durante suas práticas clínicas. Dos pacientes atendidos, 56% foram do sexo feminino, 39% na faixa etária entre 50 a 69 anos, e o tipo de AVE que mais foi tratado pelos fisioterapeutas foi o Isquêmico (72%).

Tabela 2. Caracterização dos conhecimentos sobre o AVE e perfil de pacientes atendidos pelos profissionais Fisioterapeutas da amostra.

CARACTERÍSTICASAMOSTRA
N (%)
Você se considera apto para atuar no tratamento de pacientes neurológicos mais especificamente nas consequências ocasionadas pelo AVE?
Sim
Não
18 (100,0)
Durante o seu período da graduação, o seu curso de fisioterapia ofereceu ensino teórico e prático suficiente para você se sentir seguro e capaz em realizar tratamento básico para as consequências relacionadas ao AVE?
Sim, teórico e prático.
Ensino teórico suficiente e prático insuficiente.
Não, ambos foram insuficientes.
16 (89,0)
1 (6,0)
1 (6,0)
Você buscou por capacitações além da graduação, que abordassem assuntos relacionado ao AVE?
Sim
Não
11 (61,0)
7 (39,0)
Durante sua prática clínica você já atendeu algum paciente neurológico pós AVE?
Sim
Não
18 (100,0)
Em sua prática clínica qual foi o gênero mais predominante de pacientes que sofreram pelo AVE?
Feminino
Masculino
10 (56,0)
8 (44,0)
Qual o tipo de AVE que você mais tratou?
Isquêmico
Hemorrágico
Não se aplica
13 (72,0)
4 (22,0)
1 (6,0)
Qual a faixa etária mais comum dos pacientes pós-AVE atendidos por você?
40 a 49 anos
50 a 59 anos
60 a 69 anos
70 a 80 anos
1 (6,0)
7 (39,0)
7 (39,0)
3 (17,0)
N, número de casos; %, percentual; AVE, Acidente Vascular Encefálico.

A caracterização dos conhecimentos sobre a IU e o perfil de pacientes atendidos pelos profissionais Fisioterapeutas da amostra está contemplada na Tabela 3. Dos respondentes da pesquisa, 72% afirmaram que não se consideram aptos para tratar as disfunções do assoalho pélvico (AP), mais especificadamente a IU e apenas 28% se consideravam aptos. Em relação a forma da disciplina que aborda o tema das disfunções do AP ofertada durante a graduação, 50% dos respondentes disseram que o ensino teórico foi suficiente e o prático foi insuficiente e 33% disseram que o ensino teórico e prático foi suficiente.

A procura por capacitações além da graduação que abordassem o tema do AP teve um índice pequeno de apenas 28% contra 72% que não optaram por se capacitar nessa área da fisioterapia. Durante a avaliação fisioterapêutica, o profissional deve estar atento a alguns critérios para serem avaliados nos pacientes. Nesse sentido, foi perguntado ao profissional se ele “procura identificar apenas os problemas motores decorridos do AVE”, se ele “procura identificar os problemas motores causados pelo AVE e se surgiram outras patologias que possam estar associadas ao AVE como a IU”, sendo os percentuais registrados de 17% e 78%, respectivamente.( Tabela 3)

Com relação aos dados sobre a IU em pacientes com AVE observados durante a avaliação, verificou-se que 94% dos fisioterapeutas referiram já ter identificado presença de IU em pacientes com AVE atendidos por eles e 39% realizaram procedimento cirúrgico prévio. A percepção de 89% dos profissionais é que a IU interfere na qualidade de vida dos pacientes com AVE. Os tipos mais comuns de IU referidos foram de esforço e mista, representando 33% e 28% dos casos. Também se registrou que 89% dos fisioterapeutas perceberam constrangimento por parte dos pacientes ao falar sobre a IU.

Tabela 3. Caracterização dos conhecimentos sobre a IU e perfil de pacientes atendidos pelos profissionais Fisioterapeutas da amostra.

CARACTERÍSTICASAMOSTRAS N (%)
Você se considera apto para atuar no tratamento das disfunções do assoalho pélvico, mais especificadamente a incontinência urinária?
Sim
Não
5 (28,0)
13 (72,0)
Durante o seu período da graduação, o seu curso de fisioterapia ofereceu ensino teórico e prático suficiente para você se sentir seguro e capaz em realizar tratamento básico para as disfunções do assoalho pélvico?
Sim, teórico e prático.6 (33,0)
Ensino teórico suficiente e prático insuficiente.9 (50,0)
Não, ambos foram insuficientes.3 (17,0)
Você buscou por capacitações além da graduação, que abordassem assuntos relacionado as disfunções do assoalho pélvico?
Sim
Não
5 (28,0)
13 (72,0)
Durante a anamnese, você:
Procura identificar apenas os problemas motores decorridos do AVE3 (17,0)
Procura identificar os problemas motores causados pelo AVE e também se surgiram outras patologias que possam estar associadas ao AVE como a IU14 (78,0)
Não se aplica1 (6,0)
A IU em alguns casos, é uma consequência decorrida do AVE, durante a sua anamnese você consegue identificar no paciente, se:
Ele possui IU?
Sim
Não

17 (94,0)
1 (6,0)
A IU surgiu pós o AVE?
Sim
Não
Não se aplica
17 (94,0)

1 (6,0)
A IU do seu paciente é anterior ao AVE?
Sim
Não
Não se aplica
14 (78,0)
3 (17,0)
1 (6,0)
A IU é um fator determinante para diminuição da qualidade de vida do paciente?
Sim
Não
Não se aplica
16 (89,0)
1 (6,0)
1 (6,0)
Algum paciente seu já relatou se fez algum tratamento ou cirurgia para a IU?
Sim
Não
Não se aplica
7 (39,0)
10 (56,0)
1 (6,0)
Qual foi o tipo de IU mais comum na sua prática clínica?
Urgência
Esforço
Mista
Transbordamento
Enurese noturna
Não se aplica
2 (11,0)
6 (33,0)
5 (28,0)
1 (6,0)
3 (17,0)
1 (6,0)
Os pacientes atendidos por você demonstraram algum tipo de constrangido ou insegurança ao falar sobre a IU?
Sim
Não
16 (89,0)
2 (11,0)
N, número de casos; %, percentual; IU, Incontinência Urinária.

As condutas adotadas pelos profissionais Fisioterapeutas após a anamnese do paciente com IU pós-AVE estão descritas na Figura 1, observando-se que 72% afirmaram que encaminhariam o paciente para um profissional fisioterapeuta especialista na área de uroginecologia para tratar a IU, e 28% afirmaram que realizariam um tratamento completo, para os comprometimentos do AVE e da IU.

Após a anamnese detalhada, com qual das condutas abaixo você optaria?

\"\"

Figura1. Conduta adotada pelo profissional Fisioterapeuta após a anamnese do paciente com IU pós-AVE

Ao serem questionados sobre a razão de encaminhar o paciente a outro profissional, 94% responderam que julgavam que outro profissional poderia dar um melhor atendimento ao paciente, uma vez que ele possui conhecimento, recursos e equipamentos para trata-lo (Figura 2).

Você encaminharia o paciente para outro profissional por:

\"\"

Figura2. Razão para o encaminhamento do paciente com IU pós-AVE para outro profissional.

  1. DISCUSSÃO

Diante da revisão literária realizada para desenvolvimento dessa discussão, não foram encontradas pesquisas prévias sobre a temática proposta, sendo o presente estudo, o primeiro que objetivou avaliar o conhecimento do profissional fisioterapeuta sobre a incontinência urinaria em pacientes já diagnosticados com AVE.

Ao analisar o perfil pessoal e profissional dos fisioterapeutas participantes do estudo, observou-se que 61,1% são do sexo feminino. A predominância de profissionais fisioterapeutas do sexo masculino perdurou ao longo da história de desenvolvimento da profissão mundialmente. Contudo, o processo de feminilização da área da saúde, tem transformado esse cenário nos últimos anos em diversos países inclusive no Brasil8. No âmbito da formação profissional, a maioria dos fisioterapeutas (72%) referiu ter se formado em uma instituição privada. A prevalência da graduação privada em fisioterapia no Brasil pode ser vista como um reflexo da expansão do ensino superior, sendo esperado que a maioria dos profissionais egressos sejam do sistema privado de ensino. Apenas 4.043 vagas no país são em universidades públicas, o que representa 5,86% do total disponível anualmente9.

Ainda sobre a formação profissional dos participantes do estudo, verificou-se que 39,0% referiu ter especialização em Fisioterapia Neurofuncional, considerada a especialidade mais antiga da profissão, e primeira a ser reconhecida pelo COFFITO através da RESOLUÇÃO Nº. 189, DE 9 DE DEZEMBRO DE 199810. Apenas 6,0% da amostra relatou ter especialização em Fisioterapia na Saúde da Mulher, área responsável por abordar os conhecimentos referentes a incontinência urinária e reconhecida pelo COFFITO apenas em 2009 pela RESOLUÇÃO Nº 372, DE 6 DE NOVEBRO DE 200911. De acordo com a análise documental de Cruz e colaboradores, as áreas mais comuns de formação complementar dos fisioterapeutas brasileiros são: neurofuncional, respiratória e traumato-ortopedia12.

Com relação aos conhecimentos específicos sobre AVE, registrou-se que todos os fisioterapeutas participantes do estudo consideraram-se aptos a tratar pacientes com sequelas de AVE, o que corrobora com o fato de 89% acreditarem que desenvolveram conhecimentos teóricos e práticos suficientes durante a graduação sobre a temática e sentem-se seguros para lidar com esse perfil de paciente. Esses achados podem ser explicados pelo fato de o AVE ser a segunda principal causa de morbimortalidade no mundo13 sendo comum na prática clínica do profissional da fisioterapia. Assim, a vivência prática com pacientes que receberam o diagnóstico é corriqueira durante a graduação, favorecendo o desenvolvimento de habilidades para o atendimento a esse público.

No que se refere ao perfil dos pacientes com AVE atendidos pelos fisioterapeutas participantes da pesquisa, verificou-se predominância da faixa etária entre 50 e 69 anos. Esse

achado pode estar associado ao fato de o envelhecimento se constituir como fator de risco para as duas patologias em estudo: o AVE e a IU. A incidência de AVE é maior na terceira idade, principalmente a partir dos 65 anos, assim como a IU, que apesar de afetar todas as faixas etárias, tem maior prevalência em mulheres com idade superior a 60 anos.

Com relação ao sexo, observou-se relato de predominância de mulheres com sequelas de AVE e queixa de IU. Apesar de ser mais comum a ocorrência de AVE entre homens, ao considerar a queixa de IU, a prevalência entre mulheres é muito maior, o que explica esse achado. Em estudos internacionais, a prevalência de IU varia entre 6,5 e 41% em mulheres idosas, e entre 4,6 e 27% em homens idosos14. Relativamente ao tipo de AVE, houve predominância do relato ao AVE isquêmico, conforme referência da OMS15, já que este é o tipo de AVE mais prevalente mundialmente, correspondendo a cerca de 80% dos casos.

Quando questionados sobre estarem aptos a tratar disfunções do assoalho pélvico, mais especificamente a IU, 72% referiram não se sentirem preparados para tal, em concordância com o percentual de participantes que referiram ter obtido conhecimentos teóricos suficientes, porém práticos insuficientes sobre a temática durante a graduação (50,0%). Pondera-se a presença de múltiplos fatores que explicam esses achados: 1) a área de Fisioterapia na Saúde da Mulher é uma das mais recentes da profissão e reconhecida pelo conselho, o que reflete um processo de inserção na graduação ainda em construção; 2) há poucos estudos que versam sobre a abordagem terapêutica de pacientes com IU pós-AVE, o que dificulta o reconhecimento da atuação do fisioterapeuta, bem como, a ampliação do mercado de trabalho na área; 3) há constrangimento por parte dos pacientes para abordar o assunto e referir a queixa durante a avaliação, além do desconhecimento sobre as possibilidades terapêuticas.

É possível acrescentar nessa discussão a possibilidade de a expansão da oferta de cursos de graduação em Fisioterapia no país estar associada a necessidade de avaliação da qualidade de abordagem de algumas áreas da profissão durante a graduação, como é o caso da Fisioterapia na Saúde da Mulher. As diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Fisioterapia enfatizam que o perfil de formação deve ser generalista. Assim, as instituições de ensino devem ofertar disciplinas obrigatórias na área de Fisioterapia na Saúde da Mulher e estágio profissionalizante. Os níveis crescentes de evidência científica na área, somados às dimensões continentais do Brasil, reforçam a necessidade de formação na área que inclua o estágio em todos os cursos de Fisioterapia, de modo a proporcionar formação generalista satisfatória16.

Por fim, ao serem questionados sobre a conduta adotada após a avaliação do paciente com IU pós-AVE, 72,2% dos fisioterapeutas afirmaram que encaminhariam o paciente para outro profissional especialista para tratamento da IU, com 94,4% deles justificando essa conduta por acreditar que um especialista possui mais conhecimentos e recursos para tratar o paciente.

Há, no Brasil, 210 milhões de habitantes17 e, desse total, em torno de 240 mil são fisioterapeutas18 – o que representa 1,14 fisioterapeutas para cada 1.000 habitantes. É um número expressivo de profissionais ativos no mercado de trabalho que atuam em todos os níveis de atenção em saúde e em todas as faixas etárias da população brasileira. Não basta, contudo, apenas enumerar os fisioterapeutas no mercado de trabalho; é preciso que os profissionais estejam qualificados para realizar condutas cada vez mais respaldadas em conhecimentos científicos e baseadas em evidências19.

O fato de a maioria dos profissionais não se sentirem aptos a tratar o paciente com IU e encaminharem para colegas que teriam, “mais recursos e conhecimentos para ofertar o tratamento” pode estar associado a necessidade de oferta mais ampla de estágios na área de saúde da mulher durante a graduação, incluindo a assistência durante o pré-natal e o parto. Parece que a formação básica teórica na área vem sendo contemplada, mas a inserção no campo prático não atende à demanda específica de formação profissional, talvez refletindo o restrito mercado de trabalho para os fisioterapeutas na área e a escassez de profissionais atuantes nesse campo.

Algumas limitações devem ser consideradas nesse estudo. A primeira delas se refere ao tamanho amostral limitado. Sugere-se que estudos futuros sejam realizados em parceria com profissionais da área e apoio dos conselhos regionais da classe para maior taxa de resposta. Outra limitação se refere ao fato de os resultados não poderem ser generalizados para todos os profissionais de Fisioterapia do Brasil. Entretanto, este estudo poderá contribuir para a ampliação do olhar sobre a temática, importância de discussão de recomendações relacionadas ao ensino de graduação na área. Sugere-se que novas investigações busquem aprofundar o conhecimento relacionado aos métodos de treinamento das habilidades práticas e questões éticas envolvidas ao ensino na área.

  1. CONCLUSÃO

A Fisioterapia como profissão, tem passado, nos últimos anos, por modificações a diferentes níveis que levam a um processo crescente de respostas necessárias às demandas de transformações constantes da sociedade e mercado de trabalho. A graduação precisa se adaptar a esse cenário e acompanhar a evolução profissional. Assim, a escolha da temática deveu-se não apenas a prevalência da IU em pessoas com AVE, mas também a importância de se dar mais atenção a formação dos acadêmicos para prestação de serviços a esses pacientes.

Através do reconhecimento da importância atribuída a intervenção fisioterapêutica na assistência a pessoa com IU após AVE que se pretendeu refletir sobre a formação acadêmica, tendo sido percebido que apesar de todos os profissionais participantes da presente pesquisa terem referido se sentirem apto a tratar pacientes com AVE, apenas 28% se consideram aptos para reabilitar pacientes com IU.

Considerando-se a alta prevalência de IU nos três primeiros meses após o AVE associado o fato desse distúrbio neurológico constituir-se como a segunda maior causa de morte no mundo, acreditamos que saber identificar, caracterizar e tratar a IU em pacientes com diagnostico de AVE é essencial na formação profissional dos estudantes de Fisioterapia. Assim, faz-se necessário maior investimento dos órgãos competentes educacionais e de saúde para ampliação de discussões acerca do ensino de graduação na área, debates sobre recomendações para desenvolvimento de conhecimentos e habilidades para atendimento ao público em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Chiado APA. Incontinência urinária após AVC: contributos da enfermagem de reabilitação. 2019. [Mestrado em Enfermagem de Reabilitação]. Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Portugal, 2019.
  2. Quadros LB. Acidente vascular encefálico como fator de risco para incontinência urinária em idosos institucionalizados. Saúde e Pesquisa 2016;9(3):557-66.
  3. Reis Júnior SR, Walters C. Diagnósticos de enfermagem predominantes na assistência a pacientes com acidente vascular cerebral. Braz. J. Hea. 2019;2(3):1524-44.
  4. Alves CF, Figueredo NR, Oliveira DM, Costa PA. Atuação da fisioterapia em sequelas de AVC hemorrágico oriundo de malformação arteriovenosa. Braz. J. Hea. 2019;2(5):4033- 51.
  5. Marques JC, Silva FARS, Martins AN, Perdigõ FSO, Prudente COM, Fagundes RR. Perfil de pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral internados em um centro de reabilitação. Acta fisiatr 2019;26(3):144-8.
  6. Lopes MHBM, Costall JN, Lima JLDA, Oliveira LDR, Caetano AS. Programa do assoalho pélvico: relato de 10 anos de experiência. Rev Bras Enferm 2017;70(1);231-35.
  7. Stein SR, Pavan FV, Nunes EFC, Latorre GFS. Entendimento da fisioterapia pélvica como opção de tratamento para as disfunções do assoalho pélvico por profissionais de saúde da rede pública. Rev Ciênc Med 2018;27(2):65-72.
  8. Shannon G, Minckas N, Tan D, Haghparast-Bidgoli H, Batura N, Mannell J. Feminisation of the health workforce and wage conditions of health professions: an exploratory analysis. Hum Resour Health. 2019;17(1):72-84.
  9. Koetz LCE, Périco E, Grave MQ. Distribuição geográfica da formação em fisioterapia no Brasil: crescimento desordenado e desigualdade regional. Trab Educ Saúde. 2017;15(3):917-30.
  10. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO). Resolução n° 189, de 9 de dezembro de 1998. Reconhece a Especialidade de Fisioterapia Neuro Funcional e dá outras providências. Brasília, 1998.
  11. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO). Resolução n° 372, de 6 de novembro de 2009189, de 9 de dezembro de 1998. Reconhece a Saúde da Mulher como especialidade do profissional Fisioterapeuta e dá outras providências. Brasília, 2009.
  12. Cruz FG, Cedro TAN, Camargo SB, Sá KN. Scientometric profile of physiotherapists Brazilian scientists. Fisioter Mov. 2018;31(1):e003123.
  13. Araújo EF. Determinantes da autopercepção de saúde de indivíduos pós acidente vascular cerebral usuários da atenção primária à saúde. 2018. [Dissertação] – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Minas Gerais, 2018.
  14. Park J, Hong GRS, Yang W. Factors associated with self-reported and medically diagnosed urinary incontinence among community-dwelling older women in Korea. Int Neurourol J. 2015;19(2):99-106.
  15. Organização Mundial de Saúde (OMS). Stroke, Cerebrovascular accident. WHO: Health Topics, 2015.
  16. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 4 CNE/CES. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de Graduação em Fisioterapia. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 2002.
  17. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2018. Rio de Janeiro: IBGE; 2018.
  18. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. COFFITO defende que quiropraxia é uma especialidade da fisioterapia. Brasília: COFFITO; 2018.
  19. Silva TM, Costa LCM, Garcia AN, Costa LOP. What do physical therapists think about evidence-based practice? A systematic review. Man Ther. 2015;20(3):388-401.