Autores:
PAULO HENRIQUE PESSOA JERONIMO
Graduado em Fisioterapia pela Instituição Centro Universitário Estácio do Ceará. Pós-Graduações em Neonatologia e Pediatria Intensiva pela Faculdade Inspirar e Neuropediatria pelo Instituto de São Paulo.
RESUMO
O acidente vascular encefálico constitui quadro agudo e decorre de alterações vasculares isquêmicas ou hemorrágicas no sistema nervoso central. É incomum em crianças, mas a sua ocorrência tem como causa doenças de base, como anemia falciforme, cardiopatias congênitas, púrpura trombocitopênica idiopática e malformações vasculares. O prognóstico depende da extensão do território encefálico acometido e da doença de base, e as taxas de recorrência são altas na maioria dos casos. Com esta pesquisa, teve-se como objetivo geral analisar as causas de AVE (Acidente Vascular Encefálico) em crianças. Para isso, será realizada uma revisão bibliográfica de cunho descritivo, onde foram analisados livros e artigos relacionados a temática. Concluiu-se que a maioria dos casos de Acidente Vascular Encefálico encontra-se relacionada à doença de base e que, pela dificuldade em reconhecer um Acidente Vascular Encefálico em crianças e pela falta de condutas terapêuticas consensuais, torna-se importante realizar treinamento da equipe de saúde para reconhecimento da doença, para tratamento adequado e orientações relativas à doença de base, a fim de evitar a ocorrência ou recorrência do Acidente Vascular Encefálico, visando a uma melhora na qualidade de vida dos pacientes pediátricos.
Palavras-Chave: Derrame cerebral. Encéfalo. Pediatria.
1 INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu que acidente vascular encefálico (AVE) constitui um quadro agudo, decorrente de alterações vasculares, isquêmicas ou hemorrágicas no Sistema Nervoso Central (SNC), com sinais e sintomas por um período de 24h ou mais. Sob esse enfoque, ficam excluídos os ataques isquêmicos transitórios (AIT), os hematomas subdurais e as hemorragias e infartos, provocados por infecções ou tumores.
O AVE em crianças é incomum, no qual suas causas são variadas e diferentes das causas em adultos, que incluem hipertensão, aterosclerose, diabetes, alcoolismo e tabagismo. Em crianças, a ocorrência de AVE geralmente tem como causa as doenças de base, como anemia falciforme, cardiopatias congênitas, púrpura trombocitopênica idiopática e malformações vasculares.
Embora raro, o AVE em crianças associado às doenças de base está se tornando cada vez mais importante, em função da gravidade de suas complicações e dos diversos diagnósticos diferenciais. O diagnóstico requer um amplo grau de suspeita clínica, uma vez que os sintomas podem ter baixa especificidade, aparentando ser outros tipos de doenças neurológicas ou condições associadas ao Sistema Nervoso Periférico (SNP). Isso exige uma alta capacidade diagnóstica por parte da equipe de saúde num intervalo curto de tempo, bem como cuidados fisioterapêuticos adequados, objetivando minimizar os danos à criança acometida.
O prognóstico neurológico e neuropsicomotor depende da extensão do território encefálico acometido e da doença de base, no qual as taxas de recorrência são altas na maioria dos casos. Diante do exposto, teve-se, como questão norteadora: Qual o perfil das patologias que causam acidente vascular encefálico (AVE) em crianças?
Neste sentido, o trabalho teve como objetivo geral verificar as patologias causadoras de acidente vascular encefálico (AVE) em crianças e, como objetivos específicos, apresentar aspectos epidemiológicos do AVE e identificar as manifestações clínicas presentes em crianças acometidas por AVE.
Tal abordagem justifica-se devido à carência de dados nacionais em literatura a respeito das patologias que predispõem crianças ao AVE, como também de dados epidemiológicos e conduta terapêutica. Logo, identificada a doença de base e estabelecido o tratamento fisioterapêutico adequado, possibilitar-se-á uma atitude profilática ou um método eficiente, bem como orientações para o manejo em tais situações, possibilitando um bom prognóstico e melhora na qualidade de vida desses pacientes.
2 PERFIL DAS DOENÇAS DE BASE COMO CAUSA DE ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO EM PACIENTES PEDIÁTRICOS
Neste capítulo, serão apresentadas as informações pertinentes ao tema, levando em consideração a literatura, onde foram abordados livros e artigos publicados na Internet, que possuíam familiaridade com a temática.
2.1 ASPECTOS CONCEITUAIS E EPIDEMIOLOGIA DO ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE) EM CRIANÇAS
Entende-se por acidente vascular encefálico o aparecimento abrupto de alterações transitórias ou definitivas, ocorridas em área encefálica. O AVE é ocasionado por isquemia e/ou sangramento envolvendo um ou mais vasos encefálicos, em processo patológico (BARROS, 2016).
As alterações vasculares compreendem quatro grupos: 1) doença encefalovascular (DEV) assintomática; 2) afecções encefálicas focais resultantes de ataques isquêmicos transitórios (AIT) e acidentes vasculares encefálicos (AVE), subdivididos em vascular encefálico hemorrágico (AVEH) e infarto ou acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI); 3) demência vascular; 4) encefalopatia hipertensiva (WHISNANT et al., 2018).
Um acidente vascular encefálico caracteriza-se pela ocorrência de manifestações clínicas e neurológicas de derrame, associadas a evidências radiológicas de isquemia ou a infarto em um determinado território arterial (AVEI) ou de hemorragia (AVEH), podendo ser divididos em AVE neonatais, que englobam os períodos pré-natal, perinatal e neonatal, e em AVE infantil (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
A ocorrência de acidente vascular encefálico (AVE) em crianças é baixa, varia de dois a oito casos em cada 100.000 crianças de até 14 anos por ano, apresentando proporções similares às de acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI), e as de acidente vascular encefálico hemorrágico (AVEH). A recorrência de AVE em crianças pode atingir um total de 20% e, na presença de fatores de risco, pode atingir 42%. Segundo o International Pediatric Stroke Study, há uma predominância do AVEI em crianças do gênero masculino em todos os grupos etários estudados (GOLOMB, 2019).
2.2 ETIOLOGIA DO AVE ISQUÊMICO E AVE HEMORRÁGICO
Uma importante diferença entre o acidente vascular encefálico (AVE) de pacientes adultos e de crianças é a variedade de condições patológicas, causadoras de comprometimento vascular na infância e adolescência, em que a etiologia provável pode ser identificada na maioria dos infartos isquêmicos e hemorragias intracranianas. Nessa última condição, são incluídos os aneurismas, os cavernomas, as malformações arteriovenosas da veia de Galeno, além de doenças hematológicas e defeitos de coagulação. Somente 30% de AVEs pediátricos e a maioria dos AVEs em recém-nascidos não apresentam fatores de risco evidentes (MOURA; MARIA, 2017).
2.3 Principais Causas de Acidente Vascular Encefálico (AVE) em Crianças
2.3.1 AVE isquêmico neonatal
O AVE isquêmico neonatal é caracterizado pela interrupção local do fluxo sanguíneo cerebral causado por trombose venosa cerebral ou arterial ou embolização, entre a vigésima semana de gestação e o vigésimo oitavo dia pós-natal, confirmado em estudos por imagem. As manifestações clínicas nesse grupo não são específicas, e as mais comuns são convulsões, apnéia, dificuldade para se alimentar, hipotonia, hemiparesia (GRILLO; SILVA; FILHO, 2018).
A etiologia do AVE neonatal inclui aspectos maternos e relacionados à placenta, hematológicos como policitemia e coagulação intravascular disseminada, sepsis, doença cardíaca congênita. Às vezes, a etiologia da isquemia cerebral permanece desconhecida, todavia, deve ser considerada a possibilidade de modificação do nível de lactato, anticorpos antifosfolípides, heterozigose para o fator V de Leiden, homocistinúria, alteração do fator VIII, fibrinogênio, proteína C e S e antitrombina III (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
Embora seja uma medida bem eficaz para recém-nascidos, a deficiência na administração de vitamina K pode contribuir para o desenvolvimento de doença hemorrágica tardia entre a segunda e a décima segunda semana de idade, com grave comprometimento neurológico. Logo, trata-se de um alerta aos pediatras, que devem estar cientes para realizar a profilaxia recomendada para a doença hemorrágica do recém-nascido, administrando 1 mg de vitamina K intramuscular (GRILLO; SILVA; FILHO, 2018).
Em recém-nascidos com AVE hemorrágico, é importante manter as plaquetas em níveis normais e repor os fatores de coagulação e a vitamina K, quando necessário. Nessa faixa etária, não existem recomendações para o uso de anticoagulantes ou trombólise em eventos isquêmicos, devido à carência de pesquisas que possam comprovar a eficácia de sua utilização (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
2.3.2 AVE e doenças cardíacas
As cardiopatias representam até um terço de todos os AVEs isquêmicos agudos em crianças. As cardiopatias congênitas cianogênicas constituem causa frequente de AVEI em crianças. Anomalias de válvulas e septos simples ou complexos podem facilitar o ictus. A tetralogia de Fallot e a transposição de grandes vasos comumente estão relacionadas aos infartos cerebrais. Detecta-se nas cardiopatias cianogênicas a ocorrência de policitemia que, associada à hipóxia, aumenta o risco de trombose e embolia. Estudos indicam a anemia como fator predisponente de AVE em crianças com tetralogia de Fallot (MOURA; MARIA, 2017).
A comunicação cardíaca direita-esquerda ou a presença de próteses valvares em crianças podem possibilitar a formação de aneurismas micóticos secundários a êmbolos sépticos por Staphylococcus aureus ou Streptococcus β-hemoliticus, que se alojam na parede de artérias cerebrais. A manifestação clínica comum é a hemorragia subaracnóidea ou o hematoma parenquimatoso, decorrentes da ruptura do referido aneurisma. A endocardite bacteriana com embolia séptica é outro fator para AVE isquêmica aguda na cardiopatia (VENKATESAN; WAINWRIGHT, 2016).
Enfim, a maioria dos pacientes apresenta doença cardíaca antecedendo o episódio vascular encefálico agudo, no entanto a possibilidade de constatação de lesão cardíaca ocorre a posteriori. A realização de cirurgia para correção da alteração cardíaca congênita diminui de maneira objetiva o risco de recorrência do AVE, porém permanece ainda a possibilidade de embolia (MOURA; MARIA, 2017).
2.3.3 AVE e anemia falciforme (AF)
Um dos mais importantes fatores de risco para AVE isquêmico agudo em crianças é a anemia falciforme (AF). A incidência pode ser muito mais alta do que na população pediátrica. A oclusão da microcirculação é uma importante causa de morbidade em casos de anemia falciforme, mas a doença encefalovascular se manifesta como vasculopatia de grandes vasos distais da artéria carótida interna e em regiões proximais das artérias cerebrais anterior e média (VENKATESAN; WAINWRIGHT, 2016).
Provavelmente, nos grandes vasos, a doença se relaciona ao dano endotelial provocado pelo trauma decorrente da constante passagem de eritrócitos anormais, que promovem a hiperplasia do endotélio e a obstrução vascular. Nos pequenos vasos, a excessiva lentificação do fluxo sanguíneo possibilita a ocorrência de trombose (PLATTOS, 2016).
Em crianças de idade precoce, a importante complicação da anemia falciforme é a ocorrência de AVE isquêmico com predomínio no território da artéria cerebral média e anterior, oclusão sinovenosa. Em adolescentes, frequentemente ocorrem as hemorragias parenquimatosa e subaracnóidea (ARITA, 2018).
Estudos realizados em um período de quatro anos encontraram taxas de recorrência de DEV em cerca de trinta por cento em crianças com anemia falciforme. Em casos agudos de AVE em crianças com anemia falciforme, as transfusões de sangue são indicadas, objetivando reduzir os níveis de hemoglobina S a menos de trinta por cento, enquanto se mantém a hemoglobina entre 10 e 12,5, g/dl (PLATTOS, 2016).
O quadro neurológico agudo instala-se em conjunto com quadro febril, cefaléia, seguida de hemiparesia, crises convulsivas, afasia, coma e hipertensão intracraniana (ARITA, 2018).
2.3.4 AVE e doença de Moyamoya
A Doença de Moyamoya é uma doença vascular cerebral crônica progressiva, caracterizada por uma estenose da porção distal intracraniana da artéria carótida interna e, menos comum, pela estenose das porções próximas das artérias cerebrais anterior, média, basilar ou posterior. Esta patologia é responsável por AVE em crianças ocidentais, mas tem uma incidência maior em crianças orientais, com uma razão feminino/masculino de aproximadamente um para oito (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
Sabe-se pouco sobre a patogênese da doença, mas com base no fato de que de sete por cento a doze por cento dos parentes em primeiro grau de orientais têm a doença, existem evidências de que fatores genéticos desempenham um papel importante (KURODA, 2019).
Crianças com a doença, quando não tratadas, apresentam AVE isquêmico agudo recorrente. As crianças podem apresentar sintomas atípicos, como síncope, paraparesia ou movimentos involuntários, induzidos por hiperventilação. O prognóstico dessa doença está relacionado à velocidade e à extensão da oclusão vascular, aos padrões de circulação colateral, à idade de início dos sintomas, ao grau de déficit neurológico e ao tamanho da área cerebral isquêmica (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
O tratamento da doença de Moyamoya é cirúrgico, por meio de uma encefaloduroarteriossinangiose, que visa à promoção de novas anastomoses entre os territórios carotídeos extra e intracranianos, e apresenta resultados positivos (KURODA, 2019).
2.3.5 AVE e condições pró-trombóticas
Em até 50% dos AVEs isquêmicos agudos, a doença pró-trombótica pode estar presente. As condições associadas são: deficiência de proteína C ou S, antitrombina III e plasminogênio, mutações do fator V Leiden, polimorfismos da enzima metileno tetrahidrofolato desidrogenase, que é causa principal de homocistinúria, homocisteinemia e altos níveis de lipoproteína A (GRABOWSKI, 2017).
Essas alterações laboratoriais estão presentes em um maior número de crianças com AVE do que naquelas sem a doença. Logo, justifica-se a triagem para trombofilia em todas as crianças com o primeiro AVE isquêmico agudo (HAYWOOD, 2015).
2.3.6 AVE hemorrágico
Estão incluídas neste subtipo de AVEH a hemorragia intraparenquimatosa espontânea e a hemorragia subaracnóide não traumática. Suas principais causas são: aneurismas, presença de malformação arteriovenosa (MAV), doenças hematológicas, evoluindo com trombocitopenia, hemofilia e outras coagulopatias, tumores cerebrais, hemangiomas cavernosos, vasculopatias e infecções cerebrais e sistêmicas (GRABOWSKI, 2017).
A ocorrência de AVE hemorrágico em crianças é de aproximadamente 1,1 por 100.000 crianças, a hemorragia intraparenquimatosa compreende um valor de 80%, e a hemorragia subaracnóide, 20%. Estudos realizados com 2,3 milhões de crianças por um período de 3,5 anos verificaram a ocorrência de 116 casos de AVE hemorrágico espontâneo, provocados por aneurismas cerebrais, o que evidencia a importância das malformações como causa de AVE hemorrágico (HAYWOOD, 2015).
Pacientes com púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) apresentam um risco de 0,1 a 1% de desenvolver um AVE hemorrágico, risco esse diretamente relacionado à contagem de plaquetas. Crianças que foram acometidas dessa doença apresentavam uma contagem de plaquetas inferior a 10.000/mm³ (GRABOWSKI, 2017).
Os fatores de risco para AVE hemorrágica são idade inferior a 3 anos, pontuação menor que sete na escala de coma de Glasgow, hemorragia na região infratentorial e doença hemorrágica de base (KURODA, 2019).
Estudos têm demonstrado que a mortalidade é alta, e sequelas neurológicas importantes são encontradas nos sobreviventes infantis. Os avanços nas técnicas neurocirúrgicas e o diagnóstico precoce por meio de estudos por imagem podem reduzir a morbimortalidade associada à AVE hemorrágica pediátrica (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
2.3.7 Outras causas de AVE em crianças
Pode ser também lembrada como causa de AVE isquêmico em crianças, a vasculite, que surge como consequência de eventos infecciosos. As infecções, como meningite tuberculosa, encefalopatia pós-varicela, aspergilose, infecções por fungos, HIV e vírus de Coxsackie, também podem estar envolvidos nos casos de AVE isquêmico. A vasculite autoimune, comum em crianças com lúpus eritematoso sistêmico (LES), a poliarterite nodosa, a artrite reumatóide, arterite de Takayasu, são outros tipos de doenças que podem causar lesões isquêmicas (MOURA; MARIA, 2017).
Pacientes diagnosticados com enxaqueca com aura apresentam risco de AVE isquêmico agudo, no início da adolescência, assim também como pacientes do gênero feminino em uso de anticoncepcionais. Já as doenças como hipertensão, dislipidemia e diabetes mellitus (DM) em crianças, não representam um maior risco comprovado de AVE (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
A diabetes mellitus (DM) tem como principal complicação crônica a doença vascular. A hiperglicemia promove muitas alterações nos tecidos vasculares, que geram uma forma de aterosclerose acelerada, que pode ser classificada em doença vascular microvascular e macrovascular. A doença macrovascular é atualmente considerada como forma acelerada de aterosclerose, mas tal processo aterosclerótico ainda não é completamente compreendido. A DM, no entanto, não é só um fator de risco, é responsável pela ocorrência de AVE isquêmico em que o mecanismo mais frequente é o de causa indeterminada, seguido do lacunar e do aterotrombótico (MOURA; MARIA, 2017).
2.4 Fisiopatologia
O tecido encefálico tem uma necessidade metabólica alta de glicose e oxigênio. A interrupção na circulação nas áreas afetadas pela oclusão vascular ocasiona, rapidamente, depleção de substratos metabólicos, acumula de maneira exagerada metabolitos tóxicos, gera déficits de energia e, consequentemente, danos às células afetadas (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
Entre as principais características envolvidas na origem da lesão encefálica, a mais importante é a zona de penumbra, que é a área que circunda a área infartada, é afetada por apoptose celular e citocinas pró-inflamatórias, e representa a metade do volume encefálico envolvido no infarto. Outras características são toxicidade celular, que provoca a lise osmótica de neurônios, acidose tecidual secundária ao metabolismo anaeróbico e quebra da barreira hematoencefálica, ocasionada por metaloproteinase e imunossupressão (PLATTOS, 2016).
2.5 Quadro Clínico
O quadro clínico de crianças que apresenta AVE caracteriza-se por instalação súbita de convulsões antecedidas por choro e irritabilidade, principalmente em crianças abaixo de dois anos. Ocorre hemiparesia precedida de cefaléia, modificação do comportamento, sonolência, alteração da fala e mesmo afasia. Outros sintomas são hemiplegia, monoparesia, disfagia, tontura e distúrbios visuais, alteração nos movimentos oculocefálicos, desvio da rima bucal, anormalidades sensório-motoras e mudança da postura da cabeça, devido ao comprometimento do campo visual (GUIMARÃES; MOURA, 2017).
Em idade neonatal, o achado clínico mais comum corresponde às convulsões, e a presença precoce de convulsões no diagnóstico predispõe a criança à epilepsia em 8 a 12% dos casos (KURODA, 2019).
Os sintomas do AVE em crianças se tornam semelhantes aos sintomas dos adultos, à medida que a idade aumenta. Os sintomas mais descritos são hemiparesia, rebaixamento do nível de consciência e lesões nervosas cranianas (RANZAN; ROTTA, 2015)
Um estudo mostrou que 85% das crianças com AVE apresentaram convulsões 24h após o início dos sintomas, sem diferença na taxa de convulsões, conforme o subtipo de AVE (PLATTOS, 2016).
Os eventos clínicos de início súbito, acompanhados de alterações deficitárias focais, com a presença ou não de manifestações epilépticas, podem estar relacionadas ao comprometimento vascular. No diagnóstico diferencial, inicialmente, são consideradas as hipóteses de anormalidades não vasculares, como complicações transitórias de manifestação epiléptica, neoplasia, trauma craniano, doenças inflamatórias, enxaqueca complicada (GUIMARÃES; MOURA, 2017).
2.6 Diagnóstico por Imagem
A tomografia computadorizada (TC) é considerada o método de estudo por imagem mais adequado, devido à rapidez, praticidade, disponibilidade e à capacidade de revelar claramente os eventos hemorrágicos e diferenciá-los dos eventos isquêmicos. A TC é menos dependente da estabilidade clínica do paciente, um fator que contraindica o uso de RNM no início da doença (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
A angiografia de ressonância magnética é considerada padrão-ouro para diagnosticar as lesões cerebrais, a obstrução vascular e/ou as lesões que possibilitam o evento isquêmico. Ao ser realizado precocemente, esse exame pode detectar o início de infartos cerebrais antes dos estudos tomográficos (HUTCHISON, 2015).
Em estudos retrospectivos, aproximadamente 83 das crianças com AVE isquêmico agudo apresentavam obstrução da artéria cerebral média, dados posteriormente confirmados em outros estudos como a artéria predominantemente envolvida em AVE em crianças (MATTA; GALVÃO; OLIVEIRA, 2016).
A realização de exames de imagem, tendo por base o padrão de apresentação do AVE, pode ajudar a identificar a etiologia da doença. A presença de múltiplos infartos encefálicos é sugestiva de eventos tromboembolíticos e a distribuição isquêmica entre os territórios de irrigação de diferentes artérias cerebrais é comum em eventos hipotensivos (HUTCHISON, 2015).
O padrão de lesões multifocais pequenas, principalmente na transição entre a massa branca e a cinzenta, sugere vasculite. Utilizando exames de imagem e ampla complementação laboratorial em líquidos orgânicos, foi possível a identificação de várias etiologias (TROSTER, 2015).
2.7 Tratamento
Na população pediátrica, não existe uma abordagem padronizada e nem recomendações específicas para o tratamento de casos de AVE. A abordagem inicial visa a estabilizar a criança, desde a entrada na emergência até a UTI. É preciso garantir a permeabilidade das vias aéreas, fornecer oxigenação com ventilação suficiente para as crianças com hipoxemia e oferecer circulação adequada (MEKITARIAN; CARVALHO, 2018).
Devem-se realizar os controles metabólicos, hídrico e da temperatura corporal. É importante obter amostras de sangue na emergência para contagem sanguínea, tempos de protrombina, trombina e eletrólitos, para que possam ser corrigidos precocemente. A hipotermia, como metodologia clínica para controle da taxa metabólica cerebral, não deve ser indicada, devido à falta de estudos que atestam a sua segurança e eficácia. O controle glicêmico também não é baseado em protocolos e estudos controlados, porém a hiperglicemia em evidências recentes apresenta-se como fator que aumenta a morbimortalidade em crianças com AVE (TROSTER, 2015)
O controle da temperatura corporal é importante em pacientes com AVE. A febre contribui para uma piora da lesão após AVE isquêmico agudo e pode ocasionar morte, déficit neurológico grave, tempo de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI) e maior período de internação (GREER et al., 2017).
2.7.1 Terapia anticoagulante e antiplaquetária
Em pacientes pediátricos, o uso de heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou da heparina não-fracionada (HNF) não são, comprovadamente, seguros e eficazes (BURAK, 2016).
Diante de um AVE isquêmico agudo, diretrizes do ACCP recomendam o uso de HNF ou HBPM ou aspirina (1mg/kg/dia) até a exclusão dos subtipos cardioembólicos e dissecção do AVE. A AHA indica o uso de HNF e HBPM por até uma semana até a determinação da causa. No que se refere às causas de AVE, as diretrizes do ACCP recomendam o uso de HBPM por mais de seis semanas. Já a AHA indica a correção cirúrgica da cardiopatia como medida principal. O uso de aspirina (1-5mg/kg/dia) por mais de 02 anos, após a exclusão de dissecção e cardioembolismo é preconizado como prevenção secundária pelas diretrizes do ACCP e AHA (GREER et al., 2017).
Estudo retrospectivo não identificou diferenças na recorrência de eventos isquêmicos a longo prazo entre crianças que usaram HBPM e aquelas que usaram AAS (BURAK, 2016).
2.7.2 Trombólise de AVC isquêmico agudo
Existem diversas distinções atreladas à idade nas rotas de coagulação, na fisiopatologia e no metabolismo dos fármacos, quando comparados pacientes adultos e crianças com AVE, o que torna mais difícil a implementação das diretrizes de manejo do AVE adulto em crianças. Entre as diferenças existentes, é rara a completa oclusão arterial no AVE em crianças, opondo-se à principal indicação de trombólise (GANESAN, 2015).
Em um estudo retrospectivo Thrombolysis in pediatric stroke, TIPS, com duração de 5 anos, foi testada a hipótese de que o ativador de plasminogênio tecidual (tPA) pode ser administrado de maneira segura em AVE infantil agudo. (AMLIE et al., 2019).
No entanto, existem relatos de casos isolados da utilização de uroquinase para o tratamento de dois casos de AVC isquêmico, ambos sem diagnóstico etiológico e desfecho neurológico ruim (ARNOLD et al., 2014). Verificou-se a ocorrência de hemorragia difusa em crianças, devido ao uso de alteplase para trombólise extracerebral. (CARLSON, 2015).
3 CONCLUSÃO
Conclui-se que o acidente vascular encefálico (AVE) em crianças, na maioria dos casos, encontra-se relacionado às doenças de base, apresentando, portanto, uma etiologia diversificada. Em relação ao AVEI, a anemia falciforme foi a prevalente causa deste tipo de alteração vascular. Em relação ao AVEH, a causa predominante de alteração vascular é a malformação arteriovenosa (MAV).
As crianças do gênero masculino são as mais acometidas pelo AVE, de modo prevalente o AVEI. Os sintomas mais verificados em crianças com AVE foram crise convulsiva, cefaleia, vômitos, rebaixamento do nível de consciência e hemiparesia.
Diante da dificuldade de realizar o diagnóstico de AVE em crianças, torna-se importante realizar o treinamento dos profissionais de saúde para reconhecer e tratar a ocorrência de AVE em crianças, identificar a doença de base, estabelecer um tratamento adequado ou orientações para evitar a ocorrência ou recorrência do AVE, visando à melhora na qualidade de vida dos pacientes.
4 REFERÊNCIAS
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