Dra. Danielle Fortuna de Almeida (RJ)
Fisioterapeuta, Mestre em Ensino de Ciências da Saúde pelo Centro Universitário Plínio Leite – UNIPLI, Coordenadora da Pós-graduação de Fisioterapia na UTI Neonatal e Pediátrica EAD – Interfisio/Centro
Universitário UniREDENTOR, Rotina da Fisioterapia Pediátrica do Hospital Rios D’Or. Fisioterapeuta Rotina da Maternidade Leila Diniz(SMS)
Dr. Guilherme Cherene Barros (RJ)
Pós-graduado em Fisioterapia na UTI Neonatal e Pediátrica – Interfisio/Centro Universitário UniREDENTOR, Rotina da Fisioterapia Pediátrica do Hospital Norte D’Or, Membro Diretor da ASSOBRAFIR/RJ,
Membro Câmara Técnica de Fisioterapia Respiratória do CREFITO-2,
Professor da Pós-graduação da Interfisio/Centro Universitário UniREDENTOR.
Contextualização: A doença do coronavírus 2019 (COVID-19), causada pelo vírus SARS-CoV-2 (síndrome respiratória aguda grave por coronavírus 2), foi caracterizada pela Organização Mundial de Saúde como uma pandemia. A transmissão se dá por meio de gotículas (da fala, tosse ou espirro), e pelo contato próximo com pessoas ou objetos infectados e transferência do vírus das mãos para os olhos, nariz ou boca. Não há evidências de transmissão vertical ou pelo aleitamento.1 De acordo com uma série de casos da China com 731 casos confirmados (34,1%), a mediana de idade foi de 7 anos (intervalo interquartil 2-13), e 56,6% eram meninos. Mais de 90% foram casos assintomáticos, leves ou moderados.2 Nos Estados Unidos, entre 149.082 casos reportados, 1,7% ocorreram em < 18 anos e 77% das crianças hospitalizadas tinham pelo menos 1 fator de risco (pneumopatia, incluindo asma; cardiopatia e imunossupressão), com 3 óbitos.3 O Brasil, até a tarde do dia 25 de abril de 2020, confirmou 58.509 casos e 4.016 mortes. Os óbitos de acordo com a idade na população pediátrica até tal data foram 2 em < 1 ano de idade, 1 na faixa etária de 1 a 5 anos e 6 entre 6 a 19 anos.4 O presente artigo tem como objetivo trazer com base na literatura disponível as orientações atuais acerca da assistência ventilatória no paciente pediátrico com suspeita ou confirmação de COVID-19.
Desenvolvimento: SARS-CoV-2 pode ser detectado 1-2 dias antes do início dos sintomas em amostras respiratórias; podendo persistir por 7-12 dias em casos moderados e até 2 semanas em casos graves.5 Nos exames laboratoriais, observam-se: leucopenia e linfopenia, associadas a maior risco de complicações; e trombocitopenia, em alguns casos. Nos casos graves, podem estar elevados enzimas hepáticas, proteína C reativa, procalcitonina, D-dímero, e ferritina, com alteração na coagulação. O diagnóstico laboratorial é realizado pela técnica de transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase – RT-PCR em tempo real e sequencialmente parcial ou total do genoma viral em amostras coletadas por swab nasal e faríngeo ou de sangue.1,2 Na fase inicial da doença, as imagens de radiografia de tórax mostram sinais de pneumonia, com múltiplas pequenas hipotransparências irregulares e alterações intersticiais, notáveis na periferia pulmonar. A tomografia computadorizada de tórax mostra mais claramente as lesões pulmonares, que incluem opacidade em vidro fosco e consolidação segmentar bilateralmente. Em crianças com infecção grave podem estar presentes múltiplas lesões lobares em ambos os pulmões.6 Em conjunto os estudos mostram achados radiológicos caracterizados principalmente por espessamento brônquico, opacidades em vidro fosco ou lesões pulmonares inflamatórias.7 De acordo com as manifestações clínicas, o paciente pediátrico é classificado quanto à gravidade em assintomático, leve, moderado, grave e gravíssimo (Quadro 1).
Quadro 1 – Manifestações clínicas de acordo com a gravidade
ASSINTOMÁTICO | LEVE | MODERADO | GRAVE | GRAVÍSSIMO |
Sem sintomas e sinais clínicos e a imagem do tórax normal, com teste positivo para SARS-CoV-2. | Sintomas de infecção aguda das vias aéreas superiores, incluindo febre, fadiga, mialgia, tosse, dor de garganta, coriza e espirros. Sem anormalidades na ausculta pulmonar. Alguns casos podem não ter febre. Outros podem apresentar apenas problemas gastrointestinais, como náusea, vômito, dor abdominal e diarreia. | Com pneumonia, febre e tosse frequentes; principalmente tosse seca, seguida de tosse produtiva. Alguns podem ter sibilos, e roncos. TC do tórax com lesões pulmonares subclínicas. | Sintomas respiratórios iniciais, como febre e tosse, podem ser acompanhados por sintomas gastrointestinais como diarreia. A doença geralmente progride em torno de 1 semana com dispneia e cianose central. A saturação de oxigênio é inferior a 92%, com outras manifestações de hipóxia. | As crianças podem progredir rapidamente para a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) ou insuficiência respiratória. Também podem apresentar choque, encefalopatia, lesão miocárdica ou insuficiência cardíaca e renal, disfunção da coagulação. A disfunção de múltiplos órgãos pode ser fatal. |
A estratégia fisioterapêutica no paciente pediátrico com suspeita ou confirmação de COVID-19 consiste em avaliação e monitoração (clínica e exames complementares), suporte de oxigenação e ventilatório. A avaliação do esforço respiratório pode ser feita pelo Escore de Wood-Downes-Ferrés (lactente < 2 anos) ou Escore de Wood-Downes (> 3 anos).8 O uso de oxigenioterapia suplementar está indicado quando SaO2 < 94%, associado a aumento do esforço respiratório, podendo ser administrado por cateter nasal ≤ 4L/min ou máscara não reinalante até 10L/min.9,10
Se a relação SaO2/FiO2 for > 221 e < 264 e perpetuar o desconforto respiratório considerar ventilação não invasiva (VNI) ou cânula nasal de alto fluxo com as seguintes considerações,15: (1) módulo de VNI no ventilador mecânico com circuito com ramo duplo, interface Full-Face sem válvula exalatória e filtro HEPA ao final do ramo expiratório; (2) realização em leitos de pressão negativa; (3) utilização completa dos equipamentos de proteção individuais (EPI’s) (gorro, proteção do sapato, luvas, capote impermeável, óculos, face shield e máscara N95). O uso completo dos EPI’s é rigorosamente recomendada durante toda assistência ao paciente com suspeita ou confirmação de COVID-19, assim como o treinamento para paramentação e desparamentação dos mesmos.9,10,11,15
Em relação ao suporte de oxigênio e à assistência ventilatória, é essencial evitar a dispersão de aerossóis. Dessa forma: (1) não usar a umidificação dos sistemas de oxigenoterapia; (2) em vigência de medicações inalatórias, dar preferência ao MDI (Metered-dose Inhaler) ou à administração via endovenosa; (3) está contraindicada a umidificação ativa por base aquecedora, sendo altamente recomendada a utilização de filtro trocador de calor e umidade (HME), quando o paciente estiver em ventilação mecânica invasiva (VMI); (4) utilizar filtro bacteriológico (HEPA), entre o final do ramo expiratório do circuito ventilatório e a válvula exalatória, como prevenção à dispersão de ar possivelmente contaminado para o ambiente; (5) uso de filtro HEPA acoplado ao ambu utilizado para pré-oxigenação em casos de intubação; (6) atenção à realização de medicações inalatórias em VMI com aerocâmara retrátil, devendo o profissional, ao iniciar procedimento, conectar o dosador na respectiva entrada com aerocâmara ainda fechada e somente depois deste passo, realizar abertura do dispositivo para realização do puff e, caso seja necessário agitar o dosador, para dispersão interna do fármaco, retrair aerocâmara e ocluir a respectiva porta de entrada e saída; (7) realizar o procedimento de aspiração traqueal por meio de sistema fechado, para evitar desconexão do circuito de VMI e, assim dispersão de aerossóis para o ambiente; (8) em caso de indicação clínica de aspiração de vias aéreas superiores (com ou sem via aérea artificial), o procedimento deverá ser realizado em dupla e, impreterivelmente, com EPI’s completos.9,10,15O consenso de especialistas chineses recomenda que, as crianças que forem submetidas à VNI por 2 horas sem melhora das condições ou se não puderem tolerar o dispositivo, devido a aumento das secreções das vias aéreas, tosse intensa ou instabilidade hemodinâmica, sejam submetidas à VMI imediatamente. Deverá ser adotada estratégia ventilatória protetora com baixo volume corrente para reduzir a lesão pulmonar associada à ventilação mecânica. Se necessários, podem ser utilizados: posição prona; recrutamento pulmonar; ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO)1,12. De acordo com a Sociedade Europeia de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal, na COVID-19 pediátrica devem-se seguir às recomendações da Paediatric Mechanical Ventilation Consensus Conference (PEMVECC) e da Pediatric AcuteLung Injury Consensus Conference (PALICC) nas questões específicas relacionadas à doença de COVID-19.12,13 Utilizar a estratégia ventilatória protetora de acordo com a recomendações atuais, com as estratégias recomendadas na ARDS em pediatria por PALICC: volume corrente expirado de 5-7 mL/kg de peso corporal ideal, mas podem ser necessários VCe’s menores (4-6 mL/kg) em condições de complacência do sistema respiratório mais baixas, ou seja, com doença pulmonar grave. Não há dados de casos pediátricos de COVID-19 sugerindo outras direções. A ideia é de que quanto mais grave, menor o pulmão, menor o VC que deve ser empregado. Deve-se titular a FiO2 para manter SpO2 entre 92-96%,12,13 sendo o valor mínimo de SpO2 aceitável para pacientes com doença grave 88%.10 É ainda recomendada hipercapnia permissiva, aceitando pH > 7,20, a menos que haja contraindicação. Sugere-se ainda considerar terapias escalonadas na vigência de hipoxemia refratária, definida por PaO2/FiO2 < 150; IO ≥ 12; IOS ≥ 10 e/ou FiO2 > 0,6. Pode-se titular a pressão positiva expiratória final (PEEP), embora não sejam recomendadas as melhores estratégias de titulação da PEEP e recrutamento pulmonar,9,1314. Outra sugestão usada em adultos a ser considerada em pacientes pediátricos é: utilizar a menor PEEP possível para prevenir colapso alveolar e a menor pressão de distensão (Driving Pressure).9
O uso precoce de agentes bloqueadores neuromusculares (NMBA) por 24 a 48 horas deve ser considerado na SDRAp moderada a grave (ou seja, PaO2/FiO2 <150; IO ≥ 12; IOS ≥ 10), para evitar a respiração espontânea com altas pressões transpulmonares, minimizar a assincronia paciente/ventilador e a necessidade de sedação profunda contínua, e facilitar o posicionamento prono ou, ainda, evitar altas pressões de platô (sem valor limite recomendado). Estes podem ser descontinuados se PaO2/FiO2 ≥ 150; OI <12; OSI <10.9,13,12
Sobre a posição prona, as práticas variam de 12 a 18 horas por dia no decúbito ventral, podendo-se considerá-lo de forma prolongada (> 24 horas) no início da doença. A posição prona pode ser interrompida com PaO2/FiO2 ≥ 150; IO < 12cmH2O.
O consenso do PEMVECC recomenda não realizar fisioterapia respiratória de rotina na ausência de muco espesso ou histórico de tampões nas vias aéreas e não usar dispositivos de auxílio à tosse.9,13
Para iniciar o desmame ventilatório, os critérios recomendados são: condição clínica estável; nutrição adequada; drive ventilatório preservado; parâmetros ventilatórios mínimos (PEEP < 8cmH2O; FiO2 < 0,4; Pressão de Pico < 30cmH2O; frequência respiratória (FR) programada < 15rpm para crianças menores ou 10rpm para crianças maiores/adolescentes).13
O Teste de Respiração Espontânea (TRE) deve ser realizado em pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) de 5cmH2O ou em ventilação com pressão de suporte (PSV) com pressão de suporte de 8-10cmH2O, por um período de 30 minutos a 2 horas. Não realizar o teste com T conectado a uma fonte oxigênio, para evitar a produção de aerossol e risco de contaminação da equipe multiprofissional. Se mantida a estabilidade durante o TRE (volume corrente, frequência respiratória, padrão respiratório e SpO2), considerar a extubação. Não considerar obrigatória a VNI pós-extubação. Avaliar individualmente cada paciente e traçar a melhor conduta.16
Considerações Finais: Junto à equipe, o fisioterapeuta é fundamental na assistência ventilatória de pacientes pediátricos com suspeita ou confirmação da COVID-19. Embora essa realidade seja recente e ainda inconclusiva, buscar suporte na literatura para a sua prática, conhecer às especificidades dos seus pacientes e buscar em outros países exemplos de boas práticas auxiliam a nortear suas práticas assistenciais possibilitando um melhor acompanhamento a essa população.
Referências:
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