CEGUEIRA NOTURNA CONGÊNITA NA RAÇA APALOOSA: REVISÃO DE LITERATURA E PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA VETERINÁRIA

CONGENITAL STATIONARY NIGHT BLINDNESS IN APPALOOSA HORSES: LITERATURE REVIEW AND PERSPECTIVES FOR VETERINARY PRACTICE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202509302021


Cristiane da Silva Vargas Melo, Breno Belchior Mansur Cardoso, Paulo Henrique Dias da Cruz, Bruno Lucas Azevedo Martins, Carlos Antonio Pereira de Souza, Gabriela Borges Hassen Dam, Orientador: Alana Camargo Poncio


RESUMO

A raça Apaloosa chama atenção no mundo todo pela pelagem singular, conhecida como leopardcomplex, e pela habilidade em se adaptar a diferentes esportes e trabalhos. No entanto, junto com essas características, há também preocupações de saúde, como a Cegueira Noturna Congênita (CNC). Essa condição genética reduz a visão em ambientes pouco iluminados e tem forte ligação com o gene Leopard Complex (LP). O problema é que os exames oftálmicos comuns, em geral, não mostram alterações claras, tornando o eletroretinograma a principal ferramenta de diagnóstico. Nesta revisão, foram analisadas publicações de 2000 a 2025 em bases científicas nacionais e internacionais, com o objetivo de compreender melhor a relação entre a CNC e os Apaloosas, explorando aspectos clínicos, genéticos e práticos para a medicina veterinária. Os estudos mostram que a doença é mais comum em animais homozigotos para o gene LP, o que aumenta o risco de acidentes e prejudica o bem-estar. Concluímos que investir em diagnóstico precoce e em testes genéticos é essencial para orientar a reprodução e reduzir a disseminação da doença, além de alertar criadores sobre os riscos de priorizar apenas a estética na seleção da raça.

Palavras-chave: Apaloosa. Genética. Oftalmologia. bem-estar animal. 

1 INTRODUÇÃO

A raça Apaloosa é amplamente reconhecida em todo o mundo tanto por sua pelagem peculiar, marcada pelo padrão conhecido como leopardcomplex, quanto por sua versatilidade em diferentes modalidades esportivas. A padronização moderna da raça e sua difusão internacional tiveram início com a fundação do Appaloosa Horse Club (ApHC) em 1938, nos Estados Unidos, instituição que passou a definir regras de registro genealógico e os critérios de seleção racial. Desde então, o interesse pela raça cresceu não apenas pela beleza de seus indivíduos, mas também pelas questões relacionadas à saúde e à hereditariedade de determinadas condições (PINHEIRO et al., 2024).

Entre as condições hereditárias mais relevantes está a CNC, um distúrbio que afeta a visão em ambientes pouco iluminados. Essa enfermidade está ligada ao gene Leopard Complex (LP), o mesmo que dá origem à pelagem característica da raça. Apesar de já descrita há décadas, a CNC continua sendo um desafio para médicos veterinários. Na maior parte dos casos, a avaliação clínica convencional não revela sinais evidentes da CNC, o que torna indispensável a utilização de exames adicionais, como o eletroretinograma, para confirmar o diagnóstico (SANDMEYER et al., 2007).

O problema de pesquisa reside na necessidade de identificar e analisar os aspectos clínicos, genéticos e reprodutivos associados à Cegueira Noturna Congênita (CNC) em cavalos da raça Apaloosa, considerando os impactos dessa condição tanto para a prática veterinária quanto para o bem-estar animal.

A escolha desse tema se justifica pela relevância de compreender melhor a relação entre fatores estéticos e condições hereditárias, o que possibilita orientar práticas de manejo e reprodução mais responsáveis. Esse conhecimento contribui para reduzir riscos à saúde dos animais, promover maior segurança no convívio e nas atividades esportivas, além de auxiliar criadores e profissionais na tomada de decisões éticas relacionadas à seleção genética (SCOTT et al., 2016; SANDMEYER et al., 2007).

Dessa forma, os objetivos deste trabalho são: discutir a relação entre a Cegueira Noturna Congênita e a raça Apaloosa; apresentar os principais aspectos clínicos e genéticos dessa enfermidade; e analisar as consequências da doença para o bem-estar animal e para o manejo reprodutivo da raça.

2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Histórico da Equinocultura no Brasil

Atualmente, a equinocultura vem ganhando cada vez mais espaço dentro do agronegócio brasileiro, acompanhada por uma maior diversidade de raças. No país, existem aproximadamente 26 raças de cavalos voltadas para sela e tração, além de 6 raças de pôneis, cada uma selecionada para atender a diferentes finalidades: esportivas, de trabalho ou mesmo preferências pessoais dos criadores. As raças podem ser classificadas conforme sua função: algumas são voltadas para o trabalho, como Appaloosa, Quarto de Milha, Paint Horse e Puro Sangue Inglês; outras, para lazer, como Árabe, Bretão e Mangalarga; e algumas se destacam pela beleza e estética. Há ainda raças conhecidas por sua rusticidade e grande capacidade de adaptação a condições adversas. Independentemente da função ou característica, todas as raças possuem sua utilidade e merecem ser preservadas, respeitadas e admiradas por aqueles que apreciam a nobreza e a beleza desses animais (CINTRA, 2016).

2.2 Origem e Histórico da Raça Apaloosa

A história do Apaloosa começa muito antes do reconhecimento oficial da raça. Povos indígenas da tribo NezPerce, no noroeste dos Estados Unidos, foram os primeiros a selecionar cavalos resistentes, ágeis e com pelagens manchadas que se destacavam pela beleza e funcionalidade. Esses animais tinham papel central na vida da comunidade, sendo utilizados em atividades de caça, deslocamentos e batalhas (EVANS, 2001).

O cavalo Appaloosa, conhecido como “a raça dos índios”, possui origem antiga, com registros em desenhos rupestres datados de cerca de 20 mil anos antes de Cristo. Introduzido no Brasil na década de 1970 pelo criador Carlos Raul Consoni, o primeiro exemplar nascido no país foi em 1974. A raça é valorizada economicamente por suas pelagens diferenciadas, como preta, zaina, tordilho, castanho, alazão, baia, palomina e rosilha, além de apresentar altura média de 1,50 m e peso de aproximadamente 500 kg. Atualmente, o Appaloosa é amplamente utilizado em provas de trabalho e esportivas, incluindo apartação, baliza, laço de bezerro, laço em dupla, maneabilidade e velocidade, rédeas, tambor e “team penning” (BRITO, 2012).

O reconhecimento moderno ocorreu apenas em 1938, com a criação do Appaloosa Horse Club (ApHC), responsável por registrar linhagens e definir padrões raciais. A partir desse marco, a raça ganhou projeção internacional e passou a ser valorizada tanto pelo desempenho esportivo quanto pela singularidade estética (FAUST, 2017).

2.2 Características do Padrão Apaloosa

O cavalo Appaloosa é conhecido por sua pelagem característica, marcada pelo “Leopard Complex”, que se manifesta em diferentes padrões como pintas, rosilhas, blanket (manta), snowflake (flocos de neve) e marble (marmorizado), conferindo grande diversidade visual à raça. Além da pelagem, apresenta características físicas como cabeça refinada, olhos expressivos, orelhas pequenas e eretas, pescoço musculoso e corpo compacto, aliado a membros fortes e resistentes, o que o torna apto tanto para atividades de trabalho quanto esportivas. O temperamento é geralmente dócil, inteligente e cooperativo, facilitando o manejo e a interação com o cavaleiro (SANDMEYER et al., 2007).

A pelagem típica do Apaloosa, pode variar desde pequenas manchas até grandes áreas despigmentadas. Essa característica está relacionada a alterações no gene TRPM1, localizado no cromossomo 1, o qual influencia não apenas a aparência, mas também a visão noturna dos animais (BROOKS; BAILEY, 2010).

Em um animal saudável, o comprimento do pescoço costuma ser aproximadamente o dobro da distância entre o topo da cabeça e o lábio inferior, considerando a medição feita a partir da face. Nesse estágio de desenvolvimento, o cavalo alcança o auge de sua potencialidade física, e o treinamento torna-se fundamental, devendo ser iniciado o quanto antes. Com o avanço da idade, o Appaloosa apresenta alterações naturais: as articulações tendem a inchar, a circulação nos membros se torna menos evidente, alguns animais podem desenvolver olhos mais encovados e dorsos mais arqueados que o normal. Além disso, o desgaste dentário dificulta a mastigação, e o processo digestivo se torna menos eficiente, tornando mais desafiador manter a boa condição de saúde do animal (UNIVERSITY OF MINNESOTA EXTENSION, 2023).

Pesquisas apontam que a mesma mutação envolvida na expressão do LP está ligada à CNC. O quadro clínico é mais frequentemente observado em animais homozigotos para o gene LP, os quais apresentam maior predisposição ao comprometimento visual (BROOKS; BAILEY, 2010).

É importante destacar que nem todos os cavalos com pelagem manchada desenvolvem a doença. Entretanto, todos os animais afetados carregam o gene LP, o que reforça a necessidade de exames genéticos em programas de reprodução para evitar a propagação do problema (SANDMEYER; BELLONE, 2007).

2.3 Estrutura Corporal e Desempenho

O cavalo Appaloosa é reconhecido por sua conformação robusta e versatilidade, características que o tornam apto para diversas atividades equestres. A estrutura corporal típica inclui altura entre 14,2 e 16 mãos (aproximadamente 1,42 a 1,63 metros), com peso variando entre 430 e 500 kg. Seu corpo é bem musculoso, com membros fortes e cascos sólidos, adequados para suportar trabalho intenso e terrenos variados (MADBARN, 2023).

Em relação aos sentidos, o Appaloosa possui visão diurna e noturna de alta qualidade, com capacidade monocular e binocular, permitindo ampla percepção do ambiente (SANDMEYER et al., 2007). A audição é sensível, capaz de identificar sons distantes e de diferentes direções, sendo indicativa de seu estado emocional através do movimento das orelhas. O olfato é usado para reconhecer outros cavalos e humanos, o paladar apresenta preferência por alimentos doces, e o tato, envolvendo vibrissas, cascos e percepção cutânea, é essencial para comunicação, bem-estar e segurança durante o manejo (UNIVERSITY OF MINNESOTA EXTENSION, 2023).

Em termos de desempenho, o Appaloosa destaca-se pela resistência e agilidade. Sua musculatura bem desenvolvida, especialmente nos posteriores, confere-lhe potência para atividades como apartação, laço e provas de velocidade. Além disso, a raça é conhecida por sua inteligência e disposição, facilitando o treinamento e a adaptação a diferentes disciplinas equestres (ROYAL HORSE, 2023).

A conformação do Appaloosa também é influenciada por cruzamentos com outras raças, como o Quarter Horse, visando aprimorar características específicas, como velocidade e conformação física. Esses cruzamentos têm contribuído para a evolução da raça, mantendo suas características originais enquanto aprimoram seu desempenho em competições (APPALOOSA HORSE CLUB, 2023).

O Apaloosa é um cavalo de porte médio, corpo compacto e musculatura bem definida. Essas características conferem força e agilidade, permitindo seu uso em diferentes modalidades, como corridas, provas de western, adestramento, atividades rurais e lazer. Além disso, a raça é reconhecida pelo temperamento dócil e pela resistência física, atributos que favoreceram sua difusão em diversos países (BENNETT, 2012).

2.4 Perspectivas para a Prática Veterinária
2.4.1 Manejo Clínico e Preventivo

Na clínica veterinária, os Apaloosas requerem atenção especial em razão da predisposição genética para doenças oculares. O diagnóstico precoce da CNC, por meio de exames oftalmológicos detalhados e eletroretinográficos, é fundamental para identificar indivíduos afetados e evitar sua utilização reprodutiva. Além disso, adaptações simples, como melhor iluminação em baias e áreas de treinamento, podem reduzir acidentes em cavalos que já apresentam a condição (SANDMEYER; BELLONE, 2007).

De acordo com Sandmeyer e Bellone (2007), outro ponto de atenção é a pele despigmentada da raça, que pode ser mais sensível a dermatites e queimaduras solares. Orientações sobre o uso de abrigos, sombreamento e protetores tópicos podem contribuir para a saúde e o conforto dos animais.

2.4.2 Reprodução e Melhoramento Genético

Os programas de reprodução têm papel decisivo na prevenção da CNC. Testes genéticos permitem identificar portadores e, assim, orientar cruzamentos de forma a reduzir a disseminação da mutação. O uso de biotecnologias reprodutivas, como inseminação artificial e transferência de embriões, possibilita preservar linhagens desejáveis sem ampliar os riscos associados ao gene LP (BROOKS; BAILEY, 2010).

2.4.3 Bem-Estar e Desempenho Esportivo

A prática veterinária também deve englobar cuidados com a alimentação, saúde ortopédica e planejamento de treinamento. Esses fatores são essenciais para prolongar a vida útil dos Apaloosas em atividades esportivas e garantir qualidade de vida, reforçando a ideia de que a preservação da raça deve equilibrar desempenho, estética e bem-estar (BENNETT, 2012).

2.4.4 Saúde e Manejo Sanitário do Cavalo Appaloosa

A manutenção da saúde do cavalo Appaloosa depende de cuidados sanitários rigorosos, que incluem vacinação, vermifugação, higiene, alimentação adequada e acompanhamento veterinário regular. As vacinas essenciais protegem contra doenças como tétano, influenza equina, encefalomielite equina e raiva, sendo recomendada a aplicação de reforços conforme orientação veterinária (ROYAL HORSE, 2023).

O controle de parasitas internos e externos é fundamental, pois vermes e carrapatos podem comprometer o desempenho físico, a digestão e a condição corporal do animal. A vermifugação deve ser realizada de forma periódica, seguindo protocolos específicos de acordo com idade, peso e histórico de infestações (MADBARN, 2023).

A higiene diária, incluindo limpeza dos cascos e inspeção de ferimentos ou lesões na pele, previne infecções e problemas locomotores. Além disso, é necessário oferecer água limpa, alimentação balanceada e adequada à idade e atividade física do Appaloosa, garantindo bom desenvolvimento muscular e manutenção do peso ideal (APPALOOSA HORSE CLUB, 2023).

2.5 Cegueira Noturna Congênita Estacionária (CSNB) no Appaloosa
2.5.1 Etiopatogenia 

A Cegueira Noturna Congênita Estacionária (CSNB) é uma doença hereditária que afeta especificamente a visão em condições de baixa luminosidade em cavalos Appaloosa. A etiopatogenia da CSNB está diretamente relacionada a mutações genéticas no gene TRPM1, localizado no cromossomo 1. Este gene codifica uma proteína que atua nos fotorreceptores da retina, em especial nos bastonetes e nas células bipolares ON, responsáveis pela percepção visual em ambientes escuros (BELLONE et al., 2008; WITZEL et al., 1978).

Quando ocorre a mutação do TRPM1, há uma falha na transmissão dos sinais visuais dos bastonetes para as células bipolares ON, impedindo que a retina detecte corretamente a luz em condições de baixa luminosidade. Esse defeito funcional não afeta a visão diurna, uma vez que os cones, responsáveis pela percepção em luz intensa e cores, permanecem intactos. A condição é considerada estacionária, ou seja, não progride com o tempo, mas compromete permanentemente a visão noturna dos animais homozigotos para o gene LP (BELLONE et al., 2008).

A relação entre a CSNB e o gene Leopard Complex (LP) também é importante, pois a mutação no TRPM1 está fortemente associada ao padrão de pelagem característico da raça Appaloosa. Assim, indivíduos com pelagem LP podem ser portadores da mutação, e a homozigose aumenta significativamente a probabilidade de manifestação clínica da cegueira noturna (SANDMEYER et al., 2007).

2.5.2 Sinais Clínicos 

Os sinais clínicos da CSNB podem ser sutis e muitas vezes passam despercebidos, especialmente em ambientes bem iluminados. Entre os principais sinais observados, destacam-se a hesitação em se mover ou relutância ao caminhar em áreas pouco iluminadas, como estábulos mal iluminados, trilhas noturnas ou trailers. Além disso, os cavalos afetados podem apresentar comportamento ansioso, nervoso ou confuso, demonstrando receio de se aproximar de obstáculos ou de outros animais quando a luz é insuficiente. Em alguns casos, é possível observar movimentos oculares anormais, como nistagmo (movimento involuntário dos olhos) ou estrabismo, decorrentes da dificuldade em focalizar objetos no escuro (SANDMEYER et al., 2007).

A dificuldade de locomoção também é um sinal importante, refletindo a incapacidade de avaliar corretamente o terreno sob baixa luminosidade. Isso pode aumentar o risco de acidentes, como tropeços ou colisões com objetos, afetando a segurança do animal e das pessoas que interagem com ele. Outro sinal observado é o evitamento de áreas escuras, demonstrando que o cavalo procura permanecer em ambientes iluminados sempre que possível. Em síntese, os sinais clínicos da CSNB no Appaloosa estão diretamente relacionados à incapacidade de enxergar no escuro e se manifestam principalmente através de alterações comportamentais, locomoção insegura e respostas defensivas ou ansiosas a ambientes com baixa luminosidade. A detecção precoce desses sinais é fundamental para a adoção de medidas de manejo que garantam a segurança e o bem-estar do animal (SANDMEYER et al., 2007; BELLONE et al., 2008).

2.5.3 Manifestações Comportamentais 

As manifestações comportamentais da CSNB em cavalos Appaloosa estão diretamente ligadas à incapacidade de enxergar em ambientes com baixa luminosidade. Esses animais geralmente apresentam evitamento de áreas escuras, como estábulos mal iluminados, trilhas à noite ou locais internos pouco iluminados, buscando permanecer em ambientes mais claros sempre que possível (SANDMEYER et al., 2007).

Outro comportamento característico é a ansiedade e apreensão, que podem se manifestar na forma de hesitação ao caminhar, inquietação ou movimentos bruscos quando o cavalo é exposto a sombras ou variações de luz. Essa reação é uma resposta adaptativa à percepção limitada do ambiente, que aumenta o risco de acidentes e lesões. Além disso, alguns cavalos afetados podem apresentar comportamento defensivo ou agressivo, como relutância em se aproximar de outros animais ou pessoas em locais escuros. A dificuldade de avaliar corretamente o terreno ou obstáculos gera estresse e pode resultar em investidas, recuos ou resistência a comandos habituais (BELLONE et al., 2008).

As manifestações comportamentais também incluem dificuldade de socialização em condições de baixa luminosidade, uma vez que o cavalo afetado pode interpretar mal sinais visuais de outros animais, prejudicando interações e comunicação social. Essas alterações comportamentais não se observam durante o dia, quando a visão diurna permanece intacta. Os cavalos Appaloosa com CSNB demonstram comportamentos que refletem insegurança e cautela em ambientes pouco iluminados, sendo essencial compreender essas reações para adotar estratégias de manejo que reduzam o estresse e garantam segurança ao animal e às pessoas que interagem com ele (SANDMEYER et al., 2007; BELLONE et al., 2008).

2.5.4 Diagnóstico 

O diagnóstico da CSNB em cavalos Appaloosa é fundamental para a identificação precoce da condição e para o manejo adequado do animal. Como a doença não afeta a visão diurna, muitos cavalos podem passar despercebidos até serem expostos a ambientes com baixa luminosidade. O processo diagnóstico envolve avaliação clínica, exames oftalmológicos, testes funcionais da retina e análise genética (PINHEIRO et al., 2024).

O exame oftalmológico completo é realizado inicialmente para descartar alterações estruturais e identificar sinais discretos que possam sugerir comprometimento da visão noturna. Entretanto, em muitos casos, a retina apresenta aparência normal, o que torna necessário o uso de eletrorretinografia (ERG). Esse exame avalia a resposta elétrica da retina à luz e permite detectar falhas na função dos bastonetes, células responsáveis pela percepção em ambientes escuros (SANDMEYER et al., 2007). Em cavalos afetados pela CSNB, observa-se uma resposta significativamente reduzida ou ausente à estimulação em baixa luminosidade.

Além disso, o teste genético tem se mostrado uma ferramenta essencial para o diagnóstico definitivo. Ele permite identificar a mutação no gene TRPM1, que está associada à CSNB e ao padrão de pelagem LP. A confirmação genética é particularmente importante para decisões de manejo reprodutivo, evitando a reprodução de indivíduos homozigotos e reduzindo a incidência da doença na população (BELLONE et al., 2008).

2.5.5 Tratamento e Manejo 

A CSNB em cavalos Appaloosa é uma condição genética permanente que não possui cura. Portanto, o foco do tratamento concentra-se no manejo preventivo e na adaptação do ambiente para garantir a segurança e o bem-estar do animal afetado (BELLONE et al., 2008).

Medidas essenciais incluem a manutenção de iluminação adequada nos estábulos, piquetes e áreas de circulação, especialmente durante o período noturno, ao amanhecer ou ao entardecer. A presença de luz uniforme e suficiente ajuda a reduzir a ansiedade e o risco de acidentes, permitindo que o animal se mova com segurança mesmo em locais que normalmente seriam desafiadores devido à baixa luminosidade (SANDMEYER et al., 2007).

Outra estratégia importante é o treinamento gradual e supervisionado. Animais com CSNB devem ser introduzidos progressivamente a diferentes ambientes e obstáculos, sempre com acompanhamento profissional, para que se adaptem de maneira segura e aprendam a confiar em sua visão diurna e na percepção sensorial de outros sentidos, como tato e olfato. O manejo preventivo também inclui evitar mudanças abruptas de ambiente e transporte noturno, pois essas situações podem gerar estresse e aumentar o risco de colisões ou quedas. Embora não exista intervenção farmacológica ou cirúrgica para reverter a CSNB, a adoção dessas medidas permite que o cavalo leve uma vida funcional e segura, desempenhando atividades esportivas, recreativas ou de trabalho de forma adaptada às suas limitações visuais (BELLONE et al., 2008).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cavalo Apaloosa se destaca tanto por sua beleza singular quanto por sua importância histórica e funcional. Desde sua seleção inicial pelos NezPerce até a consolidação promovida pelo Appaloosa Horse Club, a raça conquistou espaço no cenário internacional, sendo hoje reconhecida pela versatilidade esportiva e pelo temperamento equilibrado.

Entretanto, junto com o prestígio da pelagem característica do LP, surgem desafios de saúde, especialmente a CNC. A literatura mostra de forma consistente que a enfermidade está fortemente associada ao gene LP, sobretudo em animais homozigotos, e que o diagnóstico depende de exames específicos, como o eletroretinograma. Ainda assim, existem indícios de que fatores adicionais, sejam genéticos ou ambientais, também podem influenciar sua expressão clínica.

Nesse contexto, o papel da medicina veterinária é central: além de garantir o diagnóstico precoce, cabe aos profissionais orientar criadores sobre a importância dos testes genéticos e sobre os riscos de selecionar animais com base apenas em características estéticas. Ao mesmo tempo, medidas de manejo, como ajustes no ambiente e cuidados com a pele despigmentada, contribuem para reduzir os impactos da doença e melhorar a qualidade de vida dos animais já afetados.

Portanto, preservar a raça Apaloosa com responsabilidade exige equilibrar beleza, desempenho e bem-estar. Investir em pesquisas, práticas reprodutivas éticas e programas de conscientização é o caminho para garantir que essa raça continue a ser admirada não apenas por sua aparência, mas também por sua saúde e longevidade.

REFERÊNCIAS

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