REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202509220808
Ernani José Costa Lins Leitão
João Augusto Minosso
Luiz Fernando Brigido Fialho
Marcos Tavares
Resumo
O comércio eletrônico transformou de maneira significativa o varejo brasileiro nas últimas duas décadas, promovendo mudanças estruturais que impactam desde a gestão operacional até o comportamento do consumidor. Este artigo tem como objetivo analisar as principais alterações ocorridas no setor varejista em função do avanço do e-commerce, considerando aspectos relacionados à digitalização, estratégias de mercado e adaptação das empresas tradicionais ao ambiente online. O estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica qualitativa, explorando obras acadêmicas e relatórios de mercado que discutem o tema. Os resultados indicam que a expansão do comércio eletrônico aumentou a competitividade, obrigando empresas a investirem em inovação, logística e novas formas de relacionamento com o cliente. Conclui-se que o varejo físico e digital tende a coexistir de forma integrada, em modelos híbridos como o omnichannel, os quais representam o futuro do setor no Brasil.
Palavras-chave: e-commerce. varejo. consumo digital. transformação. omnichannel.
INTRODUÇÃO
O avanço do comércio eletrônico no Brasil constitui um dos fenômenos mais marcantes da economia contemporânea. Desde os anos 2000, mas de forma mais acentuada na última década, a digitalização dos processos de compra e venda tem provocado mudanças estruturais no varejo nacional, atingindo tanto grandes redes consolidadas quanto pequenos empreendedores que encontraram na internet uma alternativa de entrada no mercado. Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm, 2023), o setor movimentou mais de R$ 185 bilhões apenas em 2022, com expectativa de crescimento contínuo em virtude da ampliação da conectividade e do aumento da confiança dos consumidores nas transações digitais.
Essas transformações não podem ser compreendidas apenas sob o prisma tecnológico. Elas envolvem também aspectos culturais, econômicos e sociais, pois o consumidor brasileiro tornou-se mais exigente, informado e conectado, alterando sua relação com as marcas e estabelecendo novas formas de consumo. A facilidade de comparar preços em tempo real, a diversidade de meios de pagamento digitais e a expectativa por entregas rápidas impõem ao varejo desafios que vão além da simples presença online, exigindo a integração de processos logísticos, de marketing e de atendimento ao cliente.
Nesse sentido, o fenômeno do e-commerce não deve ser analisado como concorrente do varejo físico, mas como elemento que impulsiona a reconfiguração do setor. Autores como Levy e Weitz (2012) defendem que a tendência predominante é a do varejo híbrido, em que a loja física e a loja virtual se complementam em uma estratégia omnichannel. Essa visão já se materializa no Brasil em práticas como o “clique e retire” e no uso de aplicativos integrados às lojas tradicionais.
Diante desse cenário, o presente estudo busca responder à seguinte questão: quais as principais mudanças no varejo brasileiro decorrentes do avanço do comércio eletrônico? O objetivo geral é analisar o impacto da digitalização sobre as práticas varejistas, considerando as adaptações estratégicas e operacionais necessárias para acompanhar o novo perfil do consumidor. Como objetivos específicos, pretende-se: identificar as mudanças no comportamento de compra do consumidor brasileiro; examinar como os varejistas têm incorporado tecnologias e estratégias digitais; discutir as implicações da logística e do atendimento para a competitividade do setor; refletir sobre a coexistência entre o varejo físico e o digital.
A justificativa para este estudo baseia-se na relevância econômica do varejo, responsável por significativa parcela do PIB brasileiro e por milhões de empregos formais. A transformação do setor, portanto, não apenas redefine modelos de negócio, mas também impacta diretamente a economia e a sociedade. Do ponto de vista acadêmico, compreender o avanço do e-commerce permite discutir teorias de marketing, administração e comportamento do consumidor em um contexto de acelerada digitalização.
Assim, este artigo se propõe a contribuir para o debate sobre o futuro do varejo brasileiro, oferecendo uma análise fundamentada sobre as mudanças em curso e suas possíveis implicações.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
O comércio eletrônico pode ser entendido como a realização de transações comerciais por meio de plataformas digitais, utilizando a internet como ambiente de compra e venda (TURBAN et al., 2015). Desde sua consolidação no Brasil, no início dos anos 2000, o setor apresentou taxas de crescimento expressivas, especialmente impulsionadas por fatores como a popularização dos smartphones, a melhoria na infraestrutura de internet e a expansão dos meios de pagamento digitais (KOTLER; KELLER, 2012).
O varejo, tradicionalmente estruturado em lojas físicas, passou a enfrentar novos desafios diante da ascensão do consumo digital. Para Levy e Weitz (2012), a transformação digital obrigou empresas a desenvolver estratégias híbridas, capazes de integrar diferentes canais de atendimento e proporcionar experiências consistentes ao consumidor. Nesse sentido, surge o conceito de omnichannel, que busca unificar os pontos de contato com o cliente, garantindo fluidez entre a compra online e offline.
Além disso, autores como Churchill e Peter (2016) destacam que a digitalização ampliou o acesso dos consumidores à informação, tornando-os mais exigentes quanto a preço, qualidade, conveniência e rapidez na entrega. Essa mudança de comportamento obrigou os varejistas a investirem em logística, tecnologias de gestão e personalização do atendimento.
No caso brasileiro, estudos da Ebit|Nielsen (2022) mostram que a pandemia de COVID19 acelerou o processo de digitalização do varejo, levando até pequenas empresas a migrarem para o ambiente online. Essa adaptação revelou tanto oportunidades, como o alcance de novos públicos, quanto desafios relacionados à infraestrutura logística e à concorrência ampliada.
Assim, a literatura aponta que o avanço do e-commerce não apenas modificou a forma como os consumidores compram, mas também redefiniu os modelos de negócio do varejo, exigindo maior capacidade de inovação e de integração tecnológica.
METODOLOGIA
A metodologia representa um dos pilares centrais de qualquer trabalho científico, pois define os caminhos adotados pelo pesquisador para responder ao problema formulado. Neste estudo, o objetivo é compreender as mudanças no varejo brasileiro decorrentes do avanço do comércio eletrônico. Para tanto, optou-se por um desenho metodológico de caráter qualitativo e bibliográfico, com ênfase em análise interpretativa.
Segundo Gil (2008), a pesquisa bibliográfica consiste no levantamento, sistematização e análise de materiais já publicados — livros, artigos científicos, relatórios técnicos e documentos institucionais —, permitindo ao pesquisador construir um arcabouço teórico sólido que sustente a discussão proposta. Essa escolha se mostra adequada porque o tema do e-commerce no Brasil tem sido amplamente abordado por diferentes áreas do conhecimento, como administração, marketing, economia e tecnologia da informação, o que possibilita uma análise multidisciplinar.
A abordagem qualitativa, conforme Godoy (1995), valoriza a compreensão dos fenômenos sociais a partir da interpretação dos significados, contextos e relações que emergem nos dados. No caso do comércio eletrônico, a análise qualitativa permite interpretar não apenas os números do setor, mas também as implicações culturais, comportamentais e estratégicas que influenciam a dinâmica do varejo.
O procedimento adotado para coleta de dados seguiu três etapas principais:
Levantamento exploratório: busca inicial em bases acadêmicas (Google Scholar, Scielo, Scopus) e em relatórios setoriais da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), Ebit|Nielsen e outras instituições de pesquisa de mercado.
Seleção criteriosa de fontes: priorização de materiais publicados entre 2012 e 2023, com foco em autores de referência na área de administração e marketing (como Kotler, Keller, Levy e Weitz), além de relatórios que apresentam estatísticas e tendências recentes do comércio eletrônico no Brasil.
Organização e categorização dos dados: os conteúdos foram agrupados em eixos temáticos — digitalização, comportamento do consumidor, inovação logística e integração omnichannel —, possibilitando uma visão estruturada sobre as principais mudanças no varejo.
Para análise dos dados, empregou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2016), que consiste em classificar e interpretar as informações com base em categorias previamente estabelecidas. Essa técnica favorece a identificação de convergências e divergências entre autores, bem como a sistematização dos principais pontos de impacto do e-commerce no varejo brasileiro.
Cabe destacar que este estudo apresenta como limitação o fato de não incluir pesquisa de campo com consumidores ou empresas do setor. Ainda assim, sua relevância reside na sistematização crítica da literatura existente e na articulação entre dados empíricos de relatórios de mercado e reflexões teóricas sobre administração e marketing.
Portanto, a metodologia aqui adotada busca garantir rigor científico ao mesmo tempo em que privilegia uma abordagem interpretativa, adequada ao objetivo de compreender fenômenos complexos e em constante transformação, como é o caso do avanço do comércio eletrônico e suas implicações para o varejo brasileiro.
RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DE DADOS
A análise dos dados obtidos na literatura e em relatórios de mercado revela que o avanço do comércio eletrônico provocou mudanças estruturais e multifacetadas no varejo brasileiro. Essas mudanças podem ser observadas em diferentes dimensões, tais como a digitalização das operações, a transformação do comportamento do consumidor, a reconfiguração da logística e o surgimento de estratégias integradas de atendimento.
Em primeiro lugar, destaca-se a digitalização dos processos de venda. Empresas que tradicionalmente dependiam do ponto físico tiveram de investir em plataformas digitais, aplicativos móveis e sistemas de gestão integrados. Esse movimento trouxe ganhos de eficiência, como maior controle de estoque e maior alcance de consumidores, mas também intensificou a competitividade. Varejistas de menor porte enfrentaram desafios adicionais, como a falta de capital para investir em tecnologia e a necessidade de capacitação em ferramentas digitais.
Outro aspecto relevante é a mudança no comportamento do consumidor. Pesquisas da Ebit|Nielsen (2022) mostram que o consumidor brasileiro se tornou mais exigente, priorizando conveniência, rapidez e personalização. Mais de 70% dos clientes esperam frete rápido, rastreamento em tempo real e opções de devolução simplificadas. Essa evolução no perfil do consumidor também aumentou a importância das estratégias de marketing digital e do uso de dados para compreender padrões de compra, prever demandas e oferecer recomendações personalizadas.
A logística e a operação de entrega representam talvez o maior desafio do setor. O consumidor digital valoriza a velocidade e a confiabilidade da entrega, fatores que se tornaram decisivos para a fidelização. Nesse cenário, as empresas ampliaram seus investimentos em centros de distribuição regionais, parcerias com transportadoras, soluções de retirada em pontos físicos (pick-up points) e lockers. Algumas redes de varejo no Brasil já utilizam o modelo “ship from store”, em que a própria loja física funciona como ponto de expedição, encurtando prazos de entrega.
Por fim, observa-se a consolidação de um modelo omnichannel. Ao invés de substituir o varejo físico, o e-commerce impulsionou a integração entre canais. A experiência do consumidor é cada vez mais fluida: ele pode pesquisar online, comprar pelo aplicativo e retirar o produto na loja, ou ainda realizar trocas presenciais de compras feitas pela internet. Esse modelo amplia a conveniência e fortalece a relação de confiança entre consumidor e marca, ao mesmo tempo em que exige alto grau de coordenação tecnológica e operacional das empresas.
De modo geral, os resultados analisados indicam que o e-commerce não deve ser compreendido como uma ameaça ao varejo físico, mas como um vetor de transformação. As empresas que melhor se adaptam são aquelas que conseguem combinar inovação tecnológica com foco na experiência do cliente, criando valor por meio da integração entre os mundos digital e físico.
CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou analisar as mudanças no varejo brasileiro provocadas pelo avanço do comércio eletrônico. Os resultados indicam que o setor passou por uma reconfiguração profunda, que envolve tanto aspectos operacionais quanto culturais, impulsionando uma nova lógica de consumo e de gestão empresarial.
Conclui-se que a digitalização do varejo foi um movimento inevitável diante da ascensão do consumidor conectado. As empresas que não se adaptaram ficaram em desvantagem competitiva, enquanto aquelas que investiram em plataformas digitais, marketing online e soluções logísticas robustas conseguiram conquistar novos públicos e fortalecer sua presença no mercado. Além disso, o consumidor tornou-se protagonista do processo de compra: mais informado, exigente e em busca de experiências personalizadas, ele força as empresas a repensarem continuamente seus modelos de negócio.
Outro ponto conclusivo é a constatação de que o comércio eletrônico não elimina o varejo físico, mas o transforma. O futuro do setor no Brasil está cada vez mais associado ao modelo omnichannel, em que os canais físicos e digitais coexistem e se complementam. Essa integração amplia as possibilidades de contato entre marca e cliente, oferecendo conveniência, agilidade e consistência na experiência de compra.
Os objetivos da pesquisa foram alcançados ao identificar as principais mudanças ocorridas no setor e discutir suas implicações. Entretanto, é importante destacar que o estudo se limitou à revisão bibliográfica e documental, não incluindo análises empíricas com consumidores ou gestores de empresas. Assim, recomenda-se que pesquisas futuras aprofundem o tema a partir de estudos de caso, entrevistas e levantamentos de campo, de modo a validar empiricamente os achados teóricos.
Em termos práticos, os resultados reforçam a necessidade de os varejistas brasileiros investirem continuamente em inovação, tecnologia e integração logística. A competitividade crescente do setor exige não apenas presença digital, mas também excelência na entrega e personalização do atendimento. O e-commerce deixou de ser um diferencial e se tornou requisito básico para a sobrevivência e o crescimento das empresas.
Portanto, as mudanças trazidas pelo avanço do comércio eletrônico não são passageiras, mas sim estruturais. Elas redefinem o papel do varejo na economia brasileira e sinalizam um futuro em que a capacidade de adaptação e a inovação contínua serão fatores decisivos para a sustentabilidade do setor.
REFERÊNCIAS
ABCOMM. Relatório Anual de E-commerce 2023. São Paulo: Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, 2023.
CHURCHILL, Gilbert A.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2016.
EBIT | NIELSEN. Webshoppers 2022. São Paulo: Nielsen, 2022.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63, 1995.
KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. 14. ed. São Paulo: Pearson, 2012.
LEVY, Michael; WEITZ, Barton A. Retailing management. 8. ed. New York: McGrawHill, 2012.
TURBAN, Efraim et al. Electronic commerce: a managerial and social perspective. 8. ed. New York: Springer, 2015.
