GESTÃO COMERCIAL DA CADEIA PRODUTIVA DO CACAU CASSIPORÉ NO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202507141925


Francinaldo Dos Anjos Aroucha
Orientador: Esp. Profº. Mário Sérgio Epaminondas Brasil


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé no município de Oiapoque, Amapá, destacando suas potencialidades, desafios e estratégias adotadas pelos atores locais. A pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa, com uso de instrumentos mistos, incluindo entrevistas semiestruturadas e questionários descritivos aplicados a dois sujeitos-chave: o proprietário da marca Chocolates Cassiporé e o presidente da associação de produtores da Vila Velha. Os dados foram analisados a partir de categorias temáticas e revelaram a existência de entraves como a falta de infraestrutura de escoamento, informalidade na comercialização, dificuldade de acesso a mercados e ausência de políticas públicas específicas. Por outro lado, destacaram-se ações bem-sucedidas de agregação de valor, como o beneficiamento local das amêndoas, o uso de estratégias de marketing digital, a atuação associativa e a busca por certificações. Conclui-se que, apesar das limitações, a cadeia do cacau Cassiporé possui potencial para se consolidar como uma alternativa sustentável de desenvolvimento regional, desde que haja investimentos estruturais, apoio institucional e fortalecimento da organização dos produtores.

Palavras-Chave: cacau Cassiporé; gestão comercial; agricultura familiar; bioeconomia; Oiapoque.

ABSTRACT

This study aims to analyze the commercial management of the Cassiporé cocoa production chain in the municipality of Oiapoque, Amapá, highlighting its potential, challenges, and the strategies adopted by local actors. The research is characterized by a qualitative approach, using mixed instruments, including semi-structured interviews and descriptive questionnaires applied to two key participants: the owner of the Chocolates Cassiporé brand and the president of the producers’ association in Vila Velha. Data were analyzed through thematic categories and revealed bottlenecks such as lack of transport infrastructure, informal commercialization, limited market access, and the absence of specific public policies. On the other hand, successful value-adding actions were identified, such as local processing of cocoa beans, use of digital marketing strategies, community association efforts, and the pursuit of certifications. It is concluded that, despite the limitations, the Cassiporé cocoa chain has the potential to become a sustainable alternative for regional development, provided there are investments in infrastructure, institutional support, and strengthening of producer organization.

Keywords: Cassiporé cocoa; commercial management; family farming; bioeconomy; Oiapoque.

1 INTRODUÇÃO

A cadeia produtiva do cacau no Brasil possui importância econômica e histórica significativa, especialmente para o desenvolvimento de comunidades rurais e a dinamização da economia nacional. No município de Oiapoque, localizado no extremo norte do estado do Amapá, o cultivo do cacau, com destaque para a variedade conhecida como Cassiporé, surge como uma atividade promissora, com potencial para fortalecer a identidade produtiva local e gerar oportunidades para os agricultores da região.

No entanto, apesar do grande potencial produtivo, a gestão comercial dessa cadeia ainda apresenta fragilidades que comprometem o aproveitamento pleno de suas possibilidades econômicas. A ausência de organização estruturada entre os produtores, a limitação no acesso a mercados diversificados, a informalidade nas etapas de comercialização e a carência de estratégias que agreguem valor dificultam o fortalecimento da atividade como motor de desenvolvimento local. Surge, assim, a seguinte problemática: como a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé pode ser aprimorada no município de Oiapoque para favorecer uma maior integração ao mercado e garantir benefícios sustentáveis aos produtores locais?.

Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo geral analisar a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé em Oiapoque, identificando práticas que possam otimizar a produtividade, fortalecer o posicionamento do produto no mercado e ampliar sua competitividade em âmbito local e nacional.

A justificativa deste estudo reside na busca por estratégias de gestão e comercialização aplicáveis ao contexto regional, promovendo maior integração entre produtores e agentes de mercado. Além disso, pretende-se contribuir com elementos para o aprimoramento de políticas públicas, o fortalecimento do setor cacaueiro local e o desenvolvimento sustentável e inclusivo da economia de Oiapoque.

Este trabalho está estruturado em cinco capítulos. O primeiro capítulo apresenta a introdução, contendo a contextualização do tema, a delimitação do problema de pesquisa, os objetivos e a justificativa do estudo. O segundo capítulo desenvolve a fundamentação teórica, abordando o contexto global e nacional da cadeia produtiva do cacau, o avanço da cacauicultura na Amazônia, com destaque para o cacau Cassiporé no município de Oiapoque, além dos desafios enfrentados na comercialização em regiões de fronteira. O terceiro capítulo descreve a metodologia da pesquisa, incluindo o tipo de abordagem adotada, os instrumentos de coleta de dados aplicados e a caracterização dos participantes. O quarto capítulo apresenta os resultados obtidos por meio das entrevistas e questionários, discutindoos com base em categorias temáticas. Por fim, o quinto capítulo reúne as considerações finais, destacando os principais achados da pesquisa, suas contribuições para a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau e sugestões para estudos futuros.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A Cadeia Produtiva do Cacau: Contexto Global e Nacional

A cadeia produtiva do cacau é uma das mais relevantes do setor agrícola global, tanto pelo seu valor econômico quanto por sua importância social e ambiental. No cenário internacional, o cultivo de cacau se concentra predominantemente em regiões tropicais, com destaque no continente africano, que responde por aproximadamente 73% da produção mundial de amêndoas. Segundo a International Cocoa Organization (ICCO), a produção global de cacau superou 4,6 milhões de toneladas em 2018, sendo Costa do Marfim e Gana os maiores produtores, com produções anuais que superam, respectivamente, 2 milhões e 1 milhão de toneladas. Nestes países, o cacau representa parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB), demonstrando sua relevância econômica e estrutural (ICCO, 2019).

Ainda segundo a ICCO (2022), o mercado de cacau movimenta, anualmente, cerca de 100 bilhões de dólares, quando considerados todos os elos da cadeia, desde a produção agrícola até a industrialização e comercialização do chocolate e seus derivados. A demanda global tem se expandido, sobretudo com o crescimento do consumo per capita em países emergentes como China, Índia, Rússia e Brasil, que passaram a integrar o grupo de maiores consumidores de produtos à base de cacau. Essa expansão do mercado consumidor reforça a necessidade de estratégias sustentáveis de produção e de inserção qualificada de países produtores na cadeia de valor global.

O Brasil, historicamente, já ocupou posição de destaque na produção mundial de cacau, figurando como maior produtor e exportador nas décadas de 1970 e 1980. Durante esse período, a produção brasileira ultrapassava 400 mil toneladas por ano, sendo responsável por cerca de 25% da produção mundial. Contudo, essa realidade sofreu uma reviravolta a partir da década de 1990, quando a lavoura cacaueira no sul da Bahia foi severamente afetada pela doença conhecida como “vassoura-de-bruxa” (Moniliophthora perniciosa), o que provocou um colapso produtivo sem precedentes. A combinação entre a incidência da praga, a queda nos preços internacionais do cacau e as dificuldades econômicas internas reduziram drasticamente a produtividade nacional, colocando o país em posição de importador líquido do produto (GONTIJO, 2020).

A partir dos anos 2000, houve um esforço conjunto entre instituições públicas, como a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), universidades, produtores e empresas privadas para reestruturar a cadeia produtiva. Investimentos em pesquisa, melhoramento genético, desenvolvimento de sistemas agroflorestais e capacitação técnica começaram a dar resultados, especialmente com o avanço da produção na região Norte, principalmente no estado do Pará. Atualmente, o Pará lidera a produção nacional de cacau, tendo superado a Bahia em volume total. Em 2023, o estado paraense produziu aproximadamente 149 mil toneladas de amêndoas secas, o que representa mais de 60% da produção nacional, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2024) e do IBGE (2023).

Apesar dos avanços, o Brasil ainda apresenta um déficit em sua balança comercial de cacau. A produção nacional, que gira entre 220 mil e 250 mil toneladas anuais, não é suficiente para suprir a demanda das indústrias de moagem e fabricação de chocolates, cuja capacidade instalada ultrapassa 270 mil toneladas por ano. Em razão disso, o país tem recorrido à importação de amêndoas, especialmente da África e da América Latina, para complementar o abastecimento interno. Tal situação revela uma contradição: mesmo sendo um dos únicos países do mundo a possuir a cadeia completa do cacau, desde a produção primária até a industrialização, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais para alcançar a autossuficiência produtiva (PLANO INOVA CACAU 2030, 2023).

Nesse contexto, o Plano Inova Cacau 2030 surge como uma iniciativa estratégica do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), em parceria com a CocoaAction Brasil, com o objetivo de fortalecer a cadeia nacional de cacau por meio da inovação, da sustentabilidade e do aumento da produtividade. Entre as metas estabelecidas pelo plano estão: a expansão de 120 mil hectares de lavouras até 2030; a revitalização de 100 mil hectares de áreas já cultivadas; a capacitação de viveiros para produção de 30 milhões de mudas por ano; e a elevação da produção para mais de 400 mil toneladas anuais, superando o patamar histórico da década de 1980 (MAPA, 2023).

A atuação em eixos estruturantes produtivo, social, ambiental e de governança, busca articular políticas públicas, financiamento, assistência técnica e inovação tecnológica para tornar a cacauicultura brasileira mais competitiva e sustentável. Para mais, incentiva-se o associativismo e o cooperativismo como formas de fortalecer a inserção dos pequenos produtores no mercado, valorizando os princípios da agricultura familiar e da agroecologia.

Portanto, a cadeia produtiva do cacau no Brasil, embora enfrente desafios, apresenta um potencial expressivo de crescimento e diversificação. A valorização de cadeias regionais, como a do cacau amazônico, associada ao fortalecimento das políticas públicas e à integração comercial com os mercados interno e externo, representa uma oportunidade concreta para o reposicionamento estratégico do país no cenário cacaueiro global.

2.2 A Cacauicultura na Amazônia e o Cacau Cassiporé no Oiapoque

A produção de cacau na região amazônica brasileira tem adquirido papel cada vez mais relevante no cenário nacional, especialmente após o declínio da produção baiana nas décadas de 1990 e 2000. A Amazônia, berço natural do Theobroma cacao L., oferece condições climáticas e edáficas ideais para o cultivo da planta, como temperatura média anual superior a 24ºC, alta umidade e chuvas regulares acima de 1.500 mm anuais.

 O avanço da cacauicultura nessa região não apenas preenche lacunas do mercado interno, como também se alinha com propostas de desenvolvimento sustentável e bioeconomia, valorizando a floresta em pé e a agricultura familiar.

O estado do Pará tem sido o grande protagonista dessa nova configuração produtiva. De acordo com o IBGE (2023), o Pará produziu mais de 149 mil toneladas de amêndoas secas, consolidando-se como o maior produtor de cacau do país. A expansão da cacauicultura paraense é atribuída ao uso de sistemas agroflorestais (SAFs), investimentos em tecnologia, assistência técnica e políticas públicas de fomento. 

Nesse contexto, outras regiões amazônicas, como o estado do Amapá, também apresentam potencial expressivo de crescimento, embora ainda enfrentem limitações estruturais.

No município de Oiapoque, localizado no extremo norte do Amapá, a produção de cacau tem se concentrado na variedade conhecida como cacau Cassiporé, batizada com referência ao rio que corta a região. Trata-se de uma variedade cultivada tradicionalmente por comunidades ribeirinhas e agricultores familiares, que, ao longo do tempo, desenvolveram práticas adaptadas às condições locais. 

A cultura do cacau Cassiporé possui grande valor simbólico e econômico, sendo apontada como uma alternativa viável para o fortalecimento da agricultura sustentável e a geração de renda.

No entanto, apesar do potencial agrícola e ambiental da região, a cadeia produtiva do cacau em Oiapoque enfrenta inúmeros desafios que limitam sua competitividade e integração ao mercado. Entre os principais problemas estão a ausência de infraestrutura de escoamento, a informalidade das transações comerciais, a baixa capacidade de armazenamento e secagem das amêndoas, e a falta de assistência técnica contínua. Soma-se a isso a carência de políticas específicas de incentivo à produção e comercialização do cacau no Amapá.

A ausência de um modelo de gestão comercial estruturado compromete o desempenho da cadeia produtiva do cacau Cassiporé. A produção, em sua maioria, é escoada de forma informal e vendida a atravessadores, o que reduz significativamente a margem de lucro dos agricultores. A inexistência de cooperativas ativas, certificações de qualidade ou estratégias de agregação de valor tornam a cadeia vulnerável a oscilações de preço e dificultam o acesso a mercados mais exigentes e rentáveis. 

De acordo com o Plano Inova Cacau 2030 (MAPA, 2023), o fortalecimento de cadeias locais passa pela organização dos produtores, investimentos em capacitação, acesso ao crédito e inclusão em políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável.

Em contrapartida, diversas oportunidades podem ser exploradas para o fortalecimento da cacauicultura em Oiapoque. A proximidade com a Guiana Francesa, por exemplo, abre possibilidades para exportação de amêndoas finas e produtos derivados, desde que haja formalização e qualificação do processo produtivo. Ainda, o cultivo em sistemas agroflorestais pode ser certificado com selos de sustentabilidade, agregando valor ao produto e atendendo à demanda de mercados internacionais por produtos éticos e ambientalmente responsáveis.

A valorização do cacau Cassiporé exige, portanto, uma abordagem estratégica e integrada de gestão comercial. É necessário implementar práticas que fortaleçam a organização dos produtores, melhorem os processos de pós-colheita, promovam a rastreabilidade do produto e incentivem a transformação local das amêndoas, por meio da produção de chocolates artesanais, licores e outros derivados. Essas ações, articuladas com políticas públicas, podem consolidar o cacau Cassiporé como símbolo de identidade produtiva regional e motor de desenvolvimento sustentável para o Oiapoque.

2.3 Desafios da Comercialização do Cacau em Regiões de Fronteira

A comercialização do cacau em regiões de fronteira, como ocorre no município de Oiapoque, no extremo norte do Amapá, enfrenta diversos desafios que comprometem a consolidação de uma cadeia produtiva estruturada, eficiente e sustentável. As limitações vão desde obstáculos logísticos até a ausência de políticas públicas específicas e organização comercial dos produtores.

Um dos principais dilemas refere-se à infraestrutura deficiente para escoamento da produção. O acesso terrestre ao município é limitado, com trechos precários da BR-156 e ausência de alternativas logísticas eficientes, o que eleva os custos de transporte e dificulta o acesso a mercados formais e distantes (GONTIJO, 2020). Essa condição de isolamento fragiliza a competitividade dos produtores locais frente a regiões mais estruturadas, como o sul da Bahia e o estado do Pará.

Outro fator crítico é a informalidade nas relações comerciais. Muitos produtores vendem suas amêndoas de cacau para atravessadores que impõem preços abaixo do mercado, devido à ausência de cooperativas ativas ou canais institucionais de comercialização. Segundo Souza (2024), essa informalidade perpetua a vulnerabilidade dos agricultores e limita o desenvolvimento de estratégias coletivas de comercialização e agregação de valor ao produto.

Adicionalmente, a falta de infraestrutura de pós-colheita, como unidades para fermentação e secagem adequadas, compromete a qualidade do cacau e, por consequência, sua valorização nos mercados especializados. Como destacam, Melo e Ribeiro (2020), a deficiência em estruturas e técnicas adequadas de beneficiamento resulta na perda de atributos sensoriais das amêndoas e dificulta sua inserção no mercado de cacau fino e gourmet.

No plano institucional, observa-se a escassez de políticas públicas voltadas especificamente às regiões fronteiriças. O Plano Inova Cacau 2030, coordenado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, estabelece metas ambiciosas para a cadeia produtiva do cacau nacional, como aumentar a produção anual para 400 mil toneladas até 2030. No entanto, a efetiva implementação dessas diretrizes em municípios como Oiapoque depende da articulação local e da superação de gargalos históricos, como a baixa cobertura de assistência técnica, o acesso restrito ao crédito rural e a carência de incentivos à formalização produtiva (MAPA, 2023).

Apesar dessas dificuldades, algumas experiências locais demonstram caminhos promissores. Um exemplo é o trabalho da família do produtor João Dorismar da Paixão, que cultiva cacau nativo nas margens do Rio Cassiporé e produz chocolate artesanal no próprio município. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, 2024), o modelo familiar com transformação local do produto final mostra-se como alternativa viável de geração de renda e desenvolvimento sustentável.

Além disso, a implantação de jardins clonais no Amapá, incluindo Oiapoque, visa fortalecer a base produtiva regional com mudas de alta qualidade e resistência, ampliando a capacidade produtiva local e incentivando o uso de tecnologias adaptadas ao bioma amazônico (AGÊNCIA AMAPÁ, 2024).

Dessa forma, os desafios da comercialização do cacau em regiões de fronteira exigem ações integradas entre o setor público, os produtores e as instituições de pesquisa. A organização dos agricultores em cooperativas, a expansão da infraestrutura logística e de beneficiamento, a oferta de assistência técnica continuada e a valorização dos produtos regionais com certificações de origem são elementos essenciais para transformar o cacau Cassiporé em vetor de desenvolvimento territorial sustentável no Oiapoque.

3 METODOLOGIA

Este capítulo apresenta os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa, descrevendo o tipo de abordagem utilizada, os instrumentos de coleta de dados aplicados e a caracterização do público-alvo.

3.1 Tipo de pesquisa: Qualitativa 

A presente pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, com o uso de instrumentos complementares de coleta de dados, incluindo entrevistas semiestruturadas e questionários descritivos. Embora o questionário tenha incluído perguntas de múltipla escolha e de percepção, a análise dos dados seguiu uma lógica qualitativa, centrada na compreensão dos significados atribuídos pelos participantes à gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé no município de Oiapoque.

A abordagem qualitativa permitiu explorar, por meio de relatos e interpretações, aspectos subjetivos da experiência dos produtores e empreendedores locais, como práticas de gestão, estratégias de comercialização, desafios enfrentados e perspectivas de desenvolvimento. Esse tipo de pesquisa, segundo Gil (2010), busca compreender os fenômenos em seus contextos naturais, interpretando os significados atribuídos pelos sujeitos às suas vivências.

Embora o questionário tenha apresentado alguns elementos de organização de dados por frequência de respostas, o tratamento estatístico não foi o foco principal da pesquisa. Portanto, a investigação permanece caracterizada como qualitativa, com uso de instrumentos mistos, com finalidade descritiva.

De acordo com Lakatos e Marconi (2017), a pesquisa qualitativa é apropriada quando se pretende compreender motivações, atitudes e relações sociais a partir do ponto de vista dos envolvidos, o que se mostra adequado à proposta deste estudo. A combinação dos instrumentos aplicados possibilitou uma análise mais abrangente, enriquecendo a compreensão do objeto de pesquisa.

3.2 Instrumentos de coleta de dados: Questionários e Entrevistas

Para a realização desta pesquisa, foram utilizados dois instrumentos principais de coleta de dados: o questionário e a entrevista semiestruturada, ambos construídos com base nos objetivos específicos do estudo, que busca analisar a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé no município de Oiapoque.

O questionário foi elaborado com questões fechadas, abertas e com escalas do tipo Likert, sendo aplicado de forma presencial e individual. O objetivo desse instrumento foi coletar dados quantitativos e qualitativos relacionados à percepção sobre práticas comerciais, estrutura de atendimento e organização do comércio em Oiapoque, especialmente no que se refere à comercialização de produtos locais como o chocolate artesanal derivado do cacau Cassiporé. As respostas possibilitaram identificar padrões de comportamento e opinião sobre os desafios e oportunidades da comercialização regional.

As entrevistas semiestruturadas foram direcionadas a dois sujeitos-chave diretamente envolvidos com a cadeia produtiva do cacau na região, permitindo um aprofundamento qualitativo sobre aspectos estratégicos da gestão comercial e da organização da produção local. Os entrevistados foram: João Dorismar da Paixão, proprietário e diretor executivo da marca Chocolates Cassiporé, responsável pela transformação do cacau nativo em chocolate artesanal e pela estruturação das estratégias de comercialização da marca; Sebastião Pinheiro Morais, presidente da Associação de Produtores de Cacau do Cassiporé, situada na Vila Velha do Cassiporé, cuja atuação se concentra na produção extrativista, no associativismo e na preservação dos saberes tradicionais ligados ao cultivo do cacau.

As entrevistas buscaram compreender as práticas de gestão comercial adotadas pelos agentes locais, os principais desafios enfrentados na comercialização do cacau e seus derivados, bem como as estratégias utilizadas para agregar valor ao produto e fortalecer a identidade produtiva regional. Os dados coletados foram gravados, transcritos com a devida autorização dos participantes e analisados segundo categorias temáticas, com base na técnica de análise de conteúdo, conforme Bardin (2011).

A combinação entre questionário e entrevista permitiu uma abordagem metodológica robusta, possibilitando a triangulação dos dados e a construção de uma análise mais consistente sobre a realidade comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé em Oiapoque.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este capítulo apresenta a análise dos dados coletados por meio dos questionários e das entrevistas semiestruturadas, com foco na compreensão da gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé no município de Oiapoque. A discussão foi organizada em categorias temáticas: histórico da produção e identidade local, estrutura produtiva e logística, estratégias comerciais e desafios enfrentados.

4.1 Histórico da Produção e Identidade Produtiva Local

Os dados revelam que a produção de cacau na região do Cassiporé possui raízes culturais e familiares profundas. O produtor João Dorismar da Paixão, nascido na Vila Velha, relata que o conhecimento sobre o cultivo e o aproveitamento do cacau foi transmitido por gerações. A criação da marca Chocolates Cassiporé surgiu a partir da valorização dessa tradição e da percepção do potencial econômico do cacau nativo, coletado de forma extrativista em áreas de floresta de várzea.

Segundo o entrevistado, a proposta da empresa é transformar o cacau tradicional em chocolate de qualidade, respeitando práticas sustentáveis e a herança cultural local. Essa valorização da origem do produto, associada à sua singularidade ambiental e histórica, reforça o conceito de identidade produtiva territorial, alinhado aos princípios da bioeconomia amazônica.

4.2 Estrutura Produtiva e Logística

A produção do cacau Cassiporé enfrenta diversos desafios estruturais. Conforme relato de Sebastião Pinheiro Morais, que atua há mais de 50 anos na atividade, os principais obstáculos referem-se à escassez de insumos, à dificuldade de acesso à tecnologia e à mão de obra reduzida. Ainda hoje, parte da produção é realizada com técnicas manuais e dependência do regime de maré para irrigação natural.

Além disso, as condições de transporte continuam sendo um entrave significativo. A produção ainda é escoada por vias fluviais e, posteriormente, por estradas com pouca manutenção, elevando os custos e comprometendo a qualidade do produto. O armazenamento também representa um ponto crítico, como demonstrado nas falas dos entrevistados, que relataram limitações de espaço e necessidade de investimentos em infraestrutura apropriada para fermentação e secagem das amêndoas.

4.3 Gestão Comercial e Estratégias de Valor Agregado

Apesar dos entraves, a experiência da empresa Chocolates Cassiporé evidencia avanços na organização comercial e na agregação de valor. João Dorismar relatou que a empresa iniciou suas atividades com recursos próprios e, desde então, vem investindo na capacitação de sua equipe, participação em feiras regionais e no uso de estratégias de marketing digital, com destaque para o Instagram, como ferramenta de divulgação e vendas.

A criação de uma loja em Macapá e a articulação com redes de supermercados e exportadores revelam uma estratégia de expansão planejada, baseada na construção de uma marca com forte apelo ambiental, cultural e social. O produto é posicionado como um chocolate de origem, associado à preservação da floresta, à valorização dos ribeirinhos e ao manejo sustentável do cacau nativo.

Além disso, a identidade visual das embalagens e o uso de personagens ligados à fauna amazônica reforçam o caráter educativo e ambiental do produto, aproximando a marca de consumidores conscientes, especialmente da Guiana Francesa e de outras regiões do Brasil.

4.4 Organização Associativa e Sustentabilidade

A atuação associativa também foi destacada como elemento relevante para a sustentabilidade da cadeia produtiva. Sebastião Morais é presidente da Associação de Produtores do Cassiporé, e mencionou que, embora ainda existam dificuldades com a formalização e engajamento dos membros, a associação tem papel importante na mobilização comunitária e na busca por apoio institucional.

A parceria com o Sebrae, mencionada por ambos os entrevistados, foi apontada como fundamental para a orientação técnica e desenvolvimento de projetos, incluindo diagnósticos para futura certificação de identidade geográfica. O acesso a consultorias e treinamentos também tem contribuído para o amadurecimento da gestão e para o fortalecimento da marca no mercado.

4.5 Desafios e Perspectivas para o Futuro

Entre os principais desafios apontados estão: a necessidade de financiamento para aquisição de equipamentos industriais, a expansão da logística de distribuição com câmaras frigoríficas e o aumento da produção para viabilizar projetos de franquias. A ausência de linhas de crédito acessíveis e de políticas públicas direcionadas à produção agroextrativista de base familiar ainda limita a escalabilidade da empresa.

Contudo, há perspectivas promissoras. O projeto de construção de uma nova fábrica em Macapá, aliado ao interesse de grandes redes em comercializar o produto, demonstra o potencial de crescimento da cadeia produtiva do cacau Cassiporé. A articulação com o programa “Amapá Cacau”, citado pelo entrevistado, também representa uma oportunidade para integrar mais produtores à cadeia e ampliar a base produtiva regional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo geral analisar a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé no município de Oiapoque, com ênfase nas práticas adotadas por produtores e empreendedores locais, bem como nos desafios enfrentados para a consolidação dessa atividade como vetor de desenvolvimento econômico e social na região.

A partir da aplicação de questionário e entrevistas semiestruturadas com dois agenteschave: João Dorismar da Paixão, diretor da marca Chocolates Cassiporé, e Sebastião Pinheiro Morais, produtor ribeirinho e presidente de associação comunitária, foi possível compreender de forma aprofundada o contexto histórico, logístico, produtivo e comercial que envolve a cadeia do cacau Cassiporé.

Os resultados evidenciam que, embora haja grande potencial ambiental e cultural, a produção local ainda sofre com obstáculos estruturais, como precariedade nas vias de escoamento, baixa mecanização, ausência de linhas de crédito específicas, e carência de políticas públicas direcionadas. Esses fatores dificultam a expansão da produção, o acesso a mercados mais amplos e a valorização comercial do produto.

Por outro lado, a experiência relatada pela empresa Chocolates Cassiporé demonstra a viabilidade de um modelo de negócio baseado na produção local, no uso de saberes tradicionais, na valorização da biodiversidade amazônica e na agregação de valor por meio do beneficiamento e da comunicação estratégica com o mercado. A utilização de redes sociais, design diferenciado das embalagens e participação em eventos regionais e internacionais demonstram como ações de gestão comercial bem direcionadas podem impulsionar uma marca e promover o desenvolvimento local.

A articulação com instituições como o Sebrae e a organização comunitária em torno de associações revelam o papel essencial da cooperação e da assessoria técnica para o fortalecimento da cadeia produtiva. Além disso, o projeto de expansão da marca, com a construção de uma nova fábrica em Macapá e a proposta de franquias, sinaliza um caminho promissor para transformar a produção de cacau em uma atividade economicamente viável e socialmente inclusiva.

Portanto, conclui-se que a gestão comercial da cadeia produtiva do cacau Cassiporé, apesar dos desafios, apresenta potencial para se consolidar como uma alternativa sustentável e estratégica para o município de Oiapoque. Para isso, é necessário o fortalecimento das organizações de base, o incentivo à formação de parcerias público-privadas, a ampliação de políticas públicas de fomento e a valorização do produto regional em mercados diferenciados.

Como sugestão para pesquisas futuras, propõe-se o aprofundamento de estudos sobre a viabilidade econômica da certificação de origem do cacau Cassiporé e a análise do impacto da comercialização direta com países vizinhos, como a Guiana Francesa, considerando as particularidades do comércio de fronteira.

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