CONDICIONALIDADES DO VAAR NO NOVO FUNDEB: FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO POR RESULTADOS NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506301102


Fabiano de Oliveira Vitoriano Pereira
Aline Luzia Barbosa Pereira Vitoriano
Aline Vitoriano Barros


Resumo

Este artigo analisa as condicionalidades do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) no âmbito do Novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), compreendendo seus efeitos sobre o financiamento e a responsabilização dos entes federativos na promoção da qualidade da educação básica brasileira. A pesquisa, de natureza qualitativa, exploratória e descritiva, utiliza revisão bibliográfica e análise documental de legislações (Constituição Federal, 108/2020, Lei nº 14.113/2020), relatórios oficiais (INEP, MEC, FNDE, TCU, CNE) e produção acadêmica recente. Discute-se criticamente como as condicionalidades do VAAR, ao associarem repasses complementares da União ao desempenho e gestão, podem aprofundar as desigualdades federativas, penalizando entes com maiores dificuldades estruturais. O estudo investiga os desafios enfrentados pelos entes subnacionais no cumprimento dessas exigências e seus possíveis efeitos na garantia do direito à educação com qualidade e equidade.

Palavras-chave: Novo Fundeb; VAAR; Financiamento da Educação; Condicionalidades; Equidade Educacional; Políticas Públicas.

1 INTRODUÇÃO

A educação básica no Brasil, direito fundamental e pilar para o desenvolvimento social e econômico do país, tem no financiamento um de seus maiores desafios. Conforme Carlos Roberto Jamil Cury, o direito à educação é um direito social que se materializa na garantia de acesso e permanência com qualidade, sendo indissociável da construção de uma sociedade mais justa e equitativa (CURY, 2014). A Emenda Constitucional nº 108, de 26  de agosto de 2020  (BRASIL, 2020a), e a Lei nº 14.113, de 25 de  dezembro de 2020 (BRASIL, 2020b), que regulamentam o Novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), representam um marco significativo na busca por maior equidade e qualidade educacional. Contudo, a introdução de mecanismos como o Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) e suas condicionalidades tem gerado intensos debates e levantado questões cruciais sobre os impactos na gestão, na equidade e na qualidade da educação básica brasileira.

O VAAR, ao condicionar parte dos repasses complementares da União a resultados e aprimoramentos na gestão educacional, visa incentivar a melhoria dos indicadores de aprendizagem e a redução das desigualdades. No entanto, a complexidade de sua implementação e os desafios inerentes à realidade multifacetada dos entes federativos brasileiros exigem uma análise aprofundada. A preocupação central reside em como essas condicionalidades podem afetar municípios e estados que já enfrentam maiores vulnerabilidades estruturais, potencialmente aprofundando as desigualdades em vez de mitigá-las. A discussão sobre federalismo na educação, conforme Cury (CURY, 2010), é fundamental para compreender as dinâmicas de colaboração e as tensões entre os entes federados na garantia do direito à educação.

Diante desse cenário, o presente artigo busca analisar as condicionalidades do VAAR no âmbito do Novo Fundeb, compreendendo seus efeitos sobre o financiamento e a responsabilização dos entes federativos na promoção da qualidade da educação básica. Para tanto, serão abordados os seguintes objetivos específicos: compreender o papel do VAAR dentro da lógica de redistribuição do Novo Fundeb; examinar as condicionalidades previstas para o acesso ao VAAR e sua articulação com as políticas educacionais; investigar os desafios enfrentados pelos entes subnacionais no cumprimento das condicionalidades; e discutir criticamente os possíveis efeitos dessas exigências na garantia do direito à educação com qualidade e equidade.

A relevância deste estudo reside na necessidade de se compreender as implicações profundas que o modelo de financiamento educacional, com a inclusão do VAAR, traz para o princípio da equidade, a responsabilização por resultados e o cumprimento do direito à educação. A análise crítica das condicionalidades é essencial para avaliar se elas representam um mecanismo de incentivo à melhoria da qualidade ou um instrumento de exclusão de recursos para redes mais vulneráveis. A hipótese que norteia esta pesquisa é que as condicionalidades impostas pelo VAAR, ao condicionarem repasses adicionais a resultados e práticas de gestão, podem aprofundar as desigualdades federativas ao penalizar entes que já enfrentam maiores dificuldades estruturais.

Metodologicamente, este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva, utilizando como técnica a revisão bibliográfica e a análise documental. As fontes de dados incluem documentos legais, como a Constituição Federal, a EC 108/2020 e a Lei nº 14.113/2020, além de portarias e resoluções do FNDE/MEC. Serão também consultados relatórios oficiais de instituições como INEP, MEC, FNDE, TCU e CNE, bem como produção acadêmica recente sobre o Novo Fundeb, financiamento da educação e políticas de responsabilização. Dados secundários de plataformas como IDEB, Censo Escolar, SIOPE, SIMEC e QEdu complementarão a análise. A estrutura do artigo seguirá as seções propostas, abordando desde os fundamentos do Novo Fundeb até uma análise crítica das condicionalidades do VAAR e suas considerações finais.

2 FUNDAMENTOS DO NOVO FUNDEB

O financiamento da educação básica no Brasil tem sido, historicamente, um campo de intensos debates e transformações, refletindo as complexas relações federativas e as prioridades políticas do país. Dermeval Saviani, em sua obra “Escola e Democracia”, destaca a intrínseca relação entre educação e política, argumentando que a escola, como instituição social, não é neutra e reflete as contradições da sociedade (SAVIANI, 1983). Luiz Fernandes Dourado, por sua vez, tem enfatizado a importância do planejamento educacional e do financiamento adequado como pilares para a efetivação do direito à educação, ressaltando a necessidade de políticas que garantam a sustentabilidade e a equidade na distribuição de recursos (DOURADO, 2018). Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 108/2020 e da Lei nº 14.113/2020, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) já se consolidava como o principal mecanismo de redistribuição de recursos para a educação. No entanto, sua estrutura e alcance eram frequentemente questionados em relação à garantia de equidade e à superação das desigualdades regionais e sociais (BRASIL, 2021a).

O antigo Fundeb, instituído em 2007, representou um avanço significativo ao vincular recursos para a educação e ao estabelecer um piso mínimo de investimento por aluno. Contudo, sua natureza temporária e a insuficiência de recursos da União para complementar os fundos estaduais e municipais limitavam seu potencial de transformação. A transição para o Novo Fundeb, com a EC 108/2020, buscou corrigir essas deficiências, tornando o Fundo permanente e ampliando a participação da União no seu financiamento. Essa mudança é fundamental para a estabilidade e previsibilidade dos recursos destinados à educação básica, permitindo um planejamento de longo prazo mais eficaz por parte dos entes federativos (GOV.BR, 2024a).

A nova arquitetura do Fundeb é composta por três modalidades de complementação da União, que visam aprimorar a redistribuição e incentivar a melhoria da gestão e dos resultados educacionais: o Valor Aluno Ano (VAAF), o Valor Aluno Ano Total (VAAT) e o Valor Aluno Ano Resultado (VAAR). O VAAF, que corresponde a 10 pontos percentuais da complementação da União, busca assegurar um valor mínimo por aluno nos estados e no Distrito Federal, corrigindo distorções e garantindo um patamar básico de investimento. O VAAT, com no mínimo 10,5 pontos percentuais, considera o valor anual total por aluno, incluindo outras receitas e transferências vinculadas à educação, buscando uma distribuição mais equitativa entre as redes públicas de ensino municipal, estadual e distrital (BRASIL, 2020b).

O VAAR, por sua vez, representa 2,5 pontos percentuais da complementação da União e é o foco central deste estudo. Sua particularidade reside no fato de que os recursos são condicionados ao cumprimento de metas de melhoria de gestão e à evolução de indicadores de aprendizagem, com foco na redução das desigualdades. Esse mecanismo, embora com o objetivo de induzir a qualidade, levanta questões sobre a capacidade dos entes federativos em atender às condicionalidades, especialmente aqueles que já enfrentam maiores dificuldades socioeconômicas e estruturais. A compreensão detalhada dessas modalidades de complementação é crucial para analisar os impactos do Novo Fundeb na gestão e na equidade da educação brasileira.

3 O VAAR E SUAS CONDICIONALIDADES

O Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) é um dos pilares do Novo Fundeb, introduzido pela Emenda Constitucional nº 108/2020   e detalhado na Lei nº 14,113/2020 (BRASIL, 2020b). Ele representa uma parcela da complementação da União (2,5 pontos percentuais) destinada a incentivar a melhoria da gestão educacional e a evolução dos indicadores de aprendizagem, com foco na redução das desigualdades. Diferentemente do VAAF e do VAAT, que buscam garantir um patamar mínimo de financiamento e equidade na distribuição de recursos, o VAAR atua como um mecanismo de indução de resultados, recompensando os entes federativos que demonstram progresso em áreas específicas (CNM, 2025). Romualdo Portela de Oliveira, em seus estudos sobre políticas de avaliação e responsabilização, alerta para os riscos de sistemas que, ao focar excessivamente em resultados quantificáveis, podem negligenciar as complexidades do processo educacional e as desigualdades de ponto de partida entre as redes de ensino (OLIVEIRA, 2009).

A caracterização do VAAR envolve a compreensão de seu volume de recursos e dos critérios de distribuição. Os recursos são alocados às redes públicas de ensino que, além de cumprirem as condicionalidades de melhoria de gestão, alcançam evolução em indicadores de atendimento e de melhoria da aprendizagem, com redução das desigualdades. A aferição do cumprimento dessas condicionalidades é regulamentada por portarias e resoluções do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que estabelecem as metodologias e os prazos para a comprovação (GOV.BR, 2025b).

As condicionalidades de acesso ao VAAR são requisitos que os entes federativos devem cumprir para se habilitarem a receber essa complementação. A Lei nº 14.113/2020 estabelece cinco condicionalidades principais (BRASIL, 2020b):

  1. Condicionalidade I: Provimento do cargo ou função de gestor escolar por mérito e desempenho. Isso implica que os municípios e estados devem ter legislação própria e adotar processos seletivos baseados em critérios técnicos para a escolha de seus gestores escolares. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) destaca a importância de que as redes municipais de ensino comprovem a existência de legislação e a realização de processos seletivos por meio de edital ou documento equivalente (CNM, 2025).
  2. Condicionalidade II: Participação de pelo menos 80% dos estudantes em avaliações nacionais. Esta condicionalidade visa garantir a adesão e o engajamento das redes de ensino nas avaliações de larga escala, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que fornece dados essenciais para o monitoramento da qualidade educacional. Para o VAAR, a condicionalidade II foi suspensa pela Lei do Fundeb para os exercícios de 2023 e 2024, mas voltou a vigorar em 2025, conforme regulamentação da Resolução nº 4/2024 da Comissão Intergovernamental de Financiamento da Educação Básica de Qualidade (CIF).
  3. Condicionalidade III: Redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais. Esta condicionalidade busca incentivar a formulação e implementação de políticas que promovam a equidade, garantindo que os avanços na aprendizagem beneficiem todos os grupos de estudantes, independentemente de sua condição socioeconômica ou raça. A medição é regida pela Resolução nº 3/2024 da Comissão Intergovernamental de Financiamento (CIF) para Educação Básica de Qualidade (CNM, 2025).
  4. Condicionalidade IV: Referenciais curriculares alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os entes federativos devem comprovar que seus currículos estão em conformidade com a BNCC e que contemplam as normas sobre a Computação na Educação Básica, conforme a Resolução CEB/CNE 1/2022. A CNM ressalta que os estados são responsáveis pela atualização das informações relativas a essa condicionalidade no Simec, e a não habilitação do estado implicará a inabilitação de seus respectivos municípios (CNM, 2025).
  5. Condicionalidade V: Melhoria da gestão orçamentária e financeira. Esta condicionalidade foca na transparência e na eficiência da aplicação dos recursos educacionais, exigindo que os entes federativos demonstrem boa governança na gestão dos fundos do Fundeb. A Resolução SEB/MEC 03/2024 também trata da aferição do cumprimento da condicionalidade IV para a complementação-VAAR, relativa à lei estadual do ICMS Educacional (CNM, 2025).

As portarias e diretrizes normativas do MEC e do FNDE desempenham um papel crucial na operacionalização do VAAR, detalhando os procedimentos para a comprovação do cumprimento das condicionalidades e a aferição dos resultados. O Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação (Simec) é a plataforma utilizada para o registro e acompanhamento dessas informações, sendo fundamental para a transparência e a fiscalização dos recursos (CNM, 2025). A compreensão dessas condicionalidades e de sua articulação com as políticas educacionais é essencial para avaliar os impactos do VAAR na qualidade e equidade da educação brasileira.

4 ANÁLISE CRÍTICA DAS CONDICIONALIDADES

A introdução das condicionalidades do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) no Novo Fundeb, embora pautada pela nobre intenção de induzir a melhoria da qualidade educacional e a responsabilização por resultados, suscita uma série de questionamentos e análises críticas aprofundadas. A principal tensão reside no equilíbrio delicado entre a busca por eficiência e a garantia da equidade, especialmente em um país com as profundas desigualdades regionais e socioeconômicas como o Brasil. A hipótese de que as condicionalidades podem aprofundar as desigualdades federativas, penalizando entes que já enfrentam maiores dificuldades estruturais, merece ser cuidadosamente examinada e corroborada por evidências recentes (SILVA JÚNIOR; MIRANDA; COELHO, 2025; ANDRADE, 2025).

Janine Cardoso de Azevedo, em seus estudos sobre o Fundeb e o VAAR, tem apontado para a complexidade da implementação dessas condicionalidades e seus potenciais impactos na autonomia dos entes federados e na gestão educacional local (AZEVEDO, 2021). A autora destaca que, embora a intenção seja positiva, a realidade da implementação pode gerar distorções. Candido Alberto Gomes, em suas análises sobre justiça e equidade na educação, argumenta que a busca por igualdade de oportunidades deve considerar as diferentes realidades e necessidades dos estudantes e das redes de ensino, evitando a padronização que pode mascarar e perpetuar desigualdades (GOMES, 2000). A imposição de um modelo único pode desconsiderar as especificidades regionais e culturais do Brasil, comprometendo a efetividade das políticas e a participação da comunidade escolar na construção de um projeto educacional relevante para seu contexto.

Um dos riscos mais evidentes é a exclusão de entes federativos mais frágeis do acesso aos recursos complementares do VAAR. Municípios e estados com menor capacidade institucional, menor arrecadação própria e maiores desafios sociais e educacionais podem ter dificuldades em cumprir as exigências de gestão e em apresentar a evolução dos indicadores de aprendizagem nos prazos estabelecidos (ANDRADE, 2025). A exigência de provimento de cargo de gestor escolar por mérito e desempenho, por exemplo, pode ser um obstáculo para redes que não possuem estruturas administrativas consolidadas ou que enfrentam pressões políticas locais. Da mesma forma, a adesão a avaliações nacionais e a implementação de currículos alinhados à BNCC demandam investimentos em formação de professores, materiais didáticos e infraestrutura, que podem estar além da capacidade de redes com orçamentos mais restritos. Heloísa Lück, em suas obras sobre gestão educacional, enfatiza a importância de uma gestão democrática e participativa, que considere as especificidades locais e promova o desenvolvimento profissional dos educadores, elementos cruciais para o sucesso de qualquer política educacional (LÜCK, 2017).

Outra crítica relevante diz respeito à possibilidade de que as condicionalidades incentivem uma “corrida por resultados” que priorize indicadores quantitativos em detrimento da qualidade pedagógica e da formação integral dos estudantes. A pressão por melhoria nos índices de desempenho pode levar as redes de ensino a focar em estratégias de curto prazo, como o ensino voltado para a prova, em vez de investir em transformações estruturais que promovam uma aprendizagem significativa e duradoura. Além disso, a complexidade dos fatores que influenciam o desempenho educacional, que vão muito além da gestão escolar e do currículo, como as condições socioeconômicas dos estudantes e o apoio familiar, podem não ser adequadamente considerados nas métricas do VAAR, gerando avaliações injustas e penalizando redes que atuam em contextos de maior vulnerabilidade. Artigos recentes apontam que, embora o Fundeb busque a equalização, a forma como o VAAR é implementado pode não atenuar as diferenças regionais e, em alguns casos, pode até aprofundá-las (SILVA JÚNIOR; MIRANDA; COELHO, 2025; ANDRADE, 2025).

A questão da autonomia federativa também é um ponto sensível. Embora o Fundeb seja um mecanismo de colaboração entre os entes, as condicionalidades do VAAR podem ser percebidas como uma ingerência da União nas políticas educacionais locais, limitando a capacidade de municípios e estados de adaptar as diretrizes nacionais às suas realidades específicas. A imposição de modelos padronizados pode desconsiderar as diversidades regionais, culturais e pedagógicas do Brasil, comprometendo a efetividade das políticas e a participação da comunidade escolar na construção de um projeto educacional relevante para seu contexto. A necessidade de responder a diligências sobre o VAAR e a complexidade de comprovar o cumprimento das condicionalidades são desafios adicionais para os municípios (BRIGADEIRO ASSESSORIA, 2024). Documentos do MEC, como a Portaria 505/2025 e resoluções que tratam da aferição das condicionalidades, reforçam a centralização da avaliação e a necessidade de adequação dos entes federativos às diretrizes federais (MEC, 2025; CNM, 2025).

Por fim, a transparência e a fiscalização dos recursos do VAAR são cruciais para garantir que o mecanismo cumpra seu propósito. É fundamental que os dados sobre o cumprimento das condicionalidades e a aplicação dos recursos sejam públicos e de fácil acesso, permitindo o controle social e a responsabilização dos gestores. A ausência de mecanismos eficazes de monitoramento e avaliação pode fragilizar o sistema, abrindo espaço para a má gestão e o desvio de finalidade dos recursos, comprometendo a credibilidade do Novo Fundeb e a confiança dos entes federativos no modelo de financiamento. A discussão sobre a meritocracia na gestão escolar como pilar do financiamento educacional também é relevante, pois a forma como essa condicionalidade é aplicada pode impactar a autonomia e a capacidade de gestão local (VALE; PEREIRA; SANTOS, 2025).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise aprofundada das condicionalidades do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) no âmbito do Novo Fundeb revela uma intrincada teia de intenções e desafios na busca por um financiamento educacional mais equitativo e eficaz no Brasil. Embora o propósito central de induzir a melhoria da qualidade educacional e a responsabilização por resultados seja inegavelmente louvável e necessário para o avanço da educação básica no país, a implementação dessas condicionalidades, conforme discutido ao longo deste artigo, pode gerar efeitos complexos e, por vezes, perversos. A principal preocupação reside na possibilidade de que, em vez de mitigar, o VAAR acabe por aprofundar as desigualdades federativas já existentes, penalizando de forma desproporcional os entes federativos que, por razões históricas, socioeconômicas e estruturais, já enfrentam maiores vulnerabilidades e dificuldades em suas redes de ensino. A hipótese de que as condicionalidades podem exacerbar as disparidades regionais e socioeconômicas é legítima e exige um acompanhamento contínuo, rigoroso e aprofundado dos impactos reais do VAAR nas diversas realidades educacionais do país. A complexidade dos fatores que influenciam o desempenho educacional, que vão muito além da gestão escolar e do currículo, como as condições socioeconômicas dos estudantes, o apoio familiar e a infraestrutura disponível, precisam ser adequadamente considerados nas métricas de avaliação. A mera imposição de indicadores quantitativos, sem a devida contextualização e apoio, pode levar a uma “corrida por resultados” que priorize o ensino voltado para a prova em detrimento de uma formação integral e significativa dos estudantes. Essa abordagem, embora possa gerar melhorias superficiais nos índices, dificilmente promoverá transformações estruturais e duradouras na qualidade da educação. É fundamental que as políticas de financiamento e avaliação da educação no Brasil considerem as especificidades de cada rede de ensino. Isso implica ir além da lógica punitiva pela não conformidade e investir em mecanismos robustos de colaboração, apoio técnico e capacitação para os municípios e estados com menor capacidade institucional. A União, ao invés de apenas condicionar repasses, deveria atuar como um parceiro estratégico, oferecendo suporte para que os entes federativos possam, de fato, cumprir as exigências e aprimorar suas gestões. A transparência e a fiscalização dos recursos do VAAR são, sem dúvida, cruciais para garantir que o mecanismo cumpra seu propósito. No entanto, essa transparência deve ser acompanhada de uma análise crítica sobre a adequação das condicionalidades à realidade brasileira e sobre os reais efeitos de sua aplicação. Em suma, o Novo Fundeb, com suas condicionalidades, representa um avanço no modelo de financiamento da educação brasileira, mas sua efetividade na promoção da equidade e qualidade dependerá de uma avaliação constante e de ajustes que considerem a complexidade e a diversidade do cenário educacional do país. A garantia do direito à educação com qualidade e equidade para todos os brasileiros deve ser o norte inegociável de qualquer política educacional. Para que o VAAR cumpra seu papel indutor de melhorias, é imperativo que ele seja um instrumento de fomento e não de exclusão, promovendo um ciclo virtuoso de investimento, aprimoramento da gestão e, consequentemente, a elevação do patamar educacional para todos os cidadãos, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica. A construção de um sistema educacional verdadeiramente justo e equitativo exige um compromisso contínuo com a adaptação das políticas às necessidades reais e com a superação das desigualdades históricas que ainda persistem no Brasil.

REFERÊNCIAS

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