REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506211152
Gustavo Henrique Alencar de Carvalho1
Eraldo Mendes Vasconcelos Junior2
Orientador: Francisco Abud Nascimento3
Resumo
Introdução: A visão computacional e o aprendizado de máquina despontam como tecnologias capazes de transformar sistemas de vigilância, tornando-os capazes de identificar ações suspeitas em tempo real e reduzir a dependência de monitoramento humano contínuo. Objetivo: Analisar o desenvolvimento e a aplicação de um sistema de vigilância com processamento de imagens e detecção de anomalias para identificar furtos e comportamentos ilícitos em tempo real para lojas de varejo. Metodologia: A metodologia combinou revisão integrativa de literatura e estudo descritivo qualitativo, realizando busca em bases eletrônicas, especialmente na SciELO, e selecionando periódicos dos últimos quatro anos sobre a temática, filtrados por relevância, atualidade e aderência, para oferecer um panorama crítico e atualizado de vigilância e segurança. Resultados e Discussão: Os resultados apontam para a necessidade de desenvolver um projeto integrado de vigilância inteligente que articule as etapas de pré-processamento, extração de características, premissas relativas à distribuição dos dados, variabilidade dos cenários e critérios para definir o que constitui uma anomalia, referenciando estudos comparativos e expansão de abordagens metodológicas. Considerações: Ressalta-se a importância de um framework teórico que una clareza metodológica e governança algorítmica, de modo a orientar o desenvolvimento responsável e comparativo de sistemas de vigilância inteligente em ambientes comerciais.
Descritores: Vigilância inteligente. Visão computacional. Detecção de anomalias. Machine learning. Governança algorítmica.
Abstract
Introduction: Computer vision and machine learning are emerging as transformative technologies for surveillance systems, enabling real-time identification of suspicious actions and reducing the reliance on continuous human monitoring. Objective: Analyze the development and application of a surveillance system using image processing and anomaly detection to identify theft and illicit behavior in real time in retail stores. Methodology: The methodology combined an integrative literature review and a qualitative descriptive study, conducting searches in electronic databases, especially SciELO, and selecting journal articles from the past four years on the topic, filtered by relevance, currency, and adherence, in order to provide a critical and up-to-date overview of surveillance and security. Results and Discussion: The results highlight the need for an integrated intelligent surveillance project that connects the stages of pre-processing, feature extraction, assumptions regarding data distribution, scenario variability, and criteria for defining anomalies, referencing comparative studies and the expansion of methodological approaches. Conclusion: The importance of a theoretical framework that combines methodological clarity and algorithmic governance is emphasized, guiding the responsible and comparative development of intelligent surveillance systems in commercial environments.
Keywords: Smart surveillance. Computer vision. Anomaly detection. Machine learning. Algorithmic governance.
1. Introdução
O setor de varejo, essencial à dinâmica econômica contemporânea, enfrenta desafios crescentes que ultrapassam as tradicionais preocupações com lucratividade e posicionamento mercadológico (TRENTINI, 2025). Em um ambiente caracterizado por intensa rotatividade de pessoas, ampla variedade de produtos e pressões constantes por eficiência operacional, a segurança assume papel central nas estratégias de gestão (OLIVEIRA, 2023). Furtos, fraudes e comportamentos atípicos, muitas vezes discretos e de difícil detecção, somam prejuízos significativos ao longo do tempo, exigindo soluções de monitoramento que ultrapassem a vigilância convencional baseada em observação humana ou sensores rudimentares. Nesse contexto, a transformação digital e, mais especificamente, o avanço da inteligência artificial inauguram novas possibilidades para o desenvolvimento de sistemas de vigilância mais eficazes, responsivos e autônomos (OLIVEIRA, 2023; TRENTINI, 2025).
Entre as tecnologias prementes, a visão computacional e o aprendizado de máquina destacam-se pela capacidade de processar grandes volumes de dados visuais em tempo real, reconhecendo padrões, objetos e comportamentos com um grau de precisão antes inatingível (ALMEIDA, 2024; OLIVEIRA, 2023). Com o avanço de unidades gráficas de alto desempenho (GPUs), o acesso a bases de dados rotuladas e o aprimoramento de frameworks computacionais, tornou-se possível empregar redes neurais convolucionais (CNNs) para interpretar imagens e vídeos de forma cada vez mais refinada (CORTEZ, 2022; FREITAS, 2024; NARDI, 2023). No entanto, a aplicação dessas redes em contextos complexos como o da segurança varejista envolve obstáculos adicionais: diferentemente da classificação de objetos estáticos, a identificação de comportamentos suspeitos exige inferência contextual, adaptação a diferentes ambientes físicos e sensibilidade a desvios sutis de conduta (DA MATTA, 2024; FREITAS, 2024; TRENTINI, 2025).
Paralelamente, técnicas de detecção de anomalias vêm ganhando destaque como estratégia para identificar eventos incomuns sem a necessidade de grandes bases de dados negativos, um requisito muitas vezes impraticável em cenários reais (NARDI, 2023; TRENTINI, 2025). Algoritmos como autoencoders, máquinas de vetores de suporte (SVM) e métodos de clustering não supervisionado oferecem soluções promissoras ao modelar padrões normativos e detectar desvios que podem representar tentativas de furto, fraudes ou violações operacionais (FREITAS, 2024; TRENTINI, 2025). Contudo, integrar essas técnicas a sistemas de vigilância em tempo real demanda mais do que bons resultados isolados: envolve equilibrar precisão, velocidade de resposta e usabilidade, além de garantir robustez contra variações ambientais e comportamentais (CORTEZ, 2022; TRENTINI, 2025).
Apesar das contribuições crescentes da literatura, ainda é raro encontrar abordagens que unifiquem, em um único fluxo sistêmico, todas as etapas envolvidas na vigilância inteligente – da captura de vídeo ao alerta em tempo real com interface intuitiva para o operador humano (CORTEZ, 2022; OLIVEIRA, 2023). Muitas pesquisas concentram-se no refinamento de algoritmos específicos, negligenciando a necessidade de um pipeline coerente e funcional que seja aplicável em condições reais de operação (ALMEIDA, 2024; CORTEZ, 2022; FREITAS, 2024). Outro aspecto essencial abordado por este estudo diz respeito às implicações éticas e jurídicas que emergem da adoção de tecnologias de monitoramento visual em larga escala. A coleta contínua de dados sensíveis, como imagens de clientes e padrões de movimento, impõe limites definidos por legislações de proteção de dados, como a LGPD no Brasil e o GDPR na Europa (OLIVEIRA, 2023; ZULLO, 2025). Assim, trata-se de viabilizar tecnicamente a vigilância inteligente, bem como propor diretrizes que garantam o uso responsável dos sistemas, incorporando mecanismos como anonimização seletiva, auditoria de vieses algorítmicos e camadas de governança algorítmica capazes de assegurar o respeito aos direitos individuais (OLIVEIRA, 2023; ZULLO, 2025).
A relevância desta pesquisa também se insere em um movimento mais amplo rumo à consolidação de cidades e estabelecimentos inteligentes (OLIVEIRA, 2023; TRENTINI, 2025). A integração entre infraestrutura física e inteligência computacional promove segurança e eficiência operacional, assim como a personalização do atendimento e otimização de recursos. Em ambientes comerciais, um sistema de vigilância inteligente pode gerar valor estratégico ao oferecer diagnósticos sobre o fluxo de clientes, pontos de congestionamento e comportamento de compra, ampliando o impacto da tecnologia para além da prevenção de perdas (TRENTINI, 2025).
Além da contribuição prática, o estudo também visa a fornecer uma base teórica sólida para o avanço do campo (ALMEIDA, 2024; CORTEZ, 2022). Ao estruturar um modelo conceitual que formaliza cada etapa da vigilância baseada em IA – desde o tratamento dos dados brutos até os critérios de definição do que constitui uma “anomalia” – busca-se orientar futuras pesquisas, permitindo comparações sistemáticas entre abordagens e estimulando a expansão de soluções adaptadas a diferentes realidades comerciais. Esse framework também destaca a importância de considerar variáveis contextuais, como layout da loja, fluxo de clientes e horários de pico, fatores que afetam diretamente o desempenho do sistema (FREITAS, 2024; TRENTINI, 2025). Ao reunir fundamentos técnicos, implicações práticas e considerações normativas, busca-se contribuir com uma perspectiva crítica e propositiva sobre o uso de inteligência artificial na segurança comercial, promovendo um debate necessário entre inovação e responsabilidade (OLIVEIRA, 2023; ZULLO, 2025). Diante desse panorama, a questão norteadora deste estudo foi formulada da seguinte maneira: “Como a aplicação de visão computacional e aprendizado de máquina pode aprimorar a detecção de ações suspeitas em ambientes comerciais?”. A partir dela, o objetivo do estudo visa a analisar o desenvolvimento e a aplicação de um sistema de vigilância com processamento de imagens e detecção de anomalias para identificar furtos e comportamentos ilícitos em tempo real para lojas de varejo.
2. Metodologia
A metodologia deste estudo fundamentou-se na realização de uma revisão integrativa de literatura aliada a um estudo descritivo com abordagem qualitativa, direcionado à análise do uso de tecnologias de vigilância inteligente em ambientes comerciais. O levantamento bibliográfico foi conduzido por meio de bases eletrônicas de dados, com ênfase na Scientific Electronic Library Online (SciELO), escolhida por sua ampla cobertura de publicações científicas nas áreas de ciência da computação, segurança pública e tecnologia aplicada ao setor comercial. Foram definidos critérios de inclusão que privilegiaram artigos publicados entre os anos de 2020 e 2024, disponíveis na íntegra e em língua portuguesa ou inglesa, com foco direto na aplicação de visão computacional, aprendizado de máquina e detecção de anomalias em contextos de segurança eletrônica.
Os critérios de exclusão abrangeram: (i) artigos duplicados; (ii) estudos centrados exclusivamente em contextos industriais ou militares; e (iii) publicações que não apresentassem contribuições significativas para a discussão teórica ou metodológica sobre vigilância automatizada. Os descritores utilizados na busca incluíram combinações dos termos: “vigilância inteligente”, “visão computacional”, “detecção de anomalias”, “machine learning” e “governança algorítmica”. Para garantir abrangência e precisão, empregaram-se operadores booleanos (AND, OR) durante a formulação das expressões de busca. A triagem inicial foi feita com base na leitura dos títulos e resumos, seguida pela análise completa dos textos selecionados, a fim de avaliar criticamente sua relevância teórica, atualidade e aderência ao escopo da pesquisa. Tal etapa possibilitou a elaboração de um panorama atual sobre vigilância computacional, fundamentando a discussão teórica e as diretrizes metodológicas da pesquisa.
3. Resultados e Discussão
3.1 Integração de Visão Computacional e Aprendizado de Máquina na Vigilância Comercial
A aplicação da visão computacional no setor varejista representa uma transformação significativa na forma como a segurança é compreendida e executada em ambientes comerciais. Diferente das abordagens tradicionais, baseadas apenas na observação humana ou em sensores simples, essa tecnologia possibilita a interpretação automatizada de imagens e vídeos em tempo real, aumentando a eficácia da vigilância (CORTEZ, 2022; DA MATTA, 2024). Esses estudos demonstram a adaptabilidade da visão computacional a diversos contextos que exigem reconhecimento visual preciso.
Tal potencial é especialmente relevante no varejo, onde a detecção de ações suspeitas exige a identificação de padrões visuais e comportamentais complexos. Para isso, recorre-se a técnicas além do deep learning convencional, como mostra o sistema de monitoramento de distanciamento social que demandava análise precisa de distâncias interpessoais (FAÇANHA, 2022). A integração desses algoritmos em sistemas de vigilância operacionais, contudo, exige mais do que acurácia técnica: é necessário alcançar um equilíbrio entre desempenho e viabilidade operacional. Uma solução voltada para contagem de pessoas em ambientes internos, com foco na otimização de recursos computacionais, destaca a importância da eficiência em sistemas que operam continuamente e em tempo real (TRENTINI, 2025).
A eficiência computacional e a escalabilidade são pontos críticos para o uso em larga escala no varejo, onde centenas de câmeras podem estar ativas simultaneamente em uma única unidade comercial. Do ponto de vista do design de algoritmos, a detecção de anomalias em ambientes comerciais requer modelos sensíveis a nuances comportamentais e à análise de múltiplas variáveis em simultâneo (FAÇANHA, 2022). A extração de atributos contextuais – como proximidade entre indivíduos – extrapola a simples detecção de presença. Aplicado ao varejo, isso significa interpretar movimentações não apenas pela trajetória espacial, mas também por sua intensidade, repetição e sincronia com padrões previamente estabelecidos – como tempo excessivo em áreas de produtos de alto valor ou movimentação frequente em zonas sem vigilância direta (PIMENTEL, 2022; RIBEIRO et al., 2024).
O caráter adaptativo desses sistemas também é um ponto de destaque. Em ambientes de varejo, onde campanhas promocionais, datas sazonais e ações de marketing alteram a configuração do espaço físico e o comportamento do consumidor, torna-se essencial que os modelos de aprendizado sejam continuamente reavaliados e atualizados (OLIVEIRA, 2023). O ciclo iterativo de desenvolvimento e revalidação tecnológica é vital para manter a relevância dos sistemas inteligentes, especialmente em cenários de inovação rápida. Isso implica que os sistemas de vigilância comercial com IA devem dispor de mecanismos de treinamento automatizado e de supervisão contínua para manter sua acurácia e relevância operacional (ZULLO, 2025; NARDI, 2023).
Além do reconhecimento de ações suspeitas, a visão computacional no varejo pode contribuir para a previsão de eventos críticos, como aglomerações inesperadas, conflitos em áreas de atendimento e padrões atípicos de circulação (TRENTINI, 2025). Essa capacidade preditiva amplia a função do sistema de segurança, transformando-o em uma ferramenta de gestão estratégica do espaço comercial. A análise de dados agregados de movimentação permite não apenas reações a eventos passados, mas também previsões de picos de fluxo ou de vulnerabilidades operacionais (VASCONCELOS, 2022; FREITAS, 2024).
Contudo, o sucesso de tais integrações depende fortemente da adequação entre hardware e software. Muitos varejistas enfrentam desafios ao implementar sistemas de IA por incompatibilidades técnicas, dificuldade na instalação e falta de suporte especializado. Nesse contexto, destaca-se a proposta de desenvolvimento de sistemas modulares e escaláveis, capazes de integrar-se a plataformas preexistentes sem necessidade de substituições dispendiosas ou paralisações operacionais (ALMEIDA, 2024). Essa abordagem se mostra especialmente eficaz para o varejo, cujas demandas exigem soluções compatíveis com a infraestrutura tecnológica já existente.
3.2 Desafios Éticos e Jurídicos na Adoção de Inteligência Artificial na Vigilância Comercial
A adoção de inteligência artificial (IA) na segurança do varejo, embora represente um salto qualitativo em eficiência e capacidade de monitoramento, levanta uma série de questões éticas e jurídicas que desafiam diretamente os limites entre proteção e invasão de privacidade (OLIVEIRA, 2023; FAÇANHA, 2022). Em especial, a utilização de sistemas de visão computacional, capazes de capturar e interpretar imagens em tempo real, introduz práticas de vigilância permanente que muitas vezes ocorrem sem o pleno conhecimento ou consentimento dos indivíduos monitorados. Tal monitoramento constante pode configurar uma forma de controle social que extrapola os limites da segurança patrimonial e toca em princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana, o direito à imagem e à intimidade (OLIVEIRA, 2023; FREITAS, 2024).
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei nº 13.709/2018, impõe diretrizes claras sobre o tratamento de dados pessoais, incluindo imagens que possam identificar ou tornar identificáveis os indivíduos (DAMATTA, 2024). De acordo com a legislação, qualquer coleta de dados deve observar os princípios da finalidade, necessidade, adequação e segurança (CORTEZ, 2022; OLIVEIRA, 2023). Nesse sentido, as tecnologias de IA utilizadas no varejo devem justificar claramente a razão pela qual estão coletando imagens e metadados, demonstrar que estão fazendo isso de forma proporcional e segura, e garantir que os dados não sejam utilizados para fins diversos daqueles previamente informados. A ausência de uma política de transparência pode implicar não apenas sanções legais, mas também danos reputacionais irreversíveis às marcas envolvidas (FAÇANHA, 2022; OLIVEIRA, 2023).
Além da legislação, é essencial discutir os limites éticos da vigilância automatizada. A captação e interpretação de comportamentos humanos por máquinas exige um grau de sensibilidade que vai além da mera técnica (OLIVEIRA, 2023; TRENTINI, 2025). Por exemplo, redes neurais treinadas com bancos de dados enviesados podem apresentar falhas sistemáticas na interpretação de comportamentos atípicos, rotulando como “suspeitos” indivíduos que fogem do padrão predominante nos dados originais (FREITAS, 2024; FAÇANHA, 2022). Isso pode gerar situações de discriminação indireta, como maior índice de abordagem a pessoas negras, jovens ou de baixa renda, conforme alerta a literatura crítica sobre vieses algorítmicos. Nessas situações, a IA reproduz – e até amplia – preconceitos sociais existentes, sob a aparência de objetividade técnica (CORTEZ, 2022; OLIVEIRA, 2023).
A responsabilização por essas falhas é outro ponto de tensão. Se um sistema automatizado acusa erroneamente um cliente de tentativa de furto e isso leva a um constrangimento público ou a um ato discriminatório, quem deve responder legalmente? O operador humano, o fabricante do software, o programador do algoritmo ou o próprio estabelecimento comercial? (DA MATTA, 2024; FREITAS, 2024). O arcabouço jurídico brasileiro ainda é incipiente no que diz respeito à responsabilização por atos de agentes artificiais, o que torna necessário o desenvolvimento de novas interpretações jurídicas que levem em consideração a complexidade dos sistemas autônomos. Esse debate jurídico está apenas começando, mas será decisivo para o futuro da IA no setor varejista (FAÇANHA, 2022; CORTEZ, 2022).
Outro aspecto que precisa ser enfrentado é a questão do consentimento informado (OLIVEIRA, 2023). Em espaços comerciais como supermercados, shoppings ou farmácias, o consumidor raramente tem a possibilidade real de recusar a vigilância por IA. Muitas vezes, sequer é informado sobre o tipo de sistema em funcionamento, quais dados estão sendo coletados, por quanto tempo serão armazenados e quem terá acesso a eles (DA MATTA, 2024; FREITAS, 2024). Essa assimetria de informação viola o princípio da transparência previsto na LGPD e coloca o consumidor em uma posição de vulnerabilidade. Cabe às empresas desenvolver políticas de comunicação claras, acessíveis e visíveis sobre o uso dessas tecnologias, além de garantir canais de questionamento e contestação (OLIVEIRA, 2023; FAÇANHA, 2022).
Em termos institucionais, também se observa uma carência de protocolos éticos para a implantação de IA no setor varejista (FREITAS, 2024; CORTEZ, 2022). A maioria dos estabelecimentos adotam essas tecnologias sem um plano estruturado de governança de dados ou um comitê de ética que avalie continuamente os riscos e benefícios do sistema (TRENTINI, 2025; OLIVEIRA, 2023). A proposta de inovação responsável apresentada por OLIVEIRA (2023) destaca a necessidade de mecanismos de supervisão contínua e revalidação de tecnologias, sobretudo em ambientes com alta rotatividade de público. Isso implica que a inovação tecnológica precisa estar ancorada em valores éticos e em processos institucionais sólidos, que incluam revisão por pares, auditorias externas e prestação de contas (FREITAS, 2024; CORTEZ, 2022).
Além dos riscos éticos imediatos, há também implicações sociais mais amplas (FAÇANHA, 2022; OLIVEIRA, 2023). A banalização da vigilância pode gerar efeitos psicológicos relevantes nos consumidores, que, ao se sentirem constantemente observados, podem alterar seu comportamento de forma involuntária (TRENTINI, 2025; FREITAS, 2024). O “efeito panóptico”, teorizado por Michel Foucault, é um risco concreto nesse contexto, podendo inibir a espontaneidade dos clientes e transformar a experiência de consumo em um espaço de disciplina silenciosa. Essa vigilância algorítmica, ainda que justificada como medida de segurança, pode acabar criando um ambiente de desconfiança mútua, contrário à hospitalidade e ao conforto esperados em espaços de consumo (OLIVEIRA, 2023; CORTEZ, 2022).
É importante lembrar que a tecnologia, quando bem implementada, pode ser aliada de práticas comerciais justas e inclusivas (FREITAS, 2024; OLIVEIRA, 2023). O respeito à legislação, o combate a vieses, a promoção da transparência e a criação de canais de diálogo com os consumidores são estratégias que não apenas reduzem os riscos ético-jurídicos, mas também fortalecem a imagem institucional das empresas (DA MATTA, 2024; FAÇANHA, 2022). Em vez de tratar as exigências legais como obstáculos, os varejistas devem vê-las como guias para uma transformação tecnológica mais humana, mais segura e mais responsável (TRENTINI, 2025; CORTEZ, 2022).
4. Considerações Finais
Este estudo teve como objetivo investigar de forma crítica e aprofundada a aplicação da inteligência artificial, especialmente por meio da visão computacional e do aprendizado de máquina, nos sistemas de vigilância no setor varejista. A partir da análise de referências técnicas e acadêmicas recentes, buscou-se compreender como essas tecnologias estão sendo implementadas para aprimorar a segurança e a gestão em ambientes comerciais, substituindo ou complementando os métodos tradicionais de monitoramento. Contudo, os benefícios operacionais não devem obscurecer os desafios éticos e jurídicos envolvidos nessa transformação.
A coleta e o processamento de dados pessoais em ambientes comerciais, ainda que justificados pela segurança, exigem um compromisso rigoroso com a privacidade, a transparência e a responsabilidade. A ausência de regulamentações específicas para o uso de IA em espaços de consumo, somada à pouca familiaridade do público com essas tecnologias, pode fomentar desconfianças e práticas discriminatórias, caso não sejam adotadas salvaguardas institucionais robustas. Destaca-se, nesse cenário, a importância de um modelo de inovação tecnológica que seja simultaneamente eficiente e ético. O uso de algoritmos inteligentes no varejo não deve ser pautado exclusivamente por critérios de desempenho técnico, mas também por princípios jurídicos e sociais que assegurem a proteção dos direitos dos consumidores.
Espera-se que os apontamentos aqui discutidos sirvam como subsídio para pesquisadores, desenvolvedores de soluções tecnológicas e gestores do varejo que buscam implementar sistemas mais eficientes e eticamente responsáveis. Que este estudo possa, portanto, contribuir para o avanço do debate sobre o uso consciente e inteligente da inteligência artificial na segurança comercial, promovendo inovação e respeito aos direitos e garantias individuais dos consumidores e trabalhadores envolvidos nesse ecossistema. O futuro da vigilância comercial inteligente dependerá de como os setores varejistas, desenvolvedores de tecnologia, juristas e sociedade civil se articulam para construir sistemas que não apenas protejam bens materiais, mas também respeitem a integridade e a liberdade dos indivíduos. A inteligência artificial, se conduzida com responsabilidade, pode não apenas prevenir perdas, mas também inaugurar uma nova ética do cuidado e da confiança nos espaços comerciais.
Referências
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1Centro Universitário Mário Pontes Jucá – UMJ, AL, Brasil. E-mail: gustavocarvalho085@academico.umj.edu.br
2Centro Universitário Mário Pontes Jucá – UMJ, AL, Brasil. E-mail: eraldojunior.dev@gmail.com
3Centro Universitário Mário Pontes Jucá – UMJ, AL, Brasil. E-mail: francisco.abud@umj.edu.br