REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506161155
Kátia Simone Melo Araújo Chaves
Luciano da Silva
Eder Luiz Peterle
Eliett Gaiz Almendo Zeferino
Resumo
O presente artigo examina como a ludicidade, quando planejada de modo inclusivo, favorece o desenvolvimento global de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que frequentam a Educação Infantil. Parte-se do pressuposto de que os jogos, as brincadeiras e as múltiplas linguagens expressivas constituem recursos pedagógicos que fortalecem a participação, estimulam a comunicação e potencializam aprendizagens cognitivas, motoras e socioemocionais. O texto descreve bases conceituais da ludicidade e da inclusão, caracteriza o TEA na primeira infância e analisa estratégias que viabilizam uma rotina escolar acolhedora, responsiva e alinhada às necessidades específicas desse público. O estudo adota uma abordagem qualitativa de natureza bibliográfica e reflexiva, articulando referenciais teóricos atuais a práticas observadas em contextos educativos. Os resultados indicam que a adoção de ambientes estruturados, materiais diversificados e mediação docente sensível contribui para avanços expressivos em linguagem, autorregulação e interação social. Conclui-se que a escola, ao valorizar a experiência lúdica, cria oportunidades de aprendizagem que respeitam ritmos individuais e ampliam as possibilidades de inclusão efetiva.
Palavras chave: Ludicidade. Desenvolvimento Global. Educação infantil.
1- INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a Educação Infantil brasileira tem consolidado a compreensão de que todas as crianças, independentemente de suas condições de desenvolvimento, possuem direito a experiências pedagógicas de qualidade. Nesse cenário, a presença de estudantes com Transtorno do Espectro Autista desafia a comunidade escolar a repensar práticas e a adotar metodologias que conjugam intencionalidade pedagógica, afeto e respeito às diferenças. Observa-se que o jogo, a música, o teatro de fantoches, a contação de histórias e as atividades sensoriais configuram caminhos promissores para alcançar tal objetivo, pois favorecem a expressão simbólica, a cooperação e a construção de vínculos.
Com base nesse entendimento, o artigo busca responder à seguinte questão: de que forma as práticas lúdicas planejadas sob uma ótica inclusiva fortalecem o processo de aprendizagem de crianças com TEA na faixa etária de quatro a seis anos? Para tanto, delineiam-se quatro capítulos. O primeiro funda-se em conceitos que estruturam o fenômeno do brincar e da inclusão escolar; o segundo descreve o TEA e suas particularidades no contexto da Educação Infantil; o terceiro apresenta estratégias lúdicas concretas, detalhando procedimentos de mediação e organização do espaço; e o quarto analisa os efeitos observados no desenvolvimento das crianças. Por fim, a conclusão sintetiza os achados e sugere caminhos para a prática docente.
2- FUNDAMENTOS DA LUDICIDADE E DA INCLUSÃO
A ludicidade, entendida como dimensão constitutiva da infância, possibilita a construção de significados, a elaboração de emoções e a aprendizagem de regras de convivência. O brincar, em suas múltiplas formas, organiza vivências que oportunizam a experimentação, a criatividade e a resolução de problemas. Ao considerar a escola como espaço de socialização, percebe-se que a atividade lúdica ultrapassa a função de entretenimento e se converte em estratégia pedagógica potente (Silva, 2022).
No âmbito da inclusão, a legislação brasileira reforça o direito de acesso e permanência de estudantes com deficiência em turmas comuns, reconhecendo que a diversidade enriquece o processo educativo. A relevância de ambientes acessíveis, de materiais diversificados e de planejamento sensível às necessidades específicas torna-se evidente. A inclusão não se resume a colocar a criança na sala; exige reorganizar tempos, espaços e interações de modo a assegurar aprendizagem e participação.
Quando se integra a ludicidade a esse cenário, surge um campo fértil para vivências colaborativas, pois o jogo estabelece regras claras, cria desafios graduais e convoca a cooperação entre pares. De acordo com Silva (2022) dessa forma, o brincar favorece a construção de uma cultura escolar acolhedora, na qual atitudes de respeito, solidariedade e tolerância são cultivadas.
A mediação docente adquire caráter determinante. Ao observar interesses, facilitar interações e incentivar a resolução autônoma de desafios, o educador torna-se facilitador das aprendizagens, encorajando as crianças a se aventurarem em novos papéis sociais e a desenvolverem competências emocionais. Nesse sentido, ressalta-se a importância de planejamento cuidadoso, seleção de materiais adequados e avaliação contínua para garantir que a ludicidade seja instrumento de inclusão, e não mero adorno pedagógico.
Observa-se, ainda, que a presença de materiais concretos, visuais e sonoros amplia a capacidade de atenção, reduz ansiedades e favorece a autorregulação, requisitos essenciais para o engajamento em atividades coletivas. Entende-se que a ludicidade, quando conduzida de modo intencional e sistemático, torna-se veículo de transformação do cotidiano escolar, fomentando um clima de acolhimento e aprendizagem compartilhada. Pois:
As experiências lúdicas desempenham um papel central na promoção de diversas habilidades que influenciam diretamente o desenvolvimento humano. Quando inseridas no cotidiano educacional, essas práticas favorecem não apenas o raciocínio e a aprendizagem, mas também fortalecem aspectos emocionais e sociais (Ferreira, 2024, p. 1).
A literatura especializada reforça que o ato de brincar sustenta processos neuropsicológicos decisivos para a formação de funções executivas, memória de trabalho e autorregulação. Para Lima (2022) quando a escola acolhe essa realidade, as experiências lúdicas deixam de ocupar um lugar periférico e passam a compor o eixo estruturante do currículo, aproximando-se da noção de que toda aprendizagem se consolida por meio da ação concreta mediada por pares e adultos.
Ainda de acordo com Lima (2022) ao organizar situações nas quais a criança manipula objetos, assume personagens imaginários e resolve desafios progressivos, a instituição fomenta a construção autônoma de conhecimentos, ao mesmo tempo em que cultiva disposições afetivas favoráveis à convivência coletiva.
Outro fator decisivo está na adoção de princípios de desenho universal para o ensino. Ao prever múltiplas formas de representação, expressão e participação, o educador torna as atividades acessíveis a diferentes perfis cognitivos e sensoriais, evitando barreiras que excluem. Materiais táteis, recursos visuais ampliados, tecnologia assistiva e adaptações no mobiliário favorecem a adesão espontânea às tarefas propostas.
Esse ambiente responsivo estimula a curiosidade, fortalece a autoconfiança e viabiliza trocas simbólicas ricas entre colegas, compondo uma comunidade que se reconhece na diversidade. A construção desse cenário requer intencionalidade sustentada por formação continuada. Cursos, grupos de estudo e observação de práticas exitosas permitem que o corpo docente refine sua capacidade de planejar, mediar e avaliar experiências lúdicas inclusivas (Fereira, 2024).
A reflexão sistemática sobre registros de aula seja por meio de portfólios, anotações ou filmagens possibilita identificar avanços, redimensionar estratégias e ajustar o nível de desafio, garantindo que cada criança se mantenha em zona de desenvolvimento proximal.
Convém salientar que a integração família-escola potencializa os efeitos das intervenções. Reuniões periódicas e trocas de mensagens fortalecem o vínculo, oferecem orientações para replicação de atividades em casa e criam rede de apoio que beneficia o percurso infantil. Na visão de Fereira (2024) o brincar escolar expande fronteiras e assume caráter comunitário, reforçando valores de cooperação, solidariedade e respeito às diferenças.
Com essa ampliação teórica e metodológica, o capítulo consolida a compreensão de que ludicidade e inclusão formam binômio indissociável. O próximo capítulo aprofunda a análise das características do Transtorno do Espectro Autista na primeira infância, indicando como os fundamentos aqui discutidos orientam práticas sensíveis às necessidades desse público.
3- CARACTERIZAÇÃO DO TEA E DEMANDAS NA PRIMEIRA INFÂNCIA
O Transtorno do Espectro Autista caracteriza-se por variações na comunicação, na interação social e por padrões comportamentais restritos ou repetitivos. Tais manifestações ocorrem em intensidade diversa, configurando um espectro que exige compreensão ampliada por parte dos educadores. Na Educação Infantil, as particularidades incluem dificuldade em compreender pistas sociais sutis, resistência a mudanças na rotina e busca por estímulos sensoriais específicos (Silva, 2017).
A linguagem verbal pode emergir tardiamente ou apresentar traços de ecolalia; por isso, a criança talvez utilize gestos, expressões faciais ou dispositivos alternativos para manifestar desejos e necessidades. Silva (2017) verifica que a sensibilidade a sons, texturas e luminosidade exige ambientes cuidadosamente organizados, com possibilidades de retirada ou adaptação de estímulos que provoquem sobrecarga. Entretanto:
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do desenvolvimento neurológico, caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social e pela presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos. Esses sintomas configuram o núcleo do transtorno, mas a gravidade de sua apresentação é variável (SBP, 2019, p. 1).
Simultaneamente estudos apontam potencialidades acentuadas como concentração em detalhes, memória visual e afinidade com sequências lógico-matemáticas. Assim, a tarefa docente consiste em reconhecer talentos e interesses, articulando-os ao planejamento didático. Nas situações de brincadeira, a criança com TEA tende a preferir atividades solitárias ou roteiros repetitivos; cabe à mediação propor desafios graduais que favoreçam intercâmbio social, compartilhamento de objetos e ampliação de repertório imaginativo.
De acordo Oliveira (2018) quando a ludicidade assume função pedagógica, torna-se aliada da intervenção precoce, pois possibilita o treino de habilidades comunicativas, a aprendizagem de normas de convivência e a expansão da flexibilidade cognitiva. Jogos de tabuleiro adaptados, circuitos motores, dramatizações e brincadeiras de regras oferecem oportunidades de experimentar papéis, antecipar consequências e negociar alternativas.
Para assegurar esses benefícios, a organização do espaço deve contemplar cantos temáticos, sinalização visual e acesso a recursos sensoriais calmantes, como massas de modelar, caixas táteis e fones abafadores de ruído. Tais cuidados reduzem fatores de estresse e ampliam a predisposição à interação. Ao mesmo tempo, a rotina diária precisa ser apresentada de maneira previsível, com uso de pictogramas ou painéis de horários, a fim de conferir segurança e favorecer transições suaves entre atividades.
Martins (2019) argumenta que a equipe docente e as famílias devem manter diálogo contínuo, partilhando observações e ajustando estratégias. O retorno sobre avanços, dificuldades e novos interesses orienta intervenções subsequentes, garantindo coerência entre os contextos casa-escola e reforçando aprendizagens.
Conforme Martins (2019) a compreensão minuciosa do TEA na primeira infância constitui requisito para o desenho de práticas lúdicas efetivas, pois a adaptação de jogos, a escolha de temáticas e a disposição do ambiente dependem de particularidades sensoriais, cognitivas e afetivas de cada criança.
4- ESTRATÉGIAS LÚDICAS INCLUSIVAS: PLANEJAMENTO E MEDIAÇÃO
Para transformar a prática cotidiana, o educador necessita dispor de repertório diversificado de estratégias lúdicas que combinem acessibilidade, desafio e prazer. O planejamento começa pela identificação dos objetivos de aprendizagem, vinculados a áreas como linguagem, motricidade fina, coordenação ampla, raciocínio lógico e habilidades socioemocionais. Em seguida, selecionam-se brincadeiras que dialoguem com interesses das crianças, assegurando motivação intrínseca (Costa, 2019).
Uma primeira estratégia envolve o uso de histórias rotativas, em que as crianças completam narrativas por meio de objetos concretos, fantoches ou cartões-imagem. Ao manipular personagens e cenários, a criança com TEA exercita turnos de fala, amplia vocabulário e aprende a antecipar eventos. A narrativa pode ser estruturada em três atos simples (início, desenvolvimento e desfecho), facilitando a compreensão da sequência temporal.
Outra proposta compreende circuitos motores adaptados, que alternam desafios de equilíbrio, rampas suaves, túneis infláveis e bases instáveis. Tais percursos estimulam o sistema vestibular, aprimoram coordenação e promovem autocontrole. Sinais visuais posicionados no piso indicam o trajeto, e instruções breves reforçam a autonomia. Quando necessário, adapta-se a altura de obstáculos ou incluem-se apoios laterais.
De acordo com Lacerda e Massaro (2023) jogos de tabuleiro colaborativos adaptados também geram ganhos expressivos. Variantes simplificadas de trilhas coloridas permitem que todos avancem juntos rumo a um objetivo comum, substituindo a lógica competitiva por tarefas de cooperação. Durante a partida, o docente faz perguntas que incentivam a criança a verbalizar estratégias, contar casas e reconhecer cores, consolidando conceitos numéricos.
Além dessas atividades, oficinas sensoriais favorecem exploração tátil, auditiva e olfativa. Estações com materiais como areia colorida, gelatina vegetal, caixas sonoras e ervas aromáticas oferecem estímulos suaves que diminuem a ansiedade e reforçam curiosidade. O educador regula o tempo de permanência em cada estação, observando sinais de conforto ou sobrecarga. Vale ressaltar que:
A utilização de práticas lúdicas no ambiente escolar contribui para tornar o processo de aprendizagem mais acessível e participativo para todos os estudantes. Por meio da mediação planejada, o educador consegue adaptar atividades às necessidades individuais, favorecendo a inclusão. Essa abordagem cria um espaço mais acolhedor, dinâmico e propício ao desenvolvimento integral (Souza, 2021, p. 68).
A mediação assume caráter dinâmico: ora o docente demonstra, ora observa, intervindo de modo pontual para promover interações entre pares. Estratégias de pareamento, em que uma criança amiga acompanha a colega com TEA, ajudam na construção de laços e no desenvolvimento da iniciativa social.
Na visão de Pinafo (2024) registros audiovisuais de sessões lúdicas servem ao monitoramento de progressos, uma vez que, anotações sobre comportamentos, expressões e produção verbal compõem portfólios que subsidiam reuniões pedagógicas e encontros com famílias. Dessa forma, ajustes podem ser realizados com base em dados concretos, mantendo a intervenção alinhada às necessidades emergentes.
A utilização de aplicativos simples em tablets, por exemplo, possibilita atividades de realidade aumentada nas quais figuras ganham vida ao serem enquadradas pela câmera, convidando as crianças a explorar cores, números e letras de maneira interativa. A mediação docente orienta a sequência de toques e gestos, assegura a permanência do foco e incentiva a troca de observações entre colegas, nutrindo habilidades comunicativas e cognitivas.
Ao mesmo tempo, adaptações de baixo custo mantêm a proposta inclusiva como um tabuleiro confeccionado com papelão, garrafas plásticas transformadas em pinos de boliche sensorial ou cartelas de bingo ilustradas com fotos das próprias turmas despertam curiosidade e reforçam o sentido de pertencimento (Pinafo, 2024).
Além disso, oficinas de musicalização ampliam oportunidades de expressão corporal e auditiva. Instrumentos artesanais, como tambores de lata ou chocalhos de sementes, viabilizam a experimentação rítmica e o controle motor fino. O professor conduz exercícios que alternam pulsações, intensidade e pausas, estimulando percepção temporal e coordenação bilateral. Nas transições entre músicas, insere-se vocabulário temático (animais, natureza, meios de transporte), promovendo associações semânticas e expansão lexical. As rodas de canto favorecem turnos de participação e leitura de gestos faciais, atributos especialmente úteis para crianças com TEA.
Outra intervenção reside na dramatização guiada por cartões‐cenário. Cada cartão apresenta imagens que sugerem enredos curtos ‘visita ao mercado’, ‘viagem espacial’, ‘passeio no parque’ acompanhados de pictogramas indicando ações básicas. Conforme Costa (2019) durante a encenação, a criança escolhe um cartão, sequência às ações e distribui funções aos colegas. Esse formato reforça planejamento, antecipação e flexibilidade mental, pois o grupo adapta a narrativa conforme escolhas individuais. A supervisão docente garante que todos tenham oportunidade de contribuir, evita sobreposição de falas e realinha o enredo sempre que necessário.
Para monitorar avanços, recomenda-se um sistema de observação contínua baseado em indicadores claros, como frequência de iniciativas comunicativas, tempo de permanência em atividade coletiva e uso de estratégias de autorregulação diante de estímulos intensos. Lacerda e Massaro (2023) defendem que pequenos quadros fixados na sala permitem registrar conquistas diárias com símbolos visuais, possibilitando que a própria criança acompanhe o percurso e se motive a superar novos desafios. Esse registro, compartilhado com famílias em encontros periódicos, orienta ajustes no planejamento e reforça a coerência entre contextos.
Vale destacar a importância da microgestão do ambiente, uma vez que, a disposição de mesas em ilhas favorece interações horizontais; cortinas translúcidas filtram luminosidade excessiva; almofadas táteis disponíveis em cantos de descanso oferecem recurso imediato para auto acalmar-se. O docente reorganiza tais elementos de acordo com preferências observadas, mantendo a sala viva e responsiva às dinâmicas que emergem. Assim, o conjunto de estratégias tecnológicas, musicais, dramáticas e ambientais descritas complementa o repertório apresentado anteriormente, assegurando que o brincar inclusivo se mantenha variado, desafiador e acessível a todos.
5- EFEITOS DAS PRÁTICAS LÚDICAS NO DESENVOLVIMENTO
A implementação sistemática das estratégias descritas gera repercussões positivas em diversos domínios. Segundo Mendes (2015) no campo da comunicação, observa-se aumento da iniciativa de uso da linguagem, tanto verbal quanto alternativa. Símbolos pictográficos, aplicativos de voz e gestos compartilhados passam a integrar a rotina, ampliando meios de expressão e reduzindo frustrações decorrentes de incompreensão.
Quanto à dimensão social, as brincadeiras em grupo favorecem a aprendizagem de turnos, o compartilhamento de objetos e a leitura de expressões faciais. Crianças que antes permaneciam isoladas começam a buscar a aproximação dos colegas, a oferecer brinquedos e a aguardar sua vez em jogos de regras.
No âmbito cognitivo, o ato de resolver desafios lúdicos estimula a flexibilidade mental e raciocínio lógico. Jogos de montar, quebra-cabeças e atividades simbólicas auxiliam na construção de conceitos como correspondência, seriação e classificação. A criança passa a transferir tais aprendizagens para situações acadêmicas, demonstrando maior organização na execução de tarefas e na solução de problemas cotidianos.
Os ganhos na autorregulação também merecem destaque, uma vez que, estratégias sensoriais integradas à rotina ensinam a reconhecer estados emocionais, a empregar técnicas calmantes e a buscar apoio quando necessário. A própria turma aprende a respeitar sinais de sobrecarga, adaptando o ritmo das atividades e oferecendo espaços de pausa (Dornelis (2021).
Observa-se, ademais, o fortalecimento do vínculo escola-família onde ao testemunhar progressos alcançados por meio de jogos e brincadeiras, os responsáveis sentem-se motivados a replicar práticas em casa, reforçando o aprendizado. Reuniões periódicas permitem trocar experiências, apresentando alternativas acessíveis de materiais e atividades, mesmo em contextos de recursos limitados.
Embora os resultados indiquem avanços expressivos, persistem desafios. A formação docente permanece variável entre instituições, e falta, em algumas redes, suporte de equipes multiprofissionais. Como argumenta Valadão (2017) a sobrecarga de turmas numerosas dificulta a personalização do atendimento. Evidencia-se que a ludicidade, quando integrada ao currículo de forma planejada e inclusiva, oferece oportunidades de crescimento abrangente para crianças com TEA, abrangendo linguagem, cognição, sociabilidade e autorregulação. Pois:
O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização, expressão e construção do conhecimento (Santos, 2002, p. 12).
Acompanhamentos de longo prazo demonstram que as alterações obtidas por meio das práticas lúdicas inclusivas alcançam também dimensões que extrapolam o contexto imediato da sala de aula. Nos meses subsequentes à introdução sistemática dos jogos colaborativos, a autoeficácia das crianças passa a refletir‐se em escolhas mais ousadas durante atividades livres, evidenciando maior disposição para enfrentar tarefas novas e para solicitar ajuda de maneira adequada.
Esse comportamento indica progresso na percepção de competência própria, condição decisiva para consolidar aprendizagens acadêmicas posteriores. Observa-se ainda que o repertório simbólico, ampliado por narrativas dramatizadas e histórias rotativas, favorece a construção de argumentos mais elaborados durante rodas de conversa, beneficiando o desenvolvimento da linguagem oral e a capacidade de negociação de sentidos.
De acordo com Santos (2018) no âmbito motor, avaliações comparativas realizadas em intervalos trimestrais apontam ganhos expressivos em equilíbrio estático e dinâmica de locomoção. Circuitos adaptados revela‐se especialmente eficientes para estimular coordenação bilateral e noção espacial, aspectos frequentemente comprometidos em crianças com TEA. Além disso, a alternância de estímulos táteis, auditivos e visuais favorece a integração sensorial, reduz episódios de sobrecarga e permite que a criança se mantem envolvida em atividades coletivas por períodos mais extensos.
Ainda segundo Santos (2018) essa integração repercute positivamente no autocontrole emocional, pois a regulação dos sistemas sensoriais cria condições para que estratégias de calma respiração guiada, compressão profunda ou uso de fones de abafamento sejam acionadas de modo autônomo. Os efeitos sociais também repercutem na dinâmica geral da turma. Colegas que anteriormente demonstravam resistência ao convívio com diferenças passam a valorizar a cooperação, estimulados por metas grupais presentes em jogos de tabuleiro colaborativos e desafios de construção conjunta.
Esse ambiente solidário contribui para a formação de redes de amizade mais diversificadas, fator que, por sua vez, reforça sentimentos de pertencimento. A observação sistemática verifica aumento na quantidade de trocas espontâneas, como convites para brincar e partilha de materiais, evidenciando que a experiência inclusiva beneficia não apenas o aluno com TEA, mas todo o coletivo infantil.
Em termos institucionais, o êxito das intervenções desperta interesse de outros professores e coordenação pedagógica, resultando em reuniões formativas voltadas à multiplicação de práticas. Novos espaços são reorganizados para contemplar cantos sensoriais permanentes, e a aquisição de materiais alternativos passa a constar em planejamentos orçamentários da escola. Assim, a experiência exitosa reforça a compreensão de que a ludicidade inclusiva não depende exclusivamente de recursos financeiros elevados, mas de criatividade, intencionalidade didática e monitoramento contínuo (Mendes 2018).
6- CONCLUSÃO
O percurso investigativo apresentado demonstra que práticas lúdicas inclusivas constituem estratégia pedagógica eficaz para promover o desenvolvimento integral de crianças com Transtorno do Espectro Autista na Educação Infantil. Ao valorar o brincar como linguagem privilegiada da infância, o educador não apenas ensina conteúdos acadêmicos, mas também constrói ambientes que acolhem singularidades, potencializam talentos e fortalecem vínculos.
Os resultados discutidos ao longo dos quatro capítulos revelam efeitos positivos na comunicação, na interação social e na autorregulação. A presença de materiais variados, a adaptação do espaço e a participação ativa da família contribuem para que a escola se torne cenário de experiências que respeitam ritmos individuais e estimulam a construção de autonomia.
Ainda que os avanços sejam expressivos, persistem desafios estruturais e formativos. Os sistemas de ensino precisam investir em qualificação contínua, em equipes interdisciplinares e em políticas de apoio que garantam condições materiais para implementação das práticas descritas. Além disso, torna-se indispensável promover espaços de reflexão coletiva, nos quais docentes compartilhem vivências, avaliem estratégias e construam soluções colaborativas.
Recomenda-se que futuras pesquisas ampliem o escopo de análise, contemplando estudos longitudinais que monitorem os efeitos das práticas lúdicas ao longo do tempo e investiguem sua relação com desempenho acadêmico em etapas posteriores. Sugere-se, igualmente, aprofundar o diálogo com a comunidade científica internacional, visando a intercâmbio de metodologias e a validação de instrumentos de avaliação.
Em última instância, reforça-se a ideia de que escolas capazes de integrar ludicidade e inclusão formam cidadãos mais autônomos, críticos e solidários. Quando o brincar é reconhecido como caminho legítimo para a aprendizagem, abrem-se portas para um futuro em que todas as crianças sejam protagonistas de sua própria história, contribuindo para sociedades mais justas e plurais.
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