O PAPEL AFETIVO DOS PROGENITORES NA CONSTRUÇÃO DE INDIVÍDUOS EMOCIONALMENTE SAUDÁVEIS: REFLEXÕES A PARTIR DA LITERATURA CIENTÍFICA

THE AFFECTIVE ROLE OF PARENTS IN THE CONSTRUCTION OF EMOTIONALLY HEALTHY INDIVIDUALS: REFLECTIONS BASED ON SCIENTIFIC LITERATURE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506151518


Sarah Lyns Fagundes Cunha1


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o impacto do papel afetivo dos progenitores na construção de indivíduos emocionalmente saudáveis, por meio de uma revisão teórica da literatura científica recente. Parte-se do pressuposto de que as relações afetivas estabelecidas no ambiente familiar são fundamentais para o desenvolvimento psíquico e emocional da criança. São discutidas as principais teorias do desenvolvimento emocional, os estilos parentais e suas consequências, bem como estudos empíricos nacionais e internacionais que evidenciam a relação entre a qualidade da parentalidade e a saúde mental dos filhos. Por fim, são apresentadas reflexões sobre a importância de promover uma parentalidade afetiva como estratégia de prevenção em saúde mental.

Palavras-chave: Parentalidade. Desenvolvimento Emocional. Vinculação Afetiva. Saúde Mental.

1 INTRODUÇÃO

O ambiente familiar é reconhecidamente o primeiro espaço de socialização do ser humano. É no seio da família que os indivíduos iniciam suas experiências afetivas, desenvolvem vínculos e constroem sua identidade emocional. Nesse contexto, os progenitores — entendidos como as figuras parentais responsáveis pela criação — exercem um papel fundamental no desenvolvimento emocional de seus filhos, influenciando diretamente sua saúde mental e suas relações interpessoais futuras. A afetividade, quando presente na relação entre pais e filhos, constitui-se como elemento estruturante para a constituição de sujeitos emocionalmente saudáveis.

Estudos em psicologia do desenvolvimento, como os de Bowlby (1984), apontam que a presença de vínculos seguros na infância favorece a construção de uma base emocional estável, essencial para a adaptação social e para o enfrentamento das adversidades ao longo da vida. Nesse sentido, a qualidade do vínculo afetivo estabelecido na infância tem sido associada a desfechos diversos na vida adulta, tais como autoestima, capacidade de regulação emocional, estabilidade nos relacionamentos e bem-estar psíquico (Winnicott, 1983; Ainsworth et al., 1978).

Contudo, nem sempre a presença dos progenitores garante vínculos saudáveis. Situações de negligência, ausência afetiva, rigidez ou permissividade extrema podem comprometer significativamente o desenvolvimento emocional das crianças. A literatura aponta que estilos parentais disfuncionais estão frequentemente associados a transtornos emocionais, dificuldades de socialização e problemas de comportamento (Baumrind, 1991; Hoffman, 2000; Gonçalves et al., 2018).

Diante disso, torna-se necessário refletir sobre a centralidade do papel afetivo dos pais na formação de sujeitos emocionalmente saudáveis, com base em um diálogo entre as principais teorias do desenvolvimento, os estilos parentais descritos na literatura e as evidências empíricas contemporâneas. O presente artigo tem como objetivo discutir, à luz da literatura científica, o impacto e os reflexos do papel afetivo dos progenitores na construção da saúde emocional de seus filhos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Teorias do apego e do desenvolvimento emocional

As teorias do apego de Bowlby (1984) e Ainsworth et al. (1978) constituem marcos fundamentais para a compreensão da importância dos vínculos afetivos no início da vida. Segundo Bowlby, o apego é um sistema inato que motiva o comportamento da criança em busca de proteção e segurança. A qualidade desse vínculo interfere diretamente na forma como o sujeito se relaciona afetivamente ao longo da vida.

Ainsworth, por sua vez, identificou diferentes estilos de apego (seguro, evitativo e ambivalente) que derivam da responsividade dos cuidadores às necessidades emocionais da criança. Crianças com vínculos seguros tendem a apresentar maior autonomia, confiança e competência social.

Além disso, a teoria de Winnicott (1983) sobre o “ambiente suficientemente bom” enfatiza o papel da mãe (ou da figura cuidadora primária) em oferecer suporte emocional de forma responsiva e estável. Esse ambiente é fundamental para que a criança desenvolva uma verdadeira identidade e capacidade de estar só sem angústia.

Autores contemporâneos como Fonagy e Target (2007) desenvolveram o conceito de mentalização, ligado à capacidade dos pais em compreender os estados mentais dos filhos e responder de forma apropriada. Essa função parental é crucial para o desenvolvimento da empatia, da autorregulação emocional e da construção de um self coeso.

2.2 Estilos parentais e suas implicações emocionais

Baumrind (1991) propôs uma tipologia dos estilos parentais: autoritário, permissivo, negligente e democrático. O estilo democrático, caracterizado por equilíbrio entre afeto e disciplina, é aquele que mais favorece o desenvolvimento emocional saudável.

Pesquisas recentes apontam que filhos de pais autoritários ou negligentes tendem a apresentar maiores índices de ansiedade, depressão e comportamentos agressivos (Silva & Oliveira, 2021; Dias & Wagner, 2020). Já o estilo permissivo pode gerar dificuldades na regulação emocional e nos limites interpessoais.

No contexto brasileiro, estudos como os de Carvalho et al. (2022) destacam que práticas parentais positivas estão associadas a melhores índices de saúde mental infantojuvenil, especialmente em contextos de vulnerabilidade social.

2.3 Impactos da ausência ou presença de vínculos afetivos

A ausência de vínculos afetivos seguros na infância pode acarretar uma série de prejuízos emocionais, cognitivos e sociais. Crianças que vivenciam negligência emocional, abandono ou rejeição parental apresentam maior risco para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade, depressão e dificuldades de aprendizagem (Pereira et al., 2021).

Por outro lado, a presença de um vínculo afetivo sólido e acolhedor atua como fator de proteção diante de estressores e traumas. Estudos longitudinais mostram que o suporte emocional dos pais contribui para a resiliência e para a capacidade de enfrentamento de adversidades (Cyrulnik, 2009; Lopes & Del Prette, 2019).

3 METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se como um artigo teórico, de natureza qualitativa, fundamentado em revisão de literatura. A escolha metodológica visa sintetizar os principais achados da produção científica sobre a temática da parentalidade afetiva e seu impacto na saúde emocional de crianças e adolescentes.

Foram selecionadas publicações acadêmicas entre os anos de 2010 e 2024, com ênfase em artigos indexados em bases como Scielo, PePSIC e CAPES. Os critérios de inclusão foram: textos em português, espanhol e inglês que abordassem direta ou indiretamente os estilos parentais, o vínculo afetivo entre pais e filhos, e os desdobramentos emocionais dessas relações. Autores clássicos da psicologia do desenvolvimento também foram considerados, por sua relevância teórica para o tema.

A análise do material coletado foi feita de forma interpretativa, com destaque para convergências teóricas e evidências empíricas recorrentes. O objetivo não é esgotar o tema, mas oferecer uma reflexão ampla e fundamentada, útil tanto para o campo clínico quanto para o desenvolvimento de políticas públicas de apoio à parentalidade.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
4.1 A influência do apego seguro no desenvolvimento emocional infantil

Os dados teóricos e empíricos analisados reforçam a centralidade do apego seguro na construção da saúde emocional infantil. Estudos clássicos de Bowlby (1984) e Ainsworth et al. (1978), corroborados por pesquisas recentes, mostram que crianças que desenvolvem vínculos afetivos seguros tendem a apresentar maior estabilidade emocional, autonomia e habilidades sociais mais desenvolvidas. A presença consistente de figuras parentais responsivas contribui diretamente para a formação de uma base segura, o que permite à criança explorar o mundo com confiança.

Fonagy e Target (2007) ampliam essa compreensão ao enfatizar a importância da mentalização — ou seja, a capacidade dos pais de reconhecerem e responderem adequadamente aos estados mentais de seus filhos. Essa função parental tem sido associada ao desenvolvimento da empatia e da autorregulação emocional, elementos fundamentais para uma vida psíquica equilibrada.

A análise dos estudos revisados sugere que a promoção de vínculos seguros não é apenas uma recomendação afetiva, mas um fator protetivo robusto contra adoecimentos mentais futuros. Assim, ações voltadas para o fortalecimento da parentalidade afetiva devem ser vistas como medidas preventivas em saúde pública.

4.2 Estilos parentais e sua relação com transtornos emocionais

A literatura revela uma forte correlação entre estilos parentais disfuncionais e o aumento de sintomas emocionais negativos em crianças e adolescentes. O modelo de Baumrind (1991) permanece atual ao categorizar os estilos parentais e seus respectivos efeitos sobre o desenvolvimento infantil. Pesquisas recentes (Silva & Oliveira, 2021; Dias & Wagner, 2020) indicam que os estilos autoritário e negligente estão associados a maiores índices de ansiedade, depressão e dificuldades de comportamento.

Por outro lado, o estilo democrático, que equilibra afeto e limites, tem se mostrado o mais benéfico para a saúde emocional dos filhos. Crianças educadas sob esse estilo apresentam maior autoestima, segurança emocional e melhor desempenho nas interações sociais.

A análise desses dados indica que a formação de pais e cuidadores para a adoção de práticas parentais equilibradas é uma necessidade urgente. Além disso, destaca-se a importância de considerar as especificidades culturais e sociais ao aplicar esses modelos, evitando a universalização de padrões que podem não ser adequados a todos os contextos familiares.

4.3 Efeitos da ausência afetiva e negligência emocional

Um dos achados mais consistentes da literatura revisada é o impacto negativo da ausência de vínculos afetivos estáveis durante a infância. Estudos como os de Pereira et al. (2021) evidenciam que a negligência emocional e o abandono parental estão associados a dificuldades cognitivas, problemas de socialização e predisposição ao desenvolvimento de transtornos mentais como depressão e ansiedade.

Em contrapartida, a presença de um vínculo afetivo acolhedor mostra-se como um poderoso fator de resiliência. A obra de Cyrulnik (2009) demonstra que crianças emocionalmente amparadas têm maior capacidade de enfrentar adversidades e se recuperar de traumas.

Esses dados reforçam a tese de que o afeto não é apenas um elemento subjetivo da parentalidade, mas uma necessidade objetiva para o desenvolvimento saudável. Em termos de políticas públicas, isso implica investir em programas de acompanhamento familiar, especialmente em contextos de vulnerabilidade, para garantir que nenhuma criança seja privada de um ambiente minimamente acolhedor.

4.4 Parentalidade afetiva como estratégia preventiva em saúde mental

Os estudos revisados indicam que práticas parentais afetivas desempenham um papel preventivo no desenvolvimento de transtornos emocionais. Pesquisas nacionais, como as de Carvalho et al. (2022), mostram que crianças expostas a práticas parentais positivas, especialmente em contextos adversos, apresentam melhores indicadores de bem-estar psicológico e maior capacidade de adaptação social.

Tais achados sugerem que o fortalecimento das competências parentais deve ser uma das prioridades na formulação de políticas públicas em saúde mental. Iniciativas como grupos de orientação para pais, programas de educação emocional e suporte psicológico gratuito às famílias têm demonstrado efeitos positivos duradouros.

Ao promover uma parentalidade baseada no afeto, na escuta e no reconhecimento das necessidades emocionais dos filhos, cria-se um ambiente propício ao florescimento de indivíduos mais saudáveis, autônomos e socialmente integrados. Essa constatação amplia a responsabilidade da psicologia e das ciências humanas na construção de uma sociedade mais mentalmente saudável.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo reforça a importância do papel afetivo dos progenitores no desenvolvimento emocional dos indivíduos. A literatura revisada demonstra, de forma consistente, que a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos influencia de maneira significativa a constituição psíquica, o bem-estar emocional e a capacidade de estabelecer relações interpessoais saudáveis.

Em um cenário em que os índices de sofrimento psíquico entre crianças e adolescentes vêm aumentando, torna-se ainda mais urgente fomentar ações que promovam a parentalidade positiva. Isso inclui programas de apoio psicossocial, educação parental e políticas públicas voltadas para a proteção da infância.

A psicologia, enquanto ciência e prática, tem um papel fundamental na sensibilização da sociedade para a importância do afeto nas relações parentais, bem como na formação de profissionais aptos a intervir e orientar famílias. Estudos futuros podem aprofundar a compreensão das variáveis culturais, sociais e econômicas que mediam essa relação, ampliando ainda mais o impacto positivo das intervenções.

REFERÊNCIAS

AINSWORTH, M. D. S. et al. Patterns of attachment: A psychological study of the strange situation. Hillsdale: Erlbaum, 1978.

BAUMRIND, D. The influence of parenting style on adolescent competence and substance use. Journal of Early Adolescence, v. 11, n. 1, p. 56–95, 1991.

BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

CARVALHO, L. F. et al. Práticas parentais e saúde mental infantil em contextos de risco. Psicologia: Teoria e Prática, v. 24, n. 1, p. 1-18, 2022.

CYRULNIK, B. Os patinhos feios: histórias de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

DIAS, A. C. G.; WAGNER, A. Práticas educativas parentais e ajustamento psicológico. Psicologia em Estudo, v. 25, p. e43552, 2020.

FONAGY, P.; TARGET, M. Psicanálise e a teoria do apego. Porto Alegre: Artmed, 2007.

GONÇALVES, S. L. et al. Parentalidade e vínculos afetivos: implicações para o desenvolvimento infantil. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 38, n. 4, p. 794–808, 2018.

HOFFMAN, M. L. Empatia e desenvolvimento moral. In: KAGAN, J.; LAMB, S. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Artes Médicas, 2000.

LOPES, R. C. S.; DEL PRETTE, Z. A importância das habilidades sociais parentais. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 36, e180012, 2019.

PEREIRA, A. F. et al. Negligência emocional e desenvolvimento infantil: uma revisão sistemática. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 34, n. 20, 2021.

SILVA, J. A.; OLIVEIRA, C. M. Relações parentais e sintomas internalizantes na adolescência. Revista Psicologia: Teoria e Prática, v. 23, n. 2, p. 56-75, 2021.

WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.


1Discente do Curso Superior de Psicologia do Centro Universitário Redentor. E-mail: nome@provedor.com.br