TRANSFORMATIVE JUSTICE: THE APAC EXPERIENCE IN DIVINÓPOLIS AS AN ALTERNATIVE MODEL OF LAW ENFORCEMENT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506121125
Thais Ferreira Guilarducci¹
Bianca Moura Ferreira²
Orientador: Prof. Me. Eduardo César Russo Leal.
RESUMO
O método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) surge no Brasil como uma nova proposta no campo da justiça restaurativa, se amparando na corresponsabilidade da comunidade e valorizando o apenado. Dessa forma, surge o questionamento estruturante do presente artigo: como o método APAC pode ser uma alternativa ao sistema penitenciário tradicional, promovendo a ressocialização dos apenados e assegurando a dignidade humana na cidade de Divinópolis, Minas Gerais? Buscando entender mais sobre o tema, a metodologia empregada foi a revisão bibliográfica e a entrevista estruturada, sendo um trabalho quali-quanti. Em conclusão, torna-se claro a superioridade da APAC como método de cumprimento de pena, uma vez que seus números de reincidência, fuga e gastos mensais com os recuperandos são menores em comparação com as prisões tradicionais.
Palavras-chave: APAC. Execução Penal. Reincidência. Ressocialização
ABSTRACT
The APAC method (Association for the Protection and Assistance of the Convicted) emerged in Brazil as a new approach within the field of restorative justice, grounded in the shared responsibility of the community and the appreciation of the individual serving a sentence. This leads to the central question of the present article: how can the APAC method serve as an alternative to the traditional prison system, promoting the social reintegration of offenders and ensuring human dignity in the city of Divinópolis, Minas Gerais? To better understand the topic, the methodology employed was a combination of bibliographic review and structured interviews, making this a qualitative-quantitative study. In conclusion, the APAC method clearly proves superior as a system for serving sentences, as it shows lower rates of recidivism, escape, and monthly expenses with inmates compared to traditional prisons.
Keywords: APAC. Law Enforcement. Recidivism. Resocialization.
1. INTRODUÇÃO
O método APAC apresenta-se como uma proposta inovadora no campo da justiça restaurativa, baseada na corresponsabilidade da comunidade e na valorização do condenado. Enquanto o sistema tradicional perpetua ciclos de criminalidade, o modelo APAC busca romper esse paradigma ao oferecer uma abordagem humanizada e individualizada, com ênfase na recuperação e reintegração social.
Particularmente, a implementação do método APAC em Divinópolis/MG tem contribuído para a reintegração social dos apenados, promovendo o respeito à dignidade humana e a redução da reincidência. O estudo investiga como a metodologia centrada na assistência, educação e trabalho beneficia os reeducandos e melhora a comunidade local, criando um ambiente mais seguro para a ressocialização.
A análise do caso de Divinópolis contribui para a compreensão dos desafios e das potencialidades relacionadas à expansão desse modelo a outras localidades, considerando fatores socioeconômicos e culturais que influenciam os resultados. Em um contexto de debate sobre a reforma penitenciária no Brasil, estudos sobre alternativas eficazes se tornam instrumentos valiosos para orientar políticas públicas de segurança e justiça.
Diante desse panorama, este trabalho tem como objetivo geral analisar a efetividade do método APAC como alternativa ao sistema penitenciário tradicional, com foco na experiência implementada em Divinópolis/MG, avaliando seus impactos na ressocialização dos apenados e na comunidade local.
Como objetivos específicos, busca-se identificar os princípios fundamentais e as práticas que diferenciam o método APAC do sistema penitenciário convencional; analisar os indicadores de ressocialização e reincidência criminal entre os recuperandos da APAC do município; investigar a percepção da comunidade local sobre a implementação do método APAC e seus efeitos na segurança pública; avaliar as estratégias de assistência, educação e trabalho utilizadas pela APAC e sua contribuição para a dignidade humana e reintegração social; examinar os desafios enfrentados na implementação e manutenção do método APAC em Divinópolis e as soluções desenvolvidas; e propor recomendações para aprimoramento e possível expansão do modelo APAC, considerando sua sustentabilidade e replicabilidade.
Ademais, procura avaliar de que forma a implementação desse modelo na cidade pode beneficiar a comunidade local e contribuir para a eficácia do processo de ressocialização dos apenados.
2. TEORIAS SOBRE RESSOCIALIZAÇÃO E REABILITAÇÃO CRIMINAL
A história da punição revela transformações profundas nos conceitos de justiça ao longo do tempo. Foucault (1987) observa que os povos primitivos utilizavam a privação de liberdade como instrumento punitivo, associado a castigos baseados em vingança e tortura. Os cativeiros existiam desde 1700 a.C. no Egito, principalmente para custódia de escravos (FOUCAULT, 1987). Porém, segundo Foucault (1987), até o século 15, o encarceramento não era visto como uma forma de pena, mas de custódia, ou seja, o indivíduo era privado da sua liberdade até receber a punição referente ao ato cometido.
No Brasil, os primeiros estabelecimentos com celas individuais surgiram apenas no século XIX. Como colônia portuguesa, o país seguia as Ordenações Filipinas, sem um Código Penal próprio. A Constituição de 1824 trouxe avanços ao determinar a separação dos apenados por tipo de crime e exigir estruturas adaptadas ao trabalho durante o cumprimento da pena. Em 1828, reconhecendo a precariedade dos locais de reclusão, a Lei Imperial criou uma comissão para visitar esses espaços, documentar problemas e propor melhorias, iniciando o processo de reforma do sistema prisional brasileiro.
Fica evidente que, desde os primórdios, a função de ressocializadora da pena tem sido desatendida em favor de um caráter meramente punitivo. A concepção punitiva prevaleceu historicamente sobre o potencial regenerativo do sistema penal, comprometendo a efetividade da reabilitação criminal até os dias atuais.
Embora muitas vezes usados como sinônimos, ressocialização e reabilitação criminal diferem conceitualmente, sendo a primeira um processo amplo de reintegração social do apenado e a segunda um enfoque mais técnico na transformação comportamental e psicológica do infrator. Nesse contexto, o método APAC contribui significativamente para ambos os processos ao tratar o recuperando de forma individualizada, promovendo sua dignidade, responsabilização e reintegração plena à sociedade.
2.1 COMPARAÇÃO ENTRE SISTEMAS TRADICIONAIS E MÉTODOS ALTERNATIVOS
A composição demográfica da população carcerária no Brasil reflete a marginalização histórica na relação entre os cidadãos e o Estado. Esse cenário é agravado pela falta de políticas públicas inclusivas, pelos baixos índices de escolaridade, pelas perspectivas limitadas de futuro e pela cultura da violência. A desigualdade no acesso a políticas públicas intensifica vulnerabilidades que, somadas à abordagem punitivista, ampliam o controle do Estado sobre os indivíduos sob sua custódia.
Os relatórios de inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) evidenciam a grave precariedade e insalubridade predominantes no sistema prisional. As análises apontam para estruturas arquitetônicas degradadas, celas superlotadas, úmidas e com pouca iluminação, além de alimentação insuficiente, ausência de atividades físicas e a disseminação do consumo de drogas. Além disso, a falta de higiene favorece o surgimento de epidemias e o desenvolvimento de enfermidades físicas e transtornos psicológicos.
Contrastando com o modelo tradicional, o método APAC promove de forma mais eficiente a individualização do acompanhamento do apenado na instituição. Isso se evidencia, sobretudo, no fornecimento semanal de serviços essenciais, como atendimento odontológico, assistência social e consultoria jurídica. Esta última pode ser prestada pela Defensoria Pública, por um advogado contratado pela instituição ou por advogados particulares. Nos presídios convencionais, entretanto, é totalmente inviável oferecer condições mínimas para atender às necessidades específicas de cada detento.
2.2 MÉTODO APAC: HISTÓRICO E PRINCÍPIOS
De acordo com o portal oficial da FBAC, a APAC surgiu em 1972, no presídio Humaitá, em São José dos Campos – SP, por iniciativa de voluntários cristãos liderados pelo advogado e jornalista Dr. Mário Ottoboni. Seu objetivo inicial era evangelizar e oferecer suporte moral aos detentos. A sigla representava “Amando o Próximo Amarás a Cristo”, e a falta de experiência no universo prisional permitiu o desenvolvimento de uma abordagem inovadora (BRASIL, 2023).
Em 1974, a Pastoral Penitenciária concluiu que apenas uma organização com estrutura jurídica poderia superar os desafios do ambiente prisional, dando origem à APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. A instituição, de direito privado e personalidade jurídica própria, visa à recuperação e reinserção social de condenados, auxiliando o Judiciário e o Executivo na execução penal e na gestão das sanções privativas de liberdade (ARANTES, 2025).
Cada APAC geralmente se filia à Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), responsável pela coordenação e fiscalização das associações. A FBAC, reconhecida como de utilidade pública, orienta, dá assistência e preserva a unidade de objetivos entre as APACs (BRASIL, 2023).
Para assegurar que seus objetivos sejam alcançados de forma coesa e eficaz, a instituição fundamenta-se em doze princípios fundamentais, que norteiam sua atuação e consolidam uma abordagem centrada na dignidade humana.
O primeiro princípio é a Participação da Comunidade, que enfatiza o envolvimento ativo da sociedade no processo de ressocialização, contribuindo para a superação de preconceitos e o fortalecimento do método. Em seguida, a Ajuda Mútua destaca o apoio entre os próprios recuperandos, especialmente por meio do Conselho de Sinceridade e Solidariedade, promovendo disciplina e segurança no ambiente prisional. O Trabalho é concebido como instrumento essencial para a reabilitação, embora sua eficácia dependa de ser integrado a outras frentes de atuação.
A Espiritualidade também ocupa papel central, promovendo uma vivência interior transformadora, sem imposição religiosa, como via para o desenvolvimento pessoal. A Assistência Jurídica, oferecida de forma gratuita aos recuperandos sem recursos, é um diferencial da APAC, garantindo acesso à justiça. No campo da saúde, a instituição assegura atendimento médico adequado, condição essencial para o bem-estar e a pacificação do ambiente prisional.
A Valorização Humana perpassa toda a metodologia apaqueana, resgatando a dignidade do indivíduo por meio de acolhimento integral e apoio psicopedagógico. O princípio da Família visa preservar os laços afetivos e evitar que a pena recaia de forma indireta sobre os familiares. O Voluntariado, estruturado sobre a gratuidade e capacitação prévia, atua como elemento de apoio emocional, educativo e social.
A estrutura física das APACs é organizada em Centros de Reintegração Social (CRS), que comportam até 200 recuperandos em um ambiente humanizado e próximo de suas famílias. O princípio do Mérito introduz a avaliação contínua do comportamento e do comprometimento do recuperando, orientando sua progressão no sistema penal. Por fim, a Jornada de Libertação com Cristo, um retiro espiritual de três dias, proporciona um marco simbólico e prático de recomeço, estimulando a reflexão e a mudança de vida.
A aplicação integrada desses doze princípios fundamentais permite à APAC oferecer um modelo alternativo e eficaz de cumprimento de pena, centrado na responsabilidade, no respeito à dignidade humana e na possibilidade concreta de reintegração social.
2.3 LEGISLAÇÃO RELEVANTE
Com o fim do regime autoritário, o Brasil vivenciou uma transição democrática que culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta nova ordem constitucional estabeleceu o país como Estado Democrático de Direito, gerando consequências diretas para o sistema de execução penal e definindo parâmetros claros para a atuação estatal na restrição de direitos individuais.
A evolução normativa prosseguiu quando o Poder Legislativo, mediante a Lei 15.299/2004, conferiu às APACs o reconhecimento oficial como entidades habilitadas a celebrar parcerias com o Poder Executivo, que passou a disponibilizar recursos orçamentários destinados à edificação e adequação de unidades prisionais sob gestão dessas associações.
O sistema APAC possui fundamentação jurídica sólida na Lei de Execução Penal (LEP) – Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, dependendo de autorização judicial para sua implementação. A Constituição Federal de 1988 consagra direitos fundamentais de eficácia imediata em seu artigo 5º, estabelecendo preceitos essenciais:
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado;
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral
(BRASIL, 1988, Art. 5º).
Estes preceitos constituem a essência fundante do ordenamento jurídico brasileiro e representam instrumentos fundamentais para a sustentação do arcabouço normativo institucional.
O Código Penal, em seus artigos 33 e subsequentes, juntamente com a Lei de Execução Penal (LEP), regulamenta as sanções privativas de liberdade. Entretanto, a efetividade dessa normativa é questionada diante das constantes denúncias de superlotação carcerária e deficiências do sistema prisional em assegurar as assistências previstas aos apenados.
Conforme dispõe o artigo 4º da Lei de Execução Penal nº 7.210/1984, “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança” (BRASIL, 1984). Esse dispositivo caracteriza-se como de caráter obrigatório, determinando a participação comunitária como elemento essencial na execução penal.
Segundo o artigo 32 do Código Penal, o sistema punitivo brasileiro classifica as sanções em privativas de liberdade, restritivas de direitos e pecuniárias. Considerando a modalidade sancionatória e o regime inicial determinado na sentença condenatória, o juiz da execução implementará as medidas adequadas para efetivação da condenação.
A Constituição Federal, ao vedar a prisão perpétua e a pena capital, estabelece que todos os custodiados eventualmente retornarão ao convívio social, carregando as experiências vivenciadas durante o encarceramento. O comportamento pós-carcerário refletirá as vivências adquiridas durante o cumprimento da pena, considerando que o ambiente exerce influência decisiva na formação do caráter humano.
Diante desse panorama, torna-se evidente que a mera existência de dispositivos legais progressistas não é suficiente para transformar a realidade do sistema prisional brasileiro. A efetividade das garantias constitucionais depende fundamentalmente de sua implementação prática e do cumprimento integral pelos órgãos responsáveis. Somente através da observância rigorosa dos preceitos normativos, aliada a métodos inovadores como o sistema APAC, será possível materializar os objetivos de ressocialização previstos em lei e promover uma verdadeira reforma do sistema penitenciário nacional.
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Divinópolis é uma cidade do Centro-Oeste de Minas Gerais, cuja população total é de 231.091 pessoas segundo dados do IBGE (2022). Ela possui três prédios destinados ao cumprimento da pena e das medidas socioeducativas de internação, sendo eles o Centro Sócio Educativo, o presídio Floramar e a APAC. Suas instalações ficam perante o outro, fazendo com que o bairro fique conhecido por isso e seja local de temor para o restante da população.
O Centro Sócio Educativo foi fundado em 6 de julho de 2007, sendo que mais de 1.330 jovens e adolescentes do sexo masculino passaram por lá até 2019 (NASSIF, 2019). Com uma número de vagas menor, cerca de 50, os adolescentes infratores possuem uma rotina mais controlada, tendo horários muito bem definidos e atividades na área de saúde, educação, bem-estar, etc. Por se amparar no Estatuto da Criança e do Adolescente, os direitos ali previstos são estendidos para o interior da unidade, sendo assegurados para que ele se torne um ambiente de ressocialização. No passado, o local era conhecido popularmente conhecido como “Florinha”, o que causava um estigma social naqueles que ali se encontravam, mas tal apelido caiu em desuso a partir das políticas de inclusão feitas por quem ali trabalha. Além disso, a instituição serve de modelo para outros Centros de Minas Gerais e do Brasil por conta de seu exemplo.
Inaugurado em 30/09/1998 (CRISP-UFMG, 2022), o Presídio Floramar conta com aproximadamente 700 detentos, porém possui apenas 547 vagas (AGÊNCIA MINAS, 2023), sendo um ambiente superlotado que contribui para a proliferação de doenças infectocontagiosas além de descumprir artigos da Lei de Execução Penal (7.210/1984), a qual afirma que:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
A superlotação do presídio de modelo tradicional causa um ambiente vulnerável e incerto para os trabalhadores ali presentes, pois se torna inviável a guarda e controle dessas pessoas.
Contrária à Floramar, a APAC se mostra um local de pertencimento e reeducação social, tendo como objetivo o cumprimento da pena de uma forma mais humanizada. Para a realização deste artigo, foi realizado um encontro com Karla Penha, responsável pelo Administrativo e Jurídico da instituição, que forneceu informações acerca da origem da APAC em Divinópolis e seus dados atualizados em 16 de abril de 2025.
Segundo ela, a ideia de se construir a APAC na cidade era antiga, datando a década de 1990. Porém, ao descobrirem que no bairro Manoel Valinhas seria construído uma “prisão”, vizinhos se manifestaram contra perante a Prefeitura e o Poder Judiciário, não tendo outra alternativa senão a de paralisar a obra recém começada. Anos depois a prefeitura cedeu um terreno para sua construção, localizada em frente ao Floramar e ao Centro Sócio Educativo, concretizando no imaginário municipal a ideia de “mais uma prisão”.
A obra foi inaugurada em 15 de fevereiro de 2023, porém considera-se a data de 23 de maio de 2023, que foi quando o primeiro recuperando foi recebido na instalação. O prédio recebeu o nome de Centro de Reintegração Social Dr. Mário Ottoboni, jurista fundador do método APAC, e conta atualmente com 104 homens, sendo 85 no regime fechado, 13 no trabalho semiaberto intramuros e 06 no regime semiaberto extramuros.
São realizadas semanalmente atendimentos jurídicos (advogados particulares ou Defensor Público), odontológicos e de assistência social, além dos atendimentos médicos, psicológicos, etc. Os dados são significativos, sendo 837 médicos, 773 odontológicos, 690 psicológicos, 764 jurídicos e 403 social. Além disso, a instituição conta com uma escola, tendo 76 alunos no ensino fundamental, 32 alunos no ensino médio, 18 no superior e 13 em cursos técnicos. Nesse mesmo sentido, há um grupo de leitura onde a cada resenha de um livro escrita há a remissão de 4 dias de pena. Essa resenha é corrigida pelos alunos do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais, e são feitas uma vez por mês.
Essa atenção e cuidado refletem no número de fuga: em dois anos, houve apenas duas tentativas. Outrossim, quanto à reincidência, os dados dos presídios convencionais brasileiros giram em torno de 80%, e as APAC’s 13,90%, e o custo per capita para se manter um preso no sistema comum é de R$4.777,00, tendo seu valor diminuído para R$ 1.518,14 nas APAC’s. Segundo Karla, esse dado reflete o modelo da instituição, que não conta com agentes armados, escolta armada, cães farejadores, Grupo de Intervenção Rápida e outras formas de policiamento ostensiva.
Por não contarem com policiais e agentes armados, a segurança é mantida pelos próprios recuperandos. Em nossa visita in loco, fomos recebidas pelo porteiro/segurança da instituição que é um reeducando. Na ala do sistema fechado, os portadores das chaves dos cadeados e os únicos autorizados a abri-los também são recuperandos. Essa responsabilidade é dada através do mérito de cada um, conquistado por meio de boas práticas no interior da instituição. Uma vez descumprindo qualquer regra – algumas mais brandas, como chegar atrasado, não cuidar de seu espaço pessoal, etc, e outras mais rígidas, principalmente de comportamento e socialização – toda a instituição é punida.
Dentro da instituição há uma padaria comandada pelos apenados, tendo uma demanda diária de 3.500 pães de sal que são destinadas a 3 empresas do bairro, além de eventos esporádicos no Fórum de Justiça de Divinópolis que optam por comprar da instituição. Há também o trabalho artesanal – tapetes de crochê, objetos entalhados na madeira, materiais reciclados – que são postos à venda nos dias de visitação. Além disso, há duas empresas parceiras que os empregam: uma do ramo do vestuário e outra de acessórios de beleza.
As visitas íntimas duram 24 horas, tendo um rodízio entre os apenados que são responsáveis pela limpeza das suítes. Já as visitas familiares acontecem aos sábados, e não há número máximo definido, podendo a entrada de crianças.
A experiência da APAC no município representa um marco na evolução das políticas de execução penal, demonstrando que a humanização do cumprimento da pena não apenas é possível, mas também mais eficaz e economicamente viável. Os resultados obtidos – com índices de reincidência de apenas 13,90%, custos reduzidos em mais de 60% e ausência de fugas significativas – comprovam que o modelo baseado na responsabilização, no trabalho e na educação oferece uma alternativa concreta ao atual sistema prisional brasileiro.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo demonstra a efetividade do método APAC, o qual representa uma alternativa viável e eficaz ao sistema penitenciário tradicional brasileiro pois fornecendo ferramentas sociais que possibilitem ao recuperando se inserir na sociedade ao final do seu cumprimento. Uma vez que ali dentro, o sujeito em cumprimento de pena conta com o atendimento de profissionais de diversas áreas, além de ser incentivado a frequentar uma escola de educação básica ou até mesmo uma instituição de ensino superior.
Os dados empíricos coletados na unidade de Divinópolis/MG comprovam a superioridade do modelo APAC em relação ao sistema convencional. Por ser uma instituição recente na cidade os dados referentes à ressocialização ainda são imprecisos, mas segundo Karla Penha, as expectativas são voltadas para a saída definitiva desses apenados de locais que facilitam o acesso a drogas e crimes em geral, possibilitando a inserção no mercado de trabalho e na sociedade divinopolitana.
A disparidade de custos entre o sistema prisional tradicional e o modelo APAC evidencia de forma marcante a superioridade deste último. Enquanto o sistema convencional registra índices de reincidência em torno de 80%, as APACs apresentam um índice significativamente inferior, de apenas 13,90%, comprovando sua eficácia no processo de ressocialização. Além disso, o custo per capita nas APACs é de R$ 1.518,14, bem abaixo dos R$ 4.777,00 observados no sistema prisional comum. Esses dados demonstram não apenas uma gestão mais eficiente, mas também uma clara racionalização dos recursos públicos, em conformidade com os princípios da economicidade e da eficiência, conforme estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal.
Do ponto de vista jurídico-constitucional, o método APAC materializa os preceitos fundamentais estabelecidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, particularmente o respeito à dignidade humana (inciso III), a integridade física e moral dos presos (inciso XLIX) e a individualização da pena. A ausência de agentes armados, a confiança depositada nos recuperandos e o ambiente humanizado contrastam com as condições degradantes frequentemente denunciadas no sistema prisional convencional, configurando verdadeiro cumprimento das determinações constitucionais.
A fundamentação legal do método encontra respaldo não apenas na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984, artigo 4º) a qual preconiza a cooperação da comunidade na execução penal, mas também na Lei 15.299/2004, que conferiu às APACs reconhecimento oficial para celebração de parcerias com o Poder Executivo. Essa evolução normativa demonstra o amadurecimento do Estado brasileiro na busca por alternativas ao modelo punitivo tradicional.
Os resultados obtidos em Divinópolis evidenciam que a implementação do método APAC transcende a mera custódia do apenado, promovendo efetiva reintegração social através da educação. Contudo, o estudo também revela desafios para a expansão do modelo, incluindo a necessidade de maior investimento público, capacitação de recursos humanos e mudança de paradigma cultural no âmbito da execução penal. A resistência ao modelo por parte da sociedade e do próprio sistema de justiça constitui obstáculo que demanda superação através de políticas públicas consistentes e fundamentadas em evidências científicas.
Conclui-se, portanto, que o método APAC não apenas se mostra compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, mas representa sua mais autêntica expressão no campo da execução penal. Ao priorizar a dignidade humana, a ressocialização efetiva e a redução da reincidência, o modelo APAC concretiza o ideal constitucional de um sistema de justiça que busca não apenas punir, mas transformar, reintegrar e prevenir.
A experiência de Divinópolis demonstra que é possível superar o paradigma meramente punitivo que tanto já foi imposto durante os últimos séculos e avançar em direção a um modelo de justiça restaurativa que honra tanto os direitos fundamentais dos apenados quanto os legítimos anseios de segurança pública da sociedade brasileira.
Mais do que uma simples mudança de estrutura física, a APAC propõe uma transformação cultural profunda, onde o apenado deixa de ser apenas objeto de punição para se tornar protagonista de sua própria ressocialização. Assim, esta instituição se consolida como referência nacional, evidenciando que o investimento na dignidade humana e na reintegração social constitui o caminho mais efetivo para a construção de uma sociedade mais justa e segura.
REFERÊNCIAS
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¹Graduanda em Direito de UNA campus Divinópolis, Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: thaisfgui@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da UNA. 2025. Orientador: Prof. Me. Eduardo César Russo Leal. Mestranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Graduada em História pela Universidade do Estado de Minas Gerais.
²Graduanda em Direito de UNA campus Divinópolis, Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: bianca.mouraferr@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da UNA. 2025. Orientador: Prof. Me. Eduardo César Russo Leal.