IMPLEMENTATION OF HOUSE ARREST DUE TO THE LACK OF ADEQUATE PENAL ESTABLISHMENTS: ANALYSIS OF THE APPLICATION OF HOUSE ARREST AS A PRECAUTIONARY MEASURE IN THE BRAZILIAN PRISON
SYSTEM
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506110004
Ana Júlia Neris de Oliveira2
Ana Carolina Marinho Marques3
RESUMO
O presente trabalho analisa a prisão domiciliar como alternativa ao encarceramento em estabelecimentos penais inadequados, considerando os fundamentos jurídicos previstos na Lei de Execução Penal (LEP) e no Código de Processo Penal (CPP), que permitem essa medida em casos específicos, como idade avançada, doença grave, gestação e responsabilidade por filhos menores. Além disso, aborda a evolução legislativa que ampliou as possibilidades de concessão da prisão domiciliar, como a Lei nº 13.769/2018 e o Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, que reforçam a importância de garantir condições dignas para o cumprimento de pena, em respeito aos princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena. O estudo também discute os desafios estruturais do sistema prisional brasileiro, como a superlotação e a falta de políticas de ressocialização, que comprometem os direitos fundamentais dos apenados e favorecem a violência e a reincidência. Por fim, são apresentadas propostas para melhoria do sistema, incluindo o uso de tornozeleiras eletrônicas, o fortalecimento das Comissões Técnicas de Classificação e a criação de políticas de reintegração social, visando reduzir a pressão sobre o sistema carcerário e promover uma execução penal mais justa e eficiente.
Palavras-chave: Prisão Domiciliar; Superlotação Carcerária; Direitos Fundamentais.
ABSTRACT
The present study analyzes home confinement as an alternative to incarceration in inadequate penal establishments, considering the legal foundations provided by the Brazilian Penal Execution Law (LEP) and the Code of Criminal Procedure (CPP), which allow this measure in specific cases, such as advanced age, severe illness, pregnancy, and responsibility for minor children. Additionally, it addresses the legislative evolution that expanded the possibilities for granting home confinement, such as Law No. 13,769/2018 and the Collective Habeas Corpus No. 143,641, which emphasize the importance of ensuring dignified conditions for serving sentences, in accordance with constitutional principles like human dignity and individualized punishment. The study also discusses the structural challenges of the Brazilian prison system, such as overcrowding and the lack of effective resocialization policies, which compromise the fundamental rights of inmates and contribute to violence and recidivism. Finally, it presents proposals for system improvement, including the use of electronic ankle monitors, the strengthening of Technical Classification Commissions, and the creation of social reintegration policies, aiming to reduce the pressure on the prison system and promote a fairer and more efficient penal execution.
Keywords: House Arrest; Prison Overcrowding; Fundamental Rights.
1 INTRODUÇÃO
O direito penal brasileiro concede ao Estado o monopólio do uso da força, ou seja, legítima o poder de coercibilidade, exercida através da prevenção, punição e reparação de fatos típicos praticados por civis.
Em outras palavras, podemos afirmar que o único detentor da exceção ao previsto no inciso XV da Constituição da República de 1988, que prevê o direito à liberdade de circulação, de ir e vir aos cidadãos, é o Estado. Poder este exercido através das sanções penais previstas no Código Penal. O presente trabalho abordará especificamente a sanção consistente em penas privativas de liberdade.
A partir da legitimação do poder Estatal de restringir a liberdade daqueles que vierem a cometer atos ilícitos, surgem desafios estruturais, como a superlotação e a ausência de estabelecimentos adequados para o cumprimento de pena de acordo com os regimes determinados judicialmente. Esse cenário, além de ferir princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a proibição de penas cruéis e degradantes, exige alternativas que assegurem os direitos dos apenados.
Nesse contexto, a prisão domiciliar emerge como uma solução para mitigar os danos da incapacidade estatal em garantir condições mínimas de cumprimento de pena. Contudo, sua aplicação deve ser pautada em critérios claros, observando os limites legais e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Deve-se, inicialmente, ressaltar a finalidade das penas previstas no Código Penal Brasileiro, que, ao contrário do senso comum no sentido de que estas são meramente um “castigo”, possui um caráter voltado à ressocialização. De maneira que, quando posto novamente em liberdade, o indivíduo passe a entender o porquê daquela pena a ele imposta, as consequências de seu ato e qual deverá ser a sua conduta a partir de então para com a sociedade.
Diante deste entendimento de que a pena deverá servir para devolver um indivíduo íntegro à sociedade, pode-se afirmar que um cenário degradante e vexatório caminha no sentido contrário a este fim. Portanto, deverão ser observados os direitos humanos básicos inerentes a todos os cidadãos, inclusive aqueles privados de sua liberdade.
É de conhecimento público o cenário caótico das penitenciárias brasileiras, que se encontram majoritariamente superlotadas, com taxas de ocupação que frequentemente superam a capacidade máxima dos estabelecimentos.
Essa realidade gera uma série de problemas, como a violência entre detentos, a falta de assistência médica, a inexistência de programas efetivos de ressocialização e a ausência de uma infraestrutura mínima. Além disso, a superlotação compromete a dignidade dos presos, que, muitas vezes, ficam em condições desumanas. A escassez de estabelecimentos penais adequados gera um quadro que justifica a adoção de alternativas ao encarceramento, como a prisão domiciliar.
A prisão domiciliar, encontra respaldo jurídico nos artigos 117 e 118 da Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210 de 1984, e no Código Penal, é uma medida cautelar que pode ser concedida em situações específicas. Quais sejam, para tratamento de saúde do detento, para gestantes, presos de idade avançada ou que possuam filhos menores que dele(a) dependam. Sua aplicação visa garantir que o preso cumpra a pena de maneira menos prejudicial, quando da inexistência de estabelecimento penal adequado.
Nos casos de superlotação ou condições inadequadas dos estabelecimentos penais, a implementação da prisão domiciliar pode ser considerada uma solução para evitar que o preso sofra danos irreparáveis. A implementação da prisão domiciliar, nesses casos, pode ser vista como uma medida mais humana, que respeita os direitos fundamentais do detento e contribui para a redução da pressão sobre o sistema penitenciário.
2 PRISÃO DOMICILIAR NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
A prisão domiciliar é uma medida alternativa à privação de liberdade que permite ao condenado ou investigado cumprir a pena ou medida cautelar em sua própria residência, em vez de permanecer em um estabelecimento prisional visto que a permanência lá se mostra inadequada ou desproporcional. Alexis Couto de Brito (2023) nomeia a prisão domiciliar como “regime aberto domiciliar”, sendo uma medida excepcional para permitir que determinadas pessoas, por motivos especiais e humanitários, possam cumprir sua pena em suas residências.
Dessa forma, as hipóteses de prisão domiciliar estão enumeradas no art. 117 da LEP: maior de 70 anos; acometido de doença grave; com filho menor ou deficiente físico ou mental; gestante. Brito (2023, p. 348) entende se tratar de rol exemplificativo “pela índole humanitária que a reveste”.
Além disso, o Código de Processo Penal (CPP) também regula a prisão domiciliar, especialmente em relação à prisão preventiva, permitindo a substituição em casos de extrema necessidade. O art. 318 do CPP estabelece que a prisão preventiva pode ser convertida em domiciliar se o agente for maior de 80 anos, estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave, for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência, estiver gestante a partir do sétimo mês ou em alto risco, entre outras hipóteses. Essa previsão demonstra a preocupação do legislador em resguardar a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental consagrado no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988.
Por outro lado, a aplicação da prisão domiciliar também enfrenta desafios significativos. Entre eles, destaca-se a necessidade de fiscalização adequada para garantir que o apenado cumpra as condições impostas, como a permanência no endereço fixado e a não reincidência em atividades criminosas. Além disso, o uso de tornozeleiras eletrônicas para monitoramento, embora tenha se mostrado eficaz em alguns contextos, apresenta limitações tecnológicas e logísticas que dificultam a sua implementação em larga escala no Brasil. Conforme Vianna:
É fundamental que as explicações sejam passadas oralmente e de forma didática ao condenado no momento da instalação do equipamento, pois muitos não sabem ler e o manual de instruções pouco ou nada lhe seria útil. É fundamental ainda que o dispositivo rastreador tenha um aviso visual e sonoro bastante claro indicando que a pulseira afastou-se demasiadamente dele ou que a bateria precisa ser carregada. A possibilidade de troca por uma bateria reserva também é importante, pois muitas vezes a autonomia da bateria é pequena e o condenado não dispõe de meios para recarregá-la em seu local de trabalho. (Vianna, 2012, p. 190).
Em resumo, a prisão domiciliar é uma medida que busca equilibrar a necessidade de punição com o respeito aos direitos humanos, oferecendo uma alternativa ao encarceramento que pode, em alguns casos, contribuir para a redução da superlotação carcerária e para a reintegração social dos apenados. No entanto, para que essa medida alcance seus objetivos, é fundamental que seja aplicada com critérios rigorosos e acompanhada de mecanismos eficientes de fiscalização, garantindo que não se transforme em uma forma de impunidade.
2.1 Conceito e Fundamentos jurídicos
Conforme tratado anteriormente a prisão domiciliar pode substituir o regime fechado ou preventivo como os previstos no art. 318, que incluem situações como idade avançada, enfermidade grave e gestação. Já a LEP, em seu art. 117, prevê a prisão domiciliar como forma de cumprimento de pena para condenados em regime aberto, desde que comprovada a impossibilidade de adaptação ao regime prisional por motivos de saúde, idade ou outras circunstâncias especiais.
Nesse sentido, a prisão domiciliar é uma medida que visa assegurar os direitos fundamentais dos apenados, oferecendo uma alternativa ao encarceramento tradicional em situações específicas. O fundamento jurídico está contido na Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210/1984, e o Código de Processo Penal (CPP), Decreto-Lei nº 3.689/1941.
O art. 117 da LEP estabelece que o condenado que cumpre pena em regime aberto pode ser autorizado a permanecer em prisão domiciliar quando atender a certas condições, como ser maior de 70 anos, estar acometido de doença grave, ser responsável por pessoa com deficiência ou criança menor de 12 anos, ou estar em estado de gestação. Essas hipóteses refletem a preocupação do legislador em garantir que a execução da pena respeite a dignidade da pessoa humana, levando em consideração fatores de saúde, idade e responsabilidade familiar.
Além disso, o CPP, em seu art. 318, amplia as possibilidades de concessão da prisão domiciliar, permitindo que presos provisórios tenham suas prisões preventivas substituídas em circunstâncias específicas, como idade avançada, extrema debilidade de saúde ou necessidade de cuidados especiais para filhos menores. Essa ampliação do escopo para presos preventivos foi um avanço significativo, introduzido pela Lei nº 12.403/2011, que reformou substancialmente o sistema de medidas cautelares no Brasil, priorizando alternativas à prisão para reduzir a superlotação carcerária e garantir maior respeito aos direitos fundamentais dos investigados.
Além das previsões legais, a aplicação da prisão domiciliar também encontra respaldo em princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), a proporcionalidade (implícito no art. 5º, caput, e art. 5º, inciso LIV, que garantem o devido processo legal e a proteção contra penas excessivas) e a razoabilidade (art. 5º, inciso LIV, e princípio implícito no ordenamento jurídico), que buscam assegurar que a sanção penal não se torne excessivamente onerosa, especialmente quando o condenado ou investigado apresenta condições especiais que justificam um tratamento diferenciado.
2.2 Evolução Legislativa e a individualização da pena
Ao longo das décadas, a evolução legislativa no Brasil tem se caracterizado por um movimento gradual em direção à humanização do sistema prisional. Um exemplo recente é a Lei nº 13.769/2018, que alterou o CPP para garantir às mulheres grávidas e mães de crianças pequenas a possibilidade de cumprir pena em regime domiciliar, mesmo antes do julgamento definitivo, caso não representem risco à sociedade. Essa mudança foi inspirada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, que determinou a concessão de prisão domiciliar para presas provisórias nessas condições, reforçando o princípio da proteção integral à criança previsto na Constituição Federal.
Essas mudanças refletem uma crescente conscientização sobre a importância de garantir condições mais dignas para os apenados, reconhecendo que a privação de liberdade deve ser utilizada com cautela, apenas quando estritamente necessária para a manutenção da ordem pública e para a segurança da sociedade.
Nesse sentido:
É evidente que a pena privativa de liberdade pessoal é em si mesma um mal: um mal para a pessoa sobre quem é imposta, mas também um mal para a sociedade constrangida a recorrer a ela, como mortificação pela falência da prevenção, falência da qual a pena é viva testemunha, com dispêndio de meios, com escassez de perspectiva de sucesso quanto à prevenção especial. Justamente por isso se propõe por meio da pena privativa de liberdade, como por meio da pena em geral, uma suposta finalidade educativa e socializante. Todavia, todos sabemos que a pena privativa de liberdade não nasceu de uma exigência de (re)educação ou de (res)socialização, mas sim de uma dupla intenção totalmente diversa: a necessidade de isolar o culpado da sociedade e a exigência de substituir com uma punição menos bárbara as penas desumanas, degradantes e extremas que marcaram por muito tempo o direito punitivo. Por quantos esforços se tenham feito e por quantos façamos sobre o terreno da humanização da pena detentiva e a favor de uma organização apta a assegurar-lhe uma função educativa, é certo que sobre este último aspecto a pena privativa de liberdade apresentará limites insuperáveis. Ela deverá procurar de todo modo absorver a finalidade de incremento, mas não poderá nunca ser prescrita como o melhor meio para realizar essa finalidade (Vassalli. Scritti giuridici, p. 1.628. t. 1. v. 2).
Nesse cenário a Comissão Técnica de Classificação (CTC) desempenha um papel fundamental no processo de individualização da pena no sistema prisional brasileiro. Conforme análise de Guilherme de Souza Nucci (2025) Até a edição da Lei 10.792/2003, essa comissão tinha a responsabilidade não apenas de elaborar o programa individualizador da pena, mas também de acompanhar a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, propondo progressões e regressões de regime, além de conversões de penas. No entanto, essa função foi significativamente reduzida com a mudança no art. 6º da Lei de Execução Penal (LEP), que limitou sua atuação à elaboração do programa inicial de cumprimento de pena, sem a mesma influência no processo de progressão de regime. Essa alteração foi justificada pela alegação de que os pareceres da comissão eram excessivamente padronizados e, portanto, pouco úteis para a análise individualizada do comportamento dos apenados, além de serem considerados subjetivos em alguns casos, o que poderia influenciar indevidamente as decisões dos juízes (NUCCI,2025).
Apesar dessas justificativas, muitos juristas, como Guilherme Nucci (2025), argumentam que essa mudança representou um retrocesso para o processo de individualização da pena. Segundo Nucci (2025), a retirada da CTC desse processo reduz a qualidade da análise sobre a evolução comportamental dos presos, tornando as decisões sobre progressão de regime excessivamente dependentes de atestados de conduta carcerária, que, em muitos casos, não refletem adequadamente o risco que um detento pode representar para a sociedade. Essa visão é reforçada pelo entendimento de que a individualização da pena é um princípio fundamental do direito penal, garantido pela Constituição Federal, e que não pode ser restringido por normas administrativas que limitam a discricionariedade do magistrado. Conforme o autor:
Por isso, o STF e o STJ contornaram o disposto no mencionado art. 112, § 1.º, da Lei de Execução Penal, para permitir que o juiz requisite o exame criminológico, quando considerar necessário, especialmente quando se tratar de autores de crimes violentos, para avaliar a progressão de regime ou obtenção de livramento condicional. A posição adotada pelas Cortes Superiores foi bem equilibrada, afinal, nem todos os casos precisam de exame criminológico, mormente quando se trata de autor de delito não violento, muitas vezes com reduzidas penas a cumprir. (NUCCI, 2025, p. 24).
Essa interpretação visa garantir que o processo de individualização da pena seja baseado em uma análise mais aprofundada do comportamento do condenado, incluindo fatores psicológicos e sociais que possam influenciar sua capacidade de reintegração à sociedade.
Em conclusão, a evolução legislativa que ampliou as possibilidades de concessão da prisão domiciliar e reformou o papel da Comissão Técnica de Classificação reflete uma tentativa de equilibrar a necessidade de punição com a proteção dos direitos fundamentais dos apenados. No entanto, essas mudanças também destacam os desafios enfrentados pelo sistema penal brasileiro, que precisa conciliar eficiência administrativa com respeito aos princípios constitucionais, como a individualização da pena e a dignidade da pessoa humana. Para que essas medidas sejam eficazes, é essencial que o processo de execução penal seja conduzido de forma criteriosa, considerando não apenas os aspectos formais da legislação, mas também as particularidades de cada caso, garantindo que a justiça seja aplicada de forma justa e proporcional, sem comprometer a segurança pública.
2.3 Princípios Constitucionais aplicáveis
A implementação da prisão domiciliar como alternativa à ausência de estabelecimentos penais adequados envolve a aplicação de diversos princípios constitucionais que orientam a execução penal no Brasil. Esses princípios não apenas asseguram a legalidade das medidas adotadas pelo sistema de justiça, mas também garantem que os direitos fundamentais dos apenados sejam respeitados durante o cumprimento de suas penas.
Um dos pilares dessa discussão é o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esse princípio é central para a execução penal, pois impede que a administração penitenciária ou o próprio Poder Judiciário imponham restrições ou condições ao cumprimento da pena que não estejam expressamente previstas em lei. Como observa Brito (2023), a execução penal deve ser guiada pelo princípio da legalidade para que os direitos dos presos sejam preservados e para que as limitações impostas durante o cumprimento da pena tenham respaldo legal. Isso significa que a concessão de prisão domiciliar em razão da ausência de estabelecimentos adequados não pode ser negada com base em critérios subjetivos ou interpretações pessoais, devendo sempre observar os requisitos expressos no ordenamento jurídico.
Outro princípio fundamental é o princípio da humanidade, garantido pelo art. 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal, que proíbe penas cruéis, degradantes e desumanas. Esse princípio também é reforçado pelas Regras de Mandela, que estabelecem padrões mínimos para o tratamento de presos em nível internacional, e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que em seu art. 5º, item 2, estabelece que “toda pessoa privada de liberdade será tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”. Conforme Brito (2023), a execução da pena deve ser guiada pelo respeito à integridade física e moral do preso, garantindo que a privação de liberdade não se transforme em um sofrimento desnecessário ou cruel.
A ausência de estabelecimentos penais adequados pode resultar em situações que violam diretamente esse princípio, como a superlotação, a falta de higiene e o risco constante de violência, justificando, portanto, a concessão de prisão domiciliar como uma forma de garantir o respeito à dignidade humana.
Conforme a doutrina:
A superlotação carcerária é uma forma direta de tratamento desumano, e assim vem sendo considerada pelos tribunais internacionais como tortura. Ser confinado em uma cela pequena com várias outras pessoas, por 8, 10, até mesmo 16 horas por dia pode levar uma pessoa à loucura, pela ociosidade forçada e pela falta de privacidade, que afetam a saúde mental e comumente conduzem à depressão. (Brito, 2023, p. 378)
O princípio da individualização da pena é outro fundamento central nesse contexto. Previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, esse princípio determina que cada condenado deve receber um tratamento penitenciário adequado às suas características pessoais, antecedentes e comportamento durante a execução da pena. A individualização não se limita à fase do julgamento, mas deve se estender à fase executória, permitindo que cada preso tenha suas necessidades e circunstâncias avaliadas de forma única. Brito (2023) destaca que a execução penal deve ser adaptada ao perfil do condenado, garantindo que ele receba a atenção necessária para sua reintegração social, algo que é inviável em ambientes superlotados e insalubres, onde os presos são tratados de forma homogênea e indiferenciada. A própria Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) reforça essa orientação em seu art. 6º, que prevê a elaboração de programas individualizadores para os apenados.
Além desses, o princípio da jurisdicionalidade assegura que a execução da pena não seja tratada meramente como uma questão administrativa, mas como um processo jurisdicional, sujeito ao devido processo legal, conforme o art. 5º, incisos LIII e LIV, da Constituição Federal, que garantem que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Esse princípio garante que todas as decisões que afetam a liberdade e os direitos dos presos sejam tomadas por um juiz competente, com a devida observância ao contraditório e à ampla defesa. Como aponta Brito (2023), o devido processo legal na execução penal é uma garantia essencial para evitar abusos e arbitrariedades, assegurando que a privação de liberdade seja aplicada de forma justa e proporcional.
Por fim, o princípio da intranscendência da pena estabelece que a sanção penal não pode ultrapassar a pessoa do condenado, conforme o art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, que determina que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Esse princípio impede que familiares e outras pessoas próximas ao condenado sofram as consequências diretas de sua punição, reforçando a ideia de que a pena deve ser pessoal e intransferível. No contexto da prisão domiciliar, esse princípio se manifesta na necessidade de garantir que o cumprimento da pena não resulte em privação indevida de direitos para aqueles que convivem com o apenado, como filhos menores ou pessoas idosas que dele dependem.
Em resumo, a implementação da prisão domiciliar como alternativa aos estabelecimentos penais inadequados deve ser orientada por uma série de princípios constitucionais que garantem a legalidade, a dignidade humana, a individualização da pena, a jurisdicionalidade e a intranscendência da sanção. Esses princípios não apenas asseguram o respeito aos direitos fundamentais dos apenados, mas também promovem uma execução penal mais justa, humanizada e eficiente, alinhada aos valores fundamentais do Estado Democrático de Direito.
3 SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
A superlotação é um dos principais problemas enfrentados pelo sistema carcerário brasileiro. Foi realizado estudo pela Secreta Nacional de Políticas penais (SENAPPEN) por meio do 14º Ciclo de Levantamento de Informações Penitenciárias com dados que dizem respeito ao primeiro semestre de 2023, os dados informam que o sistema prisional brasileiro apresenta uma população carcerária total de 644.305 presos em celas físicas, distribuídos em 481.835 vagas. Esse cenário evidencia um déficit de 162.470 vagas, refletindo o profundo desequilíbrio entre a capacidade instalada e o número de detentos.
A superlotação compromete a qualidade de vida dos detentos e dificultando a ressocialização. Esse déficit estrutural resulta em condições de confinamento degradantes, que violam direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e por tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e as Regras de Mandela da ONU. Conforme PACELLI (2015, p. 37):
Para logo, pode-se insinuar que a pena privativa de liberdade no Brasil, no que toca ao regime penitenciário de seu cumprimento, não atende às determinações constitucionais e nem legais pertinentes (Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84). A multidão carcerária e as condições precaríssimas da coexistência entre os presos atentam contra a dignidade humana. (…) Passa da hora de a discussão sobre a pena privativa de liberdade se livrar do ranço maniqueísta, como se fosse uma luta entre o bem e o mal, na qual, partindo-se da responsabilidade pessoal daquele que pratica o crime, devem-se aceitar quaisquer tipos de castigos ao culpado.
Ademais, conforme o mesmo Relatório de Informações Penais (RELIPEN) a população carcerária brasileira é predominantemente masculina, com 616.930 homens e 27.375 mulheres, revelando uma diferença significativa entre os gêneros. Essa disparidade reflete padrões criminais distintos, mas também indica que as políticas penais têm impactos diferentes para homens e mulheres, exigindo abordagens específicas para cada grupo.
Além do impacto direto nas condições físicas dos presos, a superlotação também compromete a segurança das unidades prisionais, sobrecarrega os agentes penitenciários e dificulta a implementação de programas de ressocialização. Esse cenário favorece a formação e o fortalecimento de facções criminosas, que encontram nas prisões um ambiente propício para recrutamento e organização. Essas facções, por sua vez, ampliam sua influência dentro e fora dos presídios, agravando a violência e dificultando os esforços de reintegração dos apenados à sociedade.
Outro dado preocupante informado pelo RELIPEN é o elevado número de presos provisórios, que totalizam 180.167 indivíduos, representando uma parcela significativa da população carcerária. Esses detentos aguardam julgamento, muitas vezes por períodos prolongados, sem que tenha sido comprovada sua culpa, o que evidencia a morosidade do sistema judiciário e a aplicação excessiva da prisão preventiva como medida cautelar.
A crise de superlotação também está diretamente ligada a fatores econômicos e sociais. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, 69,1% das pessoas encarceradas no Brasil são negras, categoria que inclui pretos e pardos. Esse percentual representa um aumento significativo em relação a 2005, quando era de 58,4%. Esse crescimento evidencia a presença do racismo estrutural no sistema de justiça criminal brasileiro. Além disso, em relação à escolaridade, 44% dos presos não completaram o ensino fundamental, e outros 6% sequer chegaram a ter qualquer nível de educação formal, fato esse que dificulta a reinserção do indivíduo no mercado de trabalho após o cumprimento da pena.
Portanto, a maioria dos detentos no Brasil é composta por jovens, negros e pessoas de baixa renda, refletindo as desigualdades sociais que permeiam o sistema de justiça criminal brasileiro. Os dados do Relatório de Informações Penais (RELIPEN) do primeiro semestre de 2023 revelam que uma parcela significativa da população carcerária brasileira cumpre pena por crimes relacionados à Lei de Drogas. Aproximadamente 200 mil detentos estão presos por delitos como tráfico de drogas, tráfico internacional e associação para o tráfico, representando cerca de 31% do total de presos no país. Dentre esses, o tráfico de drogas é o mais prevalente, com 137.936 pessoas encarceradas por essa prática, o que equivale a 84,1% do grupo. Assim, uma parte substancial da população carcerária é formada por pequenos traficantes, frequentemente oriundos de contextos sociais vulneráveis.
Além disso, segundo o mesmo relatório, os crimes contra o patrimônio, como furto e roubo, também são comuns entre os detentos. Estudos indicam que quase 40% dos crimes cometidos no Brasil são patrimoniais, frequentemente associados a fatores socioeconômicos, como a falta de emprego e oportunidades. Somando-se aos crimes relacionados ao tráfico de drogas, estima-se que cerca de 70% da população carcerária esteja presa por delitos de natureza econômica, o que evidencia a influência de questões sociais e econômicas no encarceramento em massa no país.
Portanto, o problema da superlotação carcerária necessita de medidas para modernizar o atual sistema de justiça por meio do uso de penas alternativas e políticas sociais para redução da criminalidade visto que grande parte da população carcerária responde por crimes não violentos. Dessa forma, buscar-se-á pela mudança dos índices e a quebra do atual ciclo de violência e reincidência.
3.1 Causas e Consequências
A superlotação carcerária é um dos problemas mais graves do sistema prisional brasileiro, refletindo não apenas falhas estruturais, mas também questões sociais, políticas e econômicas que impactam diretamente a forma como a justiça penal é aplicada. Esse fenômeno é causado por uma série de fatores que se interligam, resultando em graves consequências para os detentos, o sistema de justiça e a sociedade em geral. Conforme Brito (2023):
As condições do sistema prisional brasileiro estão longe de serem ideais, e, na verdade, excedem em muito a produção de maus-tratos aos condenados ou submetidos à prisão, tanto que o STF já reconheceu o estado inconstitucional do sistema penitenciário. Um dos problemas que pode acarretar o agravamento de todos os demais desrespeitos aos direitos da pessoa presa é a superlotação carcerária. Esta condição prejudica o direito à intimidade, à comunicação, ao trabalho e a praticamente todos os direitos relacionados ao tempo de restrição da liberdade, seja dentro ou fora da cela. (Brito, 2023, p. 43).
A superlotação carcerária no Brasil encontra forte oposição tanto no arcabouço legal nacional quanto nos tratados internacionais de direitos humanos. As Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas da ONU, também conhecidas como Regras de Mandela, estabelecem em seu art. 9 que as celas destinadas ao descanso noturno não devem ser ocupadas por mais de um recluso, exceto em casos excepcionais, como superlotação temporária, situação que deve ser evitada ao máximo. O art. 10 dessas mesmas regras reforça que as instalações destinadas aos detentos devem atender a todos os requisitos de higiene e saúde, incluindo ventilação adequada, espaço mínimo para movimentação e condições climáticas apropriadas para a dignidade humana. Da mesma forma, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu art. 5º, item 2, determina que “toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”, reiterando a importância do tratamento humanizado dos detentos.
No âmbito nacional, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso III, veda a tortura e os tratamentos desumanos ou degradantes, estabelecendo um padrão mínimo de dignidade que deve ser respeitado em todas as etapas da execução penal. Além disso, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) reforça essa exigência ao prever, em seu art. 85, que os estabelecimentos penais devem ter lotação compatível com sua estrutura e finalidade, enquanto o art. 88, parágrafo único, letra “a”, exige que o ambiente prisional seja salubre, garantindo aeração, insolação e condicionamento térmico adequados para a preservação da saúde e dignidade dos detentos.
Esses dispositivos legais, nacionais e internacionais, formam um conjunto robusto de normas que repudiam expressamente a superlotação carcerária, reconhecendo que essa prática compromete não apenas a dignidade dos apenados, mas também a segurança pública e a eficácia do sistema de justiça penal como um todo.
Entre as principais causas da superlotação está a aplicação excessiva da prisão preventiva. Embora deva ser utilizada como medida excepcional, a prisão preventiva se tornou uma prática comum no Brasil, muitas vezes aplicada de forma indiscriminada e prolongada. Conforme a doutrina:
A banalização da prisão preventiva é um grave problema que compromete a efetividade do sistema penal, pois leva à privação da liberdade de indivíduos antes mesmo da comprovação de sua culpa, ferindo o princípio da presunção de inocência. (Renato Brasileiro de Lima, 2021, p. 300).
Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2024, uma parte significativa da população carcerária brasileira é composta por presos provisórios, que aguardam julgamento por longos períodos sem que tenha sido comprovada sua culpa. Essa prática viola o princípio da presunção de inocência e sobrecarrega as unidades prisionais, que acabam abrigando pessoas que poderiam estar respondendo em liberdade ou em regimes alternativos.
Outro fator importante é a criminalização desproporcional de crimes relacionados às drogas. Desde a promulgação da Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, o número de presos por tráfico aumentou consideravelmente conforme o Anuário de Segurança Pública de 2024. Embora essa legislação tenha sido criada para diferenciar usuários de traficantes, na prática, muitos pequenos traficantes acabam sendo condenados a longas penas, contribuindo significativamente para o aumento da população carcerária (Lima, 2021).
Além disso, a morosidade do sistema judiciário agrava a superlotação. Processos que deveriam ser rápidos acabam se arrastando por anos, mantendo presos provisórios e condenados em condições precárias. Segundo o relatório Justiça em Números 2023, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o tempo médio entre o oferecimento da denúncia e o julgamento em primeira instância na Justiça Estadual é de aproximadamente 2 anos e 9 meses, enquanto na Justiça Federal esse prazo é ainda maior, alcançando cerca de 3 anos e 1 mês. Esses dados demonstram que os processos penais no Brasil frequentemente ultrapassam o prazo razoável de duração estabelecido pelo art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, que assegura a todos “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A falta de acesso à defesa jurídica adequada e a demora na análise de recursos e pedidos de progressão de regime também contribuem para esse cenário, criando um ciclo de aprisionamento prolongado que desafia a capacidade do Estado de gerenciar o sistema prisional de forma eficiente.
As consequências da superlotação carcerária são amplas e profundamente negativas. Conforme Lima (2021), em primeiro lugar, ela compromete a dignidade dos detentos, que são mantidos em celas superlotadas, sem acesso adequado a serviços básicos de saúde, alimentação e higiene. Essa situação viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena, previstos na Constituição Federal. Além disso, as condições degradantes dos presídios brasileiros favorecem a disseminação de doenças, como tuberculose, HIV e outras infecções, que se espalham rapidamente em ambientes insalubres e mal ventilados (Lima, 2021).
A superlotação carcerária não é apenas um problema estrutural, mas também uma violação direta dos direitos humanos, como reconhecido em diversas decisões de tribunais internacionais. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso Kalashnikov v. Rússia (TEDH, 2002), concluiu que a superlotação pode, por si só, constituir tratamento desumano e degradante, em violação ao art. 3º da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, que proíbe a tortura e tratamentos cruéis. Nesse caso, o tribunal considerou que, mesmo na ausência de intenção deliberada de causar sofrimento, às condições extremas de superlotação já representam uma forma de degradação e humilhação, incompatíveis com o respeito à dignidade humana (SMIT. Humanizing Imprisonment: a European Project? European Journal on Criminal Policy and Research, p. 111).
Da mesma forma, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem reiteradamente condenado as condições de superlotação como violações aos direitos fundamentais. Em casos como Cantoral Benavides vs. Peru (2000), Boyce e outros vs. Barbados (2007), Bueno Alves vs. Argentina (2007) e Velez Loor vs. Panamá (2010), a corte reconheceu que ambientes superlotados prejudicam funções essenciais dos centros penitenciários, como a saúde, higiene, segurança, educação e trabalho dos detentos, além de comprometer a integridade física e psicológica tanto dos presos quanto dos funcionários que atuam nesses locais. Em particular, no caso Velez Loor vs. Panamá, a corte enfatizou que a superlotação não apenas deteriora as instalações físicas, mas também favorece a violência intracarcerária e compromete gravemente a capacidade de ressocialização dos apenados, resultando em uma violação ampla dos direitos humanos fundamentais (Velez Loor vs. Panamá, sentença de 23 de novembro de 2010, § 204, p. 65).
A superlotação também facilita a formação e o fortalecimento de facções criminosas. Em presídios lotados, onde os recursos e o controle do Estado são limitados, essas organizações encontram terreno fértil para recrutar novos membros e consolidar seu poder. Esse processo não apenas aumenta a violência dentro dos presídios, mas também amplia a influência dessas facções nas comunidades externas, onde seus membros continuam a operar mesmo após a prisão (Lima, 2021).
Além disso, a superlotação reduz significativamente as chances de ressocialização dos apenados. Em ambientes superlotados e violentos, é praticamente impossível implementar programas de educação, qualificação profissional e apoio psicológico, que são essenciais para a reintegração dos presos à sociedade. Como resultado, muitos detentos acabam reincidindo no crime após a soltura, perpetuando o ciclo de criminalidade e violência que afeta diretamente a segurança pública (Brito, 2023).
Por fim, a superlotação compromete a credibilidade do sistema de justiça. Quando o Estado não consegue garantir condições mínimas para o cumprimento da pena, ele falha em sua responsabilidade de promover a justiça e a segurança pública, gerando desconfiança na população e nos próprios apenados em relação ao sistema penal. Essa situação exige uma resposta urgente, que inclua não apenas a construção de novas unidades prisionais, mas também a adoção de penas alternativas, a reforma das políticas de encarceramento e a promoção de políticas sociais que possam reduzir as taxas de criminalidade de forma sustentável.
3.2 Violação de Direitos Fundamentais
A superlotação carcerária no Brasil configura uma grave violação dos direitos fundamentais dos apenados. A dignidade da pessoa humana, princípio basilar do Estado Democrático de Direito, é frequentemente ignorada em ambientes prisionais superlotados, onde os detentos são submetidos a condições desumanas, sem acesso adequado a serviços básicos de saúde, alimentação e higiene. Essas condições não apenas violam o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que garante a dignidade humana como fundamento do Estado, mas também contrariam tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como as Regras de Mandela e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Conforme Nucci, o respeito à integridade física e moral dos presos é um dos princípios mais polêmicos, como expressa em sua análise:
Determina-se o respeito à integridade física e moral dos presos e assegura-se às presidiárias as condições para permanecer com seus filhos durante a etapa de amamentação. Este é um dos princípios mais polêmicos, tendo em vista a superlotação dos estabelecimentos penais e a falta de empenho do Poder Executivo em resolver essa situação. O Judiciário tem trabalhado sempre em posição de risco, lidando com caóticos cenários e buscando aplicar as normas penais, processuais penais e de execução penal da maneira mais abrangente possível. (Nucci, 2025, p. 2)
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 347, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, em 2015, declarou que o sistema prisional brasileiro configura um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional”. Essa decisão foi fundamentada nas condições degradantes a que os detentos são submetidos, caracterizadas pela superlotação, falta de higiene, violência e ausência de tratamento digno, todas em desacordo com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caracterizado como “estado de coisas inconstitucional”.
A situação se agrava com a falta de acesso à justiça. Muitos presos, especialmente os provisórios, ficam esquecidos em celas superlotadas sem acesso a defesa jurídica adequada, resultando em longos períodos de encarceramento sem julgamento. Essa realidade viola o direito ao devido processo legal e ao julgamento célere, princípios fundamentais de qualquer sistema de justiça democrático, previstos no art. 5º, incisos LIV e LXXVIII, da Constituição Federal. A lentidão do sistema judicial e a falta de assistência jurídica eficiente transformam a prisão preventiva, que deveria ser uma medida excepcional, em uma antecipação de pena, prejudicando gravemente os direitos fundamentais dos detentos.
Além disso, a superlotação compromete o princípio da individualização da pena, que exige que cada condenado seja tratado de acordo com as circunstâncias de seu crime e sua situação pessoal, conforme previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Em ambientes superlotados, essa diferenciação se torna praticamente impossível, resultando em penas desproporcionais e tratamentos desiguais. Como destaca a doutrina:
A partir do momento em que se colocam os que mereceriam os regimes semiaberto e aberto no regime fechado, é evidente que o sistema não poderá dar a atenção necessária e controlar devidamente os estabelecimentos. Daí, diante da superlotação dos estabelecimentos fechados, cria-se o “superfechado”, construindo igualmente estabelecimentos ainda mais rigorosos em termos de segurança. (Brito, 2023, p. 243).
Dessa forma, muitas vezes a situação é invisível para a sociedade. Como observa Nucci, “a falta de Casas do Albergado em vários Estados ou a superlotação de inúmeros estabelecimentos penais, termina por agir de maneira imperceptível aos meios de comunicação.” (Nucci, 2025, p. 95). Esse isolamento institucional impede que a sociedade compreenda plenamente a gravidade da crise carcerária, dificultando a implementação de políticas públicas que possam efetivamente humanizar o sistema prisional e garantir o respeito aos direitos fundamentais dos apenados.
3.3 Impacto na Segurança Pública
A superlotação dos presídios brasileiros tem impactos diretos e indiretos na segurança pública, tanto dentro quanto fora das unidades prisionais. Internamente, as condições degradantes dos presídios favorecem o fortalecimento de facções criminosas, que utilizam esses ambientes para recrutar novos membros, planejar crimes e consolidar seu poder. Essas organizações se beneficiam do caos e da falta de controle dentro das unidades prisionais, ampliando sua influência no crime organizado. Em muitos casos, os presídios se tornam verdadeiros centros de comando, de onde líderes de facções articulam operações criminosas que se estendem para além dos muros das penitenciárias, utilizando celulares, visitas e outros meios para manter contato com seus subordinados. Dessa forma:
O poder das facções só vai ser reduzido quando se enfrentar aquilo que produziu esses grupos. Enquanto se apostar apenas na repressão a eles com polícia, com regime duro, com armas, bombas (…) não vai ter nenhum tipo de avanço. Tem que enfrentar as causas. A causa primária é a superlotação e as péssimas condições das prisões. Enquanto as prisões continuarem sendo celeiros de grupos criminais, a gente não vai resolver o problema. Vai se apagar o incêndio e daqui um ano ou seis meses, a gente vai estar falando de novo do assunto porque uma nova crise está acontecendo e é assim, cíclico. Eu estudo o PCC desde 2007 e é sempre assim. Ninguém fala no assunto, sobre as prisões. Quando acontece alguma coisa, as razões são as mesmas, mudam os atores, mudam os lugares e ampliam alguns grupos, como PCC, outros desaparecem. Mas a semente, a origem dos conflitos, o efeito que eles produzem de violência sempre são similares.[4] (Nunes, 2023)
Além disso, a superlotação impede a separação adequada dos detentos com diferentes perfis criminais, como presos provisórios, condenados por crimes graves e apenados por delitos de menor potencial ofensivo. Essa mistura heterogênea facilita a cooptação de presos mais vulneráveis por organizações criminosas, que oferecem proteção em troca de lealdade e participação em suas atividades. Esse processo, conhecido como “batismo” ou “afiliação”, é uma das principais causas do fortalecimento das facções no Brasil, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que expandiram significativamente seu poder nos últimos anos (Brito, 2023). Conforme a doutrina;
Ninguém ignora a situação falimentar do sistema penitenciário. Os equipamentos prisionais estão esgotados e não suportam a enorme carga de sua clientela. O Estado-Administração – que deve estar presente também na execução da pena – oferece um espetáculo deprimente: os cárceres acanhados e imundos abrigam seres humanos, colados uns aos outros. Não há o espaço mínimo que se exige em torno de qualquer pessoa: o movimento corporal sofre uma redução máxima e a privacidade é zero. São, na realidade, jaulas em que se obrigam às pessoas o ato de entredevorar-se. É essa a realidade, sem panos quentes, nem acomodações, do sistema prisional. Não causaria surpresa que, nesse terreno tão fértil, surgissem facções criminosas que lutam pelo domínio dos presídios e que deles tomam conta internamente, projetando-se inclusive extramuros. (Brito, 2023, p. 12).
Externamente, a superlotação reduz as chances de ressocialização dos apenados, que ao deixarem o sistema prisional, enfrentam estigmatização e dificuldades para se reintegrar à sociedade (Brito, 2023). A falta de oportunidades de emprego, a discriminação social e a ausência de políticas públicas de reintegração agravam essa situação, criando um ciclo de reincidência que perpetua a violência e o crime. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), divulgou em 2022 um relatório inédito sobre reincidência criminal no país. O estudo analisou dados de aproximadamente 979 mil internos entre 2010 e 2021, considerando diferentes critérios de reincidência. Dependendo da definição utilizada, a taxa de reincidência em até cinco anos após a saída do sistema prisional varia entre 33,5% e 41,9%.
Além disso, a falta de políticas eficazes de reintegração social e a ausência de apoio psicológico e educacional para os egressos contribuem para a perpetuação desse ciclo. A falta de qualificação profissional e o estigma social associado ao passado criminal dificultam o retorno ao mercado de trabalho, empurrando muitos egressos de volta ao crime como forma de sobrevivência. Sem apoio para reconstruir suas vidas fora do crime, esses ex-detentos acabam se tornando presas fáceis para as facções criminosas, que se aproveitam dessa vulnerabilidade para reforçar suas fileiras (Brito, 2023).
Para romper com esse padrão, é essencial que o sistema penal adote uma abordagem mais humanizada, que não apenas puna, mas também ofereça oportunidades reais de reabilitação. Isso inclui a criação de programas de educação, capacitação profissional, apoio psicológico e reintegração social, que possam oferecer alternativas ao crime e reduzir as taxas de reincidência. Além disso, a adoção de penas alternativas, como o uso de tornozeleiras eletrônicas e a ampliação da aplicação da prisão domiciliar, pode ajudar a aliviar a pressão sobre o sistema prisional e criar um ambiente mais propício à recuperação dos apenados.
Em resumo, a superlotação dos presídios brasileiros não é apenas uma questão de infraestrutura, mas um problema estrutural que afeta diretamente a segurança pública. Para enfrentar esse desafio, é necessário um esforço conjunto entre o poder público, a sociedade civil e o sistema de justiça, com foco na prevenção, reintegração e humanização do cumprimento de penas
4 DA IMPLEMENTAÇÃO DA PRISÃO DOMICILIAR COMO ALTERNATIVA AOS ESTABELECIMENTOS INADEQUADOS
A reforma do sistema carcerário brasileiro é uma necessidade urgente para garantir o respeito aos direitos humanos e a eficiência do sistema de justiça. O modelo atual, marcado pela superlotação, violência e altas taxas de reincidência, demonstra que o encarceramento em massa não é uma solução eficaz para a redução da criminalidade. Conforme Nucci:
O isolamento na cela ou em local adequado menciona que o preso, em regime fechado, como punição, será mantido isolado em sua própria cela. Não fosse trágico, seria risível. Na imensa maioria dos presídios brasileiros, não há cela individual, como determina esta Lei (art. 88, caput). Os presos são mantidos em celas coletivas e, pior, em muitos locais, superlotadas. Como se pode isolar na própria cela, quem nunca teve cela individual? A cela escura é vedada (art. 45, § 2.º, LEP), logo, a única solução seria o presídio manter uma cela comum individual para inserir presos sancionados com base no inciso IV deste artigo. É outra solução rara, justamente pela superlotação dos presídios que abrigam o regime fechado. (Nucci, 2025, p. 82)
Para que as medidas alternativas, como a prisão domiciliar, se tornem viáveis e eficazes, é necessário um investimento significativo em infraestrutura, tecnologia e políticas de reintegração social (Brito, 2023).
A prisão domiciliar tem se consolidado como um importante alternativo ao encarceramento tradicional visando também a individualização da pena, conforme Renato Marcão essa medida no caso da prisão cautelar possui como vantagens:
1º) restringir cautelarmente a liberdade do indivíduo preso em razão da decretação de prisão preventiva, sem, contudo, submetê-lo às conhecidas mazelas do sistema carcerário; 2º) tratar de maneira particularizada situações que fogem da normalidade dos casos e que, em razão disso, estão a exigir, por questões humanitárias e de assistência, o arrefecimento do rigor carcerário; 3º) reduzir o contingente carcerário, no que diz respeito aos presos cautelares; e 4º) reduzir as despesas do Estado advindas de encarceramento antecipado. Permite, ainda, respeito à integridade física e moral do preso (CF, art. 5º, XLIX), bem como assegurar às mulheres presas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (CF, art. 5º, L), além de evitar que em certos casos ocorra tratamento desumano (CF, art. 5º, III). (Marcão, 2011, p. 74)
Essa medida, prevista na Lei de Execução Penal (LEP) e no Código de Processo Penal (CPP), oferece uma solução viável para a crise de superlotação que afeta os presídios brasileiros, onde a precariedade das instalações e a ausência de condições mínimas para a dignidade humana são problemas estruturais persistentes. Ao permitir que apenados e presos provisórios cumpram suas penas em suas próprias residências, a prisão domiciliar busca mitigar os efeitos negativos do encarceramento em massa e promover uma abordagem mais humanizada da justiça penal.
Nesse sentido, existem fortes discussões na doutrina sobre o rol de hipóteses do artigo 117 da LEP ser taxativo ou exemplificativo, tendo a doutrina e a jurisprudência no Brasil se aproximado do entendimento de ser um rol meramente exemplificativo, aceitando outros casos não listados. BRITO (2023, p. 348) entende se tratar de rol exemplificativo “pela índole humanitária que a reveste”. Conforme julgado do Supremo Tribunal Federal no RE nº 641.320/STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes que aceita a hipótese de prisão domiciliar caso não existam vagas suficientes nos presídios:
Cumprimento de pena em regime fechado, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado a seu regime. Violação aos princípios da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX). A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. 3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, § 1º, b e c). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. 4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. [RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 11-5-2016, DJE 159 de 1º-8-2016, Tema 423.]
O julgado teve tamanha importância que foi sucedido pela edição da Súmula Vinculante 56 que diz:
A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.
O Projeto de Lei nº 4058/2022, apresentado no Senado Federal, propõe uma importante mudança no sistema de cumprimento de penas em regime aberto no Brasil. Ele sugere a alteração do art. 33 do Código Penal e do art. 117 da Lei de Execução Penal para permitir que condenados em regime aberto possam cumprir pena em residência particular, caso não haja casas de albergado ou estabelecimentos adequados disponíveis na comarca onde devem cumprir suas penas.
Dessa forma, com uma flexibilização das hipóteses do artigo 117 da LEP há de se falar da implementação da prisão domiciliar como alternativa aos estabelecimentos penais inadequados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais adotou novas diretrizes para aplicação dessa medida. Essas orientações estão detalhadas na Portaria Conjunta nº 834/PR/2019, que estabelece medidas emergenciais para a gestão do sistema prisional do Estado:
Art. 7º – Juiz Corregedor e de Execução Penal de cada unidade prisional do Estado, durante a vigência do mutirão, mantida sua independência funcional, verificará a possibilidade de implementação das seguintes medidas emergenciais: I- Conceder a prisão domiciliar àqueles que cumprem pena em casa de albergado, permitindo que os estabelecimentos destinados a esse regime acolham provisoriamente presos do regime semiaberto. II- Conceder prisão domiciliar aos presos em regime semiaberto que estão a até 6 (seis) meses de benefício de progressão de regime, do livramento condicional ou do fim da pena, permitindo que presos do regime fechado que estão a até 06 (seis) meses da progressão de regime ocupem os espaços disponibilizados pela semiaberto, mantendo os demais rigores do regime. Parágrafo único. Caso acatada a política emergencial sugerida, deverá ser observada, para a concessão de prisão domiciliar, dentre outros requisitos, a existência de endereço do sentenciado, bem como seus méritos no cumprimento da pena.
Tal fato pode ser justificado por diversos fatores, como o fato de muitos presídios brasileiros não atenderem aos requisitos mínimos de habitabilidade, segurança e higiene, expondo os detentos a condições que violam os princípios da dignidade humana, proporcionalidade e razoabilidade, previstos na Constituição Federal. O Relatório de Informações Penais (RELIPEN) do primeiro semestre de 2023 destacou que o Brasil possui um déficit de mais de 162 mil vagas, com uma população carcerária que supera 644 mil pessoas, enquanto a capacidade total dos presídios é inferior a 482 mil vagas. Essa situação compromete a integridade física e mental dos detentos e torna inviável a individualização da pena, que é um princípio fundamental do sistema de justiça criminal brasileiro.
Além disso, a prisão domiciliar permite que os apenados mantenham vínculos familiares e sociais, fatores que são fundamentais para a ressocialização e a redução das taxas de reincidência. A manutenção desses laços sociais pode ajudar a reduzir a marginalização e o estigma enfrentados pelos ex-detentos, que muitas vezes se tornam obstáculos significativos para a reinserção no mercado de trabalho e na vida em sociedade.
A adoção da prisão domiciliar como alternativa aos estabelecimentos inadequados também pode gerar benefícios econômicos para o Estado. O custo médio para manter um preso em uma unidade prisional é significativamente superior ao custo de monitoramento eletrônico ou outras formas de fiscalização domiciliar. De acordo com o relatório “Calculando Custos Prisionais: Panorama Nacional e Avanços Necessários”, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021, o custo mensal médio por preso no Brasil é de aproximadamente R$ 2.146,00 em contrapartida, segundo o “Modelo de Gestão em Monitoração Eletrônica de Pessoas”, também do CNJ, o custo médio mensal por pessoa monitorada eletronicamente é de R$ 301,25, com uma mediana de R$ 240,95. Esses dados evidenciam que o monitoramento eletrônico representa uma alternativa significativamente mais econômica em comparação à manutenção de presos em regime fechado, além de contribuir para a redução da superlotação carcerária.
Além disso, a redução da população carcerária pode aliviar a pressão sobre o sistema penitenciário, permitindo que os recursos sejam direcionados para programas de reabilitação, educação e reintegração social, que são essenciais para a redução da criminalidade a longo prazo (Brito, 2023).
No entanto, para que a prisão domiciliar seja uma alternativa viável, é necessário que o Estado invista em mecanismos de fiscalização eficientes, como o uso de tornozeleiras eletrônicas, visitas regulares de assistentes sociais e psicólogos, e a criação de programas de apoio para as famílias dos apenados. Sem esses mecanismos, há o risco de que a prisão domiciliar se torne uma forma de impunidade, minando a confiança pública no sistema de justiça e comprometendo a segurança pública.
Além disso, a aplicação da prisão domiciliar deve ser criteriosa, considerando não apenas os aspectos legais, mas também os fatores sociais e psicológicos que podem influenciar a capacidade do apenado de se reintegrar à sociedade. O processo de seleção para a prisão domiciliar deve incluir uma avaliação detalhada do histórico criminal, do comportamento durante a detenção e das condições familiares do apenado, garantindo que a medida seja utilizada de forma justa e eficaz.
Em conclusão, a prisão domiciliar representa uma alternativa viável e necessária ao encarceramento tradicional em estabelecimentos inadequados, mas sua implementação exige um compromisso sério do Estado com a fiscalização e o apoio social. Apenas com investimentos em infraestrutura, monitoramento e políticas de reintegração será possível transformar a prisão domiciliar em uma ferramenta eficaz para a humanização do sistema penal brasileiro e para a redução das taxas de reincidência, promovendo uma justiça verdadeiramente restaurativa e alinhada aos princípios constitucionais.
4.1 Propostas para Melhoria do Sistema
A melhoria do sistema carcerário brasileiro exige uma abordagem abrangente, que considere tanto as condições estruturais das unidades prisionais quanto as políticas de ressocialização dos apenados. Para enfrentar os desafios da superlotação, violência e violação de direitos humanos, é necessário implementar reformas que tornem o sistema mais eficiente, justo e humanizado, promovendo a recuperação dos detentos e sua reintegração à sociedade (Brito, 2023).
Uma das principais propostas para a melhoria do sistema é a ampliação do uso de medidas alternativas ao encarceramento, como a prisão domiciliar, o uso de tornozeleiras eletrônicas e as penas restritivas de direitos. Essas medidas podem ser aplicadas a presos provisórios e condenados que não representam risco significativo à segurança pública, permitindo que as unidades prisionais concentrem seus recursos nos detentos que realmente precisam estar fisicamente isolados.
Além disso, para que essas alternativas sejam eficazes, é necessário um sistema robusto de fiscalização, com monitoramento eletrônico eficiente e equipes multidisciplinares para acompanhar o cumprimento das condições impostas.
Além disso, é essencial que o processo de individualização da pena seja fortalecido. Isso inclui a retomada do papel ativo das Comissões Técnicas de Classificação (CTCs) na avaliação dos presos, permitindo que os magistrados tomem decisões mais informadas sobre progressões de regime e concessão de benefícios, com base em análises comportamentais detalhadas. Essa abordagem pode ajudar a evitar a aplicação desproporcional de penas e reduzir as taxas de reincidência, promovendo uma justiça mais justa e equilibrada.
Outro ponto crucial é a melhoria da infraestrutura prisional. O Brasil precisa investir na construção de novas unidades, na reforma das existentes e na criação de espaços que respeitem os direitos fundamentais dos detentos, como acesso a saneamento básico, atendimento médico e psicológico, além de oportunidades de educação e trabalho. Essas condições são fundamentais para a recuperação dos apenados e para a redução dos índices de violência dentro dos presídios.
Além das mudanças estruturais, é necessário reformar o sistema de justiça para reduzir o uso excessivo da prisão preventiva, que é uma das principais causas da superlotação. Isso inclui a criação de mecanismos que incentivem a adoção de medidas cautelares alternativas, como audiências de custódia mais ágeis e decisões judiciais que considerem o perfil social e o histórico criminal dos acusados.
Por fim, é essencial que o Estado invista em políticas sociais que atuem nas causas da criminalidade, como educação, saúde, emprego e redução da desigualdade social. A criação de programas de reabilitação profissional, apoio psicológico e assistência social para os egressos do sistema prisional pode ajudar a reduzir as taxas de reincidência e a reintegrar os apenados à sociedade de forma mais eficaz (Brito, 2023).
Em resumo, a melhoria do sistema prisional brasileiro depende de um compromisso conjunto entre o poder público, a sociedade civil e o sistema de justiça, com foco na humanização do cumprimento de penas e na promoção da justiça restaurativa. Apenas com uma abordagem integrada será possível transformar o sistema carcerário em um modelo mais justo, eficiente e alinhado aos princípios constitucionais que garantem a dignidade da pessoa humana e o respeito aos direitos fundamentais.
5 CONCLUSÃO
A implementação da prisão domiciliar como alternativa ao encarceramento em estabelecimentos penais inadequados se apresenta como uma medida urgente e necessária para enfrentar as deficiências estruturais do sistema prisional brasileiro. Ao longo deste trabalho, foi possível identificar que a superlotação carcerária, a falta de condições mínimas de habitabilidade e a ausência de programas efetivos de ressocialização não apenas violam os direitos fundamentais dos apenados, mas também comprometem a segurança pública e a credibilidade do sistema de justiça.
O uso da prisão domiciliar, além de promover uma forma mais humanizada de cumprimento de pena, permite uma abordagem que considera as particularidades de cada caso, respeitando os princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena e da proporcionalidade. Esses princípios, amplamente reconhecidos na Constituição Federal e em tratados internacionais de direitos humanos, exigem que a privação de liberdade seja aplicada com rigor e critério, evitando que a punição se torne uma forma de desumanização e degradação.
De modo que, a adoção da prisão domiciliar pode contribuir para a redução das taxas de reincidência, na medida em que permite ao apenado manter vínculos sociais e familiares, fatores fundamentais para a reintegração social. Estudos mostram que detentos que mantêm esses laços têm maiores chances de reabilitação e reintegração ao mercado de trabalho, reduzindo o risco de retorno ao crime. Nesse sentido, a prisão domiciliar pode ser vista não apenas como uma forma de alívio para o sistema prisional, mas também como uma ferramenta eficaz para a prevenção da criminalidade a longo prazo.
No entanto, para que essa medida alcance seus objetivos, é necessário que o Estado invista em mecanismos adequados de fiscalização, como monitoramento eletrônico eficiente, acompanhamento psicológico e social, além de políticas públicas que promovam a inclusão social dos egressos do sistema penitenciário. Sem esses elementos, há o risco de que a prisão domiciliar se transforme em uma forma de impunidade, minando a confiança pública no sistema de justiça e comprometendo a segurança coletiva.
Além disso, é fundamental que a aplicação da prisão domiciliar seja pautada por critérios claros e objetivos, evitando arbitrariedades e garantindo que a medida seja utilizada de forma justa e proporcional. Para isso, é necessário que os tribunais e magistrados tenham acesso a informações detalhadas sobre o histórico do apenado, sua situação familiar e suas condições de saúde, permitindo uma decisão mais informada e precisa.
Por fim, conclui-se que a prisão domiciliar representa uma alternativa viável e necessária ao encarceramento tradicional em estabelecimentos inadequados, mas sua implementação exige um compromisso sério do Estado com a fiscalização e o apoio social. Apenas com investimentos em infraestrutura, monitoramento e políticas de reintegração será possível transformar a prisão domiciliar em uma ferramenta eficaz para a humanização do sistema penal brasileiro e para a redução das taxas de reincidência, promovendo uma justiça verdadeiramente restaurativa e alinhada aos princípios constitucionais.
[4] DIAS, Camila Nunes. Superlotação e péssimas condições em presídios são base de facções. [Entrevista concedida à Rádio Nacional]. Lucas Pordeus León. Agência Brasil. Brasília. Março. 2023.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 out. 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
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1Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário UNA Linha Verde da rede Ânima Educação. Ano 2025.
2Acadêmica do Curso de Direito. E-mail: anaju.neris@gmail.com.
3Orientadora, Professora no Centro Universitário UNA. Email: ana.c.marques@prof.una.br.