CHALLENGES AND PERSPECTIVES IN THE TRAINING OF LIBRAS TRANSLATORS AND INTERPRETERS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202506071734
Magda Pompeu1
Resumo
A formação de tradutores e intérpretes de Libras representa um campo estratégico para a promoção da inclusão e dos direitos linguísticos da comunidade surda. Este estudo aborda os principais desafios e perspectivas relacionados a essa formação, com destaque para a qualificação profissional e acadêmica desses profissionais, que ainda enfrenta lacunas curriculares e carência de capacitação continuada. Também se discute os dilemas éticos e práticos na atuação em contextos diversos, exigindo preparo técnico e sensibilidade cultural. As políticas públicas e os marcos legais, embora tenham avançado, ainda carecem de efetiva implementação e fiscalização. A formação dos intérpretes é essencial para garantir a inclusão da pessoa surda, especialmente em ambientes educacionais. Por fim, explora-se o papel das tecnologias e recursos digitais, que podem potencializar a aprendizagem, desde que acessíveis e bem aplicados. O estudo reforça a importância de uma formação sólida, crítica e contextualizada para que os intérpretes atuem de forma ética, eficaz e comprometida com a inclusão social.
Palavras-chave: Formação profissional. Inclusão. Intérprete; Libras. Políticas públicas.
Abstract
The training of translators and interpreters of Libras represents a strategic field for promoting inclusion and linguistic rights of the deaf community. This study addresses the main challenges and perspectives related to this training, with emphasis on the professional and academic qualification of these professionals, which still faces curricular gaps and a lack of ongoing training. It also discusses the ethical and practical dilemmas in working in different contexts, requiring technical preparation and cultural sensitivity. Public policies and legal frameworks, although they have advanced, still lack effective implementation and monitoring. The training of interpreters is essential to guarantee the inclusion of deaf people, especially in educational environments. Finally, it explores the role of digital technologies and resources, which can enhance learning, as long as they are accessible and well applied. The study reinforces the importance of solid, critical and contextualized training so that interpreters act ethically, effectively and committed to social inclusion.
Keywords: Professional training. Inclusion. Interpreter; Libras. Public policies.
1 INTRODUÇÃO
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida oficialmente como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas no Brasil por meio da Lei nº 10.436/2002, regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005. Esse marco jurídico representa um avanço significativo na luta pelos direitos linguísticos da comunidade surda e reforça a necessidade de inclusão comunicacional em diversos contextos sociais, especialmente nos espaços educacionais, institucionais e de serviço público. Nesse cenário, destaca-se a atuação dos tradutores e intérpretes de Libras como agentes essenciais para a mediação entre os surdos e a sociedade majoritariamente ouvinte, garantindo o acesso à informação, à educação e à cidadania plena. No entanto, a formação desses profissionais ainda enfrenta múltiplos desafios que impactam diretamente a qualidade dos serviços prestados e, consequentemente, a efetivação dos direitos da comunidade surda.
A formação de tradutores e intérpretes de Libras não se resume ao domínio técnico da língua de sinais. Trata-se de um processo formativo complexo, que exige competências linguísticas, culturais, éticas e pedagógicas. A atuação desse profissional se dá em ambientes variados e exige preparo para lidar com as especificidades da Libras, bem como com as demandas práticas e sociais da profissão. Diante disso, este artigo tem como objetivo analisar os principais desafios e as perspectivas na formação de tradutores e intérpretes de Libras, a partir da abordagem de cinco eixos temáticos: a qualificação profissional e acadêmica, os desafios éticos e práticos na atuação profissional, as políticas públicas e marcos legais que orientam essa formação, a relação entre a formação do intérprete e a inclusão da pessoa surda, e o uso das tecnologias e recursos digitais no processo formativo.
A importância desta pesquisa reside no fato de que, ao compreender as fragilidades e potencialidades da formação dos intérpretes de Libras, torna-se possível contribuir para a construção de políticas públicas mais eficazes, currículos mais adequados e práticas pedagógicas mais inclusivas. Considerando que esses profissionais desempenham papel central na promoção da acessibilidade linguística e na valorização da cultura surda, refletir criticamente sobre sua formação é também um passo fundamental para o fortalecimento da educação bilíngue e da justiça social no Brasil. Além disso, esta análise permite compreender como a formação desses profissionais pode contribuir (ou não) para a construção de uma sociedade mais equitativa, que respeite as diferenças e assegure a participação cidadã das pessoas surdas.
No decorrer do artigo, o primeiro tópico discutirá a qualificação profissional e acadêmica dos intérpretes de Libras, analisando os modelos de formação oferecidos no país, os currículos dos cursos superiores e técnicos, a presença de professores surdos na formação e os desafios da prática supervisionada. Em seguida, o segundo tópico abordará os desafios éticos e práticos da atuação profissional, destacando situações concretas enfrentadas pelos intérpretes em ambientes educacionais, jurídicos, médicos e institucionais, além das exigências éticas como imparcialidade, fidelidade e confidencialidade.
O terceiro eixo investigará as políticas públicas e os marcos legais que regulam a formação e atuação dos intérpretes, considerando as conquistas legislativas, os programas como o Prolibras e as lacunas ainda existentes na implementação das diretrizes legais. Já o quarto tópico tratará da relação entre a formação de intérpretes e a inclusão da pessoa surda, refletindo sobre o papel do intérprete como facilitador da comunicação e como agente de fortalecimento da identidade surda em espaços formais, sobretudo nas instituições educacionais.
Por fim, o quinto tópico discutirá o papel das tecnologias e recursos digitais na formação de intérpretes de Libras, avaliando suas potencialidades e limitações, especialmente diante dos desafios impostos pela pandemia da COVID-19 e do crescimento da educação a distância. Serão discutidas ferramentas como plataformas virtuais, dicionários visuais, softwares de tradução automática e ambientes digitais de aprendizagem, com ênfase na necessidade de formação tecnológica crítica para esses profissionais.
A pesquisa é, portanto, um convite à reflexão e ao aprimoramento da formação de intérpretes de Libras no Brasil, tendo em vista a urgência de consolidar práticas formativas comprometidas com os princípios da inclusão, da equidade e do respeito à diversidade linguística e cultural. Ao evidenciar os desafios enfrentados e as perspectivas existentes, este estudo pretende contribuir para a valorização da profissão e, principalmente, para o reconhecimento da Libras como língua legítima da comunidade surda, que deve ser ensinada, respeitada e interpretada por profissionais devidamente qualificados.
2 A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E ACADÊMICA DOS INTÉRPRETES DE LIBRAS
A qualificação profissional e acadêmica dos intérpretes de Libras tem se tornado uma pauta urgente nas discussões sobre inclusão e acessibilidade no Brasil. O reconhecimento da Libras como língua oficial da comunidade surda impulsionou a necessidade de formação de profissionais preparados para atuar em diversos contextos, como educação, saúde, justiça e cultura. Essa formação, no entanto, vai além do domínio técnico da língua de sinais: exige o desenvolvimento de competências linguísticas, culturais, pedagógicas e éticas, que possibilitem uma atuação qualificada e sensível às especificidades da comunidade surda.
O Decreto nº 5.626/2005 estabeleceu diretrizes importantes para a formação e atuação dos intérpretes de Libras, prevendo a oferta de cursos de graduação e cursos de formação profissional com carga horária adequada e currículo compatível com as demandas do campo. No entanto, a implementação desse decreto tem enfrentado obstáculos significativos, como a escassez de instituições preparadas para oferecer formação de qualidade e a insuficiência de professores fluentes em Libras, especialmente nas regiões mais distantes dos grandes centros urbanos (Quadros, 2004).
A formação acadêmica dos intérpretes deve considerar a Libras como uma língua natural, com estrutura gramatical própria, e não apenas como uma ferramenta de tradução. Muitos cursos ainda abordam a Libras sob uma perspectiva instrumentalista, sem aprofundar seus aspectos linguísticos, históricos e socioculturais. Isso compromete a qualidade da formação, pois impede que os futuros intérpretes compreendam a profundidade da língua e sua relação com a identidade surda (Felipe, 2010).
Um aspecto essencial da formação é o contato direto e constante com a comunidade surda. A convivência com surdos permite aos intérpretes não apenas aprimorar sua fluência na Libras, mas também desenvolver sensibilidade cultural e empatia, elementos fundamentais para a prática da interpretação. Nesse sentido, a presença de professores surdos nos cursos de formação é um fator enriquecedor, pois garante o protagonismo da própria comunidade na formação de seus mediadores linguísticos.
Além das habilidades linguísticas, os intérpretes precisam desenvolver competências pedagógicas e cognitivas que os preparem para lidar com situações complexas de tradução e mediação. Isso é particularmente importante na área da educação, onde o intérprete atua como ponte entre o professor ouvinte e o aluno surdo. A formação, portanto, deve incluir disciplinas relacionadas à didática, práticas de ensino bilíngue e estratégias de mediação comunicativa (Lacerda, 2012).
A ausência de práticas supervisionadas suficientes é um dos principais problemas enfrentados pelos cursos de formação. Muitos estudantes concluem seus cursos sem terem vivenciado contextos reais de atuação, o que os deixa inseguros e despreparados para o exercício profissional. A formação prática supervisionada, com acompanhamento de intérpretes experientes e em espaços reais de trabalho, é essencial para consolidar os conhecimentos teóricos e desenvolver autonomia (Almeida; Santos, 2020).
Outro desafio é a heterogeneidade dos cursos de formação oferecidos no país. Enquanto algumas instituições contam com estrutura adequada, professores qualificados e currículos atualizados, outras ainda funcionam de forma precária, com pouca carga horária dedicada à Libras e sem integração entre teoria e prática. Essa desigualdade compromete a formação dos profissionais e reforça as disparidades regionais no acesso à formação de qualidade (Silva, 2019).
A regulamentação da profissão de tradutor e intérprete de Libras, por meio da Lei nº 12.319/2010, representou um avanço importante, mas ainda carece de instrumentos eficazes de fiscalização e valorização profissional. Muitos intérpretes atuam sem formação adequada, o que impacta diretamente a qualidade do serviço prestado e, consequentemente, a inclusão da pessoa surda. A valorização da carreira passa necessariamente pela exigência de formação específica e certificação profissional (Quadros; Schmiedt, 2006).
As instituições formadoras precisam repensar seus currículos à luz das diretrizes da educação bilíngue, considerando não apenas os aspectos técnicos da interpretação, mas também a formação crítica dos profissionais. Um currículo que integre Libras, estudos surdos, ética profissional e prática supervisionada é fundamental para a formação de intérpretes conscientes de seu papel social e político na mediação linguística e cultural.
A qualificação acadêmica deve ser continuada ao longo da carreira profissional. A oferta de cursos de extensão, especialização e programas de pós-graduação voltados para intérpretes ainda é limitada, mas essencial para o aprimoramento constante das competências exigidas pelo mercado. Além disso, esses espaços são importantes para fomentar a produção científica na área e fortalecer a base teórica que sustenta a prática da interpretação (Fernandes, 2021).
A pesquisa científica sobre a atuação dos intérpretes de Libras ainda é incipiente no Brasil, o que dificulta a formulação de políticas públicas eficazes para a formação desses profissionais. Investir em pesquisa aplicada, que envolva diretamente os intérpretes e a comunidade surda, é essencial para compreender as reais necessidades do campo e propor soluções contextualizadas e viáveis (Stumpf, 2010).
Outro aspecto que merece atenção é a formação ética dos intérpretes. O código de ética profissional estabelece princípios importantes, como imparcialidade, confidencialidade e respeito à cultura surda, mas sua aplicação na prática exige formação ética sólida, baseada em reflexões sobre os dilemas reais enfrentados no cotidiano. A ética, nesse contexto, não pode ser ensinada apenas como teoria, mas vivenciada e discutida em situações práticas durante a formação (Reis; Koury, 2015).
A atuação do intérprete de Libras, especialmente na educação, exige articulação com diferentes profissionais, como professores, gestores, assistentes sociais e psicólogos. Isso requer competências comunicativas e interpessoais que vão além da tradução, exigindo uma formação que contemple habilidades de trabalho colaborativo e gestão de conflitos. A formação interdisciplinar contribui para que o intérprete atue de forma integrada em contextos educacionais inclusivos (Pereira; Ferreira, 2018).
Diante das transformações sociais e tecnológicas, a formação dos intérpretes também precisa acompanhar as inovações. O uso de plataformas digitais, vídeos, ambientes virtuais e softwares de tradução está cada vez mais presente no cotidiano desses profissionais. Assim, a qualificação acadêmica deve incluir competências digitais, tanto para a atuação em ambientes virtuais quanto para o uso de tecnologias como recurso pedagógico e de acessibilidade (Rodrigues, 2020).
Desse modo, a qualificação profissional e acadêmica dos intérpretes de Libras é uma tarefa complexa e contínua, que demanda investimento em políticas públicas, formação crítica e prática supervisionada. A qualidade da formação impacta diretamente a eficácia da comunicação entre surdos e ouvintes, sendo um fator determinante para a promoção da inclusão e do respeito à diversidade linguística no Brasil. Avançar nesse campo é, portanto, um compromisso ético e político com a justiça social e a acessibilidade plena.
3 OS DESAFIOS ÉTICOS E PRÁTICOS NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL
A atuação dos tradutores e intérpretes de Libras envolve uma complexa teia de responsabilidades éticas e práticas, que vão muito além da simples mediação linguística. Esses profissionais não apenas traduzem palavras, mas também transitam entre culturas, identidades e contextos socioculturais profundamente marcados por desigualdades históricas. A postura ética do intérprete, nesse sentido, deve estar orientada por princípios como a imparcialidade, a fidelidade à mensagem original e o respeito às especificidades da comunidade surda. No entanto, aplicar esses princípios na prática cotidiana não é tarefa simples, especialmente em ambientes como os educacionais, jurídicos e de saúde, onde há conflitos entre a neutralidade e a empatia. Segundo Quadros e Schmiedt (2006), o papel do intérprete ultrapassa o aspecto técnico, exigindo um compromisso ético com os sujeitos envolvidos no processo comunicativo.
Um dos principais dilemas enfrentados por esses profissionais está relacionado à neutralidade. A exigência de manter-se neutro muitas vezes entra em choque com a necessidade de assegurar a compreensão plena da mensagem por parte da pessoa surda, que pode demandar explicações adicionais ou adaptações linguísticas. Assim, a atuação ética do intérprete precisa ser flexível o suficiente para considerar o contexto e, ao mesmo tempo, firme em não distorcer ou interferir nas intenções comunicativas originais. O equilíbrio entre esses dois aspectos configura um dos maiores desafios da prática profissional. Ainda conforme Quadros e Schmiedt (2006), é essencial que o intérprete desenvolva competências críticas e sensibilidade ética para lidar com essas tensões de maneira responsável.
Outro desafio relevante diz respeito à confidencialidade das informações a que o intérprete tem acesso. Em sua prática diária, especialmente em ambientes jurídicos e médicos, o profissional de Libras lida com dados sigilosos e situações delicadas, o que requer uma postura ética sólida e rigorosa. Essa exigência, no entanto, pode se tornar ainda mais complexa quando se considera que muitos intérpretes atuam em comunidades pequenas, onde a privacidade das informações pode ser comprometida por vínculos sociais próximos entre os envolvidos. Para Fernandes (2021), a ética profissional do intérprete deve incluir, além da descrição normativa, uma dimensão reflexiva e situada, que leve em conta o impacto de suas ações no coletivo surdo.
Do ponto de vista prático, muitos intérpretes ainda enfrentam dificuldades relacionadas à formação insuficiente ou à falta de suporte institucional no exercício profissional. A ausência de políticas públicas que garantam condições dignas de trabalho, remuneração adequada e formação continuada contribui para que os intérpretes se deparem com situações em que é difícil manter os padrões éticos ideais. Por vezes, esses profissionais são forçados a tomar decisões éticas complexas em contextos de improviso, sem orientação adequada. Fernandes (2021) destaca que a atuação ética e competente do intérprete só pode ser plenamente realizada quando há um suporte sistêmico que reconheça e valorize o papel desse profissional.
A sobreposição de papéis também representa um desafio prático recorrente. Intérpretes que atuam em instituições de ensino, por exemplo, são frequentemente convidados a exercer funções que extrapolam sua responsabilidade original, como mediar conflitos ou auxiliar diretamente nos conteúdos pedagógicos. Essa sobrecarga compromete a neutralidade necessária à interpretação e coloca o profissional em situações que desafiam seu código de ética. De acordo com Stumpf (2010), a atuação do intérprete deve estar delimitada de forma clara, com atribuições específicas que evitem a descaracterização do papel técnico-mediador.
A dificuldade em estabelecer limites claros entre a atuação técnica e o envolvimento pessoal também pode gerar conflitos éticos, principalmente quando o intérprete compartilha laços de amizade ou familiaridade com os usuários do serviço. Isso ocorre com frequência em comunidades surdas menores, nas quais os intérpretes muitas vezes são as únicas referências linguísticas disponíveis. Nesses contextos, torna-se ainda mais importante o domínio de estratégias profissionais que preservem a integridade do trabalho e evitem interferências indevidas. Stumpf (2010) ressalta que a ética do intérprete está diretamente relacionada à sua capacidade de reconhecer os limites da profissão e agir com responsabilidade diante das demandas afetivas e sociais.
Outro aspecto importante a ser considerado é o impacto emocional da atuação do intérprete em contextos sensíveis. Participar de situações de violência, audiências judiciais, atendimentos médicos ou experiências traumáticas pode desencadear sobrecarga emocional e até desgaste psicológico nos profissionais. No entanto, ainda são escassos os mecanismos institucionais de acolhimento e suporte a esses trabalhadores. Para Quadros e Schmiedt (2006), é urgente que a formação profissional dos intérpretes inclua a preparação para lidar com situações emocionalmente exigentes, além de fomentar o autocuidado e a construção de redes de apoio.
Os desafios éticos e práticos também se manifestam na relação com os profissionais ouvintes que desconhecem a Libras ou subestimam o papel do intérprete. É comum que esses profissionais sejam vistos como meros “tradutores”, sem reconhecimento de seu papel como ponte de mediação cultural e social. Esse desrespeito institucionalizado compromete não apenas o trabalho do intérprete, mas também a efetivação do direito à comunicação das pessoas surdas. Fernandes (2021) enfatiza que a ética do intérprete está atrelada à luta por reconhecimento e por condições de trabalho que respeitem a especificidade da mediação linguística e cultural que ele realiza.
Além disso, os intérpretes enfrentam, cotidianamente, o desafio de garantir uma comunicação acessível e culturalmente adequada em contextos de grande complexidade técnica, como congressos acadêmicos, eventos políticos ou palestras especializadas. Muitas vezes, esses ambientes não oferecem materiais antecipadamente nem condições adequadas para o preparo prévio do intérprete. Diante disso, o profissional precisa contar com habilidades de improviso e um repertório lexical vasto, o que reforça a importância de uma formação sólida e continuada. Segundo Quadros e Schmiedt (2006), o profissional deve estar constantemente se atualizando, tanto em Libras quanto na Língua Portuguesa, para atuar com competência em diversas situações comunicativas.
Nesse sentido, destaca-se que os desafios éticos e práticos enfrentados pelos intérpretes de Libras não devem ser vistos como responsabilidades individuais isoladas. Ao contrário, é preciso compreender que esses desafios emergem de estruturas sociais e institucionais que muitas vezes invisibilizam o trabalho desses profissionais. Assim, a ética na atuação do intérprete deve ser pensada de forma ampliada, envolvendo políticas públicas, reconhecimento institucional e formação crítica e reflexiva. Como defende Stumpf (2010), a profissionalização do intérprete deve caminhar lado a lado com o fortalecimento de sua identidade ética, técnica e política dentro da sociedade.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS E MARCOS LEGAIS NA FORMAÇÃO DE INTÉRPRETES DE LIBRAS
A formação de tradutores e intérpretes de Libras no Brasil tem sido gradualmente institucionalizada por meio de políticas públicas e marcos legais que buscam garantir o direito à acessibilidade comunicacional das pessoas surdas. A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a educação como direito de todos, abriu espaço para uma série de legislações subsequentes que contemplam a inclusão da comunidade surda. Um marco importante nesse processo foi a Lei nº 10.436/2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005, que estabelece diretrizes para o uso e ensino de Libras e dispõe sobre a formação e atuação dos intérpretes. O decreto determina, por exemplo, a obrigatoriedade de cursos de formação específicos, como o curso superior de Tradução e Interpretação em Libras/Língua Portuguesa, além de programas de formação continuada.
Esses instrumentos legais representam avanços significativos, pois institucionalizam o papel do intérprete de Libras e garantem uma base jurídica para sua profissionalização. No entanto, a efetivação desses marcos encontra entraves no campo prático. Em muitas regiões do país, especialmente nas periferias e em contextos rurais e amazônicos, a oferta de cursos de formação é escassa, e o acesso à qualificação ainda é desigual. Segundo Oliveira (2018), a lacuna entre a legislação e a realidade educacional revela a necessidade de maior articulação entre as políticas públicas e os contextos locais. A formação de intérpretes não deve ser pensada apenas como uma exigência técnica, mas como parte de um projeto de educação inclusiva que leve em consideração a diversidade linguística e cultural da população surda brasileira.
Outro elemento fundamental diz respeito ao papel das universidades públicas na consolidação da formação de intérpretes. A criação de cursos superiores específicos para tradução e interpretação de Libras/Língua Portuguesa foi uma das principais estratégias adotadas pelo governo federal após a promulgação dos marcos legais. Esses cursos vêm sendo implantados em instituições de ensino superior em diferentes regiões do país, com currículos que articulam teoria linguística, prática de interpretação e estudos da surdez. Para Costa (2020), o fortalecimento desses cursos está diretamente vinculado ao investimento público, à capacitação de docentes especializados e à valorização da carreira do intérprete, elementos que ainda carecem de maior atenção nas políticas educacionais.
Além disso, é importante ressaltar o papel do Plano Nacional de Educação (PNE) como articulador de metas voltadas à inclusão educacional. O PNE 2014–2024 estabelece em sua Meta 4 a universalização do acesso e permanência de pessoas com deficiência na educação, o que implica a formação adequada de intérpretes como condição essencial. Apesar da previsão legal, a execução efetiva dessas metas é desigual entre os estados e municípios, refletindo a fragilidade na implementação das políticas públicas. Costa (2020) argumenta que, para além da formulação de leis, é necessário garantir recursos financeiros, estruturas físicas e acompanhamento sistemático para que essas políticas produzam resultados concretos.
As diretrizes curriculares nacionais para a formação de intérpretes também têm papel importante na padronização da qualidade da formação. Tais diretrizes foram desenvolvidas para garantir que os cursos oferecidos em instituições públicas e privadas sigam uma base comum de conteúdos e competências. Além das habilidades técnicas, é enfatizada a formação ética e crítica dos profissionais, considerando os aspectos socioculturais da surdez. Segundo Nascimento (2021), a consolidação de uma política nacional de formação de intérpretes demanda uma articulação entre o Ministério da Educação, as universidades e os movimentos sociais da comunidade surda, promovendo um diálogo constante entre teoria e prática.
No entanto, observa-se que, apesar das normativas legais, a atuação do intérprete ainda não é plenamente regulamentada em muitos ambientes profissionais, o que resulta em precarização do trabalho, ausência de concursos públicos específicos e remuneração inadequada. A regulamentação da profissão, prevista no Projeto de Lei nº 12.319/2010, representa um avanço, mas ainda carece de mecanismos de fiscalização e valorização profissional. Nascimento (2021) destaca que a implementação plena das políticas públicas requer uma mudança de paradigma, em que os intérpretes sejam reconhecidos não apenas como tradutores técnicos, mas como agentes fundamentais da acessibilidade e da cidadania da população surda.
Diante desse cenário, é necessário repensar as políticas públicas de forma mais inclusiva, interseccional e territorializada. A formação de intérpretes de Libras precisa considerar as especificidades de populações indígenas surdas, quilombolas e comunidades de difícil acesso, muitas vezes negligenciadas nos programas de formação tradicionais. Como aponta Oliveira (2018), uma política pública eficaz é aquela que respeita as singularidades locais e amplia a participação social na construção de seus parâmetros. Assim, fortalecer a formação dos intérpretes é também fortalecer o direito à educação e à comunicação plena para todos os cidadãos surdos.
5 A FORMAÇÃO DE INTÉRPRETES DE LIBRAS E A INCLUSÃO DA PESSOA SURDA
A formação de intérpretes de Libras está intrinsecamente ligada ao processo de inclusão da pessoa surda na sociedade, sobretudo no campo educacional. Para que a inclusão seja efetiva, não basta apenas a presença física de um intérprete em sala de aula, mas sim sua formação sólida e ética, que o capacite a realizar uma mediação linguística qualificada. A inclusão, nesse sentido, exige profissionais que compreendam a complexidade da cultura surda, as especificidades da Libras como língua natural da comunidade surda e os desafios que envolvem sua tradução para a língua portuguesa. A ausência de uma formação crítica e sensível pode comprometer a experiência de aprendizagem do estudante surdo e limitar sua participação em espaços sociais diversos, evidenciando a necessidade de investimentos contínuos em políticas de formação inicial e continuada.
É fundamental destacar que o intérprete de Libras não deve atuar como substituto do professor ou tutor do aluno surdo, mas como um agente de mediação linguística e cultural. Sua atuação precisa estar articulada a uma proposta pedagógica inclusiva e ao trabalho colaborativo com toda a equipe escolar. Segundo Fernandes (2019), a presença do intérprete apenas se justifica quando este tem condições adequadas de formação para contribuir com a construção de uma educação bilíngue e acessível. Isso implica reconhecer a Libras como língua de instrução e não apenas como ferramenta auxiliar, ampliando o entendimento de inclusão para além da presença física, voltando-se à garantia do direito à comunicação plena e ao desenvolvimento integral do sujeito surdo.
O modelo de formação de intérpretes de Libras precisa incorporar elementos teóricos e práticos que dialoguem com a realidade da pessoa surda, suas demandas educacionais e culturais. Essa formação não se esgota em aspectos técnicos da tradução e da interpretação, sendo imprescindível o aprofundamento em linguística aplicada, ética profissional, história da surdez e legislação da educação inclusiva. Quando o intérprete compreende essas dimensões, passa a atuar de forma mais empática e eficaz, respeitando os tempos, modos e contextos da comunicação com a pessoa surda. De acordo com Silva (2020), essa formação crítica e reflexiva potencializa o protagonismo da pessoa surda, ao mesmo tempo em que combate práticas capacitistas que muitas vezes ainda permeiam o ambiente escolar e acadêmico.
Além da formação técnico-acadêmica, é necessário que o intérprete esteja preparado para lidar com as diferentes formas de identidade e subjetividade da pessoa surda. A surdez não é uma condição única e homogênea; ela é atravessada por variáveis como regionalidade, etnia, classe social e gênero. Assim, o intérprete precisa desenvolver competências interculturais que lhe permitam reconhecer e respeitar essa diversidade dentro da comunidade surda. Silva (2020) destaca que uma formação que considera a pluralidade da surdez contribui para a construção de práticas inclusivas mais justas e humanas, nas quais a pessoa surda deixa de ser vista como “portadora de deficiência” e passa a ser reconhecida em sua potência comunicativa e cultural.
A inclusão da pessoa surda não deve ser tratada como um favor ou concessão, mas como um direito constitucional e humano. Nessa perspectiva, a presença do intérprete de Libras deve ser garantida em todos os níveis e espaços da vida social: na educação, no trabalho, na saúde, na política, na cultura e no lazer. Para tanto, a formação desse profissional precisa ser pensada como política pública estruturante, com recursos, regulamentação e acompanhamento. De acordo com Gomes (2021), sem intérpretes qualificados e em número suficiente, a inclusão da pessoa surda corre o risco de se tornar apenas um discurso simbólico, descolado das práticas institucionais e das necessidades reais dessa população.
É importante também considerar que a formação do intérprete deve incluir uma escuta ativa da própria comunidade surda, reconhecendo os surdos como protagonistas da construção de políticas educacionais e profissionais que os afetam. Quando os currículos de formação se abrem para a participação de sujeitos surdos e valorizam sua experiência, tendem a produzir intérpretes mais conscientes, éticos e preparados para promover uma inclusão de fato. Gomes (2021) reforça que o diálogo com lideranças surdas e com organizações representativas é fundamental para garantir que a formação dos intérpretes esteja alinhada com os princípios da educação bilíngue e da acessibilidade plena.
Nessa perspectiva, é necessário pensar a formação de intérpretes de Libras como parte de um processo maior de transformação social. O acesso à comunicação é um direito inalienável e, portanto, formar intérpretes é formar agentes de inclusão e cidadania. A atuação desses profissionais não se restringe à tradução de palavras, mas se estende à mediação de sentidos, culturas e relações sociais. Fernandes (2019) aponta que, à medida que os intérpretes são bem formados, também se amplia a qualidade da educação ofertada às pessoas surdas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa, plural e democrática.
6 TECNOLOGIAS E RECURSOS DIGITAIS NA FORMAÇÃO DE INTÉRPRETES DE LIBRAS
A formação de tradutores e intérpretes de Libras tem se beneficiado consideravelmente dos avanços tecnológicos, sobretudo com a incorporação de plataformas digitais, softwares de tradução e ambientes virtuais de aprendizagem. As tecnologias educacionais possibilitam maior acesso a conteúdos especializados, promovem a prática da interpretação em diferentes contextos comunicativos e estimulam a autonomia do aprendiz. A utilização de ferramentas como videoaulas, recursos de gravação e análise de performance, dicionários digitais e bancos de sinais favorece o desenvolvimento de competências linguísticas e pragmáticas, essenciais para uma atuação eficaz. De modo especial, essas tecnologias ampliam as oportunidades de formação em regiões onde há escassez de cursos presenciais ou profissionais qualificados.
Além disso, os recursos digitais oferecem suporte importante para o exercício da autocrítica, permitindo que os aprendizes assistam, analisem e avaliem suas próprias interpretações. A gravação de performances com posterior discussão em grupos de estudos ou com tutores experientes contribui para a internalização de estratégias de tradução, a identificação de erros recorrentes e a melhoria contínua da fluência e da clareza na Libras. Segundo Oliveira (2021), o uso pedagógico das tecnologias deve ser integrado de forma crítica e planejada nos currículos dos cursos de formação, articulando teoria e prática e levando em conta as demandas reais da comunidade surda e do mercado de trabalho.
A pandemia de COVID-19 intensificou ainda mais a presença das tecnologias digitais no processo de formação, ao tornar o ensino remoto uma realidade para muitos cursos de Libras. Essa transição forçada evidenciou tanto as potencialidades quanto os desafios da mediação tecnológica no ensino da língua de sinais. Embora muitos cursos tenham conseguido adaptar seus conteúdos para plataformas digitais, a ausência do contato presencial dificultou aspectos da aprendizagem que dependem da interação física e da observação direta dos sinais, como a prosódia e a espacialização. Para Queiroz (2022), é necessário repensar metodologias que aliem recursos digitais a práticas pedagógicas que respeitem as especificidades visuais e corporais da Libras, garantindo, assim, uma formação consistente.
Outro ponto relevante é a utilização da inteligência artificial e da realidade aumentada em ambientes de aprendizagem voltados à formação de intérpretes. Ferramentas que simulam situações reais de interpretação, como a tradução simultânea em eventos acadêmicos, ou o atendimento em espaços de saúde e educação, têm sido desenvolvidas para preparar os futuros profissionais para os desafios da atuação no mundo real. Tais recursos também permitem a criação de laboratórios virtuais interativos, nos quais o estudante pode praticar de forma imersiva, controlando variáveis como velocidade da fala, variação dialetal e contexto sociocultural. Queiroz (2022) destaca que essas inovações têm o potencial de transformar a aprendizagem, tornando-a mais contextualizada e significativa.
Os avanços tecnológicos também geram impactos positivos na atualização profissional contínua. Plataformas de cursos online, webinários, fóruns de discussão e redes sociais especializadas oferecem espaços de troca de experiências e construção coletiva de saberes entre intérpretes em formação e profissionais já atuantes. O acesso facilitado a pesquisas, produções acadêmicas, eventos e palestras sobre a surdez e a Libras contribui para a ampliação do repertório teórico-prático dos intérpretes. Conforme Lima (2020), esses recursos democratizam o conhecimento e reduzem desigualdades no acesso à formação, especialmente em regiões distantes dos grandes centros urbanos.
Apesar dos benefícios, o uso de tecnologias na formação de intérpretes de Libras também exige uma reflexão crítica sobre a inclusão digital e o letramento tecnológico dos estudantes. A falta de infraestrutura, conexão à internet e domínio das ferramentas digitais pode comprometer a aprendizagem e aprofundar desigualdades já existentes. Lima (2020) argumenta que políticas públicas devem ser implementadas para garantir a inclusão tecnológica, tanto nos cursos de formação quanto na prática profissional, promovendo equidade e qualidade no processo formativo.
Desse modo, é importante salientar que o uso de tecnologias na formação de intérpretes de Libras não substitui o contato com a comunidade surda nem o aprofundamento em aspectos socioculturais e linguísticos que envolvem a Libras. A tecnologia deve ser compreendida como ferramenta complementar e não como fim em si mesma. O desenvolvimento de competências interpessoais, éticas e culturais ainda depende da convivência, da prática reflexiva e da escuta ativa das pessoas surdas. Como ressalta Ribeiro (2021), a formação de intérpretes deve estar comprometida com uma abordagem humanizadora, crítica e ética, que considere as tecnologias como meios para garantir o direito à comunicação e à cidadania da pessoa surda.
7 METODOLOGIA
A metodologia adotada neste artigo fundamenta-se em uma abordagem qualitativa de caráter exploratório, por meio de pesquisa bibliográfica. Esse tipo de investigação é essencial quando se busca compreender, de forma aprofundada, conceitos, práticas e desafios relacionados à formação de tradutores e intérpretes de Libras, especialmente no que diz respeito à qualificação profissional, aspectos éticos, políticas públicas, inclusão e uso de tecnologias. A pesquisa bibliográfica permite a análise crítica de diferentes produções acadêmicas, legislações, diretrizes curriculares e obras especializadas, contribuindo para a construção de uma base teórica sólida e atualizada.
A pesquisa bibliográfica, conforme Gil (2008), consiste no levantamento, seleção e análise de publicações relevantes já disponíveis, como livros, artigos científicos, dissertações e teses. Para a realização deste trabalho, foram selecionadas obras que abordam diretamente a formação e atuação de intérpretes de Libras, com atenção especial às contribuições das áreas de educação, linguística aplicada, estudos surdos e inclusão. A escolha dos materiais levou em conta a atualidade, a credibilidade acadêmica dos autores e a pertinência ao objeto de estudo, permitindo uma reflexão fundamentada sobre os diversos aspectos que envolvem a temática.
De acordo com Lakatos e Marconi (2010), a pesquisa bibliográfica é uma ferramenta fundamental no processo investigativo, pois oferece ao pesquisador a possibilidade de construir um panorama crítico do conhecimento já produzido, identificando lacunas, avanços e desafios ainda presentes. Assim, este artigo utiliza-se dessa metodologia para analisar, interpretar e sintetizar diferentes perspectivas teóricas, com o objetivo de compreender os caminhos possíveis para a qualificação e valorização dos profissionais intérpretes de Libras no contexto educacional e social brasileiro.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação de tradutores e intérpretes de Libras no Brasil revela-se como um campo estratégico e ao mesmo tempo desafiador, diante da responsabilidade social e linguística que esses profissionais assumem. Ao longo deste estudo, buscou-se compreender os múltiplos aspectos que envolvem essa formação, evidenciando tanto os entraves enfrentados quanto as possibilidades de avanço. A análise dos cinco eixos temáticos propostos permitiu uma visão abrangente e crítica sobre as condições atuais da qualificação desses profissionais e suas implicações para a efetivação da inclusão da pessoa surda em diferentes esferas sociais.
Ficou evidente que a qualificação profissional e acadêmica ainda precisa ser fortalecida. Muitos cursos apresentam fragilidades curriculares, escassez de práticas supervisionadas e pouca presença de docentes surdos, o que compromete uma formação verdadeiramente bilíngue e intercultural. A ausência de articulação entre teoria e prática torna-se um fator limitante na construção de competências essenciais à atuação em contextos diversos e complexos.
Do ponto de vista ético e prático, os intérpretes de Libras enfrentam dilemas que exigem não apenas preparo técnico, mas também sensibilidade e postura crítica diante das situações vividas em seu cotidiano profissional. As exigências relacionadas à imparcialidade, confidencialidade e fidelidade ao conteúdo interpretado demandam formação ética consistente e contínua, que os capacite a lidar com a diversidade de situações e públicos com os quais interagem.
As políticas públicas e os marcos legais representam avanços importantes, mas ainda insuficientes. A descontinuidade de programas formativos, a ausência de mecanismos de fiscalização e a falta de incentivo à formação em regiões periféricas são fatores que comprometem a efetivação das diretrizes legais e ampliam as desigualdades regionais. A construção de políticas mais inclusivas e sustentáveis, alinhadas à realidade da comunidade surda, é urgente e necessária.
A formação dos intérpretes também está diretamente relacionada à inclusão da pessoa surda. Quando esse processo formativo é precário, os riscos de exclusão simbólica e comunicacional aumentam, mesmo em contextos onde há presença do intérprete. Nesse sentido, o compromisso com a inclusão deve ser eixo central da formação, promovendo não apenas o acesso à informação, mas também o reconhecimento e valorização da cultura e da identidade surda.
As tecnologias e recursos digitais, por sua vez, se apresentam como ferramentas importantes, especialmente em tempos de intensificação da educação a distância. No entanto, seu uso deve ser orientado por princípios pedagógicos e éticos que garantam acessibilidade real e respeito à singularidade da Libras como língua visual-espacial. A formação tecnológica crítica torna-se, assim, uma competência indispensável aos profissionais da área.
Nesse sentido, este estudo aponta que os desafios na formação de tradutores e intérpretes de Libras são múltiplos e interligados, exigindo ações integradas entre instituições de ensino, poder público, movimentos sociais e a própria comunidade surda. É necessário investir em formação inicial e continuada de qualidade, elaborar currículos que considerem as demandas reais da profissão, fomentar a pesquisa na área e assegurar o cumprimento das legislações vigentes.
Contribuir para uma formação sólida, ética e contextualizada desses profissionais significa fortalecer os princípios da inclusão, da equidade e da justiça linguística. Ao reconhecer a importância dos intérpretes de Libras na construção de uma sociedade mais acessível e plural, reafirma-se o compromisso com a defesa dos direitos humanos e com a valorização da diversidade cultural e linguística do Brasil.
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1Graduada em Letras pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e suas Literaturas pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Mestra em Ciências da Educação pela Universidad de la Integración de Las Américas – UNIDA. E-mail: magpompeu@gmail.com