THE DIGITAL REVOLUTION IN LAW: IMPLICATIONS AND CHALLENGES OF TECHNOLOGY IN CONTEMPORARY LAW PRACTICE IN RIO BRANCO – ACRE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505311128
Fernanda Lima Gervásio1
Lourrana Daier Albuquerque Gonçalves2
Nara Cibele Braña Bezerra3
Resumo:
A transformação digital tem provocado profundas mudanças na advocacia contemporânea, sobretudo em razão da judicialização online e da crescente utilização da inteligência artificial no âmbito jurídico. Nesse cenário, surge a preocupação com os impactos dessas inovações na prática advocatícia, especialmente no que tange à eficiência dos serviços jurídicos, à segurança profissional dos advogados e aos limites éticos envolvidos. Objetiva-se, portanto, analisar as repercussões da tecnologia na advocacia, investigando sua influência na acessibilidade à justiça, na gestão processual e nos desafios éticos resultantes do uso da inteligência artificial. Para tanto, procede-se a uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com base em revisão bibliográfica e documental. Examina- se a legislação vigente, resoluções do Conselho Nacional de Justiça e estudos acadêmicos sobre a digitalização do Judiciário. Desse modo, observa-se que a tecnologia pode conferir maior eficiência ao trâmite processual e democratizar o acesso à justiça, embora apresente desafios como a dependência exacerbada a sistemas automatizados e o risco de comprometimento da ética profissional. O que permite concluir que a inovação digital deve ser implementada de maneira equilibrada, garantindo a autonomia do advogado e a segurança jurídica no exercício da profissão.
Palavras-chave: Advocacia; Tecnologia; Acesso à Justiça; Digitalização.
Abstract:
Digital transformation has been driving profound changes in contemporary law practice, particularly due to the rise of online litigation and the growing adoption of artificial intelligence in the legal field. In this context, concerns arise regarding the impact of these innovations on legal practice, especially in relation to the efficiency of legal services, the professional security of lawyers, and the ethical boundaries involved. Therefore, the aim is to analyze the implications of technology in law, investigating its influence on access to justice, case management, and the ethical challenges arising from the use of artificial intelligence. To this end, a qualitative, exploratory research approach is adopted, based on bibliographic and documentary review. Current legislation, resolutions from the National Justice Council, and academic studies on the digitalization of the judiciary are examined. It is observed that technology can enhance procedural efficiency and democratize access to justice, although it presents challenges such as excessive reliance on automated systems and the risk of compromising professional ethics. This leads to the conclusion that digital innovation must be implemented in a balanced manner, ensuring the lawyer’s autonomy and legal security in the exercise of the profession.
Keywords: Law Practice; Technology; Access to Justice; Digitalization.
INTRODUÇÃO
Este artigo insere-se na atualíssima discussão pautada sobre as repercussões da tecnologia no contexto jurídico atual, debruçando-se, com especificidade no impacto das tecnologias digitais para a prática da advocacia, nas vantagens e desafios que a judicialização online e a inteligência artificial trazem para a eficiência dos processos jurídicos e a segurança profissional dos advogados. A crescente digitalização do sistema judiciário, com a oferta de serviços online, tem proporcionado facilidades na consulta e ajuizamento de ações, além de uma gestão mais eficiente dos processos. No entanto, surgem preocupações acerca do impacto da inteligência artificial na atuação do advogado, colocando em xeque a segurança do exercício da profissão e os parâmetros éticos insculpidos na adoção dessas tecnologias. Assim, indagou-se: Como a tecnologia digital repercute na prática da advocacia, especialmente em relação à judicialização online e à inteligência artificial?
Estima-se que a tecnologia digital, quando media o acesso à justiça e a gestão dos processos, potencializa a eficiência da atuação do advogado, embora também introduza riscos significativos que exigem uma reflexão crítica sobre os limites éticos e profissionais da inteligência artificial na advocacia. Ademais, a digitalização da justiça pode ser uma ferramenta potente de democratização do seu acesso, diminuindo barreiras físicas e temporais, sendo que o uso da tecnologia no contexto jurídico atual do Acre podo promover mais celeridade aos processos e maior amplitude de conhecimento das causas e dos atos processuais pelos advogados.
A opção pelo tema relacionado às repercussões da tecnologia no horizonte jurídico atual é justificada pela crescente intersecção entre inovação tecnológica e práticas jurídicas, que tem transformado de maneira indelével a atuação dos operadores do Direito. A judicialização online e a gestão digital de processos podem ser ferramentas que não facilitam o acesso à justiça, porém impõem novos paradigmas ao exercício da advocacia, suscitando reflexões acerca da eficiência e da ética na profissão.
No âmbito acadêmico, a pesquisa é pertinente, uma vez que contribui para a formação de um corpo teórico sólido acerca da repercussão da tecnologia no Direito, especialmente em um cenário marcado pela transição de modelos tradicionais para formas mais ágeis e acessíveis de atuação judicial. A relevância social do estudo se expressa na busca pela acessibilidade e democratização da justiça, permitindo que cidadãos em diversas condições socioeconômicas tenham seus direitos garantidos de maneira célere e eficaz.
O objetivo geral do estudo é analisar as repercussões da tecnologia no contexto jurídico atual, com foco na judicialização online e na utilização da inteligência artificial e suas implicações para a prática da advocacia. Isto posto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: investigar a acessibilidade da judicialização online e seus efeitos na eficiência dos serviços jurídicos; examinar como a tecnologia contribui para a gestão de prazos e ações judiciais, promovendo a economicidade de tempo na prática advocatícia e ponderar os riscos associados à adoção da inteligência artificial na advocacia, especialmente em termos de segurança profissional e ética.
O estudo foi estruturado a partir de uma abordagem qualitativa e exploratória, voltada à análise das repercussões da tecnologia no contexto jurídico, com ênfase na judicialização online, na gestão processual e nos riscos da inteligência artificial para a atuação dos advogados. A concepção qualitativa se justifica pela necessidade de investigar, de forma interpretativa, os efeitos dessas inovações tecnológicas na prática advocatícia e nos princípios éticos da profissão.
A pesquisa que subsidia o referencial é de natureza bibliográfica e documental, baseada em fontes doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais assim como de documentação direta. Foram analisados textos normativos que regem o processo eletrônico e a utilização de mecanismos tecnológicos no âmbito do Judiciário, tais como o Código de Processo Civil e as Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e revisados estudos acadêmicos e artigos que discutem as implicações da inteligência artificial no Direito
Como profissionais de uma sociedade informatizada e digitalizada, é imprescindível que o futuro operador do direito possa estar cônscio dos desafios e das possibilidades que a digitalização da justiça traz, pois, entende-se que essa digitalização também pode se configurar como um mecanismo válido de democratização do acesso à justiça.
Diante desses desafios e avanços tecnológicos, o presente estudo se pautou pelo escrutínio das transformações que estão moldando o sistema jurídico e os seus impactos na profissão advocatícia. Portanto, investigar as implicações da tecnologia na advocacia contemporânea é basilar para entender os novos desafios enfrentados pelos advogados, assegurando que a inovação não comprometa os princípios fundamentais da ética e da justiça.
1 A JUDICIALIZAÇÃO ONLINE E A ACESSIBILIDADE À JUSTIÇA
Este estudo parte da análise da judicialização online, um advento que revolucionou o modo como o acesso à justiça é exercido. A temática é alusiva à adoção de plataformas digitais que mediam o ajuizamento de ações e a tramitação processual de modo inteiramente eletrônico. A judicialização online, fenômeno que emerge da confluência entre a transformação digital e a necessidade premente de democratizar o acesso à justiça, constitui um dos aspectos mais relevantes da contemporaneidade jurídica brasileira (Moreira; Santos, 2020).
A partir da análise da vasta legislação atinente ao Direito no ambiente digital, especialmente do marco civil da internet, é possível perceber a inequívoca obrigação estatal de fornecer os meios suficientes para o acesso à justiça nos procedimentos virtuais. Nesse ponto, importante lembrar da obrigação do Estado de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos insuficientes de recursos (artigo 5°, LXXIV, da CF/88). No caso, a vulnerabilidade cibernética aparece como o maior obstáculo ao acesso à justiça digital (Moreira; Santos, 2020, p. 7).
Nos últimos anos, a digitalização dos processos judiciais, mediante a implementação de sistemas eletrônicos como o Processo Judicial Eletrônico (PJe), as audiências virtuais e demais ferramentas tecnológicas, tem proporcionado novas possibilidades de interação entre o jurisdicionado e o Poder Judiciário, reduzindo barreiras geográficas e econômicas historicamente excludentes (Suriani, 2022).
Observa-se que a denominada “justiça digital” se configura como vetor fundamental para a concretização do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, na medida em que amplia o acesso a mecanismos de resolução de conflitos e confere celeridade aos trâmites processuais (Oliveira, 2021).
Com efeito, estudos recentes apontam que a digitalização do processo judicial favorece sobremaneira a democratização do acesso à justiça, especialmente em países marcados por acentuadas desigualdades sociais e regionais, como é o caso do Brasil (Oliveira, 2021).
Nesse sentido, a análise conduzida por Sanches et al. (2021) destaca que a implementação de plataformas virtuais para a tramitação processual promove a redução de custos operacionais, facilita o acompanhamento das demandas pelo jurisdicionado e, sobretudo, estimula a participação de sujeitos tradicionalmente marginalizados do sistema de justiça.
De igual modo, a utilização de audiências virtuais tem se revelado uma alternativa viável e eficiente para assegurar a continuidade da prestação jurisdicional em contextos de crise, a exemplo da pandemia de Covid-19, que impôs severas restrições à realização de atos presenciais (Moreira: Santos, 2020).
De acordo com Rodrigues e Lima (2022), a adoção de tais garantiu a manutenção do funcionamento do Judiciário e inaugurou um novo paradigma para a realização dos atos processuais, pautado na desmaterialização e na virtualização das práticas forenses. Entretanto, cumpre salientar que a judicialização online, embora dotada de inegáveis potencialidades democratizantes, não se apresenta isenta de desafios e limites.
Destacam-se alguns ganhos presumivelmente decorrentes da mediação do acesso à justiça pela tecnologia: a) redução do custo no fornecimento dos serviços e de mão de obra, de modo a permitir que a economia auferida seja destinada à prestação de serviços adicionais que aproximem o cidadão dos órgãos judiciais; b) automação de procedimentos e aceleração de atos processuais, resultando em diminuição do tempo de tramitação dos processos; c) o atendimento on-line ou virtual possibilita uma maior capilaridade para o sistema de justiça desenvolver funções (a busca de registro civil, apresentação de notícia-crime, promoção de conciliações, o tradicional processamento de demandas e outras atividades); d) remoção das barreiras geográficas (Saldanha; Medeiros, 2018, p. 5).
Conforme asseveram Sanches et al. (2021), a exclusão digital figura como um dos principais entraves à plena efetividade da justiça digital, sobretudo em regiões interioranas e periféricas, onde o acesso à internet e a dispositivos tecnológicos ainda se mostra deficitário. A democratização do acesso à justiça demanda, necessariamente, políticas públicas que assegurem a universalização do acesso aos meios digitais.
A problemática da desigualdade no acesso às tecnologias e seus impactos na judicialização online também é objeto de análise no estudo desenvolvido por Moraes e Santos (2020), os quais enfatizam a necessidade de o Estado adotar medidas concretas que viabilizem a inclusão digital, sob pena de reproduzir e aprofundar as assimetrias já existentes no âmbito do sistema de justiça.
Nesse aspecto, o processo de digitalização, para ser verdadeiramente democratizante, deve ser acompanhado por políticas estruturantes que visem à capacitação tecnológica dos cidadãos e à ampliação da infraestrutura de conectividade.
Ademais, a literatura especializada tem ressaltado que a eficácia da judicialização online não se restringe à disponibilização de plataformas digitais,
sendo imprescindível que tais instrumentos sejam dotados de usabilidade, acessibilidade e segurança, a fim de garantir a confiabilidade e a efetividade das decisões judiciais (Suriani, 2022).
As diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especialmente a Resolução nº 354/2020, que disciplina a realização de audiências e sessões por meio de videoconferência, constituem importante marco normativo para a institucionalização das práticas digitais no sistema judiciário brasileiro (Brasil, 2020).
Art.1º Esta Resolução regulamenta a realização de audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais e a comunicação de atos processuais por meio eletrônico nas unidades jurisdicionais de primeira e segunda instâncias da Justiça dos Estados, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral, bem como nos Tribunais Superiores, à exceção do Supremo Tribunal Federal.
Art. 2º Para fins desta Resolução, entende-se por:
I – videoconferência: comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias; e
II – telepresenciais: as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias.
Parágrafo único. A participação por videoconferência, via rede mundial de computadores, ocorrerá:
I – em unidade judiciária diversa da sede do juízo que preside a audiência ou sessão, na forma da Resolução CNJ nº 341/2020; e
II – em estabelecimento prisional. (Brasil, 2020).
Por conseguinte, verifica-se que a democratização do acesso à justiça mediante a judicialização online implica uma reconfiguração não apenas dos procedimentos judiciais, mas também das relações entre o Estado, o cidadão e a tecnologia, promovendo uma maior horizontalidade na distribuição dos direitos e garantias fundamentais (Moraes; Santos, 2020).
A esse respeito, Machado e Silva (2023) destacam que o fortalecimento da justiça digital representa uma estratégia eficaz para o combate à morosidade processual, além de conferir maior transparência às atividades jurisdicionais, ao permitir que as partes acompanhem em tempo real o andamento dos processos.
Por outro lado, há autores que advertem para os riscos associados à supervalorização da tecnologia no campo jurídico, ressaltando que a automatização dos procedimentos não deve substituir a imprescindível mediação humana na resolução dos conflitos (Oliveira, 2021).
Sob tal perspectiva, a justiça digital deve ser concebida não como um fim em si mesma, mas como um meio apto a potencializar a realização do direito material, respeitando sempre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Em suma, o debate acadêmico contemporâneo revela que a judicialização online no Brasil configura-se como um fenômeno amplo, que conjuga potencialidades emancipadoras e desafios estruturais. O avanço da digitalização processual e a ampliação das audiências virtuais, quando acompanhados de políticas públicas que assegurem a inclusão digital e o fortalecimento das garantias processuais, podem contribuir significativamente para a democratização do acesso à justiça, promovendo uma justiça mais acessível, eficiente e transparente (Suriani, 2022).
Assim, observa-se que a construção de um sistema de justiça verdadeiramente democrático, no contexto da era digital, depende não somente da inovação tecnológica, mas também de um compromisso ético e político com a promoção da igualdade, da dignidade e dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, conforme exorta a doutrina constitucional contemporânea (Oliveira, 2021).
O Brasil encontra-se em posição avançada em relação a outros países no que se refere à informatização dos processos judiciais. Vale destacar que, mesmo antes da promulgação da lei que regulamenta a informatização do processo, o país já autorizava a realização de certos atos processuais de forma eletrônica (Sanches et al., 2021).
Nessa acepção, Ottoboni e Nunes (2023), enfatizam o papel das tecnologias e suas iniciativas promissoras para aperfeiçoar e democratizar o acesso à justiça e contemplando as repercussões das tecnologias na resolução de conflitos.
Essa evolução encontra suas raízes no desenvolvimento da informatização do Judiciário e na importância de maior eficiência e agilidade na prestação jurisdicional. O conceito se consolidou com a criação do Processo Judicial Eletrônico (PJe), regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), implicando em um marco na adaptação das instâncias judiciais às novas demandas da era digital.
Partindo das inovações tecnológicas, o processo judicial se torna digital e eletrônico, prometendo tornar o processo mais célere, econômico e eficiente, e ainda contribuindo para satisfação de outras proteções constitucionais, pois elimina toneladas de insumos, como o papel (já que os autos migram do físico para o digital na plataforma eletrônica). No entanto, apesar das aparentes vantagens da virtualização dos procedimentos judiciais, é necessário discutir sobre como tal fenômeno se adéqua a exigências constitucionais de matriz processual, a exemplo da celeridade e do acesso à justiça. Quanto à primeira, interessante analisar se a digitalização realmente contribui para uma duração razoável do processo, mas não é a proposta deste trabalho (Saldanha; Medeiros, 2018, p. 2).
Nesse prisma, Mendonça e Nascimento (2023) pontuam que o acesso à justiça na era digital passou a ser amplamente facilitado, possibilitando que cidadãos e advogados interajam com o sistema judiciário sem necessidade de deslocamento físico. A digitalização e seus processos afiançaram o ajuizamento de ações de forma remota e a consulta de processos diretamente por meio de portais eletrônicos, desburocratizando a dinâmica processual.
Não há dúvida de que o desenvolvimento das funções do Poder Judiciário em plataformas eletrônicas tem potencial para otimizar os serviços e alcançar áreas isoladas e negligenciadas e, desse modo, permitir que as pessoas em situação de pobreza desfrutem de uma oportunidade real de atendimento em igualdade de condições com os demais cidadãos. Na era digital as audiências ocorrem por videoconferência, as comunicações e atos processuais são eletrônicos, com perspectiva de que cada vez mais a atuação jurisdicional se dê em meio digital (ou eletrônico, ou virtual). Por isso, é necessário construir políticas, influenciar projetos e programas, com o objetivo de que essa realidade não exacerbe as dificuldades daqueles que vivem em situação de pobreza, considerados excluídos digitais (Oliveira, 2021, p. 16).
Apontam Boff e Hasse (2017, p. 173) que “a implantação da era digital no Poder Judiciário possui a pretensão de dar efetividade à economia processual”. No entanto, essa transformação, ainda que traga inegáveis benefícios, gera desafios que não podem ser desconsiderados. O acesso à internet e o letramento digital são barreiras que devem ser superadas para que a plena democratização do acesso à justiça seja efetivada.
Para Ceo e Lila (2024), a digitalização do Judiciário, conquanto represente um inegável avanço em prol da celeridade processual e da desburocratização dos ritos jurídicos, enseja uma série de indagações atinentes à efetivação do acesso à justiça, especialmente sob a ótica da equidade e da inclusão digital.
A ascensão das plataformas eletrônicas como meio predominante de ajuizamento e tramitação processual reconfigurou a dinâmica do sistema jurídico, tornando-o mais ágil e eficiente. Tal avanço não se verifica sem percalços, pois a dependência dos meios digitais impõe desafios significativos, tanto aos jurisdicionados quanto aos operadores do Direito, os quais necessitam se ajustar a essa nova realidade (Ceo; Pila, 2024).
Contudo, essa expansão também traz desafios importantes, como a necessidade de uma comunicação efetiva e clara durante as interações judiciais, garantindo que todos os envolvidos possam participar adequada e efetivamente do ato processual (Costa; Lunardi; Guimarães, 2024, p. 2).
No que concerne ao jurisdicionado, um dos principais entraves consiste na desigualdade de acesso às tecnologias da informação, fator que pode obstar a fruição plena dos direitos fundamentais garantidos pelo ordenamento jurídico. O ambiente virtual, embora amplie as possibilidades de participação nos procedimentos judiciais, também impõe barreiras estruturais para aqueles que não possuem familiaridade com as ferramentas digitais ou não dispõem dos recursos necessários para utilizá-las adequadamente (Santos; Santos, 2023).
A aludida circunstância erige a indagação sobre o real dimensionamento da democratização proporcionada pelo processo judicial eletrônico, na medida em que a ausência de políticas públicas voltadas à inclusão digital pode resultar na perpetuação de assimetrias sociais, criando um novo tipo de exclusão jurídica, agora baseada na competência tecnológica e na disponibilidade de infraestrutura digital.
Ademais, a adaptação dos operadores do Direito ao ambiente digital constitui outra vertente de extrema relevância. A advocacia contemporânea exige, para além do domínio dos institutos jurídicos tradicionais, uma proficiência técnica que permita o manuseio eficiente das ferramentas digitais disponíveis no sistema informatizado do Judiciário.
Santos e Santos (2023) aduzem que a transição do modelo físico para o digital exige que os advogados contemplem novéis habilidades, muitas das quais não foram contempladas na formação acadêmica convencional. A exigência de conhecimento técnico para a correta utilização dos portais eletrônicos de peticionamento, consulta e acompanhamento processual pode implicar em um óbice considerável para profissionais que não tenham familiaridade com tais inovações, o que reforça a necessidade de capacitação contínua e atualização profissional.
Sob outra perspectiva, a dependência crescente da tecnologia no campo jurídico suscita preocupações quanto à segurança da informação e à preservação do sigilo profissional. A advocacia lida, por sua própria natureza, com um volume substancial de dados sensíveis, cuja exposição indevida pode comprometer não apenas a privacidade dos envolvidos, mas também a integridade dos processos judiciais.
A substituição dos autos físicos pelos sistemas digitais requer um nível elevado de proteção contra ataques cibernéticos, extravios e acessos não autorizados, tornando imperiosa a aplicação de protocolos de segurança robustos e de mecanismos eficazes de controle e auditoria das informações (Ceo; Pila, 2024). A despeito dos desafios, a virtualização dos processos judiciais propicia benefícios inegáveis, sendo um dos principais a celeridade na tramitação dos feitos. A eliminação das barreiras físicas, aliada à automação de determinadas etapas processuais, reduz significativamente o tempo de duração das demandas, proporcionando maior previsibilidade e eficiência ao sistema de justiça (Santos; Santos, 2023).
Outrossim, a possibilidade de peticionamento eletrônico e a realização de audiências virtuais ampliam a capacidade de atendimento dos órgãos jurisdicionais, contribuindo para a redução do volume de processos represados. Além disso, a digitalização do Judiciário possibilita a maior transparência e publicidade dos atos processuais, permitindo que advogados e partes interessadas acompanhem os trâmites de forma remota, sem necessidade de deslocamentos frequentes às sedes dos tribunais (Costa; Lunardi; Guimarães, 2024).
Essa maior acessibilidade, contudo, deve ser analisada com cautela, haja vista que a exposição excessiva de determinados documentos pode ferir direitos fundamentais, sobretudo conquanto à privacidade e ainda referente à proteção de dados pessoais. Destarte, a modernização do sistema jurídico deve ser conduzida com o devido equilíbrio entre eficiência e salvaguarda dos princípios éticos e normativos que regem o Direito.
É certo que o acesso universal à internet é um importante direito a ser efetivado, mas pode não ser suficiente, razão pela qual se sugere a adoção de medidas que promovam a inclusão digital, como instrumento de democratização do acesso à justiça. Por isso, ao longo do texto, apresentou-se um cenário otimista de como a assistência digital pode fazer com que o impacto da tecnologia seja positivo para o acesso à justiça, dependendo das iniciativas integradas e estratégicas do Poder Judiciário, dos demais atores do sistema de Justiça e da sociedade (Oliveira, 2021, p. 16).
Relativo ao acesso à justiça, é fundamental que as inovações tecnológicas sejam implementadas de maneira inclusiva, garantindo que a virtualização dos processos não resulte na marginalização de determinados grupos sociais.
Os estudos de Ceo e Pila (2024) ressaltam que o ideal de um sistema jurídico democrático e equitativo pressupõe a adoção de políticas que assegurem a universalização do acesso às ferramentas digitais, tais como programas de capacitação, suporte técnico para advogados e jurisdicionados e disponibilização de espaços físicos equipados para aqueles que não possuem estrutura tecnológica adequada.
O avanço da judicialização online, por conseguinte, deve ser acompanhado por medidas que minimizes as desigualdades tecnológicas e garantam que a digitalização da justiça cumpra seu papel enquanto instrumento de promoção da acessibilidade e da eficiência (Oliveira, 2021).
Os influxos de democratização da acessibilidade à justiça na era digital não se perfazem apenas pela substituição dos autos físicos por sistemas eletrônicos, mas pela criação de um ambiente jurídico que contemple a pluralidade de realidades sociais e promova a efetiva participação de todos os cidadãos, independentemente de sua condição socioeconômica ou grau de familiaridade com a tecnologia (Sanches et al., 2021).
Diante disso, impõe-se uma reflexão crítica acerca dos limites e possibilidades da digitalização do Judiciário, de modo a assegurar que as transformações tecnológicas sejam incorporadas ao sistema jurídico sem comprometer os princípios fundamentais que regem o devido processo legal e a ampla defesa.
O desafio consiste, portanto, em equilibrar inovação e segurança, eficiência e equidade, modernização e respeito às garantias processuais, de modo que a justiça digital seja não apenas mais ágil, mas, sobretudo, mais acessível e inclusiva. Com efeito, a judicialização online se insere em um contexto mais amplo de transformação estrutural do Direito, em que a tecnologia assume papel central na redefinição das práticas jurídicas e na conformação dos novos paradigmas da advocacia.
Se, por um lado, a informatização do Judiciário representa um avanço inquestionável no sentido da modernização e da racionalização da atividade forense, doutra banda, é imprescindível que essa revolução digital seja conduzida com a devida cautela, assegurando que a inovação tecnológica esteja sempre a serviço da justiça e ainda da dignidade da pessoa humana (Ceo; Pila, 2024).
O avanço tecnológico, nesse sentido, não deve ser compreendido enquanto um fim em si mesmo, todavia como ferramenta de aprimoramento do sistema jurídico, devendo estar sempre alinhado aos princípios que norteiam a função jurisdicional.
A acessibilidade, a celeridade e a segurança da informação são pilares fundamentais desse novo modelo de justiça digital, cuja consolidação exige a colaboração entre os múltiplos atores do sistema jurídico, bem como a adoção de políticas que garantam a efetiva inclusão digital e o resguardo aos direitos fundamentais dos jurisdicionados.
Em última análise, a revolução digital na esfera jurídica impõe desafios inescapáveis à advocacia contemporânea, os quais devem ser enfrentados com uma abordagem crítica e estratégica. A adaptação às novas tecnologias não pode se restringir à mera utilização de plataformas eletrônicas, mas deve abranger uma transformação mais profunda no modo como o Direito é exercido e compreendido atualmente (Oliveira, 2021).
Assim, a inserção da tecnologia na advocacia não deve comprometer a essência da profissão, mas, ao contrário, deve potencializar sua capacidade de garantir o acesso à justiça, fortalecer a atuação dos advogados e promover a eficiência da prestação jurisdicional, sempre em concordância com as premissas éticas e normativos que fundamentam a atividade jurídica.
2 VANTAGENS E DESAFIOS DA JUDICIALIZAÇÃO ONLINE
Diversos sistemas judiciários ao redor do mundo estão implementando plataformas de arquivamento eletrônico e gerenciamento processual, nas quais todos os registros são armazenados em formato digital (Machado; Colombo, 2021). Essas inovações tecnológicas, especialmente os documentos virtuais, têm contribuído para a redução do volume de processos acumulados e impulsionado de maneira expressiva a eficiência das instâncias judiciais, tanto em nações desenvolvidas quanto naquelas em processo de desenvolvimento (Ceo; Pila, 2024). As vantagens da judicialização online são diversas, proporcionando uma redução significativa nos prazos processuais, ao eliminar etapas burocráticas e desnecessárias, como o trânsito físico de documentos. A eliminação de custos com deslocamentos e a maior transparência na tramitação dos processos são benefícios amplamente reconhecidos (Bragança, 2023).
Entretanto, para Nunes e Paolinelli (2021), o ambiente digital também introduz desafios relacionados à segurança de dados e à confiabilidade dos sistemas eletrônicos, que podem sofrer ataques cibernéticos, comprometendo assim a integridade das informações processuais e a proteção dos direitos das partes envolvidas.
Outro desafio da aplicação da tecnologia na área jurídica diz respeito ao sigilo na relação entre cliente e advogado. Isso porque, com o armazenamento de informações em nuvens, bem como em aparelhos eletrônicos, as informações podem facilmente se perderem ou serem roubadas (Maciel; Tibúrcio, 2019, p. 80).
O cuidado na relação de sigilo havida entre advogado e cliente, mencionada por Maciel e Tibúrcio (2019), revela um dos desafios mais sensíveis da digitalização dos processos judiciais. A informatização da advocacia impõe novas exigências quanto à proteção de dados, pois a vulnerabilidade das plataformas eletrônicas suscita questionamentos sobre a confidencialidade das informações estratégicas, especialmente diante da possibilidade de acessos não autorizados ou da violação por ataques cibernéticos.
Desse modo, a ascensão do processo eletrônico no Brasil, impulsionada sobretudo pela necessidade de racionalização e celeridade na prestação jurisdicional, trouxe à tona relevantes preocupações quanto à segurança da informação e à proteção dos dados pessoais dos sujeitos processuais.
A informatização do processo judicial, regulamentada inicialmente pela Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, foi um marco que ensejou uma mudança paradigmática na forma de tramitação dos feitos, possibilitando maior acessibilidade e transparência, mas, concomitantemente, ampliando os riscos relacionados à violação de dados sensíveis e ao comprometimento do sigilo processual.
Com o advento da Lei nº 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o ordenamento jurídico brasileiro passou a disciplinar, de maneira sistemática e principiológica, o tratamento de dados pessoais, impondo deveres e responsabilidades a todos os agentes que, de alguma forma, realizem operações envolvendo tais informações (Brasil, 2018).
A LGPD tem como escopo fundamental assegurar o direito à privacidade e à proteção dos dados pessoais, previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mais especificamente no artigo 5º, incisos X e XII, os quais consagram, respectivamente, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada e a proteção ao sigilo das comunicações (Brasil, 2018).
No contexto do processo eletrônico, os dados pessoais circulam em múltiplas plataformas e são acessados por uma diversidade de atores, tais como magistrados, servidores, advogados, membros do Ministério Público e até mesmo, em alguns casos, pelo público em geral.
Esta realidade suscita uma demanda incontornável por mecanismos de segurança que garantam a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade dessas informações, prevenindo eventuais vazamentos que possam gerar prejuízos de ordem moral, patrimonial ou institucional.
A LGPD, nesse cenário, desempenha papel central ao estabelecer diretrizes que incidem diretamente sobre o manejo de dados no âmbito do processo judicial eletrônico. De acordo com o artigo 6º da referida lei, o tratamento de dados deve observar, entre outros, os princípios da finalidade, da adequação, da necessidade, da segurança e da prevenção (Brasil, 2018).
Esses princípios orientam a atuação de todos os agentes envolvidos na tramitação processual, inclusive o advogado, cuja função institucional transcende a mera representação das partes, constituindo-se como elemento essencial à administração da justiça, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal (Brasil, 1988).
O princípio da segurança, consagrado no artigo supramencionado, impõe aos controladores e operadores de dados a adoção de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, bem como de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito. No ambiente digital do processo judicial, tal segurança demanda o emprego de sistemas de criptografia, autenticação por múltiplos fatores e políticas robustas de governança da informação.
O advogado, enquanto operador do Direito e protagonista na dinâmica processual, possui responsabilidade ética e legal quanto à proteção dos dados de seu constituinte. A confidencialidade das informações recebidas no exercício profissional encontra respaldo no Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994), especificamente no artigo 7º, inciso II, que assegura ao advogado o direito de resguardar o sigilo profissional. Tal prerrogativa, que é igualmente um dever, adquire novos contornos na era digital, na medida em que os meios de comunicação e armazenamento de informações são predominantemente eletrônicos (Brasil, 1994).
Neste ponto, cumpre destacar a importância do sigilo processual, instituto jurídico que visa resguardar interesses privados e sensíveis, protegendo-os da exposição pública. A LGPD, em seu artigo 7º, § 4º, estabelece que o tratamento de dados pessoais será dispensado de consentimento quando for indispensável para a execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, bem como para o exercício regular de direitos, inclusive em processo judicial, administrativo ou arbitral ((Brasil, 2018).
Embora o processo judicial envolva, por vezes, o tratamento de dados sem consentimento explícito das partes, a proteção desses dados deve ser assegurada mediante a observância dos princípios e das salvaguardas legais. Ademais, o artigo 11 da LGPD disciplina o tratamento de dados pessoais sensíveis, que são aqueles relacionados à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou organização de caráter religioso, filosófico ou político, bem como dados referentes à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico (Brasil, 2018).
No âmbito judicial, especialmente em demandas que envolvem direito de família, saúde, ou questões criminais, o manuseio desses dados sensíveis impõe um redobrado cuidado, tanto pelos magistrados quanto pelos advogados e servidores, sob pena de violação ao direito fundamental à proteção da privacidade. A atuação do advogado, nesse contexto, exige não apenas o domínio das normas processuais, mas também um conhecimento técnico sobre segurança da informação, a fim de que possa assegurar a inviolabilidade dos dados sob sua guarda e prevenir eventuais responsabilizações civis e disciplinares (Brasil, 1994).
O artigo 42 da LGPD prevê expressamente a responsabilidade do controlador ou operador que, em razão do exercício de atividades de tratamento de dados, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, sendo, portanto, imprescindível que os advogados adotem práticas diligentes no armazenamento e transmissão de informações processuais (Brasil, 2018).
Outro aspecto relevante a ser considerado refere-se ao papel do Poder Judiciário enquanto controlador de dados pessoais no âmbito do processo eletrônico. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 363/2021, instituiu a Política de Governança das Contratações no âmbito do Poder Judiciário, prevendo expressamente a necessidade de observância à LGPD em todas as contratações e operações que envolvam tratamento de dados pessoais.
No que concerne à caracterização da LGPD, importa ressaltar que a lei estrutura-se em capítulos que disciplinam desde os fundamentos e princípios do tratamento de dados até as sanções administrativas aplicáveis em caso de infração. Entre os artigos mais pertinentes ao processo eletrônico, além dos já mencionados, destaca-se o artigo 46, que estabelece a obrigação dos agentes de tratamento de adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas (Brasil, 2018).
Igualmente, o artigo 50 incentiva a elaboração de normas de boas práticas e de governança para o tratamento de dados pessoais, devendo tal recomendação ser implementada, também, no contexto das atividades advocatícias e jurisdicionais (Brasil, 2018).
Destaca-se, ainda, o artigo 55-A, que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD, inclusive no que se refere ao tratamento de dados no âmbito do Poder Judiciário e das atividades da advocacia. A existência dessa autoridade normativa e fiscalizadora reforça a centralidade da proteção de dados como valor jurídico fundamental, devendo orientar todas as práticas no âmbito do processo eletrônico (Brasil, 2018).
Constata-se, pois que a incorporação das diretrizes da LGPD no processo eletrônico não é apenas uma exigência normativa, mas representa um imperativo ético e jurídico para a preservação dos direitos fundamentais, especialmente o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais. A atuação diligente e consciente do advogado, conjugada com políticas institucionais eficazes de segurança da informação, constituem-se como elementos essenciais para assegurar a integridade e a legitimidade da administração da justiça no ambiente digital.
O sigilo profissional, pilar fundamental da advocacia, encontra-se, portanto, submetido a novos riscos que exigem não apenas uma adaptação dos operadores do Direito, mas também um rigoroso aprimoramento das infraestruturas tecnológicas empregadas no âmbito forense.
Diante desse cenário, a adoção de sistemas de criptografia avançada, autenticação multifator e outras barreiras de segurança tornou-se imperativa para garantir a inviolabilidade dos dados jurídicos armazenados em plataformas digitais. Todavia, essas salvaguardas técnicas, embora imprescindíveis, não são infalíveis, o que reforça a necessidade de uma regulação normativa específica e de uma constante atualização das práticas de cibersegurança no meio jurídico.
Junto a isso, a própria adesão dos profissionais do Direito a essas novas tecnologias nem sempre é homogênea, uma vez que muitos advogados, habituados ao modelo tradicional de atuação, demonstram resistência à adoção de ferramentas digitais, seja por desconhecimento técnico ou por receio quanto à confiabilidade dos sistemas (Machado; Colombo, 2021).
Por outro lado, não é possivel olvidar que a judicialização online trouxe benefícios incontestáveis, sobretudo no que concerne à celeridade processual e à acessibilidade da Justiça. A tramitação digital reduziu substancialmente a morosidade que historicamente caracteriza o Poder Judiciário brasileiro, permitindo que atos processuais fossem praticados remotamente, de maneira mais dinâmica e eficiente (Ceo; Pila, 2024).
A redução da necessidade de deslocamento de advogados e das partes para a execução de audiências e peticionamentos representa um avanço significativo, promovendo não apenas a economia de tempo e recursos, mas também o alargamento do acesso à Justiça, especialmente para aqueles que residem em rincões mais distantes dos centros urbanos.
Todavia, é fundamental ponderar que a virtualização dos processos não pode desconsiderar as desigualdades socioeconômicas que ainda persistem na sociedade brasileira. O acesso à tecnologia e à internet de qualidade não é universal, o que pode gerar entraves na busca por direitos, especialmente para pessoas que não dispõem dos meios necessários para utilizar as plataformas eletrônicas do Judiciário (Machado; Colombo, 2021).
A problemática reforça a importância de políticas públicas voltadas à inclusão digital, sob pena de se estabelecer um paradoxo: uma Justiça que, ao se digitalizar para ampliar o acesso, acabe por restringi-lo a determinadas parcelas da população. Além disso, a impessoalidade do meio digital pode impactar a percepção de justiça por parte dos jurisdicionados. O contato direto entre as partes, os advogados e os magistrados, que historicamente sempre conferiu um caráter humanizado aos litígios judiciais, é progressivamente substituído por interações mediadas por telas e algoritmos (Toledo; Pessoa, 2024).
Essa despersonalização do processo pode dificultar a construção da confiança na decisão judicial, especialmente em matérias sensíveis, como ações que envolvem direitos da personalidade, relações familiares e demandas de natureza social.
Ainda digna de inescapável reflexão é a necessidade de adaptação do próprio ordenamento jurídico às novas dinâmicas digitais. O arcabouço normativo brasileiro, embora tenha avançado com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015 e com a regulamentação do Processo Judicial Eletrônico pelo Conselho Nacional de Justiça, ainda carece de ajustes mais profundos para acompanhar a rápida evolução da tecnologia (Machado; Colombo, 2021).
A falta de uniformidade nos sistemas processuais utilizados pelos tribunais, a necessidade de padronização de procedimentos e a adequação das normativas às novas realidades tecnológicas são aspectos que precisam ser constantemente revisados para garantir a efetividade da Justiça digital.
Ademais, a ascensão da inteligência artificial no contexto jurídico tem suscitado discussões relevantes sobre a sua aplicabilidade e os desafios éticos que dela decorrem. A utilização de algoritmos para auxiliar na análise de jurisprudências, na elaboração de peças processuais e até mesmo na sugestão de decisões judiciais pode representar um avanço na eficiência da advocacia, reduzindo a sobrecarga dos operadores do Direito e permitindo uma gestão mais estratégica dos processos (Toledo; Pessoa, 2024).
No entanto, é imprescindível que se estabeleçam limites claros para o uso dessas ferramentas, com escopo de evitar que a autonomia da atividade advocatícia seja comprometida e que a inteligência artificial assuma um protagonismo incompatível com os princípios basilares da Justiça.
Afirmam Prado et al. (2024) que a ética profissional, nesse contexto, deve ser um vetor essencial na regulação dessas novas tecnologias. O risco de decisões automatizadas reproduzirem vieses discriminatórios ou de advogados dependerem excessivamente de softwares jurídicos para a construção de suas teses são questões que precisam ser enfrentadas com seriedade pela comunidade jurídica.
Para Machado e Colombo (2021), a tecnologia deve ser uma aliada da advocacia, e não um fator que reduza a independência intelectual dos operadores do Direito ou que comprometa a individualização dos casos concretos.
Sendo assim, a judicialização online e as inovações tecnológicas no âmbito do Direito devem ser conduzidas com parcimônia, equilibrando os benefícios da modernização com a necessidade de preservação dos princípios fundamentais da Justiça. Para Ceo e Pila (2024), o avanço tecnológico, embora promissor, não pode ser interpretado como finalístico em si mesmo, mas sim como um instrumento para a promoção de uma advocacia mais eficiente, acessível e ética.
Para tanto, faz-se necessário que os profissionais do Direito persistam em constante atualização, apropriando-se das novas ferramentas sem abdicar dos valores que fundamentam a prática jurídica. Dessa maneira, a revolução digital no Direito pode ser conduzida de forma a potencializar seus benefícios, mitigando os riscos e desafios que dela despontam.
3 FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS PARA A GESTÃO PROCESSUAL E CONTROLE DE PRAZOS
Seguindo essa análise, o estudo avança para a temática da gestão processual e o controle de prazos. Ferramentas tecnológicas têm sido amplamente adotadas para aprimorar a organização e a administração dos processos judiciais, viabilizando um controle mais rígido dos prazos e facilitando o acompanhamento de cada fase do procedimento (Barreto; Costa, 2022).
Softwares de gestão processual se destacam como instrumentos essenciais para advogados e servidores do Judiciário, ao possibilitarem o monitoramento de prazos, decisões e movimentações processuais de forma eficiente e automatizada (Maciel; Tibúrcio, 2019).
O controle de prazos, por sua vez, se revela um aspecto fundamental na prática advocatícia, destacadamente ante ao crescente volume de processos e da complexidade do sistema judicial. A tecnologia oferece soluções para a organização das rotinas dos advogados, assim como garante maior previsibilidade e segurança no cumprimento dos prazos processuais, diminuindo o risco de falhas humanas (Ribeiro et al, 2021).
A utilização de ferramentas tecnológicas na gestão processual e no controle de prazos representa um avanço expressivo na modernização do sistema jurídico, permitindo que advogados, magistrados e servidores do Judiciário administrem suas atividades com maior eficiência e segurança (Barrea et al., 2023).
A crescente complexidade dos processos judiciais, somada à sobrecarga dos tribunais, tem exigido soluções inovadoras que otimizem o trâmite processual, reduzam a incidência de equívocos e garantam maior previsibilidade na prática comum dos operadores do Direito (Barrea et al., 2023).
Dessa forma, a incorporação de softwares especializados e plataformas digitais se consolidou como um elemento indispensável à prática jurídica contemporânea, conferindo maior celeridade à prestação jurisdicional. No âmbito da advocacia, os softwares de gestão processual viabilizam o acompanhamento em tempo real das movimentações processuais, permitindo que os profissionais organizem suas agendas de maneira estratégica e evitem a perda de prazos cruciais (Toledo et al. 2023).
Essas ferramentas possuem funcionalidades que incluem notificações automáticas, categorização de processos por grau de urgência, geração de relatórios detalhados sobre o andamento das ações e integração com os sistemas eletrônicos dos tribunais.
Além disso, muitos desses softwares possibilitam a automação de tarefas repetitivas, como a elaboração de peças padrão, o preenchimento de petições e a indexação de documentos, reduzindo a margem de erro humano e otimizando o tempo dos advogados (Toledo et al. 2025).
Entre as principais soluções tecnológicas disponíveis, destacam-se os sistemas de controle de prazos baseados em inteligência artificial, que analisam o histórico de movimentações dos processos e preveem, com base em padrões estatísticos, prazos prováveis para novas diligências (Barrea et al., 2023).
Esse tipo de ferramenta permite que os profissionais do Direito se antecipem a eventuais exigências judiciais, garantindo uma atuação proativa e estratégica. O uso da inteligência artificial em dinâmicas de controle processual do mesmo modo se estende à identificação de jurisprudências relevantes, facilitando a fundamentação das teses jurídicas e proporcionando um embasamento mais sólido para as petições (Barrea et al., 2023).
No contexto dos tribunais, a informatização dos processos judiciais por meio do Processo Judicial Eletrônico (PJe) e de outros sistemas similares trouxe maior eficiência à tramitação dos feitos, eliminando a necessidade de deslocamento físico para a realização de protocolos e consultas processuais.
Esse modelo eletrônico não somente confere maior acessibilidade ao Judiciário, como igualmente colabora para a minimização dos custos operacionais e do tempo necessário para a prática dos atos processuais. Contudo, a uniformização desses sistemas ainda se apresenta como um desafio, uma vez que cada tribunal possui autonomia para adotar plataformas distintas, gerando dificuldades de adaptação para advogados que atuam em diferentes jurisdições (Machado; Colombo, 2021).
Além dos softwares especializados, outra inovação que tem ganhado relevância na gestão processual é a utilização de plataformas de colaboração e armazenamento em nuvem, que permitem o compartilhamento seguro de documentos e informações entre membros de uma equipe jurídica. Essas ferramentas garantem que os arquivos estejam sempre acessíveis e atualizados, eliminando a necessidade de armazenamentos físicos e possibilitando o trabalho remoto de forma integrada (Toledo et al. 2023).
Entretanto, a incorporação dessas tecnologias deve ser acompanhada de medidas rigorosas de segurança da informação, como criptografia de ponta a ponta e autenticação multifator, a fim de evitar o vazamento de dados sensíveis e garantir a proteção das informações processuais.
A automação na gestão processual também se manifesta por meio da utilização de chatbots e assistentes virtuais, que têm sido utilizados para responder a dúvidas frequentes de clientes, realizar triagens iniciais de casos e até mesmo auxiliar na elaboração de documentos jurídicos simples.
Embora essas ferramentas não substituam a atuação do advogado, elas contribuem para a otimização do tempo e a eficiência no atendimento aos clientes, permitindo que os profissionais se concentrem em atividades mais complexas e estratégicas (Barrea et al., 2023)
Significativamente importante na modernização da gestão processual é a utilização de dashboards jurídicos, que consistem em painéis interativos que reúnem dados sobre o andamento dos processos, os prazos pendentes e a performance da equipe advocatícia, o que permite uma análise visual e dinâmica das informações, possibilitando uma melhor alocação de recursos e um acompanhamento mais preciso da evolução dos casos (Toledo et al. 2023).
O uso de dashboards facilita a tomada de decisões estratégicas, pois fornece uma visão panorâmica e detalhada do fluxo de trabalho dentro de um escritório de advocacia ou departamento jurídico.
Contudo, apesar dos avanços proporcionados pela tecnologia, alguns desafios persistem na adoção dessas ferramentas. Um dos mais notórios entraves é a necessidade de capacitação contínua dos operadores do Direito para a correta utilização das plataformas digitais.
A resistência à inovação ainda é um fator presente em muitos ambientes jurídicos, seja por desconhecimento técnico ou por receio de que a automação possa comprometer a segurança e a qualidade dos serviços prestados. Por esse motivo, torna-se imprescindível que os cursos de graduação e pós-graduação em Direito incorporem disciplinas voltadas à tecnologia jurídica, preparando os futuros profissionais para a realidade digital do mercado (Toledo; Pessoa, 2024).
Além da capacitação dos advogados, a modernização do Judiciário exige investimentos constantes em infraestrutura tecnológica, especialmente no que se refere à segurança da informação. O aumento do volume de processos digitais torna os sistemas do Poder Judiciário alvos frequentes de ataques cibernéticos, o que demanda a utilização de medidas preventivas e a atualização constante dos protocolos de proteção de dados (Santos; Santos, 2023).
A justaposição à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é um requisito essencial nesse contexto, garantindo que as informações processuais sejam tratadas de forma ética e segura.
Igualmente relevante é a necessidade de adaptação legislativa para acompanhar a rápida evolução das tecnologias aplicadas ao Direito. O ordenamento jurídico brasileiro ainda possui lacunas normativas no que se refere à regulamentação da automação de atos processuais e à responsabilidade pelo uso de sistemas alicerçados em inteligência artificial. A falta de diretrizes específicas pode gerar insegurança jurídica, dificultando a plena adoção dessas inovações pelos operadores do Direito (Machado; Colombo, 2021).
Por fim, a transformação digital no meio jurídico não deve ser vista como uma mera substituição de procedimentos analógicos por ferramentas eletrônicas, mas sim como uma oportunidade para aprimorar a prestação jurisdicional e tornar o acesso à Justiça mais eficiente e inclusivo.
A adoção de tecnologias para a gestão processual e o controle de prazos deve ser conduzida de maneira planejada e criteriosa, garantindo que os benefícios da modernização sejam aproveitados sem comprometer os princípios fundamentais do sistema jurídico.
Destarte, a digitalização do Direito poderá consolidar-se como um instrumento eficaz para a promoção da celeridade processual, da transparência e da segurança jurídica, garantindo que a inovação tecnológica caminhe em consonância com os valores essenciais da Justiça.
4 IMPLICAÇÕES OPERACIONAIS E ÉTICAS DO USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA PRÁTICA JURÍDICA
A introdução da inteligência artificial (IA) no cenário jurídico representa um dos avanços tecnológicos mais significativos da atualidade, proporcionando novas formas de racionalização do trabalho e conferindo maior celeridade à prestação jurisdicional.
A mais nova fronteira que vem sendo desbravada pelo Poder Judiciário é a da inteligência artificial (IA), tecnologia com potencial de impactar significativamente os julgamentos e as relações de trabalho na instituição, especialmente diante do quadro de um Judiciário congestionado e cuja força de trabalho vem sendo paulatinamente reduzida (Prado et al., 2024, p. 328).
No entanto, sua aplicação suscita questões operacionais e éticas de grande complexidade, exigindo uma análise minuciosa sobre os impactos dessa tecnologia na advocacia, na magistratura e na administração da Justiça como um todo (Toledo; Pessoa, 2024).
O avanço das tecnologias também traz à tona uma questão categórica para o futuro da advocacia: os riscos da IA, que tem sido progressivamente aplicada no campo jurídico, seja na automatização de tarefas rotineiras, como a análise de documentos e contratos, seja na elaboração de pareceres ou mesmo na predição de decisões judiciais (Costa, 2023).
Embora o recurso ofereça soluções para agilizar o trabalho e reduzir custos, para Nunes et al. (2018), ela suscita uma série de implicações éticas e jurídicas. Um dos principais riscos associados à inteligência artificial na advocacia diz respeito à possibilidade de desvalorização do trabalho do advogado. A automação de tarefas complexas pode levar à substituição de algumas atividades realizadas por advogados, o que contrapõe o papel humano no exercício do Direito.
As implicações éticas também merecem atenção, visto que a utilização de algoritmos e sistemas de IA pode gerar decisões enviesadas ou inconsistentes, comprometendo os princípios de justiça e equidade. Ademais, a falta de transparência sobre o modo de execução dos sistemas de IA levanta questionamentos sobre a responsabilidade jurídica em casos de erros ou falhas (Fernandes; Meira; Mendes, 2023).
O uso de algoritmos no processo decisório, a falta de transparência na lógica subjacente aos sistemas de IA e os desafios na delimitação da responsabilidade jurídica são aspectos que demandam uma reflexão aprofundada, a fim de assegurar que a inovação tecnológica não comprometa os valores fundamentais do Direito (Toledo et al. 2023; Barrea et al., 2023).
O emprego da inteligência artificial na prática jurídica tem permitido a automação de tarefas que, até recentemente, eram realizadas exclusivamente por profissionais do Direito, como a elaboração de contratos, a análise de jurisprudências e a triagem de documentos processuais. Embora tais inovações representem um ganho em eficiência, elas também despertam preocupações sobre a desvalorização do trabalho advocatício e a possível substituição de advogados em determinadas atividades (Toledo; Pessoa, 2024).
Segundo Souza (2021), a automação pode restringir a atuação humana na produção de peças jurídicas padronizadas, reduzindo a necessidade de advogados para funções que exigem menor grau de interpretação e criatividade. Isso, por sua vez, pode impactar a formação acadêmica e a empregabilidade de novos profissionais, tornando essencial uma reavaliação dos currículos jurídicos para preparar os futuros operadores do Direito para esse novo cenário.
No âmbito do Poder Judiciário, a inteligência artificial já tem sido utilizada em triagens processuais, como ainda na análise preditiva de decisões e até na criação de roteiros de despachos. Tribunais brasileiros, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vêm adotando sistemas baseados em IA para auxiliar na gestão processual e na filtragem de demandas repetitivas.
No entanto, essa delegação de funções judicantes a sistemas automatizados levanta questionamentos sobre a confiabilidade desses algoritmos e os riscos de reprodução de vieses discriminatórios.
Segundo Barroso et al. (2022), a imparcialidade do magistrado pode ser comprometida caso as decisões tenham sido embasadas em modelos estatísticos que exponham preconceitos estruturais, ainda que de forma involuntária. Assim, a utilização de IA no Judiciário deve ser acompanhada de mecanismos rigorosos de controle e auditoria, garantindo que a tecnologia sirva como um instrumento de apoio, e não como um substituto do juízo humano.
Conforme Toledo e Pessoa (2024), um dos desafios mais complexos da utilização da IA na esfera jurídica reside na chamada opacidade algorítmica, que se refere à falta de transparência sobre os critérios adotados pelos sistemas de inteligência artificial na análise de dados e formulação de respostas.
Diferentemente dos métodos tradicionais de interpretação jurídica, nos quais o raciocínio lógico e a argumentação fundamentada são acessíveis e passíveis de contestação, os algoritmos operam com base em cálculos matemáticos e padrões estatísticos que nem sempre são compreensíveis pelos operadores do Direito (Toledo et al. 2023).
Para Prado et al. (2024), essa falta de clareza gera incertezas quanto à responsabilidade jurídica por eventuais erros ou injustiças cometidas por sistemas automatizados. Em caso de uma decisão equivocada baseada em IA, surge a questão: quem deve ser responsabilizado? O programador do sistema, a instituição que o adotou ou o profissional que se valeu da tecnologia para embasar sua atuação?
Segundo Fernandes, Meira e Mendes (2023), a ausência de normativas específicas sobre a responsabilização da IA no Direito cria um vácuo jurídico que pode comprometer a segurança das relações processuais. Torna-se imperativo, portanto, que o legislador estabeleça diretrizes claras sobre o uso de tecnologias automatizadas na prática jurídica, garantindo que a inovação tecnológica ocorra dentro de limites éticos e jurídicos bem definidos.
Quanto ao potencial risco de reprodução de vieses discriminatórios, os sistemas de IA são treinados com base em grandes volumes de dados históricos, o que significa que, caso esses dados contenham padrões de desigualdade, os algoritmos poderão perpetuar ou até amplificar tais distorções.
Estudos realizados por Carrera (2021) demonstraram que muitos modelos de IA apresentam vieses raciais e de gênero, pois refletem desigualdades estruturais presentes nos dados utilizados para o treinamento das máquinas. No contexto jurídico, isso pode se manifestar em sistemas de análise preditiva que, por exemplo, atribuam maior probabilidade de reincidência criminal a determinados grupos sociais ou sugiram decisões mais severas para réus de determinados perfis. No Brasil, esse problema é particularmente sensível, dada a desigualdade estrutural existente no acesso à Justiça e nas decisões judiciais.
O uso de IA no Judiciário, portanto, deve ser acompanhada de auditorias frequentes e mecanismos de correção de vieses, de modo a garantir que a tecnologia não se torne um instrumento de perpetuação de injustiças (Toledo et al. 2023).
A transparência é um dos subsídios elementares do Estado Democrático de Direito, sendo assecuratória da previsibilidade e da legitimidade das decisões judiciais. No entanto, a utilização de IA na prática jurídica pode gerar um cenário em que as decisões se tornem cada vez menos compreensíveis para advogados e jurisdicionados, dificultando a contestação de erros e abusos (Prado et al., 2024).
Para evitar essa problemática, Costa (2023) defende a adoção de mecanismos de explicabilidade nos sistemas de IA, de modo que as partes integrantes na lide possam compreender os critérios utilizados pelos algoritmos na formulação de suas análises.
Não obstante, é imprescindível que o uso de IA no Judiciário esteja subordinado a um controle humano efetivo. Os magistrados não devem simplesmente aceitar as sugestões dos sistemas automatizados sem uma verificação crítica dos fundamentos apresentados. O mesmo se aplica à advocacia, em que o uso de assistentes jurídicos baseados em IA deve servir como um apoio, e não como um substituto para a análise jurídica aprofundada e a construção de argumentações personalizadas.
Diante dos desafios e riscos apresentados pela inteligência artificial na prática jurídica, torna-se premente a necessidade de regulamentação específica sobre o tema. Embora o Brasil já tenha avançado na normatização do uso de tecnologias no setor público, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ainda há uma lacuna normativa quanto ao uso da IA no Direito (Toledo; pessoa, 2024).
Algumas propostas legislativas têm sido discutidas no Congresso Nacional, buscando propiciar parâmetros para o desenvolvimento e a aplicação de sistemas automatizados no âmbito jurídico, mas ainda não há um marco regulatório consolidado.
Prado et al. (2022) destacam que a ética no uso da IA também deve ser uma preocupação central. As faculdades de Direito precisam incorporar em seus currículos disciplinas que abordem os impactos das novas tecnologias na prática jurídica, preparando os futuros advogados e magistrados para lidar com essas inovações de maneira consciente e responsável.
De modo conjunto, os órgãos reguladores da advocacia e do Judiciário devem estabelecer diretrizes para asseverar que o uso da IA esteja sempre circunscrito aos princípios fundamentais do Direito, quais seja, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Nessa senda, o avanço da inteligência artificial na prática jurídica traz consigo uma série de oportunidades e desafios, exigindo um debate aprofundado sobre suas implicações operacionais e éticas. Se, por um lado, a tecnologia permite ganhos substanciais em eficiência e acessibilidade, por outro, sua utilização indiscriminada pode comprometer valores essenciais do ordenamento jurídico (Prado et al., 2024). Assim, é fundamental que o desenvolvimento e o aproveitamento da IA no Direito sejam pautados por princípios de transparência, equidade e controle humano, garantindo que essa inovação contribua para o aprimoramento da Justiça, sem substituir a análise crítica e a sensibilidade inerentes à performance dos operadores do Direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa deslindou as implicações e desafios da tecnologia na advocacia contemporânea, tendo como enfoque a judicialização online e o uso da inteligência artificial (IA) no exercício profissional dos advogados em Rio Branco, Acre. O objetivo geral foi analisar as repercussões da digitalização do sistema judiciário e das ferramentas tecnológicas aplicadas à prática advocatícia, avaliando seus impactos na eficiência dos serviços jurídicos e na segurança profissional dos advogados. Com isso, buscou-se compreender se a tecnologia pode ser um instrumento de democratização da justiça sem comprometer os princípios éticos da profissão.
Diante desse contexto, formulou-se a seguinte pergunta norteadora: quais são as implicações da tecnologia digital na prática da advocacia, especialmente em relação à judicialização online e à inteligência artificial? Os achados da pesquisa indicaram que a tecnologia tem se consolidado como um meio de aprimoramento da prestação jurisdicional, permitindo maior celeridade no trâmite processual e ampliando a acessibilidade ao sistema de justiça. No entanto, também se constatou que sua adoção não está isenta de riscos, sobretudo no que concerne à ética profissional, à segurança das informações e à autonomia decisória dos advogados. As hipóteses inicialmente levantadas foram parcialmente confirmadas.
Verificou-se que a tecnologia, ao otimizar a gestão processual e proporcionar maior previsibilidade às decisões, pode fortalecer a atuação dos advogados e ampliar o acesso à justiça. Contudo, sua aplicação irrestrita pode trazer desafios significativos, como a substituição de funções tradicionalmente desempenhadas por profissionais do Direito, a dependência excessiva de sistemas automatizados e o risco de vieses algorítmicos que comprometam a imparcialidade da justiça.
Entre as principais conclusões do estudo, destaca-se que a judicialização online representa um avanço inegável na administração da justiça, facilitando a consulta e o ajuizamento de ações, além de conferir maior transparência ao andamento processual. No entanto, sua prática requer cautela para garantir que a informatização do Judiciário não exija um grau de especialização digital que restrinja o acesso aos cidadãos menos familiarizados com as novas tecnologias.
A pesquisa também demonstrou que a inteligência artificial pode ser uma ferramenta poderosa na advocacia, desde que utilizada com critérios bem definidos. O uso de algoritmos para análise documental, predição de decisões e elaboração de peças jurídicas pode conferir eficiência ao trabalho do advogado, mas sua aplicação deve ser acompanhada de regulamentação rigorosa, evitando a delegação excessiva de funções que exijam interpretação jurídica e julgamento humano. Além disso, a falta de transparência dos sistemas de IA levanta preocupações quanto à responsabilidade jurídica por eventuais equívocos e decisões enviesadas.
Diante dessas constatações, reafirma-se a necessidade de que o emprego de novas tecnologias na advocacia ocorra de forma equilibrada, garantindo que a inovação digital seja uma aliada do profissional do Direito, e não uma ameaça à sua autonomia e ao exercício ético da profissão. Sugere-se, portanto, que a regulamentação sobre o uso de IA na prática jurídica seja aprimorada, estabelecendo mecanismos de controle e auditoria dos sistemas automatizados.
Ao cabo, recomenda-se que novos estudos sejam conduzidos para aprofundar a análise da relação entre tecnologia e Direito, investigando, por exemplo, a percepção dos advogados sobre a digitalização do Judiciário e as implicações da IA no exercício da advocacia privada e pública. A compreensão desses fenômenos é fundamental para que o avanço tecnológico seja conduzido em consonância com os princípios da justiça, da equidade e da segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
BARREA, A. et al. Inteligência artificial–IA: reflexões sobre sua utilização pelo poder judiciário. Revista Judicial Brasileira, v. 3, p. 329-361, 2023. Disponível em: https://revistadaenfam.emnuvens.com.br/renfam/article/view/229. Acesso em: 21 mar. 2025.
BARRETO, G. L.; COSTA, V. R. M. O impacto das novas tecnologias na administração da justiça em breve perspectiva comparada e internacional: a experiência brasileira e europeia. Revista CNJ, v. 6, n. 2, 2022. Disponível em: https://www.joserobertoafonso.com.br/wp-content/uploads/2023/11/o-impacto-das- novas-tecnologias-na-administracao-da-justica-em-breve-perspectiva-comparada- e-internacional-barreto-costa.pdf. Acesso em: 14 set. 2024.
BOFF, S. O.; HASSE, F. Implicações do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’S) e da sociedade digital no acesso à justiça no Processo Judicial Eletrônico – PJ. Revista Jurídica (FURB), v. 21, n. 44, p. 161–183, 2017. Disponível em: https://ojsrevista.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/6171. Acesso em: 24 set. 2024.
BRAGANÇA, F. O progresso da justiça digital no Brasil: da urna eletrônica ao programa 4.0. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 24, n. 3, 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/redp/article/view/65781. Acesso em: 20 set. 2024.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 354, de 19 de novembro de 2020. Dispõe sobre a realização de atos processuais por meio de videoconferência. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 maio 2025.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 363, de 12 de janeiro de 2021. Institui a Política de Governança das Contratações no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Diário da Justiça Eletrônico: Brasília, DF, 13 jan. 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3592. Acesso em: 29 maio 2025.
BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial da União: Brasília, DF, 5 jul. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 29 maio 2025.
CARRERA, F. Algoritmos de Inteligência Artificial (IA) e Vieses: uma reflexão sobre ética e justiça. PrograMaria, 2021. Disponível em: https://www.programaria.org/algoritmos-de-inteligencia-artificial-e-vieses-uma- reflexao-sobre-etica-e-justica/. Acesso em: 25 mar. 2025.
CEO, T. S; PILA, A. D. Modernização do judiciário goiano e desenvolvimento regional: uma análise das políticas públicas de tecnologia da informação do conselho nacional de justiça sob a ótica dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, v. 7, n. 15, p. e151404-e151404, 2024. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/7575. Acesso em: 25 mar. 2025.
COSTA, V. P. Inteligência Artificial e Advocacia: Benefícios e Malefícios das Novas Tecnologias na Advocacia e o Futuro da Profissão no Brasil. Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação, p. 17-150, 2023. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/11698. Acesso em: 16 set. 2024.
COSTA, R. L.; LUNARDI, F. C. L.; GUIMARÃES, T. de A. Audiências virtuais e sua relação com acessibilidade, recursos e estrutura e desempenho do judiciário. Anais do ENAJUS, Brasília, 2023.
FERNANDES, A. C.; MEIRA, T.; MENDES. Impactos da Inteligência Artificial na Advocacia Brasileira: desafios e oportunidades. Revista Jurídica do Nordeste Mineiro, v. 7, n. 1, 2023. Disponível em: http://revista.unipacto.com.br/index.php/juridica/article/view/2010. Acesso em: 14 set. 2024.
MACHADO, F. de M.; COLOMBO, C. Inteligência artificial aplicada à atividade jurisdicional: desafios e perspectivas para sua implementação no Judiciário. Revista da Escola Judicial do TRT4, v. 3, n. 5, p. 117-141, 2021. Disponível: https://periodicos.trt4.jus.br/revistaejud4/article/view/113. Acesso em: 23 mar. 2025.
MACIEL, A. L. M.; TIBÚRCIO, P. P. Tecnologia e o futuro da advocacia. Direito, Tecnologia & Globalização. Porto Alegre, Editora Fi, cap, v. 3, p. 73-97, 2019. Disponível em: https://biblioteca.unisced.edu.mz/bitstream/123456789/3438/1/Direito%2C%20Tec nologia%20%26%20Globaliza%C3%A7%C3%A3o.pdf#page=73. Acesso em: 20 set. 2024.
MENDONÇA, M. T.; NASCIMENTO, A. C. L. Desafios da acessibilidade à justiça na era digital: implicações e perspectivas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 11, p. 279-291, 2023. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/12102. Acesso em: 20 set. 2024.
MOREIRA, T. R; SANTOS, K. E. G. Acesso à justiça e tecnologia. Revista Em Tempo, v. 20, n. 1, 2020. Disponível em: https://revista.univem.edu.br/emtempo/article/view/3259. Acesso em: 28 maio 2025.
NUNES, D.; PAOLINELLI, C. M. Novos designs tecnológicos no sistema de resolução de conflitos: ODR, e-acesso à justiça e seus paradoxos no Brasil. In: Revista de Processo. 2021. p. 395-425. Disponível em: https://www.academia.edu/download/66093719/Dierle.RePro314.pdf. Acesso em: 17 set. 2024.
OLIVEIRA, N. F. Acesso ao Poder Judiciário na era digital: uma abordagem sobre o impacto da tecnologia para pessoas que vivem na pobreza. Revista de Política Judiciária, Gestão e Administração da Justiça, v. 7, n. 2, p. 01-18, 2021. Disponível em: https://www.academia.edu/download/114596351/pdf.pdf. Acesso em: 27 maio 2025.
OTTOBONI, M. F. S, NUNES, J. R. O acesso à justiça sob a perspectiva da sexta onda renovatória e o uso da tecnologia. Revista Cidadania e Acesso à Justiça, v. 9, n. 1, 2023. Disponível em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&profile=ehost&scope=site&au thtype=crawler&jrnl=2526026X&AN=169775229&h=zlC7IOFU1ZfwEVD2p7mxdsX FYplIDWQ7XAnQnNPpHm1tp3VK%2F6cCkaj44yLCRJDm5vTY4GOH64jnaEJysC C34A%3D%3D&crl=c. Acesso em: 17 set. 2024.
PRADO, E. et al. Sob Controle do Usuário: Formação dos Juízes Brasileiros para o Uso Ético da IA no Judiciário. TOTA MACHINA, p. 327, 2022. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_bibli oteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/2022_Periodicos/Direito- Publico_n.100.pdf#page=326. Acesso em: 29 mar. 2025.
RIBEIRO, L. G. G. et al. Automação da advocacia, tecnologia e decisões judiciais: Reflexões sobre a aplicação da tecnologia ao Direito. Meritum, Revista de Direito da Universidade FUMEC, 2021. Disponível em: http://revista.fumec.br/index.php/meritum/article/view/7934. Acesso em: 14 set. 2024.
SALDANHA, A. H. T.; MEDEIROS, P. D. V. Processo judicial eletrônico e inclusão digital para acesso à justiça na sociedade da informação. Revista dos Tribunais, v. 277, p. 541-561, 2018. Disponível em: https://www.academia.edu/download/56201307/PJEeInclusaoDigital.pdf. Acesso em: 22 set. 2024.
SANCHES, A. de A. et al. A tecnologia como ferramenta de acesso à justiça: conciliação online e sua aplicabilidade no campo jurídico. In: Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania. 2021. p. 526-547. Disponível em: https://revistas.unaerp.br/cbpcc/article/view/2524. Acesso em: 23 maio 2021.
SANTOS, T. C.; SANTOS, J. N. A modernização no poder judiciário no brasil. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 6, p. 106-112, 2023. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/10128. Acesso em: 21 mar. 2025.
SURIANI, F. M. F. Processo, tecnologia e acesso à justiça. Construindo o sistema de justiça digital. São Paulo: Juspodivm, 2022. Disponível em: https://juspodivmdigital.com.br/cdn/arquivos/jus2116_previa-do-livro.pdf Acesso em: 21 maio 2025.
TOLEDO, C.; PESSOA, D. O uso de inteligência artificial na tomada de decisão judicial. Revista de Investigações Constitucionais, v. 10, p. e237, 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rinc/a/qRC4TmVXVDJ8Wkv7Ns49jxH/. Acesso em: 29 mar. 2025.
TOLEDO, C.; et al. Inteligência artificial em uso pelo Poder Judiciário e vieses algorítmicos: estudo comparativo: Brasil, EUA, Espanha. Anais do Seminário de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Direito, v. 7, p. 172-175, 2023. Disponível em: https://www2.ufjf.br/direito/wp-
1 Doutor e Mestre em Letras: Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre. Graduado em Letras e Respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Rondônia. Professor da Faculdade da Amazônia – UNAMA Rio Branco.
2 Aluna do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia – UNAMA Rio Branco.
3 Aluna do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia – UNAMA Rio Branco.