VIOLÊNCIA E INVISIBILIDADE: A DESFIGURAÇÃO DO HUMANO NAS POPULAÇÕES PRECARIZADAS UMA LEITURA INTERSECCIONAL ENTRE DERRIDA, BUTLER E O NATURALISMO LITERÁRIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505301956


Gyzele Cristina Xavier Santos¹
Lavínia Aparecida Reis Freitas²
Eduardo Ramos De Freitas³
Livia Sabino Cardoso⁴
João Da Cruz Gonçalves Neto⁵


Resumo

Este artigo propõe uma reflexão interdisciplinar acerca da violência estrutural vivida por populações precarizadas, a partir das noções de animalização e desumanização. Dialogando com Jacques Derrida (2002) e Judith Butler (2017), busca-se compreender de que modo certos corpos são epistemologicamente invisibilizados e ontologicamente excluídos do conceito de vida, tornando-se passíveis de violência sistemática. A análise parte da articulação entre filosofia contemporânea e literatura naturalista, com destaque para O Cortiço, de Aluísio Azevedo, como expressão simbólica das condições de existência desfiguradas nas camadas sociais marginalizadas. Argumenta-se que a violência não é um desvio, mas o produto direto da negação da humanidade e da racionalidade atribuída a esses sujeitos. Ao problematizar os mecanismos simbólicos e materiais que sustentam tais exclusões, o texto busca contribuir para o debate crítico sobre a produção da violência nas periferias sociais, evidenciando sua íntima relação com processos históricos de opressão, desigualdade e apagamento ontológico.

Palavras-chave: violência estrutural; animalização; precarização; desumanização; exclusão social.

1. INTRODUÇÃO

A discussão sobre a condição humana e as fronteiras entre o “humano” e o “animal” tem sido recorrente na filosofia. Autores como Jacques Derrida (2002) indagam se, de fato, a “racionalidade” seria o que separa homens e animais. Ao mesmo tempo, Judith Butler (2017) questiona como certas vidas são menos reconhecidas como humanas, expondo o caráter político e cultural daquilo que chamamos de “vida digna” ou “vida passível de luto”. Em muitos contextos urbanos, encontra-se uma população que vive em condições de extrema precariedade, sem acesso a direitos básicos, tornando-se invisível às instituições. Esses sujeitos, frequentemente, sofrem violência ou a reproduzem de forma naturalizada.

No âmbito literário brasileiro, o movimento naturalista (fim do século XIX) — com destaque para o romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo — retrata a vida de pessoas em situação de pobreza extrema, lançando luz sobre a “zoomorfização” desses sujeitos. A obra traz personagens descritos com traços “bestializados”, em condições de disputa crua pela sobrevivência.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é examinar como a teoria de Derrida a respeito da animalidade, a noção de precarização em Butler e a abordagem literária do naturalismo convergem para iluminar a maneira pela qual certos grupos humano-sociais são “animalizados” e desumanizados, favorecendo a eclosão de dinâmicas violentas. Partimos de uma revisão de literatura — de caráter exploratório e conceitual — que cruza teoria filosófica (Derrida e Butler), análise literária (Azevedo, O Cortiço) e reflexões de ordem social sobre violência e precarização.

Derrida e a Animalidade

Jacques Derrida (2002), ao questionar a fronteira entre homem e animal, sugere que o homem construiu historicamente uma distância simbólica para sustentar a crença em sua superioridade baseada na “racionalidade”. Em passagens marcantes, o filósofo, ao se deparar com o olhar de um gato, reflete sobre como a nudez humana se torna motivo de vergonha — algo que o animal não experienciaria. A “humanidade” estaria, assim, atrelada a um saber da própria nudez, associada ao pudor e a um conjunto de normas culturais. Para Derrida, esse limite homem/animal é constantemente refeito na linguagem: o animal passa a ser visto como “o outro radical”, inferior ou “sem razão”. Nesse sentido, o autor critica o antropocentrismo filosófico que, desde Descartes, confina o animal (e assemelhados ao animal) a um lugar secundário e “não-humano”.

Butler e as “Vidas Precárias”

Judith Butler (2017) traz o conceito de “vidas precárias” ou “precarizadas” ao analisar como certos grupos não são reconhecidos no arcabouço hegemônico de direitos. Essa “não-vida” é fruto de condições político-sociais que privam o sujeito de proteção e apoio, reduzindo-o à (sobre)vivência marginal. Desprovido de garantia de dignidade ou luto, esse indivíduo não é apenas empurrado à periferia econômica, mas também à franja moral: torna-se um “não-humano”, ou seja, uma vida que não importa. Para Butler, a precarização é ativa: ela é produzida e reproduzida pelas instituições, apoiando-se na omissão ou conivência de boa parte da sociedade que, inconscientemente, endossa essa exclusão.

O Naturalismo de Aluísio Azevedo

O movimento naturalista, com influência de correntes deterministas (como o darwinismo social), buscou retratar o homem em suas pulsões viscerais, aproximando-o do animal. Em O Cortiço (Azevedo, [1889] 1997), observa-se uma narrativa em que personagens pobres são descritos como “bestas humanas”, regidas por instintos sexuais, disputas de poder e pela luta rudimentar pela sobrevivência. Essa “zoomorfização” expõe um registro literário da precarização: sujeitos sem acesso a recursos mínimos acabam imersos em disputas violentas, reencenando a suposta “lei do mais forte”. Nessa obra, o cortiço adquire contornos de “ninho animal”: brigas, violências, ciúmes e interesses primários são a tônica nas relações sociais, evidenciando as consequências de um ambiente sem amparo estatal.

2. O ANIMAL EM NÓS

A partir da leitura de trechos selecionados das obras de Jacques Derrida (2002) e Judith Butler (2017), torna-se possível estabelecer um diálogo crítico sobre a precariedade da vida e sua relação com a constituição do sujeito. A racionalidade, comumente associada ao privilégio e à abundância material, configura-se como um dos principais marcadores da separação simbólica entre o humano e os demais animais. Essa separação, entretanto, é questionada quando se observam as condições concretas de existência de grupos socialmente marginalizados.

Derrida propõe uma reflexão ontológica ao se deparar com o olhar de um gato que o observa nu — uma experiência que não se reduz à metáfora, mas que o confronta com a animalidade que ainda habita o humano. Ao destacar que o animal não compartilha da vergonha humana nem da noção de nudez, Derrida evidencia a artificialidade dos limites impostos entre as espécies. A racionalização, enquanto processo que distancia o homem de sua natureza instintiva, não é suficiente para suprimir integralmente sua condição animal.

É nesse ponto que se torna necessário considerar a diversidade de experiências humanas. A humanidade não constitui um bloco homogêneo, e sim uma multiplicidade de vivências atravessadas por marcadores como classe social, gênero, sexualidade, escolaridade e acesso a direitos básicos. Butler, ao abordar a precariedade como condição imposta por estruturas normativas, amplia essa reflexão ao propor que determinadas vidas não são sequer reconhecidas como tal. Essa desqualificação se manifesta na forma como o “animal interno” se expressa — ou é reprimido — a depender do contexto de vida do sujeito.

Nesse sentido, a supressão da animalidade não se dá de maneira equânime. Aqueles que vivem em contextos de escassez e opressão material mantêm uma relação mais direta com sua dimensão instintiva, não por escolha, mas por necessidade. A sobrevivência em condições precárias evidencia os limites da racionalidade e expõe o humano à sua própria vulnerabilidade ontológica. Assim, a animalidade se torna não apenas uma metáfora, mas uma condição imposta por um sistema que hierarquiza vidas e racionalidades.

3. A OPRESSÃO DO ANIMAL QUE HABITA EM NÓS

A trajetória evolutiva do ser humano é frequentemente marcada por um esforço de distinção em relação às demais espécies, sobretudo por meio da racionalização. Essa racionalidade, vista como fator determinante para a consolidação da supremacia humana, estabelece fronteiras simbólicas que afastam o homem de sua condição animal. No entanto, como argumenta Derrida (2002), tais fronteiras são construções instáveis, e a animalidade reprimida continua a se manifestar, mesmo que de forma silenciada ou deslocada.

Ao descrever a experiência de se ver nu diante do olhar de um gato, Derrida propõe uma reflexão sobre a vergonha e a alteridade. O gato, que não compartilha da lógica humana da vergonha ou da vestimenta, funciona como um espelho que revela o artifício das normas culturais que regulam a identidade humana. Essa cena ilustra o desconforto ontológico que emerge quando a animalidade retorna, interrompendo o projeto de racionalização contínua do sujeito moderno.

A repressão dessa dimensão instintiva, conforme apontado por Freud, tende a produzir sintomas que se expressam em diversas formas de sofrimento psíquico e social. Em consonância com esse raciocínio, Butler (2017) argumenta que certos corpos são excluídos das estruturas normativas que garantem reconhecimento e proteção, sendo tratados como não sujeitos, ou como vidas não vivíveis.

No campo da literatura, o movimento naturalista buscou representar essas existências marginalizadas por meio do conceito de zoomorfização — a atribuição de características animais a personagens humanas. Tal abordagem visava revelar, de forma objetiva e científica, as condições extremas de vida enfrentadas por sujeitos à margem do sistema. Ao apresentar figuras humanas reduzidas à sua dimensão instintiva, a literatura naturalista escancarava a proximidade entre o humano e o animal em contextos de opressão estrutural.

Dessa maneira, a animalidade não é apenas uma condição biológica, mas um marcador social que recai sobre aqueles que, em virtude de sua exclusão, são percebidos como menos humanos. A violência simbólica e material que incide sobre esses corpos se justifica por sua suposta inferioridade ontológica, consolidando a animalização como estratégia de dominação.

4. A PRECARIZAÇÃO DA VIDA E A ANIMALIZAÇÃO

O conceito de precariedade, conforme proposto por Judith Butler (2017), refere-se à condição de vulnerabilidade imposta a certos sujeitos cuja existência é epistemologicamente deslegitimada e ontologicamente esvaziada. Trata-se de uma vida que, por não ser reconhecida como tal, não é passível de luto, cuidado ou proteção. Essa noção se articula com a leitura derridiana da animalidade, na qual o afastamento do humano em relação ao animal não é absoluto, mas sim politicamente construído, operando como um mecanismo de exclusão.

Ao aproximar essas duas abordagens, é possível compreender a precarização como um processo que culmina na animalização simbólica de determinados corpos. A ausência de reconhecimento institucional e moral os relega a uma zona de indiferença, na qual a violência é não apenas tolerada, mas naturalizada. O corpo animalizado, nesse contexto, não é percebido como um sujeito político, mas como uma ameaça, uma anomalia ou um excedente.

A literatura naturalista, particularmente em O Cortiço, oferece um retrato contundente dessa condição. Ao descrever personagens que vivem em contextos de pobreza extrema, sem acesso a direitos básicos ou reconhecimento social, a obra não apenas reflete a realidade de seu tempo, mas também antecipa a crítica contemporânea sobre os dispositivos de exclusão. A zoomorfização operada pelo texto evidencia como esses sujeitos são representados a partir de seus impulsos e instintos, e não de sua razão ou agência.

Importa destacar que a animalização não é a causa, mas sim o sintoma de um processo mais amplo de desumanização, fortemente vinculado às estruturas do capitalismo tardio. Como aponta Butler (2017, p. 15), “a apreensão da precariedade pode conduzir à potencialização da violência, à percepção da vulnerabilidade física de certo grupo de pessoas que incita o desejo de destruí-las.” Nesse sentido, a animalização funciona como um dispositivo que legitima a violência ao negar à vítima qualquer traço de humanidade ou valor social.

Desse modo, discutir a violência em contextos de pobreza não é apenas abordar seus sintomas, mas também investigar os sistemas simbólicos e materiais que sustentam a desfiguração do humano. A precarização da vida, ao despojar o sujeito de suas condições mínimas de existência, produz corpos disponíveis à agressão e ao esquecimento — corpos que, por não serem plenamente reconhecidos como vivos, tornam-se vulneráveis à morte sem luto, à exclusão sem registro e à violência sem consequência.

5. A VIOLÊNCIA COMO EXPRESSÃO DA ANIMALIZAÇÃO

A partir das contribuições de Butler (2017) e Derrida (2002), é possível compreender a violência em contextos de exclusão como consequência direta da desqualificação ontológica de determinados sujeitos. Quando uma vida não é reconhecida como tal, ela torna-se passível de apagamento, de agressão, e de morte sem luto. Essa lógica sustenta-se sobre a animalização simbólica, que legitima práticas violentas ao associar certos corpos à ausência de razão, civilidade ou valor social.

A literatura naturalista, particularmente O Cortiço, apresenta uma representação emblemática dessa condição. A obra retrata personagens cujas existências são marcadas por impulsos instintivos, disputas territoriais e violência cotidiana — aspectos que remetem diretamente à animalidade como construção social. Tais sujeitos não apenas habitam a margem física da sociedade, mas também sua margem simbólica: são vidas consideradas descartáveis, cujos comportamentos são interpretados a partir de uma racionalidade dominada pelo instinto.

Nessa perspectiva, a violência entre populações marginalizadas não deve ser entendida como patologia individual, mas como manifestação sistêmica. Quando a sobrevivência básica é ameaçada, o instinto prevalece sobre a racionalidade, produzindo respostas que, embora muitas vezes condenadas moralmente, encontram justificativa em um contexto de constante precariedade. A ausência de estruturas institucionais efetivas — como acesso a direitos, segurança e justiça — reforça a sensação de abandono e legitima, no plano simbólico, a ideia de que tais sujeitos vivem fora da proteção do Estado e da ética coletiva.

As disputas por poder, território, recursos e reconhecimento emergem, nesse cenário, como mecanismos de afirmação existencial. A violência, ainda que trágica, torna-se uma das poucas linguagens disponíveis para indivíduos cuja dignidade foi historicamente negada. Como nas dinâmicas observadas no reino animal, onde a ausência de mediação institucional leva à resolução de conflitos por meio da força, a animalização social estabelece um campo simbólico em que apenas a sobrevivência importa.

A analogia com os animais, embora incômoda, evidencia a brutalidade do processo: trata-se de vidas que, por não serem plenamente humanas aos olhos da sociedade, não são objeto de políticas de cuidado, tampouco de empatia pública. Nesse sentido, o esquecimento dessas populações é estratégico para a manutenção da ordem social, pois permite que a violência circule internamente nos centros de exclusão, sem perturbar o pacto civilizatório dominante.

Ao denunciar essa lógica, o texto de Derrida se torna especialmente relevante. Sua análise da relação entre o humano e o animal revela como a negação da animalidade própria se projeta sobre o outro — o pobre, o marginalizado, o “não-humano”. Trata-se de uma cisão artificial que permite justificar a violência como inevitável, ou até natural, quando ocorre entre aqueles já destituídos de humanidade simbólica.

Assim, a animalização não apenas antecede a violência: ela a estrutura, a torna possível e aceitável. Enquanto os sujeitos precarizados permanecem confinados aos limites simbólicos da não-vida, suas mortes não rompem o tecido moral da sociedade. Pelo contrário, são absorvidas como parte da normalidade. A violência, portanto, é não apenas consequência, mas condição de possibilidade da exclusão que sustenta a lógica de desumanização.

Derrida sugere que “ser homem” é, historicamente, reivindicar para si determinadas faculdades (razão, fala, consciência moral), negando-as aos seres “inferiores”. Se transpusermos essa negação ao contexto humano, encontraremos grupos que, de tão desprovidos de cidadania, passam a ser (des)qualificados como “não-racionais”, “ignorantes”, “cruéis”, “brutais” — em suma, vistos como “animalescos”. A sociedade, ciosa de seu estatuto de “homem racional”, constrói hierarquias em que parte da espécie não desfruta de proteção, pois é “desumanizada”.

Em O Cortiço (Azevedo, 1997), a literatura naturalista põe em cena personagens submetidos a extrema escassez, competindo por espaços e recursos. A “violência” emerge como modo primário de resolução de conflitos. De forma análoga, Butler (2017) observa que, privados de um “lugar no discurso legal e político”, os precarizados têm poucas (ou nenhuma) vias institucionais para mediar disputas. A ausência de proteção jurídica e de acesso a serviços básicos propicia a perpetuação de uma “lei da selva”. Assim, entre sujeitos “animalizados”, a violência recai — muitas vezes — contra eles próprios, em disputas por poder local, em ações ditas “cruéis” que, na verdade, revelam o retorno à lógica de sobrevivência.

6. Implicações e Reflexões Críticas

6.1. A Falta de Reconhecimento

Butler (2017) reforça que, quando as instituições (Estado, Justiça, políticas públicas) negam reconhecimento a certas vidas, o efeito não é apenas simbólico: concretiza-se na forma de mortes que não “pesam” nas estatísticas. Assim como Derrida ressalta o descaso com os animais em geral, vemos uma correlação na forma como populações “descartáveis” se tornam “invisíveis”. O mundo parece se indignar com maus-tratos a algumas espécies de animais domésticos, mas mantém-se impassível diante do aniquilamento cotidiano de seres humanos marginalizados — quiçá porque estes não “habitam” o espaço do “humano merecedor de empatia”.

6.2. Entre a Humanização e a Animalidade

As análises de Derrida e Butler convergem para a crítica de um sistema que, ao mesmo tempo, valoriza a noção de “direitos humanos” e reproduz uma lógica de “subumanização”. Nessa contradição, a violência floresce: o “outro” (animal ou precarizado) é enquadrado como ameaça que autoriza o exercício de força (física ou simbólica) por parte dos grupos hegemônicos. Em paralelo, como mostra a narrativa de O Cortiço, esse “outro” animalizado, ao lutar por sobrevivência, recorre à violência como meio de afirmação mínima de poder.

6.3. Contribuições para o Debate

A articulação proposta neste artigo sugere que políticas públicas e teorias ético-filosóficas precisam contemplar a complexidade do humano, sem esconder sua “animalidade” constitutiva. Denunciar a precarização exige reconhecer que a violência não é apenas um “desvio”, mas um sintoma de uma organização social que empurra parte da população para a marginalidade, negando-lhes a humanidade. O movimento naturalista, embora datado, oferece um retrato cru dessa dinâmica, lembrando-nos de como tais processos se repetem historicamente.

7. Conclusões

A partir do entrelaçamento entre os conceitos de animalização e precarização, este artigo buscou evidenciar como determinadas populações marginalizadas são sistematicamente desumanizadas, tanto no campo simbólico quanto no material. Com base nas reflexões filosóficas de Derrida (2002) e Butler (2017), observou-se que a exclusão de certos sujeitos do status de “vida vivível” sustenta uma lógica de invisibilização e violência, legitimada por dispositivos sociais, políticos e discursivos.

A literatura naturalista, especialmente por meio da obra O Cortiço, ofereceu uma chave interpretativa significativa para compreender como os mecanismos de racionalização e dominação se manifestam na experiência concreta das populações precarizadas. A representação da vida precária como instintiva e irracional ilustra a persistência de um olhar que aproxima esses sujeitos da animalidade, atribuindo-lhes um estatuto de alteridade radical.

Conclui-se que a violência nos chamados “centros de exclusão” não é um fenômeno pontual ou meramente reativo, mas o resultado de um processo contínuo de negação de direitos, reconhecimento e pertencimento. Nesse sentido, repensar as fronteiras entre humano e animal, razão e instinto, torna-se essencial não apenas para reconhecer a existência desses sujeitos, mas para reconstituir sua dignidade ontológica e política.

Referências

AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 30. ed. São Paulo: Ática, 1997 (Publicação original de 1890).

BANDEIRA, Manuel. Poemas Completos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.

BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: Quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

DERRIDA, Jacques. O Animal que Logo Sou (A seguir). São Paulo: Editora UNESP, 2002.


¹Perita Criminal SPTC GO. Doutoranda e Mestra em Direitos Humanos (PPGIDH UFG). Especialista em Gestão Organizacional. https://lattes.cnpq.br/9906972852332166. E-mail: gyzele@gmail.com;
²Acadêmica de Medicina pela FM UFG. http://lattes.cnpq.br/4087153506157536;
³Perito Criminal SPTC GO. Pós-graduado em CSI – Crime Scene Investigation; Investigação Criminal e Neuropsicologia Forense; e Ciência Forense e Perícia Criminal;
⁴Perita Criminal SPTC GO. Discente da Pós-graduação em Investigação Criminal e Neuropsicologia Forense;
⁵Doutor em Filosofia (PUG GO). Docente da Faculdade de Direito da UFG e do PPGIDH UFG. Coordenador do NIPEE-DH/UFG. http://lattes.cnpq.br/6257334752072083.